sexta-feira, 29 de julho de 2011

Conquistas de Zapatero foram ofuscadas pela crise

Por Priscila Guilayn (O Globo On, 29/07/2011)

O presidente do governo que antecipou na sexta-feira as eleições gerais , reduzindo em quatro meses seu segundo mandato, não é o mesmo José Luis Rodríguez Zapatero que encerrou o primeiro governo em 2007. As mudanças no Código Civil que permitiram o casamento entre homossexuais e a adoção; a Lei de Igualdade, que contribuiu para diminuir as diferenças entre mulheres e homens; a nova Lei de Divórcio, eliminado a necessidade prévia de separação e a lei sobre o aborto, impondo prazos para evitar a interrupção de gestações em fase avançada, foram recebidas com entusiasmo por um grande setor da sociedade. Mas os sucessos do autor das medidas sociais acabou ofuscado pela grave crise econômica. "Em 2008, houve o erro que fez com que esta segunda legislatura se arrastasse até agora: Zapatero não reconheceu as verdadeiras dimensões da crise. Este erro fez todo mundo esquecer do seu primeiro mandato", opina o cientista político Oriol Bartolomeus, da Universidade Autônoma de Barcelona.

À assustadora taxa de desemprego, que neste mês caiu de 21,29% para 20,89%, uniram-se medidas de ajuste fiscal (em maio do ano passado) - na contramão do que Zapatero vinha pregando no governo anterior. Para o analista Fernando Harto de Vera, da Universidade Complutense, Zapatero também foi vítima de um ciclo: "Seu primeiro mandato foi uma legislatura política, no melhor sentido da palavra, progressista, de esquerda. Já o segundo, foi uma legislatura econômica, no pior sentido da palavra. Zapatero perdeu gás, em parte pela crise, mas também pelo próprio ciclo da democracia que, ao esgotar as energias reformistas, acaba sucumbindo ao pior que há em seu interior: ser conservador".

Seguindo as exigências de Bruxelas, a Espanha deveria reduzir o déficit público (naquele momento previsto para fechar o ano em 9,4%) a 3% do PIB até 2013 - de acordo com o Pacto de Estabilidade da União Europeia. Para perseguir a meta, o governo anunciou o congelamento das aposentadorias, o corte de 5% do salário de todos os funcionários públicos, a eliminação do "cheque-bebê" (um subsídio de 2.500 por nascimento), entre outras medidas nada populares. Naquele momento, Zapatero passou a ser criticado por dizer-se de esquerda e atuar como se fosse de direita.

Um elemento que acabou por colocar em evidência o descontentamento social não só com o Partido Socialista, mas com toda a classe política, foi o surgimento do Movimento 15-M (15 de março), uma semana antes das eleições municipais e regionais. Acampados em praças de toda a Espanha, os chamados "indignados" fizeram, aos poucos, sua lista de reivindicações - embora com pouca precisão. "Quando Alfredo Pérez Rubalcaba apresentou sua candidatura, parecia oferecer um "new deal" político. Falava de reformas do sistema eleitoral e constitucional, e de novas vias de participação politica. Parecia querer atender às demandas do Movimento 15-M, mandando um recado para eles e para os que os apoiam. Mas o que pesa para os cidadãos, muito mais do que essas reformas, é o impacto da crise econômica no Estado de bem-estar social", afirma Alfredo Retortillo, da Universidade do País Basco.

segunda-feira, 25 de julho de 2011

O dilema de Dilma

Por Murillo Victorazzo

Desde que estourou o escândalo no Ministério dos Transportes, a presidenta Dilma Roussef evocou para si  retórica da "faxina". Ainda que com o eufemismo da "reestruturação", demitiu, quase que sumariamente, 16 funcionários do Dnit e do ministério, do primeiro ao terceiro escalão, acusados de corrupção. O chamado "feudo" do Partido da República (PR) estaria desmoronando. Mais ainda: dia após dia, neste mês, as manchetes dos jornais anunciam a sua disposição em estender a "limpeza" para outros órgãos.

Majoritariamente avessa ao governo Lula, a classe média tradicional brasileira votou em peso nos candidatos José Serra (PSDB) e Marina Silva (PV), nas eleições passadas. A antipatia à então candidata petista fundamentava-se basicamente no discurso da ética. Sete meses depois de sua posse, com tais as iniciativas, Dilma, aparentemente, estaria agregando um trunfo fundamental na busca por sua reeleição. Caso o país chegue a 2014, economicamente estável, como até agora, com ganhos reais para as classes C, D, a presidenta teria garantido, como em 2010, esse eleitorado. E, diferentemente do ano passado, teria ainda votos em potencial nesses setores até então refratários. Em tese, a equação se fecha com resultado amplamente favorável ao governo. Porém, na prática, as dificuldades são bem maiores, tanto por motivos partidários como estruturais.

Embora a oposição tucana-demista, acompanhada de parcelas ideologicamente refratárias ao PT e alguns jornais, pretenda fazer crer que a corrupção no governo federal nasceu em 2003, com a posse de Lula, infelizmente, o drama não é tão simples. A prova cabal é que, em 2002, o ex-presidente ganhou grande parte dos votos dessa mesma classe média, especialmente por garantir que o PT era o partido da ética. Loteamento de cargos para ter maioria no Congresso não é artifício inovador de petista. Para ficar em um passado mais recente, basta recordar o domínio de PFL e PMDB nos setores elétrico e de transportes durante o governo FHC, por exemplo. Difícil crer, aliás, que o Ministério da Justiça comandado por Renan Calheiros e Íris Resende naquela mesma época fosse reduto de ética. Ou que eles tenham sido escolhidos ministros por seus notórios saber jurídicos. Da mesma forma, basta pesquisar na internet para lermos que o contingenciamento de emendas já era constantemente usado como moeda de troca na relação com a base aliada de então. Voltando a um passado mais remoto, Getúlio Vargas não se matou acuado com as acusações constantes de "mar de lama" no Catete?

Embora sirva de desculpa para alguns petistas usarem o discurso calhorda do "todos fazem", tais fatos antigos demonstram como esses vícios estão arraigados em nosso sistema político. Indica, por isso mesmo, a árdua tarefa que Dilma terá -caso queira mesmo moralizar a administração federal. Não é por acaso que, exceto um ou outro parlamentar, todos os chamados partidos fisiológicos (PTB, PR, PP, PMDB) integraram a base de FHC. Nem mesmo o mais entusiasta eleitor tucano pode acreditar que estes mudaram seu caráter de repente e que votavam a favor do governo de então por ideais ou acordos programáticos.

