segunda-feira, 23 de julho de 2012

Castigo divino sobre a Academia do Samba

Por Murillo Victorazzo

Julho é já mês de carnaval -pelo menos para quem ama o samba e acompanha o desenrolar de suas escolas durante todo o ano. Nesta segunda-feira, a LIESA sorteou a ordem dos desfiles do Grupo Especial de 2013. E, como desgraça pouca é bobagem, o resultado não foi nenhum pouco entusiasmante para a comunidade salgueirense. Na maré oposta, portelenses e o povo de Vila Isabel têm motivos para comemorar.

Além de vir com um pouco empolgante enredo, a querida vermelha e branca da Tijuca terá a ingrata missão de ser a segunda a entrar no domingo de carnaval, dia 10/02. Já a azul e branca de Madureira e a da terra de Noel serão as últimas a se apresentar em seus dias- e com temas potencialmente ricos.

Depois de dois belos desfiles, com enredos elogiadíssimos, o Salgueiro, por questões financeiras, decidiu ir à Sapucaí falando sobre a fama. Patrocinado pela revista Caras, o tema foi muito mal recebido pela imprensa especializada e o mundo do samba. O receio de que a escola se diminua, servindo apenas para odes a artistas globais e Big Brothers, foi inevitável.

A carta divulgada pela presidente Regina Celi às vésperas da oficialização do enredo serviu para as críticas aumentarem. O consenso foi de que, indiretamente se tratava de uma espécie de mea culpa antecipada. "Família Salgueirense, esteja certa de que JAMAIS faremos qualquer coisa que não seja na melhor das intenções (...) As críticas são válidas e só nos encorajam a cada vez mais nos dedicarmos ao espetáculo", dizia ela.

Enredos ruins não são novidades no carnaval carioca. Novidade foi a confissão de culpa. Mesmo sabendo da genialidade do carnavalesco Renato Lage -para este jornalista, o melhor do carnaval carioca-, a sinopse, lançada semanas depois, não conseguiu alterar muito o ceticismo.

Tentando mudar essa impressão, o diretor de Carnaval da escola, Dudu Azevedo, garantiu que a comunidade está satisfeita com o tema. "Na verdade, este enredo é tudo o que o salgueirense quer. Ele permitirá que nossa harmonia trabalhe os componentes, para que a comunidade brinque e se divirta", afirmou ao site SRZD-Carnaval.

Além de assegurar de um desfile leve e alegre, Dudu refutou qualquer superficialidade no desenvolvimento do carnaval da escola: "Não será nada superficial ou fraco como algumas pessoas estão apostando. Vai ser muito além disso, vai surpreender".

Mas, como num sinal de que a fase da querida e respeitada presidente salgueirense não é das melhores, coube a ela tirar a malfadada bolinha número dois, no sorteio realizado na Cidade do Samba. Os mais ácidos não perdoaram. Evocaram os deuses do carnaval para ironizarem ser um castigo pela escolha de tal enredo.

A safra de enredos para 2013, à primeira vista, está longe de ser das melhores. Muitas outras escolas deveria então ser castigadas de algum modo. No entanto, tem razão quem defende que, pela qualidade de seu Departamento Cultural -provada pelos criativos e bem estudados temas apresentados até então- o Salgueiro merece maior rigor nas críticas. Ninguém é a Academia do Samba à toa!

Castigo ou não, por enquanto, a certeza de mais um belo desfile não é a mesma dos últimos dois anos. Cravar que a escola entrará na Avenida como uma das três principais favoritas, como em 2011 e 2012, é, no momento, precipitação e ousadia para poucos salgueirenses. Sensação corroborada pela declaração de Regina após o sorteio. "Se Deus quiser, faremos um grande carnaval e voltaremos no Sábado das Campeãs", disse. Nada falou sobre título...

Depois da constrangedora carta, Regina teria, talvez inconscientemente, sinalizado outra jogada de toalha antecipada? Só o decorrer dos meses dirá. Mas é inegável que as circunstâncias nos levam a crer que, em 2013, o mago Lage e toda comunidade salgueirense terão que se superar. Resta a torcida para que as palavras de Dudu Botelho se confirmem...

