segunda-feira, 28 de julho de 2014

100 anos é hoje

Por Murillo Victorazzo

Vinte e oito de julho. Cem anos atrás começava a I Guerra Mundial. Com a invasão da Sérvia pelo Império Austro-Húngaro, iniciava-se o que muitos historiadores chamam de "A Grande Guerra". Afinal, o conflito entre aliados e nazistas e fascistas, na década de 40, antes de tudo, teve ali suas raízes. A humilhação alemã fomentou o revanchismo nacionalista de Hitler.

O fim dos impérios Austro-Húngaro e Turco-Otomano e o redesenho geográfico da Europa plantaram as sementes de muitos dos conflitos atuais. O que vemos hoje no Oriente Médio é o mais doloroso dos exemplos. Para entender o hoje, tem que saber o ontem. O resto são platitudes e/ou PRÉ-conceitos.

E que "bom" que, apesar de tudo, barbárie nos tempos atuais são mortes na casa dos milhares. Os tempos dos milhões (a IGM custou cerca de 10 milhões de vidas; a IIGM, mais de 50 milhões) se foram, graças a Deus  - e à tecnologia e normatização dos conflitos e da ordem internacional.

sexta-feira, 25 de julho de 2014

Uma certeza: política nas redes sociais,não

Por Murillo Victorazzo

Os anos de Facebook me deram uma certeza: sim, amo política, tanto a nacional como a internacional. Trabalho, trabalhei, estudo, estudei, li, leio desde garoto o assunto. Mas não gastarei, nem tenho gasto há vários meses, meu tempo sobre o assunto nas redes sociais. Infelizmente, com exceções, elas só serviram para transformar temas sérios, complexos, em uma espécie de papo de botequim futebolesco com verniz "antenado". 

Abomino os ignorantes no ramo que se acham conhecedores profundos e, como argumentação, repetem apenas palavras de ordem, frases de efeito, ou preconceitos. Ironicamente, sem notar suas próprias ignorâncias, gritam que "só ignorante" - no sentido preconceituoso e classista da palavra, ou seja, pobre - para aprovar isso ou aquilo.

Gente que veste a camisa de um lado, ou contra outro, como se fosse seu time em final de campeonato: de forma dogmática e, consequentemente, obtusa, cega. Que pouco lê, ou lê um só segmento editorial e de imprensa, quando não apenas o título e o lead, e, mesmo assim, torna-se papagaio dele. Alguns se tornam discípulos de articulistas que arrotam ódios e neuroses em proselitismos ideológicos exacerbados. Outros são paranoicos, obcecados, que veem fantasmas do passado em tudo, "debatendo" sob o ângulo e com termos da polarização da década de 60. 

Pessoas que compartilham baixarias ou difamações de internet só porque não curtem determinado lado. Parecem seguir a velha fórmula maquiavélica: os fins justificam os meios. Que veem o mundo de forma maniqueísta, dicotômica, binários que são. Nuances não são com eles, o que, por si só, demonstra a dificuldade de refletir racionalmente, não apenas com paixões, ódios ou pré-concepções. Muitos, radicaloides de esquerda ou de direita. 

Gente que pouco conhece a História e até pouco tempo não se interessava por estes assuntos, mas agora vem vociferar "teses", sem o mínimo de capacidade de contextualizar, comparar. Quem não tem memória política - seja por ter vivenciado ou por ter lido, estudado - é incapaz de analisar. Porque o hoje é reflexo do ontem. Que acha que elogiar algo de um lado é "pertencer" a ele. Ou o contrário: criticar determinada postura de um é ser eleitor, simpatizante, do outro. 

Não sou o dono da verdade, e sei que quem me conhece entenderá que nada tem de presunçoso este meu comentário. Alguns poderão até ver um "muro" na minha posição. Tudo bem, se desprezar dogmas e fundamentalismos - seja religioso, partidário ou ideológico-, evitar "paixonites", arroubos, hipérboles, superlativos, é subir no muro, eu ficarei lá prazerosamente. 