Para o cidadão apartidário, que não tem pré-concepções ideológicas rígidas, a constatação é, antes de tudo, motivo de angústia. Serve para a reflexão daqueles que baseiam seu cotidiano na ética e desejam apenas outros valores no trato do seu imposto, independente do grupo político no poder. Antes nossos males se resumissem aos quadros petistas; o otimismo poderia ser maior. As raízes desses absurdos se encontram em profundidade muito maior. O pecado diferencial do petismo foi ter vendido com tamanho cinismo a ilusão de que eram diferentes.

Todo brasileiro, independente de idade, cresceu ouvindo casos de clientelismo, fisiologismo, fraudes, superfaturamentos, propinas. Há mais de 50 anos, o mestre Raymundo Faoro já se aprofundava na tentativa de explicar as causas desses nossos males. Em "Os Donos do Poder" , concluía que a origem estava essencialmente em nosso passado patrimonialista ibérico. Uma herança que nos levava a ter aguda dificuldade em separar o público do privado. Foi, é e ainda será farto debate para cientistas sociais e historiadores. Atualmente, na opinião pública, muitos consideram que, com o PT no poder, os casos extrapolaram. Pode até ser, mas essa é uma sensação muito difícil de assegurar. Nem todos os casos de corrupção são descobertos, muitos perpassam governos e é inegável o amadurecimento e o fortalecimento da imprensa investigativa e do Ministério Público com o passar dos anos, desde a redemocratização.

Ressalte-se ainda que em ditaduras, com cerceamento de liberdade de imprensa e Judiciário subjugado, a sujeira é mais fácil de ser varrida para debaixo do tapete. Haja vista as grandes fortunas de ditadores como Pinochet, Pol Pot e Ferdinando Marcos descobertas logo após suas quedas. E o fato de que políticos da estirpe de Paulo Maluf, José Sarney e o finado ACM surgiram e cresceram sob as asas dos generais brasileiros. Não se pode negar também que as décadas acumuladas de impunidade encorajaram as quadrilhas a perderem qualquer constrangimento. Metem a mão com força e cinismo maior. Nivelar, entretanto, o debate à disputa partidária, na qual se discute quem roubou menos, além de ser constrangedor e deprimente, não nos levará a local algum -pelo menos, para quem não quer levar vantagem eleitoral.

O drama brasileiro é mais grave porque a tibieza ética não se resume ao setor público. Infelizmente, propagou-se em diversos setores da sociedade. É claro que a maioria da população prefere zelar pela retidão de caráter, mas certa "flexibilização" da moral é sentida em diversos níveis: desde infrações cotidianas -que muitos pensam ser apenas "pecadilhos"- até violações tributárias, por exemplo. São fartos os casos de promiscuidades entre agentes da lei e contraventores. Os políticos não são criaturas especiais: não nasceram políticos nem têm DNA específicos; não são uma etnia e muito menos alienígenas. Vêm do seio da sociedade! Aqueles que já têm os vícios de caráter encontram na carreira política um terreno fértil em dinheiro e poder pra se locupletar do modo mais fácil e sujo.

Além desses precedentes, a conjuntura política não favorece Dilma. Sua base foi montada sob essas características e, portanto, faz todo o sentido o receio de que ela fique isolada no trato com o Congresso Nacional. Em termos estritamente pragmáticos e políticos, alguns líderes petistas, especialmente  o ex-presidente Lula, consideram uma aposta arriscada esticar a corda para ver até aonde o PR e outras legendas (caso ela cumpra a promessa de intervir em outras áreas), vão. Até que ponto permanecerão aliados? Irão retaliar, rebelando-se e, por consequência, paralisando  o governo? Em um cenário econômico delicado, com ajustes fiscais e preocupações cambiais e inflacionárias para este e o próximo ano, a margem para o enfrentamento não é larga o suficiente para Dilma.

Nos últimos dias, as notícias vindas de Brasília parecem confirmar esses temores. Matéria do "Globo" de segunda-feira, 25, revela que Dilma não iria, pelo menos, neste momento, mexer nos "feudos" do PMDB. Hesitaria também em avançar no Ministério das Cidades, do PP. A lógica da presidenta é a previsível: receio de perder a dita "governabilidade". O PR é um partido médio, ao contrário do PMDB, sigla comandada até ano passado por seu vice-presidente. Se por menos, a cúpula peemedebista usou o trator, pode-se imaginar o que fariam caso mexessem em seus vespeiros.

Ainda que esses partidos mereçam o repudio por seus modus operandis, para o drama de Dilma e de todos brasileiros, o caso não se resume a eles. Assim como seria melhor que o câncer da corrupção no país se restringisse aos governos Lula e Dilma, é bom ressaltar que alguns dos casos mais graves dos dois governos não foram protagonizados pelos aliados, mas sim pelo próprio partido do chefe de governo. O mensalão e o escândalo Antonio Palocci saíram do berço petista, por exemplo. Rumores de desmando em órgãos comandados pelo PT nos diversos escalões vêm rondando o Planalto há tempos, e, não por outro motivo, políticos do PR e PMDB mandam recados subliminares a toda hora. A apreensão nos rostos de líderes petistas com o que o ex-diretor-geral do Dnit Luis Antonio Pagot iria falar em seu depoimento no Congresso Nacional é o sinal maior dessa teia complexa.

É notório que a influência de Dilma sobre as correntes internas do PT é limitada. Ela não tem histórico de militância no partido e foi ungida candidata por imposição de Lula. Mesmo que se queira crer que sua vontade de oxigenar a gestão pública é sincera, não é difícil imaginar as reações internas que surgiriam. Ademais, seja por simpatia pessoal ou pela importância do nome para seu governo, a maneira insegura com que tratou o enriquecimento suspeito de seu braço direito Palocci nos faz crer que com seu partido ela pise menos no acelerador.