Sinopse:

"FAMA"

Num dia perdido na Antiguidade
Um cara sacou com sagacidade
Que o tempo passa e a vida é breve
- Vou deixar a minha marca
mesmo que ela seja de leve
Então daraõ faz da tumba moradia
Vestiu-se de múmia, a sua fantasia
E assim se tornou peça de museu,
Atua no cinema pra dizer que não morreu
A Fama atrai os conquistadores
O Grande Alexandre cortejou os escritores
Mandou os poetas divulgarem o que ele fez
E assim na história ele teve a sua vez
Ora se esconde, ora se revela
A máscara no rosto é uma interrogação
Não sei se a mocinha é princesinha bela
Se diz uma mentira, e tem cara de fera!
E lá na Europa, um nobre de bom trato
Chamou o pintor pra fazer o seu retrato
e Luís Quatorze entrou pra galeria
E o três por quatro ganhou a freguesia
É muito importante saber que eu existo
Os Beatles seriam mais famosos do que Cristo?
John Lennon pirou numa onda brava
Tem caras tão famosas quanto
a foto de Che Guevara
Calma, Beth! Não vou jogar confete
Eu vou criticar você e lançar na internet
Se quer estar bem na foto tipo modelo fashion
que tal umas comprinhas no photoshopíng?
boca, olho, nariz e "mucho más"
você vai se transformar numa sereia TOP!
Deixe que a fama te leve e afama
Deixa ela falar, que é que tem
Vou brilhar
Eu estou fazendo tudo para aparecer
Que tal bater a foto assim juntinho com você?
Há mais de vinte anos
Já conto as linhas do tempo
Minha marca já deixei, e com isso me contento
Fama que não se contesta
Já virei "arroz de festa"!
Mas é preciso ter cautela
Pra "mosca azul" não te picar
Porque na vida é assim
Um sobre e desce sem parar
e na televisão, na revista ou no jornal
A fama disputa lugar no carnaval
Apenas, diferente, eterno e guerreiro
Quem corre mundo afora é a fama do Salgueiro!



domingo, 15 de julho de 2012

Olimpíada não é para vira-lata

Por Alberto Carlos Almeida* (Valor Econômico, 15/06/2012)

Vários pseudoanalistas dos preparativos do Brasil para a Copa do Mundo de futebol e para a Olimpíada unem seus tipicamente brasileiros complexo de inferioridade e provincianismo. O resultado é uma afirmação que em breve, muito breve, se mostrará equivocada: fracassaremos como sede desses dois grandes eventos esportivos internacionais. Ninguém fracassou, isso será um infortúnio somente nosso.

Há algumas semanas, nesta mesma coluna, mostrei quais motivos levarão nossa Copa do Mundo e também nossa Olimpíada a serem um sucesso retumbante. Fracassarão, sim, as análises que afirmam o contrário - que têm como um de seus pilares o complexo de inferioridade.
Nosso complexo de inferioridade foi eternizado por Nelson Rodrigues quando afirmou que o brasileiro se achava um cachorro vira-lata e só deixou de pensar assim quando fomos campeões pela primeira vez em uma Copa do Mundo, em 1958. A partir daquele evento, o brasileiro, afirmou Rodrigues, sentiu orgulho de ser brasileiro e bateu a mão no peito, afirmando: somos os melhores do mundo, estamos no topo do mundo.

Um dos esportes prediletos de um sem-número de jornalistas é afirmar que o Brasil é pior do que todos os países em tudo, ou quase tudo. Os ingleses são cães de raça, talvez um Yorkshire Terrier os represente, os alemães são pastores alemães puros, a Dinamarca tem sua raça pura, o dinamarquês. O São Bernardo pode representar um suíço ou até mesmo um italiano, uma vez que o Império Romano foi importante na constituição dessa raça também pura. Nós, brasileiros, coitados de nós, somos vira-lata mesmo, essa mistura bastarda de europeu branco, com africano e índio originário das Américas. Um vira-lata dessa natureza, pensam nossos pseudo-analistas, não tem a menor condição de ser anfitrião de uma Copa do Mundo de sucesso.

O complexo de inferioridade tem um grande aliado: o provincianismo. Para afirmar que o Brasil é diferente dos outros países, diferente para pior, é preciso desconhecer o que acontece além-mar. Para afirmar que somos específicos para pior é preciso ignorar solenemente que todos os países têm problemas e que não são, necessariamente, nem melhores nem piores do que os nossos. São provincianos mesmo tendo acesso à internet.

O provincianismo não se combate com acesso à internet. O provincianismo é uma atitude, uma visão de mundo. O indivíduo provinciano pode ter todas as ferramentas de busca em suas mãos, mas jamais lhe passará pela cabeça procurar defeitos e problemas em outros países. Proponho, então, que esses representantes de nosso complexo de vira-lata entrem hoje na internet para procurar saber o que está acontecendo em Londres.

