quarta-feira, 23 de novembro de 2011

A conexão iraniana

Por Martin Indyk ( Foreign Policy, 12/10/2011)*

Qual a ligação entre as denúncias de atentado contra o embaixador da Arábia Saudita e a libertação de Gilad Shalit? O Irã parece fraco - e isto é assustador.

Embora possa não ser imediatamente óbvia, existe uma ligação importante entre as duas grandes histórias que romperam no Oriente Médio Médio terça-feira, 11 de outubro - o acordo de transferência de prisioneiro negociada entre o Hamas e Israel para a libertação de Gilad Shalit e a detenção de Manssor Arbabsiar, agente da força iraniana Quds. Uma conexão que demonstra o esvaecimento da influência do Irã desde o surgimento da Primavera árabe.

Raramente a mão iraniana no terrorismo é revelada de forma tão clara como foi terça-feira, com os detalhes cuidadosamente fornecidos pelo Departamento de Justiça dos Estados Unidos. O regime iraniano, operando através de Guarda Revolucionária Isâmica (IRGC), faz o melhor para operar sem impressões digitais, na implantação do terrorismo como ferramenta de sua própria marca política. Mas aqui as transcrições de telefone e de correspondências são provas de que "elementos do governo iraniano" — especificamente oficiais superiores da Quds do IRGC - foram responsáveis por encomendar e orquestrar um descarado atentado terrorista contra o embaixador saudita nos Estados Unidos, Adel al-Jubeir, no centro de um restaurante, em Washington.

A mão iraniana em atividades terroristas do Hamas também foi revelada no passado, especialmente durante a interceptação de armas para Gaza interceptadas pela Marinha israelense. Mas o papel do Irã nas negociações do caso Shalit  foi menos óbvia e pouco observada. As negociações para a sua libertação foi tortuosa e prolixa, mediada por oficiais da inteligência alemã e egípcia. Em momentos críticos no passado, o Irã interveio através de Khaled Meshaal, líder externo do Hamas, para facilitar o acordo. Os motivos de Teerã eram bastante óbvios: a melhor maneira para espalhar sua influência sobre os corações árabes é manter acesas as chamas do conflito com Israel. Qualquer acordo de troca de prisioneiros entre Hamas e Israel diminuiria o combustível para o fogo.

Mas a influência do Irã sobre liderança externa do Hamas tem sido enfraquecida ultimamente. Com base em Damasco, na Síria, Meshaal e seus colegas encontraram-se em uma posição estranha como o despertar sírio que se desencadeou em torno deles. Como parentes da Irmandade muçulmana sunita, cujo ramo sírio tornou-se alvo dos bandidos alauitas do presidente Bashar al-Assad, eles não poderiam apoiar o regime, mesmo que seus mestres iranianos exigissem. Em vez disso, Meshaal iniciou conversações com o governo militar provisório egípcio sobre a transferência de Damasco para Cairo (onde, como resultado da revolução, a Irmandade Muçulmana egípcio ganhou nova influência). O preço: a reconciliação com Abu Mazen (primeiro-ministro palestino) e a aquiescência ao acordo de troca de prisioneiros com Israel.
O acordo de reconciliação do Fatah com o Hamas foi anunciado no Cairo em maio. Em meados de julho, mediadores egípcios transmitiram uma nova e mais razoável oferta do Hamas a Israel. Proposta que disparou as negociações que culminaram no anúncio da troca de prisioneiros. Em suma, o acordo do Hamas-Israel pode ser uma vitória para o Hamas, para as relações do Egito-Israel - e para a família de Shalit, naturalmente - mas é também um golpe para o Irã. Ele indica que os iranianos perderam o controle de uma de suas principais arterias terroristas árabes para o Egito, seu arqui-rival de influência no mundo árabe.

Outro arqui-rival árabe do Irã é a Arábia Saudita. Os americanos tendem a conspiração terrorista iraniana através do prisma de uma tentativa descarada de promover um ataque em solo americano. Mas o IRGC claramente projetou-o de forma matar dois coelhos de uma cajadada só: assassinaria um símbolo do regime Saudita ao mesmo tempo em que comensais americanos morreriam no centro de Washington. Já vimos isso antes: o bombardeio das Torres Khobar, em 1996, pelo Hezbollah Saudita matou 19 soldados norte-americanos em território saudita.

O que podemos concluir de conexões bizantinas entre dois eventos de terça-feira? Contrariamente às previsões confiantes de que o Irã seria o beneficiário da Primavera árabes, seus esforços para espalhar sua influência para o coração de árabes estão agora em apuros. Ele está perdendo sua artéria Hamas para o Egito. Seu aliado sírio está cambaleando. A Turquia virou-se contra ele. Quando o regime iraniano encontra-se emparedado, ele normalmente ataca. Talvez isto que explique por que os mandantes iraniano de Arbabsiar disseram-lhe para "apenas fazê-lo rapidamente. Já é tarde....

Martin Indyk is vice-presidente e diretor do Foreign Policy Program no Brookings Institution.

*Tradução livre do blog

sexta-feira, 11 de novembro de 2011

Influência crescente do Brasil preocupa países vizinhos

Do The New York Times (reproduzida na Veja, 11/11/2011)

Manifestantes indígenas da Bolívia escolheram um novo apelido para o presidente Evo Morales: "lacaio do Brasil". Em frente à embaixada brasileira em La Paz, eles denunciam as tendências "imperialistas" do vizinho gigante. Intelectuais bolivianos recriminam a 'burguesia paulista' comparando-a aos bandeirantes caçadores de escravos do período colonial.