Certamente a presidenta sabe que o enfrentamento pode também causar danos eleitorais colaterais. Por hora, tem a bonança econômica a lhe sustentar. Mas, caso o cenário se altere, o bolso falará mais alto. Na hora do voto, é ele que manda, principalmente nas classes mais carentes e em parcelas dos setores médio e alto da população. Não é inverossímil imaginar uma cínica rebelião de aliados que resulte em aprovação de inúmeros gastos públicos inflacionários. Um presidente popular tem cacife mais alto para se impor; um fraco é mais fácil de ser domado. As raposas governistas no Congresso sabem muito bem disso.

São esses empecilhos e essas contradições que se impõem diante de Dilma na busca pelos votos da classe média. Assim como a inflexão para uma política externa voltada para a defesa dos direitos humanos, a "faxina" corre o risco de ficar mais na retórica, ou, no mínimo, com indesejável seletividade. Além de correr o risco de gastar parte de seu mandato "enxugando gelo", a presidenta pode frustrar os ditos formadores de opinião. E, quase sempre, a frustração resulta em antipatia feroz, ainda mais quando o sentimento é reincidente. Dilma sabe que conta com o apoio de todo brasileiro honesto nessa batalha. Porém, no momento em que se dispôs a levantar tal bandeira, deveria saber que terá que optar entre o que o eleitor deseja e os limites que sua base -e seu partido- lhe impõem.

sexta-feira, 22 de julho de 2011

A Itália está à beira da derrocada?

Por Carlo Ungaro (Open Democracy,19/07/2011)*

Nas últimas semanas, tem sido crescente, tanto na Itália como no exterior, a especulação sobre se o "contágio grego " acabaria atingindo os mercados financeiros italianos. A reação oficial foi minimizar o perigo e chamar a atenção para os esforços do governo (e do Parlamento) em aprovar um orçamento de austeridade excepcionalmente severo, projetado para tirar o país da beira da insolvência.

Até então, o feroz debate sobre as medidas de austeridade insistentemente exigida pela comunidade internacional ocorria até mesmo dentro da maioria governista. Mas, de repente, quando o mercado financeiro italiano foi atropelado por uma crise profunda que parecia arrastar o país por meio de um turbilhão de erros e  insolvência, as discussões se tornaram urgentes.

Em uma surpreendente mudança de ritmo, no final da semana, ambas as Casas do Parlamento italiano aprovaram a lei de orçamento mais controversa da história do país. Foram fixadas medidas de austeridade no valor de cerca de setenta milhões de euros. Os principais partidos de oposição, ainda debilitados com os recentes resultados eleitorais e do referendo, não tiveram escolha. Acataram o pedido do presidente da República para não obstruírem a votação e permitiram que a mais impopular lei, já definida como "brutal", fosse rapidamente aprovada.

Os perigos enfrentados pelos mercados econômicos e financeiros em grande parte do mundo, e não só na Itália, foram e estão sendo analisados com muita competência. Delineam um futuro incerto e potencialmente sombrio. Na Itália, o quadro é ainda mais complicado devido ao crescente caos político que pode revelar-se como um divisor de águas na curta história da República italiana. Podem ser sentidos efeitos muito mais profundos e graves do que uma tradicional "crise de Governo". O primeiro-ministro Silvio Berlusconi, depois de mais de uma semana de incomum ausência na cena pública, esteve presente na Câmara na segunda votação parlamentar. Mas, extremamente reticente, reservou-se a apenas algumas observações para um pequeno e seleto número de políticos e jornalistas.

Foi sobre o desaparecimento da Estrela de Prata, um campeão de corrida de cavalos, que Sherlock Holmes comentou sobre o "estranho comportamento do cão na noite". O cão, é claro, não tinha feito nada, o que parecia estranho para o grande detetive. O silêncio de Berlusconi é um elemento novo na cena política italiana. Tem sido muito comentado, já que a personalidade normalmente loquaz e,de fato, tagarela do primeiro-ministro não é geralmente associada com o termo "low profile", especialmente em momentos de turbulência política. Berlusconi, no entanto, fez-se praticamente invisível. Seus comentários resumiram-se a poucas notas lacônicas emanadas de seu gabinete no Palazzo Chigi.

Há muitas explicações possíveis, algumas ligadas às vicissitudes pessoais do primeiro-ministro, que recentemente deu uma guinada para o pior. Mas a principal é o fato de que ele é um populista e, portanto, não pode trazer para si o anúncio de más notícias, a menos quando pode responsabilizar outra pessoa. E, apesar da trégua aparente, com o qual os experts do governo estão tentando lidar, provocada pela aprovação no último minuto deste incrivelmente grave e, talvez, não inteiramente pensado pacote de "medidas de austeridade", tem havido muitas más notícias na Itália. Pior: outras mais são esperadas, e todas com conseqüências potencialmente incertas e imprevisíveis.

Já há, como é costume na Itália e, mais do que nunca, nestes dias de iminente crise política, um sentimento de que as coisas estão caindo aos pedaços. Por exemplo: em meio a uma conferência de imprensa conjunta,o membro mais influente do governo, o ministro da Economia, Giulio Tremonti, chamou, em voz alta e publicamente, um de seus colegas de "cretino". E o próprio primeiro-ministro reclamou com a imprensa oposicionista de que era impossível trabalhar com Tremonti, pois ele se considerava "o único membro inteligente do Governo ". Na Itália de hoje, no entanto, tudo isso dificilmente levanta as sobrancelhas. A principal queixa da oposição é que as medidas mais impopulares e dolorosas previstas na proposta de orçamento -que cresceu, no curso de alguns dias, de cerca de 30 para 70 bilhões de euros- entrarão em vigor após 2013. A difícil tarefa de sua realização será deixada para o próximo governo

Então veio o violento ataque ao sistema financeiro italiano (dias inimaginavelmente chamados de "Black Friday" e "Black Monday") e todos os perigos que pareciam seguramente distantes, de repente, tornaram-se palpáveis e iminentes. O governo se viu pressionado e a oposição, obrigada a engolir a pílula amarga: embora com seu voto contrário, permitiu a aprovação das medidas.

Uma série de questões fundamentais precisa ser abordada em qualquer tentativa coerente para compreender a situação atual e supor o que o futuro próximo nos reserva. O pacote de austeridade tem sido alvo de fortes críticas - muitas, de certa forma, justificadas. Sem examinar as medidas em detalhes, algumas são fundamentalmente negativas e talvez até mesmo perigosas. Serão sentidas principalmente pela classe média baixa, já testada pela divisão cada vez maior entre ricos e pobres na Itália. A capacidade de gasto bastante reduzida vai diminuir o consumo, o que, portanto, aumentará os riscos de desaceleração de uma economia vacilante. Além disso, o pacote não contém estímulos confiáveis para incentivar a produção.

