segunda-feira, 3 de dezembro de 2012

Um conselho de Chico Buarque para o Oriente Médio

Por Murillo Victorazzo

A guerra civil síria - que envolve rebeldes apoiados por países do Ocidente e Turquia contra uma ditadura cujo principal (talvez hoje único) aliado é o Irã e que serve de alicerce para o Hezbollah, no Líbano -começa a ter reflexos na fronteira norte de Israel. Este, por enquanto, prefere não se envolver no conflito, mas, em sua fronteira sul, voltou, na última semana, a a trocar bombardeios pesados com o Hamas. O grupo terrorista, por sua vez, parece, agora, contar com maior solidariedade de um Egito liderado pela Irmandade Muçulmana. Até então, o país era o principal moderador na região do paralisado processo de paz entre palestinos e israelenses.

O parágrafo acima, em linhas gerais, explica o potencial explosivo que as atuais crises político-militares do Oriente Médio têm: se não bastassem envolver rancores históricos de fundo religioso e étnico, permeados por interesses geopolíticos, apresentam preocupantes entrelaçamentos. São uma rede de conflitos com causas e consequências interligadas.

Ainda que se tenha conseguido um cessar-fogo entre Israel e o Hamas, não precisa ser profundo conhecedor do caso para saber que foi alcançada uma mera paz provisória. Varreu-se o problema para debaixo do tapete. Um tapete que, em algum momento, terá que ser levantado se quiserem limpar a casa para valer.

Além do Hamas, que se tornou o principal centro político palestino,  saíram vitoriosos a secretária de Estado norte-americana, Hillary Clinton,  e o presidente egípcio, Mohamed Bursi. Ao ter êxito como negociadora da trégua, ela despediu-se da chefia da diplomacia norte-americana levando para casa um respeitável troféu. Aumentou seu cacife na política interna de seu país. Ele, por sua vez, em seu primeiro teste de fogo na arena regional, conseguiu equilibrar-se entre criticar os ataques israelenses e pressionar seus aliados radicais a aceitarem o cessar-fogo, sem perder o mínimo de isenção necessária a um mediador. Tudo que o Egito não deseja é mais instabilidade em seu quintal.

Há muitas perguntas sem resposta ou com respostas mal dadas na questão palestina. E elas se caracterizam assim porque não são fatos isolados; são uma espiral de conflitos historicamente correlacionados e estimulados de forma conveniente pelo radicalismo de ambos os lados, com a "ajuda" da incapacidade (ou má vontade) política dos líderes mundial e regional. Um pergunta mal respondida antes resulta em novas perguntas não (ou mal) respondidas agora e por aí vai. Uma versão bem mais séria e complexa do clássico "dilema do ovo" ("Quem vem primeiro, o ovo ou a galinha?"). Certeza apenas de que vítimas inocentes continuam sendo chocadas.  

O último recrudescimento da eterna crise é apenas mais um exemplo da sandice extremista. O argumento israelense de que estava "apenas" defendendo-se dos ataques do Hamas, intensificados nas últimas semanas, era factível. Mas, ressalvando a diferença de métodos, o atual governo direitista de Israel já dera mostras de sua cegueira radical ao fazer de tudo para fragilizar a Autoridade Nacional Palestina (ANP), presidida pelo moderado Mahmoud Abbas, e insistir na expansão de assentamentos na Cisjordânia e no bloqueio à Gaza. Se a racionalidade chegasse ao gabinete de Benjamim Netanyahu, este seria o maior interessado em lidar com um Abbas fortalecido, dono de maior prestígio entre os palestinos, em detrimento do grupo terrorista. 

A incapacidade da comunidade internacional de agir é também vista na Síria. Até agora, toda proposta de sanção mais forte contra o regime de Bashar al-Assad foi vetada pela Rússia no Conselho de Segurança da ONU. Os russos têm o ditador como seu principal aliado político e econômico na região e, por isso, não hesitam em usar o seu direito a veto, privilégio este que, além deles, apenas EUA, Inglaterra, China e França possuem. A imobilidade do conselho e o congelamento de poder decorrente deste "direito" são, por sinal, motivos de grandes debates nos fóruns políticos internacionais e meios acadêmicos. 

Há ainda outras razões para que a mortandade na Síria continuar avançando. Muitos temem que uma intervenção militar aprovada pela ONU acabe por aumentar o número de vítimas, e outros tantos têm dúvidas quanto ao que seria um governo liderado pelos rebeldes. Israel, mais do que nenhum outro, se arrepia com a possibilidade de que a queda de Assad represente a ascensão de um regime fundamentalista islâmico. Mais um em suas cercanias...

A delicadeza do cenário sírio proveniente de posição geopolítica do país tornava previsível a tibieza da reação da ONU. Sabia-se que não teria como ela agir de forma igual (ou na mesma velocidade) ao visto no  caso líbio. Assim, só restam, até agora, tentativas de negociações específicas cansativas e infrutíferas.

Chico Buarque, certa vez, propôs ironicamente ao então presidente Lula a criação do "Ministério do Vai Dar Merda". A cada decisão importante, o titular da pasta seria chamado, e a ele seria perguntado: "Vai dar merda?" Após analisar as circunstâncias, o ministro responderia ou não: "Vai dar merda".

O panorama atual do Oriente Médio, com  diversas nações envolvidas diretas ou indiretamente na teia de conflitos, em meio à ascensão de regimes islâmicos fundamentalistas e ao fortalecimento do Hamas,  faz-nos crer que seria recomendável aos governantes da região criarem órgão igual. Porque, na ausência de ponderação, qualquer ação mais impulsiva tem tudo para resultar em resposta positiva à pergunta-nome do ministério. E em efeito dominó.