A Olimpíada britânica será iniciada em 27 de julho e já começou uma campanha do governo inglês solicitando que as pessoas não utilizem o metrô, ou utilizem muito menos, durante os jogos. Afirma-se publicamente que o sistema de transporte londrino entrará em colapso caso os habitantes da capital não modifiquem por 15 dias seus hábitos de transporte.

Será que, se nossos pseudoanalistas forem enviados para Londres, vão afirmar que deve ser horrível viver em um país que não se preparou adequadamente para a Olimpíada? Vão dizer que a Inglaterra fracassou mesmo e que não é à toa que deixou de ser um império? Afinal, eles precisam, um mês antes do início dos jogos, pedir para a população não sair de casa. Chegaram ao absurdo, devem pensar os pseudoanalistas do fracasso, de decretar ponto facultativo para os funcionários públicos. Isso mesmo, o governo britânico tem afirmado, em alto e bom som, que durante os jogos os funcionários públicos devem procurar trabalhar em casa. Imaginem quando isso acontecer no Brasil.

A má vontade da nossa imprensa em relação ao Brasil contrasta com a subserviência com que analisa os fatos que ocorrem em outros países. O executivo-chefe do sistema inglês de transporte sobre trilhos, Sir David Higgins, afirmou recentemente que "coisas ruins acontecerão durante os jogos olímpicos, mas não devemos entrar em pânico". Sir Higgins foi além e disse que "haverá corte de energia nas linhas, haverá roubo de cabos, haverá parada não programada de trens, provavelmente haverá suicídios nas linhas".

O argumento realista de Sir Higgins é simples: se isso sempre acontece em períodos de 30 a 60 dias, também acontecerá no período que compreende a entrada e saída dos turistas que verão os jogos. Imaginem o que diriam nossos jornalistas vira-lata se uma autoridade brasileira afirmasse que o que acontece normalmente em períodos não olímpicos também tende a acontecer durante a Olimpíada. Isso é encarado de forma natural por quem não sofre do complexo de vira-lata - no caso, os ingleses -, mas se torna um exemplo de fracasso absoluto quando se pensa movido pela inferioridade.

Não somente os funcionários públicos estão sendo estimulados a trabalhar em casa durante a Olimpíada. Todos os bancos da City londrina estão fazendo a mesma recomendação a seus empregados. Solicitam também, àqueles que puderem, que dividam seu apartamento ou casa com amigos, e liberem, assim, espaço para alugar a turistas e visitantes. Afinal, não há vagas de hotéis suficientes para abrigar tanta gente.

Mais de 10% do PIB britânico são produzidos pelo mercado financeiro. A imprensa moderna, em particular os jornais, tem boa parte de sua história ligada ao mercado financeiro britânico. A pontualidade também. Ou seja, uma das mais respeitadas e importantes instituições do mundo vem agora solicitar que seus empregados trabalhem em casa e dividam suas residências para que a Olimpíada transcorra da forma mais normal possível. No Reino Unidos, isso não é sinal de fracasso. Só pensa assim quem tem complexo de vira-lata.

Um documento do governo britânico intitulado "Preparing your business for the Games" alerta para o possível colapso da internet durante a Olimpíada. Alerta também para o fato de que o sistema de telefonia celular ficará mais lento, porque haverá uma sobrecarga. Tudo isso fará com que trabalhar em casa se torne uma solução para o transporte, mas um problema para os negócios. Dito em português simples: se correr, o bicho pega; se ficar, o bicho come.

Londres foi escolhida para sediar os jogos em 6 de julho de 2005. Os críticos do Brasil deveriam se perguntar o que os ingleses fizeram durante todo esse período, se agora não têm um sistema de transporte que dê conta do evento, não têm vagas de hotéis suficientes, a internet não está preparada, tampouco o sistema de telefonia celular. Se forem justos com o Brasil, tais críticos terão que afirmar que a Olimpíada de Londres já é um fracasso. Afinal, é o que se diz hoje da nossa Copa do Mundo.

Os ingleses tiveram a sapiência, que nós brasileiros também temos, de não preparar um cidade nem um país para uma situação de pico. Isso mesmo: não faz o menor sentido prover todas as vagas de hotéis necessárias para uma Olimpíada, justamente porque se trata de um evento único. Se isso for feito, essas vagas ficariam ociosas por muitos anos. O raciocínio se aplica a toda e qualquer infraestrutura. Não faz sentido preparar um país inteiro, com todo o transporte, vagas de hotéis, internet, telefonia celular, para que dê conta, com total eficiência, de um afluxo de turistas que só ocorrerá uma vez na história. Seria um completo desperdício de recursos.