A questão fundamental, entretanto, descansa na dúvida se o atual governo italiano, dividido como está, e com sua atuação extremamente pobre em matéria econômica, terá a força, a resistência, ou mesmo a vontade política para levar a cabo medidas que irão certamente diminuir a sua popularidade já instável. Os prognósticos não são animadores. As perspectivas políticas são extremamente sombrias, muito além do sentimento de pânico provocado pelos problemas econômicos e financeiros que afligem o país.
 
Os eventos mais recentes parecem mostrar que o mercado financeiro internacional está longe de ser convencido da validade das medidas de austeridade italianas. A pressão sobre a economia parece continuar sem pausa, enquanto a confusão e as divisões na maioria aparentam, até agora, estar totalmente fora de controle. O normalmente hiperativo Berlusconi dá a impressão de ter se tornado uma força desgastada. Em circunstâncias normais, um governo pego em tal dilema não teria outra escolha a não ser a renúncia. Deixaria caminho aberto tanto para a convocação de eleições como para a formação de um novo governo, possivelmente liderado por uma personalidade que não esteja envolvida no atual tumulto político. Teria como tarefa provocar as alterações necessárias no pacote de austeridade e tentar salvar os dois últimos anos restantes da atual legislatura.

Neste momento, nenhuma dessas soluções parece provável. O país parece caminhar rumo a um futuro extremamente incerto. O descontentamento popular cresce e a desconfiança no poder político -tanto na maioria e na oposição- atinge níveis sem precedentes, mesmo na Itália. Golpes ainda maiores no mercado financeiro poderiam forçar uma solução, e há alguns sinais, especialmente mas não só na oposição, de que a formação de um governo "técnico" poderia estar no horizonte. Seria imprudente, porém, colocar muita fé nisso.

*Tradução livre do blog
Carlos Ungaro é diplomata aposentado italiano

quinta-feira, 21 de julho de 2011

O desconforto de Serra no PSDB

Por Adriana Vasconcelos (Blog Diários de uma repórter/ O Globo On 20/07/2011)

O recente destempero do ex-governador paulista José Serra em seu último encontro com o presidente estadual do PSDB, deputaro Marcus Pestana (MG), quando os dois quase sairam no braço, foi apenas uma pequena amostra de como anda o clima dentro do partido. Serra vem dando sinais, cada vez mais claros, de seu desconforto no PSDB, desde que perdeu o controle da legenda para o senador mineiro Aécio Neves e foi obrigado a aceitar, como prêmio de consolação, a presidência do Conselho Político do partido.

O primeiro sinal concreto de que já não tem a mesma influência que tinha dentro do partido foi sentido durante a primeira reunião do Conselho Político, quando Serra não conseguiu o apoio dos demais conselheiros para divulgar no site do PSDB um documento que havia produzido de análise da conjuntura política, na qual fazia duras críticas ao governo Dilma e ressaltava que a divisão interna era o pior adversário da oposição. Serra acabou desafiando a cúpula tucana ao publicar o documento em seu site pessoal, sem mencionar que o texto não tinha o apoio da legenda.

O ex-governador paulista também passou recibo de insatisfação logo após a cerimônia preparada pelos tucanos para comemorar os 80 anos do ex-presidente Fernando Henrique Cardoso, ao se queixar que uma gravação feita por Aécio -que não compareceu ao evento por ter se acidentado ao cair de um cavalo- teria sido exibida após o seu pronunciamento. "Vocês já escolheram o candidato do partido à Presidência?", disparou Serra, queixando-se por não ter sido o último a falar antes de Fernando Henrique.

Inconformado com a possbilidade de perder o posto de candidato do PSDB à Presidência em 2014 para Aécio, Serra agora se recusa a ouvir os argumentos de aliados de que sua melhor opção neste momento seria disputar a prefeitura de São Paulo em 2012, como forma até de se manter competitivo numa eventual disputa futura com o senador mineiro. A estratégia traçada por Serra é de levar às últimas consequências sua briga pela vaga de candidato à próxima sucessão presidencial. E pelo visto, ela não passa pela realização de prévias internas no partido.

A previsão feita pelo ex-governador, em conversas nos bastidores, é de que ele e Aécio não estarão na mesma legenda em 2014. Resta saber quem vence essa queda de braço. Mas vale lembrar os rumores _ negados com veemência por Serra _ de que o ex-governador teria estimulado o prefeito de São Paulo, Gilberto Kassab, a criar o PSD, que poderia ser um destino possível para ele, caso os tucanos lhe neguem legenda para a próxima disputa presidencial.

segunda-feira, 18 de julho de 2011

Uma "Relação Global" entre EUA e Brasil

Por Maurício Santoro ( Blog Todos os Fogos o Fogo, 18/07/2011)

Na semana passada foi divulgado o relatório do Council on Foreign Relations (CFR) sobre as relações entre Brasil e Estados Unidos. Elaborado por acadêmicos e ex-diplomatas, o documento argumenta que os EUA precisam reconhecer a ascensão brasileira ao status de ator global e defende que Obama tome várias medidas de boa vontade, como declarar apoio ao pleito do Brasil por vaga no Conselho de Segurança da ONU (como já fizeram França, Reino Unido e Rússia) e faciltar o acesso ao mercado americano do etanol brasileiro.

O CFR é o mais importante centro de pesquisa dos EUA em relações internacionais, e suas publicações têm bastante peso, expressando o consenso entre Democratas e Republicanos nas prioridades em política externa. O teor de suas recomendações sobre o Brasil não é novo: elas têm sido expressadas em maior ou menor grau por líderes dos dois partidos, inclusive pelo presidente Barack Obama e pela secretária de Estado Hilary Clinton. A importância do relatório reside na sistematização dessas propostas e na conjuntura atual, com a severa crise financeira nos Estados Unidos e na Europa.

O documento tem 125 páginas, o tamanho de um pequeno livro, e concentra-se na análise dos últimos 10 anos, com previsões para os próximos anos de que a economia brasileira continuará a crescer, baseada em agricultura, mineração, energia e na expansão da classe média. O relatório afirma que o Brasil será um dos países mais influentes da política internacional no século XXI e que é necessário que os EUA adaptem-se a essa ascensão, inclusive tratando o Brasil menos como um membro da América Latina e mais como um ator global de méritos próprios.