Há menos de uma década, esse discurso exaltado era dirigido exclusivamente aos Estados Unidos. Com seu emergente avanço econômico e político na região, o Brasil começa a conhecer as armadilhas que acompanham um papel de liderança. "O poder simplesmente atravessou a Avenida Arce", diz Fernando Molina, um colunista local, se referindo à rua de La Paz onde a residência do embaixador do Brasil se encontra do outro lado da rua da gigantesca Embaixada dos Estados Unidos.

Projetos brasileiros têm sido recebidos com desconfiança em vários países da América Latina. A proposta de construção de uma estrada que atravessaria as florestas da Guiana até o Amapá foi paralisada por causa da preocupação de que o Brasil pudesse sobrepujar seu pequeno vizinho com a imigração e o comércio. Na Argentina, as autoridades suspenderam um enorme projeto de uma mineradora brasileira, acusando-a de não contratar trabalhadores locais. A tensão com o Equador em relação a uma usina hidroelétrica levou a uma batalha jurídica. Protestos dos índios Ashaninka na Amazônia peruana ameaçam a concretização da construção de uma barragem hidrelétrica.

Empresas de outros países, especialmente da China, também expandem rapidamente seus negócios no continete - e tamém são hostilizadas. Porém, as companhias brasileiras, e o próprio governo do Brasil, são os principais alvos de protestos.

Centenas de milhares de imigrantes brasileiros, chamados de brasiguaios, estabeleceram-se no Paraguai, muitas vezes comprando terras para agricultura em larga escala. Eles foram reconhecidos por ajudar no crescimento econômico do país, mas também demonizados por controlar grandes lotes. O cenário levou ativistas paraguaios a queimar bandeiras brasileiras.

"Quando Kissinger veio ao Brasil, há mais de três décadas, alertou seus anfitriões de que eles poderiam acabar temidos por seus vizinhos, e não amados", diz Matias Spektor, professor da Fundação Getúlio Vargas, referindo-se ao antigo secretário de estado dos Estados Unidos, Henry A. Kissinger. "Hoje, o Brasil está mais presente na América Latina, mas não possui uma política clara a respeito de como lidar com a ansiedade que acompanha este processo", diz Spektor. "Há um perigo real de nos tornarmos alvo de ódio em determinados lugares."

Talvez nenhum outro projeto tenha causado tanta revolta quanto o da construção de uma estrada na Bolívia. Financiando pelo Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES), o plano previa fazer uma rodovia que atravessasse um território indígena boliviano. A proposta causou descontentamento. Centenas de indígenas marcharam até La Paz por dois meses, por meio dos Andes, para reclamar do projeto.

"Llunk'u do Brasil", dizia um dos cartazes, chamando Evo Morales de subordinado do Brasil em quíchua, um idioma indígena. Morales, o primeiro presidente indígena da Bolívia e um ambientalista declarado, de repente se encontrou em desacordo com uma importante parcela de seu eleitorado, Depois de um desgastante processo, por fim, Morales cedeu às exigências dos manifestantes e cancelou o projeto da estrada.

Ao mesmo tempo em que marcha contra a estrada avançava, em agosto, o ex-presidente brasileiro Luiz Inácio Lula da Silva viajou até a Bolívia para discursar a empresários e encontrar-se com Morales. A viagem, patrocinada pelas empreiteiras OAS e Queiroz Galvão, incluía no roteiro ainda Costa Rica e El Salvador - e nada foi feito para diminuir a tensão provocada pelo protesto de construção da estrada.

"Está claro que o Brasil só está interessado em nossos recursos", diz Marco Herminio Fabricano, artesão de 47 anos do grupo indígena Mojeno que participou da marcha para La Paz. "Evo acredita que pode nos trair para ajudar seus aliados brasileiros". As autoridades brasileiras insistem em afirmar que a estrada não tem nada a ver com traição ou apropriação de recursos. "Queremos que o Brasil esteja cercado por países prósperos e estáveis", disse Marcel Biato, embaixador do Brasil na Bolívia, a respeito do financiamento brasileiro de infraestrutura na Bolívia e em outros países da América do Sul.

Antes da eleição de Morales, em 2005, os Estados Unidos exerciam uma influência muito maior que qualquer outro país sobre a Bolívia. Desde então, Morales confrontou Washington diversas vezes, e se aproximou de outros países, especialmente Brasil, Venezuela, Cuba e Irã. Desde 2008, quando Morales expulsou o emissário dos Estados Unidos, Philip S. Goldberg, o país não tem sequer um embaixador na Bolívia.

O Brasil tem elaborado planos em conjunto com a Bolívia, incluindo projetos hidrelétricos e uma ambiciosa política antidrogas, que envolve o envio de veículos não tripulados através da fronteira e o treinamento e armamento das forças de segurança bolivianas. Os conflitos gerados pelo debate a respeito da estrada geraram desconfianças da população boliviana em relação ao Brasil. "Assim como a China está consolidando seu poder hegemônico na Ásia, o Brasil está tentando fazer o mesmo na América Latina", disse Raul Prada Alcoreza, que trabalhou como alto funcionário do governo boliviano e é hoje um forte crítico de Morales.

"Os movimentos sociais que tornaram este governo possível", disse Prada, "acabam sendo atropelados pelos interesses brasileiros".