O que é racional e não desperdiça recursos é pedir a colaboração da população, é trabalhar em casa, é decretar ponto facultativo. Ora, se os ingleses, inventores do capitalismo, da democracia e do futebol fazem isso, por que nós, brasileiros, não devemos fazer também? Se na Inglaterra isso não é sinal de fracasso, não deverá ser no Brasil. Caso contrário, haverá dois pesos e duas medidas: quando se analisa a Inglaterra, não se supõe o fracasso; quando se analisa o Brasil, ele é visto pelas lentes do complexo de vira-lata.

Lamento contrariar nossos pseudoanalistas do fracasso e afirmar que tanto nossa Copa do Mundo quanto nossa Olimpíada serão um grande sucesso. Ingleses e brasileiros são igualmente flexíveis. A diferença é que nós chamamos a flexibilidade de jeitinho, que possibilita utilizá-la com maior margem de manobra para vencer obstáculos.

Sediar uma Copa do Mundo ou Olimpíada, como nos mostra Londres, coloca um grande desafio para quem o faz: prover o que os turistas precisam, sem ter que criar toda a infraestrutura necessária para isso, pois seria um desperdício de recursos. Nosso povo não deve nada aos ingleses em matéria de colaboração e flexibilidade. É por isso que o sucesso do Brasil na Copa do Mundo e do Rio de Janeiro na Olimpíada será idêntico ao sucesso de Londres agora. Por favor, não esqueçam de Sir David Higgins.

*Alberto Carlos Almeida, sociólogo e professor universitário, é autor de "A Cabeça do Brasileiro" e "O Dedo na Ferida: Menos Imposto, Mais Consumo".

sexta-feira, 13 de julho de 2012

Maluf, PT e PSDB: tratamento desigual para iguais

Por Murillo Victorazzo

A foto do ex-presidente Lula com o deputado Paulo Maluf foi a grande polêmica política do mês. Dois inimigos figadais, décadas depois de xingamentos e posições políticas diferentes, por causa de pouco mais de um minuto do horário eleitoral, se abraçavam para selar a aliança entre seus dois partidos. Os jornais e as redes sociais deram destaque gigantesco ao fato. As críticas, com grande grau de razão, foram quase unânimes, variando da decepção ao nojo, do sarcasmo à catarse.

O desprezo pelo excesso de pragmatismo é mais do que justificado. Mas o espanto, de certo modo, pareceu ter esbarrado no exagerado. E, se puxarmos pela memória a reação a outras alianças inesperadas feitas por Maluf, o destaque e tom dados por grande parte das mídias, foram, no mínimo, desiguais.

Entende-se o susto dos tradicionais eleitores do PT com a aliança, especialmente os de São Paulo. O partido foi fundado alvejando o malufismo. A política paulistana dos anos 80 e 90 foi jogada tendo um lado como a antítese do outro. Discursos eloquentes, brigas e xingamentos entre seus militantes eram comuns em época de eleição, inclusive nas ruas.

No entanto, após todas as polêmicas alianças feitas por Lula nesses nove anos em que o PT comanda o poder federal, e um apoio no segundo turno de Maluf à Marta Suplicy, contra José Serra, em 2004, beira a ingenuidade pensar que tal cena seria impossível. Se Lula já beijara a mão de Jáder Barbalho, apoiara José Sarney e abrigara Fernando Collor em sua base governista, não há razão para tanta surpresa?

Os três, assim como Maluf, são os mais bem acabados representantes de um tipo política contra qual, até o final da década de 90, as lideranças petistas pareciam lutar. Mas, em momento algum, viu-se constrangimento no rosto deles com os novos companheiros. Será, então, que algum eleitor petista deveria crer que o partido ainda coloca a coerência e sua história à frente da realpolitik? Ou que tem valores morais muito diferentes das demais legendas?

Ainda mais incompreensível é a parcela do eleitorado que, há muito, tem aversão a Lula e ao PT mostrar-se perplexa com o acordo. Ou bravatear que a foto era "prova" de que não se deveria votar em Fernando Haddad. Embora não se tenha dado destaque semelhante, por muito pouco Maluf não acabou no palanque de José Serra. No leilão por mais tempo de televisão, o PT foi apenas quem bancou mais.

É muito difícil crer que tais eleitores, majoritariamente simpatizantes dos candidatos do PSDB nas últimas eleições, se indignariam e abandonariam Serra se a tentativa de acordo dos tucanos com o PP tivesse dado certo. Votariam eles em Haddad em protesto? Certamente não. Mandariam cartas para jornais ou teceriam, nas redes sociais comentários negativos sobre o tucano?