As maiores fragilidades do relatório estão na ausência de discussões sobre a história brasileira e sobre o sistema político doméstico. São fatores fundamentais para entender as ambições e frustrações do país, como sua busca por influência entre outras nações desenvolvimentos, a procura de um papel autônomo na África e no Oriente Médio ou a dificuldades dos governos federais em administrar o “presidencialismo de coalizão” e de implementar reformas abrangentes em áreas como infraestrutura e educação. Me parece que o CFR exagerou no voluntarismo, creditando à presidente Dilma Rousseff mais poder do que ela de fato dispõe, e errou ao acreditar demais em sua retórica, como na suposta reformulação abrangente da diplomacia de direitos humanos.

Seria interessante que alguma universidade ou centro de pesquisa brasileiro tivesse uma iniciativa semelhante e preparasse um um estudo sobre as transformações e crises nos EUA atuais, apontando as perspectivas para a política externa brasileira.

Dilma age rápido na crise de olho na classe média

Por Natuza Nery (Folha de S.Paulo, 18/07/2011)

Ao menos uma preocupação orientou o governo na crise no Ministério dos Transportes desde seu primeiro dia: a repercussão do escândalo na classe média. A presidente Dilma Rousseff viu dados de pesquisas internas de opinião, analisou o impacto do caso nesse estrato social e, em seguida, concluiu que "a linha (de ação) está boa". Interlocutores descreveram a cena, afirmando que a decisão de afastar rapidamente os suspeitos de irregularidade da pasta "pegou bem" entre os entrevistados com melhor remuneração, justamente a base social que Dilma quer pavimentar como ativo político neste mandato.

No primeiro dia da crise, a presidente determinou o afastamento de quatro servidores citados em reportagem da revista "Veja" como operadores de um esquema de corrupção no ministério, no Dnit (Departamento Nacional de Infraestrutura de Transportes) e na Valec, estatal de ferrovias. Quatro dias mais tarde, caía o então ministro Alfredo Nascimento. Aliados no Congresso protestaram contra o desligamento "apressado" de apadrinhados políticos, alegando ausência de provas para um rito sumário. Praticamente todos os suspeitos citados pela imprensa deixaram seus cargos em questão de horas.

Após a experiência "pedagógica" na crise que derrubou Antonio Palocci da Casa Civil, o Planalto decidiu agir rápido nos Transportes para não perder mais pontos com a classe média. Com Palocci, Dilma levou três semanas para sacramentar a demissão de seu auxiliar mais poderoso. A demora custou-lhe perda indiscutível de apoio nessa camada específica.

"Ficou muito claro para a população que ela deveria ter sido mais rápida. Acho que a postura atual, de demorar poucas horas, é um reflexo [da crise anterior]", afirmou Mauro Paulino, diretor do Datafolha. Tanto que a imagem de "indecisa" de Dilma pulou de 15% em março para 34% em junho. Ela também viu crescer sua avaliação negativa entre aqueles com remuneração superior a 10 salários mínimos -de 9%, em março, para 20% em junho. Nesse mesmo corte, 79% avaliaram que a crise envolvendo a Casa Civil foi prejudicial ao governo. "É muito clara a postura mais crítica da classe média do que na base da pirâmide social", disse Paulino.

Como houve lentidão para definir o destino de Palocci, Dilma decidiu ter pressa com Alfredo Nascimento e alguns de seus comandados.Nas palavras de um ministro, "Dilma quer mostrar a todos, mas sobretudo à classe média, que não tem contemplação com desvio ético". No passado, o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva era criticado por manter em sua equipe servidores acusados de cometer irregularidades. Como mantra, ele dizia que cabia ao acusador o ônus da prova.

terça-feira, 12 de julho de 2011

Carnaval 2012: pontapé inicial é dado; Nordeste será destaque

Por Murillo Victorazzo

Diz a máxima que malandro não para, dá um tempo. Representante, no imaginário popular, da boa malandragem, o sambista, de fato, confirma o chavão. Apenas quatro meses depois de darem um tempo, as escolas de samba fizeram mais um "esquenta" oficial rumo ao próximo carnaval. Depois da escolha dos enredos, na última quarta-feira, 6, a Liesa sorteou a ordem do desfile do Grupo Especial, que, em 2012, parece ter como destaque as homenagens à região Nordeste.

Ser a segunda ou terceira a entrar na Sapucaí em um dia de desfile é motivo de ceticismo em muitas escolas. No Salgueiro, porém, se olharmos seu histórico, o sentimento tende a ser outro. Foi como segunda agremiação da segunda-feira de carnaval de 2009 que a vermelha e branca tijucana viu seu "Tambor" ecoar magistralmente no Sambódromo, levando-a ao seu mais recente título. E, em 2007, o belo embora não vencedor "Candaces" sacudiu a Avenida ao ser a terceira a desfilar no último dia da competição. Para o otimismo dos salgueirenses, esta é a ordem em que a escola apresentará, ano que vem, o promissor enredo "Cordel branco e encantado", sobre a literatura de cordel. A bela sinopse, toda rimada, no estilo desse gênero literário, e a já mais do que reconhecida capacidade do carnavalesco Renato Lage são mais dois fatores que, aparentemente, justificam as esperanças da comunidade salgueirense.

O Nordeste se verá representado ainda em, pelo menos, mais quatro escolas. O sertão da região entrará na Sapucaí através da Unidos da Tijuca, que  lembrará o centenário de nascimento do rei do baião, Luis Gonzaga. Penúltima a desfilar na Avenida na segunda-feira de carnaval, a agremiação do carnavalesco Paulo Barros já desperta curiosidade novamente: “O dia em que toda a realeza desembarcou na Avenida para coroar o Rei Luiz do Sertão” é um enredo que foge ao estilo dos últimos trabalhos de Barros. Como ele adaptará sua marca inovadora de inspiração hollywoodiana em um desfile biográfico e essencialmente sertanejo é, até agora, a principal indagação no mundo do samba.