Tenho minha visão de mundo. Sei o tipo de país, de Estado, que desejo ter. De relações políticas, sociais, econômicas e internacionais que gostaria de ver aplicadas. Aquele que se aproximar dela em determinado momento ou assunto merecerá meu elogio, minha defesa e/ou meu voto. Nunca alinhamento prévio automático, contra ou a favor de partidos, pessoas ou países, a ponto de não reconhecer eventuais méritos ou razões daqueles por quem menos simpatizo. E, justamente por isto, longe de ideias vindas das extremidades do espectro político.

Pessoalmente, trocarei sempre ideias com os amigos sobre ela. Nas redes sociais, infelizmente não. Já tive o desprazer de tentar, e o resultado foi frustrante.

quinta-feira, 17 de julho de 2014

Inesquecível

Apesar da CBF, uma Copa para se orgulhar de ser brasileiro

Por Murillo Victorazzo

O sonho de menino de assistir a uma Copa em seu país terminou. Terminou porque se tornou realidade. Uma realidade que de tão boa e esperada parece ter durado somente um final de semana, não um mês. É sempre assim. Aquele gostinho de quero mais; a sensação de que poderia tê-la aproveitado com ainda mais intensidade permanecerá para o resto da vida, assim como as inúmeras imagens, histórias, polêmicas que a festa propiciou.

A festa começou com o receio de retumbante fracasso, para nós, anfitriões, fora dos gramados, e alta expectativa de sucesso dentro deles. Trinta dias depois, a constatação seria a oposta. Aeroportos, trânsito e estádios funcionaram normalmente. Erros pontuais aconteceram obviamente, assim como em todas as demais edições. O brasileiro deu show de alegria, receptividade e foi, em toda imprensa internacional e pelos turistas que vieram, eleito o grande vencedor.

Já a Seleção...  Considerada uma das favoritas, fracassou para a História não apenas por não levar o sonhado Hexa. Felipão e seus jogadores estão para sempre marcados como protagonistas do maior vexame visto pelo mundo de uma equipe anfitriã. A maior derrota canarinho. Os humilhantes 7x1 para a Alemanha foram a intragável cereja do bolo mofado e mal preparado nos oferecido em todas as partidas anteriores.

Exceto o primeiro tempo contra a Colômbia, em momento algum se viu ali um time. Muito menos uma seleção pentacampeã mundial que jogava diante de seu povo. O gol contra de Marcelo logo no início do primeiro jogo parece ter sido o anúncio da tragédia.

Aquele que achar que pode explicar em apenas uma frase os motivos do papelão  ou não sabe nada de futebol ou é um tremendo boquirroto. Ou os dois. Eles foram inúmeros, de diversos aspectos: técnico, tático e emocional. Todas entrelaçadas, causa e consequência uma das outras simultaneamente. A decisão do terceiro lugar, contra a Holanda foi emblemática. Mudaram os jogadores, continuaram os mesmo erros.

Ainda haverá quem ache que o jogo de terça foi um lapso, como Felipão e Parreira. Ou que foi "vendido", como alguns debiloides que difundem pela internet  atualizações de teorias da conspiração passadas. A certeza é que, mesmo com a ressalva de que a atual safra de jogadores está inegavelmente abaixo das de outras épocas, talvez esta tenha sido a Seleção Brasileira mais mal treinada em Copa do Mundo que se tenha visto.

Em menos de um mês, Felipão e CBF conseguiram queimar 100 anos de prestígio da camisa mais vitoriosa, admirada e até então temida do futebol mundial. E pior: justamente em casa. Tão pavoroso quanto seu trabalho na competição, foi a cegueira, a incapacidade e o cinismo do treinador na tentativa de se defender e explicar o fracasso da seleção dona da casa. A coletiva após a derrota para os holandeses foi de causar náusea.

Afora nossa desgraça, a Copa foi um sucesso também dentro das quatro linhas. Alta média de gols, show de inúmeros goleiros, revelações como James Rodrigues, partidas bem jogadas, dramáticas, resultados inesperados, superações. Como não se emocionar com Argélia e Costa Rica, por exemplo?