Se não se incomodaram com a bem menos difundida foto de Serra com o ex-ministro Alfredo Nascimento, aquele demitido por Dilma por denúncias de corrupção ano passado em um escândalo que propiciou inúmeros discursos indignados de parlamentares tucanos em defesa da ética, por que pensar que seria diferente no caso de Maluf?

Em um típico caso de esquizofrenia (ou hipocrisia) eleitoral, exigem do político rival a coerência e na formação de alianças que não exigem de seu candidato. Sob o discurso da ética, escondem uma espécie de catarse, como se dissessem: "Está vendo, nunca me enganei." Mas esta satisfação disfarçada serve para, usando a questão moral,  tentar justificar suas antipatias ideológicas pré-concebidas. Afinal, a roubalheira petista surpreendeu até mesmo seus adversários históricos.

Alguns, tanto opinião pública como articulistas, tentam argumentar que a exigência sobre o PT deve ser maior por ter ele nascido e se notabilizado como um partido “diferente” – em outras palavras, imune às bandalheiras da politicagem tradicional. Não há dúvida de que se exige mais de quem mais se espera. Mas o que esses, por falta de memória ou conveniência, não lembram é que o PSDB também nasceu com a bandeira da ética.

Há 24 anos, políticos resolveram sair do PMDB por discordância dos métodos empregados pela cúpula partidária, liderada pelo então governador paulista, Orestes Quércia. Na época, a dissidência foi retratada como uma vitória interna da "banda podre" sobre os "autênticos" do partido, que, além disso, queriam mais espaço para elaborar um projeto de moderna social democracia para o país.

Por seu discurso ético e seus principais representantes serem oriundos da luta pela redemocratização, Maluf, figura-símbolo da ditadura, também, desde o inicio, foi a personificação de tudo que o novo partido combatia. A rejeição virulenta ao malufismo está no gene tucano.

Não é difícil puxar pela memória o grau de inimizade entre Mário Covas e Maluf, o que um dizia sobre o outro, a virulência dos debates entre eles, a ponto de o tucano, já doente, perto de falecer, sair do hospital para declarar voto em Marta Suplicy, no segundo turno do pleito paulistano de 2000.

Tal passado, porém, não impediu Serra de se aliar a Quércia nas eleições presidenciais de 2010. Ou de o governador Geraldo Alckmin indicar afilhados políticos de Maluf para Companhia de Desenvolvimento Habitacional e Urbano do Estado de São Paulo (CDHU). Além de abrir as já mencionadas negociações para a disputa deste ano.

É justo recordar ainda que o então presidente Fernando Henrique se manteve distante do segundo turno das eleições para o governo paulista em 1998. Sua surpreendente postura - pois na disputa estava seu velho companheiro de lutas Covas - deu-se para não melindrar o outro candidato, integrante de partido de sua base governista e apoiador de sua reeleição. Quem? Maluf. Uma situação que provocou profunda irritação entre os "covistas".

Diante deste quadro, é custoso não descrever como igualmente contraditório um partido com esse passado e que, hoje na oposição, tem como principal discurso a luta contra a corrupção petista obter o apoio do PR do "mensaleiro" Valdemar e de Alfredo Nascimento. E incompreensível (ou não) a diferença de destaque dado aos dois fatos.

Talvez por isso, mas principalmente pelo momento de distensão que vive com a presidente Dilma, o próprio Fernando Henrique acabou por admitir que a oposição teria dificuldades em atacar o PT pela aliança com Maluf. “Não acredito que muitos possam fazer uso desse episódio, pois já se aliaram também ao Maluf e aoutros partidos”, disse. Indagado se Serra poderia usar a polêmica foto, foimonossilabicamente sucinto: “Não”.

A comparação não deve servir para justificar um erro pelo outro. Trata-se, sim, de se incomodar com os pesos e medidas desiguais, que acabam por apagar de forma enviesada e maniqueísta, para não dizer oportunista, as contradições passadas de um dos lados. Terminam por demonizar o réu recente ao mesmo tempo em que santificam o mais remoto, transformando o discurso ético de políticos, militantes e simpatizantes dos dois partidos em um festival de cinismo e demagogia. O falacioso Fla X Flu da moralidade.

Para o bem e para o mal, PT (intelectuais de esquerda e sindicalistas) e PSDB (intelectuais de centro-esquerda) têm muitas semelhanças - mais do que eles gostariam. Suas brigas lembram as costumeiras discussões de irmãs que se odeiam, mas compartilham um passado em comum e dependem uma da outra para viver. Em termos de moral, a diferença é apenas o momento em que perderam suas auréolas: a dos petistas se foi no início do século; a dos tucanos, em um passado um pouco mais distante.