Ao contrário da Tijuca, a campeã Beija-Flor está mais do que acostumada a homenagear - seja a personalidades ou a cidades e estados. Em 2012 não será diferente. A azul e branca nilopolitana será outra a falar do Nordeste, especificamente de São Luiz, capital maranhense. O enredo “São Luís – O poema encantado do Maranhão” será o penúltimo a ser apresentado no domingo de carnaval. Se seus críticos reclamam de seu tradicionalismo, acusando-a de ser sempre "mais do mesmo", o histórico de carnavais vencedores mostra que a escola sabe como abordar temas nesse estilo. Em 2005, por exemplo, "O vento corta as terras dos Pampas. Em nome do Pai, do Filho e do Espírito Guarani. Sete povos na fé e na dor... Sete missões de amor", sobre a cidade gaúcha de Sete Povos das Missões, levou a escola ao seu segundo tricampeonato. E, em 2008, ao enaltecer a capital amapaense com  "Macapabas: equinócio solar, viagens fantásticas do meio do mundo", Nilópolis faturou mais um bicampeonato.

Contudo, alguns pontos do retrospecto da Beija-Flor podem arrefecer o entusiasmo dos nilopolitanos. Nos últimos 15 anos, a escola não foi a última ou penúltima a se apresentar em um dos dois dias de competição apenas três vezes. Mas, d
iferentemente do próximo ano, em 2005 e 2008, a escola encerrou o carnaval, na segunda-feira. Ainda mais preocupante é o fato de, dos sete títulos levantados nesse período, nenhum ter sido evoluindo no domingo. Convém ressaltar, porém, que tabus são feitos para serem quebrados, ainda mais se levarmos em conta a paixão, a disciplina da comunidade local e o currículo da vitoriosa Comissão de Carnaval, comandada pelo expert Laíla. A lógica nos permite supor que, mais uma vez, a primeira do ranking da Liesa sairá da Sapucaí como umas das favoritas para levantar o troféu maior.

A tradicionalíssima Portela  é outra que homenageará o Nordeste. Para tentar quebrar o tabu de quase 30 anos sem título, a azul e branco de Madureira apostará na alegria, na energia e na espiritualidade do povo baiano, através de suas festas. Mas, por falar do segundo estado mais lembrado na Sapucaí (por razões óbvias, só perde para o Rio de Janeiro),  o enredo ".... E o povo na rua cantando. É feito uma Reza, um Ritual” corre o risco de se tornar repetitivo. O carnavalesco Paulo Menezes terá que estar muito inspirado para descrevê-lo de modo diferente a tudo que já foi visto em vários anos anteriores. Junto ao fato de ser a segunda escola a entrar no Sambódromo, a sensação é de que os portelenses terão que suar para alcançar seu objetivo.

Terceira agremiação a desfilar, a Imperatriz também celebrará a cultura da Bahia. Um dos principais escritores brasileiros e mestre na construção de personagens baianos, Jorge Amado terá sua vida retratada pela verde e branco de Ramos. "Jorge, Amado Jorge" é o título do enredo no qual o carnavalesco Max Lopes aposta para a escola voltar a gritar "É campeã" após dez anos. Merecido, não há dúvida que o tema é, principalmente no ano de centenário de nascimento do pai de "Gabriela".

Outras três escolas sempre consideradas favoritas deixaram de lado o surto nordestino e apresentarão temas bem diferentes uma das outras. Depois da tragédia deste ano,quando seu barracão foi arrasado pelo gigantesco incêndio na Cidade do Samba, a Grande Rio contará histórias de volta por cima que se assemelham ao ocorrido com ela. "Eu Acredito em Você! E Você?" é o enredo através do qual a tricolor de Caxias tentará entrar no seleto grupo de campeã. Em 2012, além da força econômica e da vontade ainda maior de conquista de sua comunidade, a escola terá a sempre ótima oportunidade de encerrar o carnaval. Será a sexta agremiação da segunda-feira. Caso a conquista se concretize, não terá havido exemplo maior de superação.


Última (e excepcionalmente, no próximo ano, a sétima ) a passar pela Sapucaí no domingo, a Vila Isabel fará com que a Sapucaí não fique um ano sem falar da África, tema recorrente no carnaval. Sob a criatividade e os conhecimentos históricos da campeã Rosa Magalhães, a escola de Noel homenageará Angola. O título do enredo, porém, ainda não foi definido. Já a Mangueira levará a força de sua camisa para homenagear o Cacique de Ramos -ao lado do Cordão do Bola Preta, um dos bloco mais queridos e tradicionais do Rio. É um enredo que tem tudo para resultar em um desfile e em um samba leve, alegre e cativante -caso o carnavalesco Cid Carvalho acerte, em sua nova casa, o tom. Se levarmos em conta ainda a popularidade da escola e a ótima ordem de entrada -a quarta do último dia de carnaval-, a probabilidade de a Sapucaí levantar não é pequena.  

Por sua colocações nos últimos anos, duas escolas vêm, a princípio, no pelotão de trás nos bolões de favoritismo. Ambas, contudo, com boas chances de voltar no Sábado das Campeãs. A Mocidade Independente estreará o campeão Alexandre Lousada lembrando o aniversário de 50 anos de morte do grande pintor brasileiro Candido Portinari. Quarta agremiação a se apresentar no domingo, a verde e branco de Padre Miguel vem com o enredo “Por ti, Portinari, rompendo a tela, a realidade”. Competência e estrela, Louzada já mostrou ter. Resta saber como será seu casamento com as demais partes da escola para se ter noção de que carnaval será visto na Avenida.

No último carnaval, a União da Ilha contornou brilhantemente o trauma de ver seu barracão quase todo incendiado a poucos dias do desfile. Mesmo não sendo avaliada pelo júri oficial, passou com tanta emoção, garra e beleza pela Avenida que faturou o Estandarte de Ouro de melhor escola. Em 2012, a escola atravessará o Atlântico para ir além desse feito. Com o enredo "De Londres ao Rio, era uma vez uma ilha...", pretende ficar, pelo menos, entre as seis primeiras colocadas. Desenvolvido pelo carnavalesco Alex de Souza, o tema aproveita as Olimpíadas de Londres para homenagear a capital inglesa e fazer menção aos Jogos de 2016, no Rio. Segunda a entrar no Sambódromo na segunda-feira, a tricolor insulana vem revigorada. Se em condições adversas, ela deixou sua marca, não é otimismo bobo a comunidade esperar outro cativante carnaval.  