Um jornalista estrangeiro disse que os jogadores, enfeitiçados pela alegria, gentileza e paixão pelo futebol bem jogado do brasileiro, só poderiam, em retribuição, nos proporcionar partidas assim. Se recordarmos que a Copa de 90, na Itália, país que preza a defesa em detrimento do ataque, foi a pior em qualidade e números de gol, não soa exagero a declaração. A cruel ironia é exatamente o nosso time ter destoado...

Nenhuma seleção mereceu mais este título do que a Alemanha. Por sua atitude dentro e fora de campo. Show de tática, talento e simpatia, respeitando os anfitriões, por parte do time e dos torcedores. Se pensado como marketing ou espontâneo, não importa. A vontade dos alemães de interagir com os brasileiros, conhecê-los e retribuir a afável  hospedagem foi outra marca desta Copa.

O Itamaraty e a diplomacia alemã não fariam melhor trabalho de venda de imagem, de soft power, do que o feito por nós, brasileiros, nesta Copa fora de campo e o feito pela seleção campeã dentro e fora das quatro linhas. E de estreitamento na relação entre os dois. Admiração, empatia e respeito mútuos, querendo ou não, apesar de tudo, entre as duas camisas mais importantes do futebol. Não por coincidências as únicas a vencerem no continente da outra.

Outro legado intangível, provavelmente anotado pelo Itamaraty, foi a integração sul-americana.  Brasileiros e vizinhos se relacionaram de modo nunca visto. Parecia que começavam a se conhecer depois de tantos anos, apesar de tão próximos. O termo "hermanos" finalmente fez sentido, exceto quando se tratava de alguns argentinos. Neste caso, quando o assunto é futebol, a tarefa de aproximação é hercúlea. Depois das músicas provocativas por parte deles e da torcida canarinho pelos alemães na final provavelmente, sem falar das brigas, é ainda mais.

Infelizmente, porém, alguns preferiram realçar a derrota no campo e esquecer o sucesso fora dele para destilar velhos estereótipos a cerca do brasileiro. Em sua coluna no Globo, Ancelmo Góis foi direto:

"Estava escrito nas estrelas que a fragorosa derrota para a Alemanha iria reacender o ânimo dos portadores do complexo de vira-latas, aqueles que acham o Brasil um país chinfrim e invejam os países dos outros, notadamente os EUA e Europa. Para eles, a vitória alemã é o triunfo da organização, da competência, da seriedade, da disciplina sobre a malandragem, preguiça e bagunça do outro. Se esse raciocínio fosse aceitável, Inglaterra e Espanha, para citar países que não passaram pela primeira fase, seriam indolentes. Ao contrário de Colômbia, Costa Rica e Argélia. A própria Alemanha contava 24 anos que não vencia uma Copa. É um jogo."

Como esses brasileiros, certos que a organização da Copa seria a concretização de seus complexos, viram-se sem discurso, apelaram para outra  área cujo passado logo lhes desdiz. Cinco vezes vencemos com talento, planejamento e trabalho, em proporções diferentes, dependendo da época. Desta vez, nenhum destes fatores houve em qualidade suficiente para honrar a mais mística das seleções.

O futebol brasileiro precisa ser reformulado. O fracasso em 2006 e 2010 sinaliza para esta necessidade. Dormimos em berço esplêndido, lastreados pela supremacia de anos anteriores, reconhecida pelo mundo inteiro. Mas invocar, neste momento, estigmas preconceituosos contra o próprio país é problema de caráter. Ou profunda ignorância.

Em seu último comentário no SporTV, após a final, o ex-zagueiro da Seleção Ricardo Rocha não resistiu e chorou, orgulhoso pelo que fizemos como povo, organização, e revoltado com o papelão de nossos jogadores e comissão técnica. Aquele choro resumiu meu estado de espírito no fim da tão esperada e agora inesquecível festa.

Sempre me lembrarei do belga que, conversando comigo, na praia de Copacabana, interrompeu-me para dizer, não rindo como se fosse jogar palavras ao vento, mas sereno e em tom de reverência, com um olhar que passava sinceridade e respeito: "I love your country, my friend". Eu, com o coração explodindo de satisfação, só consegui responder: "Thank you. Me too".

Apesar do Felipão, de vários dos 23 jogadores e da CBF, tudo que vi e ouvi nestes últimos 30 dias me deixou ainda mais orgulhoso de ser brasileiro. Podem me chamar de piegas, mas eu sou assim. E isto não tem nada a ver com ufanismo. É apenas saber reconhecer nossos problemas, mas enaltecer nossas virtudes, nossos acertos. Quem procurar amar só a perfeição nunca amará, pois ela não existe...

terça-feira, 15 de julho de 2014

O conveniente anacronismo espanhol

Por Murillo Victorazzo

Fragilizado por problemas de diferentes ordens, o rei da Espanha, Juan Carlos de Borbón, abdicou, mês passado, em favor do filho, Felipe- ou Felipe VI, como passará a ser chamado. O novo monarca é reconhecido como preparado para suceder o pai. Mas, diante de tamanha adversidade política, econômica e social por que passa o país, muitos ressaltam que a transição pode vir a ser o vácuo desejado para os que desejam a república e os que sonham com a independência de suas regiões, como catalães e bascos. Teria sido aberta a "Caixa de Pandora" da realeza espanhola?

Ano após ano, as monarquias vêm sofrendo desgastes, com suas legitimidades colocadas em dúvida por parcelas cada vez mais significativas das sociedades em que vigoram. Um movimento mais do que compreensível, haja vista ser difícil explicar para as novas gerações as vantagens de ser súdito de alguém, e não quem delega poderes a um representante com mandatos limitados.

Não parece fácil convencer, principalmente os mais jovens, ser justo reverenciar, sem ferramentas de cobrança alguma, alguém que, além de tudo, não alcançou a chefia de Estado por seus atributos pessoais, muito menos pela vontade da maioria da população. Está lá apenas por pertencer a uma família que há séculos - quando a noção de representatividade era outra e a distinção entre Estado e governante, pouco clara -  foi ungida como acima das outras.

As poucas democráticas imagem e posição ( para os padrões contemporâneos) das famílias reais são ainda resquícios do Direito Divino absolutista, pelo qual o monarca governava pela vontade de Deus. Ele era o "escolhido" e, portanto, seu descendente também o seria após sua morte. Somente a Ele o rei deveria prestar contas até o final de seus dias.

Os reis perderem poderes, as monarquias, pelo menos nas nações desenvolvidas, tornaram-se constitucional - ou seja, com Parlamentos, primeiros-ministros e freios e contrapesos entre os Poderes. Mas a noção de "excepcionalidade" que os envolve permaneceu de certa forma no senso popular e na estrutura estatal dos países em questão.

A mesma imagem, em consequência, traz consigo outra: por estar acima de todos, ser um símbolo permanente do Estado, imune e à parte de disputas partidárias, o rei tem legitimidade (e até o dever) para se portar como neutro nas mediações de crises. Pela mesma lógica, é visto também como garantia da unidade nacional.

Assim, em um país como a Espanha, de histórico imperial mas pouca coesão interna, traço expresso no separatismo latente de algumas de suas regiões, ninguém melhor do que um rei para manter o status quo do centralizador regime de Francisco Franco após sua morte. Assim pensou o próprio ditador e seus aliados na hora de, já beirando os 80 anos, ter que ser escolhido seu sucessor.

Com o falecimento do "el generalísimo", como era conhecido o líder do cruel regime que oprimiu o país por 39 anos, Juan Carlos de Borbón - neto de Afonso XIII, rei deposto com a instauração da Segunda República, em 1931 - assumia, em 1975, o trono. Estava reinstaurada a monarquia na Espanha. Era a garantia de manutenção dos pilares do ultraconservador e católico franquismo.

Mas, dono da Coroa, Juan Carlos não seguiu à risca o imaginado por Franco. Ao convocar eleições diretas para a elaboração de uma nova Constituição, renunciava através dela a muito de seus poderes. A nova Carta reservava à Coroa apenas a Chefia de Estado - seu papel seria o de representação perante o exterior, chefe supremo das Forças Armadas e, principalmente, fiador da estabilidade institucional do país.

A Espanha, a partir de então, tinha um Parlamento independente e forte e, na Chefia de Governo, um presidente de gobierno  (nome lá dado para o que outros países parlamentaristas chamam de primeiro-ministro), designado pela maioria parlamentar oriunda da vontade popular.