Primeira a entrar na Avenida na segunda-feira, a São Clemente apresentará o enredo “Uma aventura musical na Sapucaí”, de autoria do carnavalesco Fábio Ricardo. Disposta a permanecer no Grupo Especial, a escola de Botafogo, última colocada entre as avaliadas no último desfile, levará para a Avenida famosos musicais brasileiros. “Ópera do Malandro” e “Sassaricando” são alguns exemplos. Já a Renascer de Jacarepaguá estreará no Grupo Especial homenageando, assim, como a Mocidade, um pintor brasileiro.  Sob o título "O Artista da Alegria Dá o Tom na Folia", a obra de Romero Britto será o primeiro enredo a ser visto na Sapucaí em 2012.  O autor é o carnavalesco Edson Pereira, o mesmo que assinou o desfile campeão do Grupo de Acesso de 2011. Correndo contra  o tempo, a Porto da Pedra, do carnavalesco Roberto Szaniecki, ainda não fechou seu enredo. Quinta a desfilar no domingo, é bom a escola de São Gonçalo não hesitar. Afinal, as duas últimas colocadas não estarão presentes no Grupo Especial em 2013. E faltam apenas 221 dias para o carnaval... 

























 

quarta-feira, 6 de julho de 2011

O que o Irã deve aprender com a Turquia

Por Mohammed Ayoob (Open Democracy, 29/06/2011)*
Ao longo dos últimos dez anos, a Turquia tem traçado um caminho que combina os atributos essenciais de um Estado laico sob a governabilidade democrática com arraigados valores islâmicos, sem cair na falsa dicotomia de ter que escolher um sobre o outro. No entanto, contenciosamente, o país tem sido apontado como exemplo, se não modelo, para os países árabes que lutam para se democratizar. A Turquia é um exemplo não só para o mundo árabe mas também para a República Islâmica do Irã.
Irã e Turquia apresentam várias semelhanças. Ambos representam civilizações auto-confiantes que misturam o Islã com suas raízes históricas. Ambos se comprometeram a seguir, de modo geral, caminhos independentes em termos de política externa, especialmente em relação ao Oriente Médio. Ambos têm demonstrado, cada vez mais, recursos de soft power, aumentando assim suas influências nas relações inter-estatais e suas popularidades entre as populações árabes e não árabes da região. Ambos são poderes emergentes em suas respectivas sub-regiões - o Irã no Golfo Pérsico e a Turquia no Mediterrâneo Oriental e no Crescente Fértil. Nenhuma estrutura estável de segurança regional nestas áreas pode ser estabelecida sem a aprovação e a participação deles.

No entanto, grandes diferenças entre os dois aumentam a legitimidade interna do Estado turco e a sua influência regional, enquanto dificultam o desejo iraniano de atingir o seu pleno potencial nacional e regional. Estas diferenças foram claramente definidas com os resultados da recente eleição parlamentar da Turquia, quando o AKP obteve 50% dos votos em uma disputa livre e justa, com o notável comparecimento de 88% dos eleitores. Um significativo contraste com o regime no Irã, um sistema que tem se tornado cada vez mais faccionário e opaco. Os ataques contra o presidente iraniano Ahmadinejad vindo de apoiadores do líder supremo, o aiatolá Khamenei, incluem a acusação de que ele ganhou a eleição presidencial iraniana de 2009 através de fraudes.

A eleição turca de junho deste ano produziu um governo de partido único estável pela terceira vez, mas também reforçou os checks and balances, essenciais para a consolidação democrática, ao negar ao AKP a quantidade necessária de vagas para mudar a Constituição de forma unilateral. O partido governista dependerá de, pelo menos, parte da oposição para concretizar esta pretensão. Embora algumas das propostas sejam anacrônicas de acordo com militares e os padrões democráticos europeus, um consenso pluripartidário sobre elas lhes dará legitimidade muito maior.

O resultado do pleito turco está em nítido contraste com as eleições iranianas nos últimos anos. No caso iraniano, o não eleito Conselho Guardião tem muitas vezes desqualificados candidatos parlamentares e presidenciais por causa de suas orientações políticas. Esta prática atingiu seu pico nas últimas eleições parlamentares, quando proibiu grande parte das candidaturas reformistas. Isso garantiu a maioria para as facções linhas duras na Majlis, enquanto a eleição presidencial de 2009 produziu um resultado tão contra-intuitivo que levou a protestos de rua em massa e uma igualmente maciça repressão pelo regime.

É irônico que o líder supremo, cuja posição inicialmente prevista por Khomeini era de um árbitro neutro entre os clérigos e as instituições representativas consagradas na Constituição, tenha assumido um papel partidário, atuando contra não apenas as forças reformistas e liberais mas também um presidente eleito com a conivência do próprio líder supremo. Em vez de agir como um "check and balance", a última palavra, o líder supremo tornou-se parte da política partidária no Irã, desacreditando seu papel bem como a Constituição da qual deriva seu poder.

O que a elite governante iraniana precisa entender é que partidarismo não é a mesma coisa que organizar partidos políticos com plataformas transparentes. Instituições clericais não eleitas são vítimas de partidarismo e parcialidade por si próprias: checks and balances vêm do espírito democrático inato de Constituições, não da supervisão clerical e da manipulação de instituições representativas.

A mesma lição se aplica à relação entre Estado e religião nos dois países. Tanto o regime iraniano como o AKP se percebem como sendo enraizados em valores islâmicos que gostariam ver amplamente absorvidos por suas sociedades. No entanto, eles têm caminhado de maneiras muito diferentes na questão. O regime iraniano tentou impor sua versão dos valores islâmicos de cima para baixo, muitas vezes por meio da coerção, se não a força direta. O AKP, por outro lado está comprometido com a propagação dos valores islâmicos ("conservadores", no jargão atual Turquia) através do exemplo e sem transgredir os limites de uma constituição secular.

As duas abordagens diferentes têm sido substancialmente determinada pelas diferentes histórias dos dois países - o Xá do Irã foi derrubado por uma revolução "islâmica", em 1979, enquanto uma elite comprometida desejosa de reduzir o papel do Islã na vida pública estabeleceu a República Turca em 1923 . No entanto, essas diferenças também traduzem visões distintas da relação entre religião e Estado. No caso do Irã, o regime percebe o Estado como o instrumento através do qual impõe sua versão da lei e da moral islâmica. Na Turquia, o AKP percebe seu objetivo como resgatar o Islã por parte do Estado, enquanto, ao mesmo tempo, fornece-lhe maior lugar na esfera pública.