Seu pulso na tentativa de golpe em 1981, quando militares franquistas insatisfeitos invadem armados o Parlamento, carimbou ainda mais em sua imagem o perfil de democrata e estabilizador do país. Relegava-se ao esquecimento seu apoio passado à ditadura franquista.

Embora essencialmente conservador, de modo a evitar rupturas especialmente à esquerda, o processo por ele conduzido levou a Espanha a ser uma das mais modernas, ricas e sólidas democracias do mundo. Um prestígio que foi se perdendo nos últimos anos por diversos motivos simultâneos.

Por não ser o chefe de governo, responsável pela gestão da política econômica, Juan Carlos poderia  passar quase incólume pela severa crise econômica que atinge o país nos últimos anos, se não tivesse ela se tornado, mais do que tudo, o estopim para o estouro da latente insatisfação popular com todo o sistema político vigente. Incluí-se aí toda a classe política, vista como corrupta,e o arcabouço da União Europeia, do qual o rei fora um dos maiores entusiastas.

O movimento dos "Indignados", formado basicamente por jovens, e a expressiva votação de siglas eurocéticas nas eleições para o Parlamento europeu mês passado refletiram a profunda contrariedade dominante, em maior ou menor grau, em toda sociedade espanhola.  As urnas debilitarem os dois principais partidos, PP e PSOE, jogando no córner o tradicional bipartidarismo do país. Um  significativo "não" ao status quo tão bem moderado e defendido pelo monarca.

Neste cenário, com o país sob severo arrocho fiscal, alta taxa de desemprego e recessão, os gastos reais tornavam-se abusivos para boa parte da população. Indignação realçada com a luxuosa viagem do rei à África, em 2012, a fim de participar do supérfluo hobby de caçar elefantes.

Quase ao mesmo tempo, estourava o escândalo de corrupção envolvendo Iñakli Urdangarin, marido de sua filha, a infanta Cristina. Suspeitas de desvio de dinheiro público para a fundação presidida por Urdangarin levaram o genro real aos tribunais. Extratos bancários mostraram que parte do capital da instituição sem fins lucrativos fora utilizado para pagar as volumosas despesas pessoais do casal, como, por exemplo, sapatos de 900 euros.

Indiciada também no por fraude fiscal e lavagem de dinheiro, Cristina entrou para a História espanhola como a primeira descendente de um rei a depor na presença de um juiz. No dia de seus depoimento, centenas de manifestantes antimonarquia se puseram à frente do tribunal. Um deles dava o tom dos descontentes: “A nossa monarquia é uma instituição arcaica, medieval e está totalmente protegida por uma máfia. É a pedra angular da corrupção que há neste país”.

Não por acaso, assim que se soube da abdicação, milhares de espanhóis de diferentes cidades foram às ruas para festejar e pedir um referendo sobre o fim da monarquia. Na Cataluña, onde a crise já servira para estimular a convocação de  uma consulta popular sobre independência por parte do governo regional, posteriormente barrada por Madrid,  a mobilização foi ainda maior.

Pesquisa divulgada no jornal El País, de Madrid, mostrou que o referendo conta com o apoio da maioria da população, 62%. Porém, caso convocado, apenas 36% votariam pela república, contra 49% simpáticos à manutenção da atual forma de governo. Revelou ainda que a popularidade de Juan Carlos,depois de meses de queda, voltou a subir. Um certo paradoxo sintomático.

São números que, pelo menos inicialmente, sinalizam para o acerto da decisão do "rei da transição democrática". Por mais anacrônica que seja, por mais fragilizada que esteja, talvez a monarquia ainda seja a mais segura - quem sabe a única - forma de manter a estabilidade do país.

Uma republica acirraria disputas partidárias e regionais em uma  nação que enfrenta tantos obstáculos políticos e socioeconômicos. O vácuo de poder sempre é perigosamente incerto. Um rei jovem oxigenaria o regime e, como no passado, seria a viga da unidade nacional. Juan Carlos pode ter acertado de novo, ao apostar no receio popular de rupturas imediatas. O tempo dirá.