Esta última afirmação não é um paradoxo. A República Turca, em seu zelo para marginalizar o Islã, tem se comprometido em controlá-lo e subordiná-lo aos interesses do Estado, tal como definido pela elite kemalista. Para dar apenas um exemplo, sermões sexta-feira em todas as mesquitas na Turquia são vetados se não realmente ditada pela Direção de Assuntos Religiosos, que paga os salários de todos os funcionários religiosos, até os dos imãs de aldeias. A tentativa do Estado turco em regular os véus das mulheres é outro exemplo de como o Estado controla os preceitos religiosos. O secularismo kemalista não significou a separação entre religião e Estado. Em vez disso, significa a subordinação da primeira à segunda. O AKP está tentando suprimir progressivamente o estrangulamento do Islã pelo Estado e incentivar o país a um Estado verdadeiramente laico, no qual as duas partes podem manter suas autonomias em relação uns aos outros.

Ironicamente, na tentativa de impor ao público em geral sua versão do Islã, o regime iraniano acabou subordinando-o perante o Estado também. São os funcionários do Estado que agora ditam os contornos da religiosidade e da moral islâmica deixando a pequena sala dos crentes para exercer julgamentos independentes. Ao mesmo tempo, ao invocar constantemente seu papel de guardiães do Islã, os governantes iranianos têm confundido o Islã com o seu comportamento pessoal. Sua associação direta com a corrupção e delitos da elite dominante desacreditam a religião. O que a elite iraniana precisa aprender com a Turquia é como resgatar o Islã a partir do Estado: quando os dois se fundem, é o Estado que controla a religião, tanto distorcendo como desacreditando o último.

A recente onda de movimentos democráticos no mundo árabe trouxe para primeiro plano diferenças entre a Turquia e o Irã que transcendem o paradigma realista, muitas vezes aplicado na análise das relações internacionais. Isso não significa que a realpolitik seja irrelevante para a compreensão das reações iranianas e turcas a desdobramentos de eventos dramáticos em suas vizinhanças. As respostas turca e iraniana,  inicialmente cautelosas, à revolta na Síria, onde ambos têm grandes interesses económicos e estratégicos, demonstraram a validade do paradigma realista. Foi relativamente fácil para os dois países denunciar a ditadura de Mubarak no Egito, mas, uma vez que ambos investiram fortemente no regime de Assad, é muito mais difícil fazê-lo no caso da Síria.

Os cálculos realistas que têm dificultado as respostas à turbulência síria foram rapidamente temperados na Turquia por causa da natureza de sua política doméstica e pelo fato de a legitimidade do governo estar intimamente ligada a suas credenciais democráticas. O primeiro-ministro Erdogan fez clara sinalização aos movimentos democráticos na região em seu discurso de vitória, em 12 de junho. Declarou: "Vamos chamar, como temos, por direitos em nossa região, pela justiça, para o Estado de direito, para liberdade e democracia ". Erdogan também tem sido abertamente crítico à repressão da Síria sobre manifestantes pró-democracia e permitiu que elementos da oposição síria criem estratégias na Turquia. Suas fronteiras também foram abertas para os refugiados da repressão do regime de Assad.

Apesar da crescente evidência de repressão estatal, o Irã continua a honrar o seu aliado sírio. Protestos na Síria, como no resto do mundo árabe, espelham os protestos pró-democracia no Irã após a eleição presidencial contestada de junho de 2009. Lembram aos governantes do Irã seu próprio dilema de legitimidade. A Síria é parceira estratégica do Irã no apoio à resistência do Hezbollah libanês à dominação de Israel no Oriente Médio. Teerã tem criticado duramente a política de Ancara sobre a Síria, denominando-a de "sionista". Rompe, assim, abertamente sobre esta questão com a Turquia, que tinha emergido como amigo, se não aliado, do Irã nos últimos anos.

As diferenças das respostas iranianas e turcas à repressão brutal na Síria refletem a natureza de suas fontes domésticas de energia - um é representante da vontade popular; o outro, um híbrido de instituições representativas e fontes clericais não eleitas  de autoridade. Esta distinção não é sem importância na arena política externa, apesar do predomínio do paradigma realista nas relações internacionais. O sistema político interno turco ajudou Ancara a se posicionar no lado certo da História no Oriente Médio, enquanto o sistema iraniano conteve as escolhas de Teerã e o fez cair no lado perdedor.

*Tradução livre do blog

segunda-feira, 4 de julho de 2011

Malhação embaixo d'água

Por Murillo Victorazzo (matéria produzida na ISTOÉ, em 2003, mas não publicada)

Aquela hidroginástica tradicional, com pesos, bastões e músicas altas e rápidas, ganhou uma forte rival no Rio de Janeiro. A novidade fica por conta do professor de Educação Física José Cléber de Oliveira Souza, conhecido como o introdutor da hidroginástica no Brasil. Após três anos e meio de pesquisas, ele criou uma alternativa para os adeptos de uma malhação mais light. Juntou em uma só aula os conhecimentos de respiração e concentração da yoga, que servem para aumentar o fluxo de energia e oxigenação do corpo, com as técnicas de alongamento e automassagem do watsu (shiatsu dentro d’água) e chegou à hyowa.

J. Cléber, como é conhecido, afirma que os principais benefícios da modalidade são as melhorias das condições cardiorespiratórias, mobilidade articular, coordenação motora, combate à insônia e ao estresse, além de alongamento e tonificação muscular generalizada. “O aluno pode perder até mil calorias em uma hora de atividade”, calcula. As aulas se baseiam no aquecimento das articulações, trabalho de resistência muscular localizada, alongamentos e correções de postura. “O aluno aprende a soltar o peitoral e a usar o diafragma”, diz J. Cléber.

Para quem olha de fora, a impressão é de algo que não exige força, mas não é o que dizem os freqüentadores das aulas: “Equilibrar-se dentro d’água não parece, mas exercita muito o corpo”, afirma a publicitária Ana Cristina Ribeiro de Carvalho, 44 anos, uma das frequentadoras das aulas no Clube Germânia, na Gávea, zona Sul da cidade. Ela conta que nunca teve prazer em malhar até aprender a hyowa. “Me sinto dançando balé dentro d’água”, diz, exibindo o abdômen definido e brincando com seus amigos lutadores: “Costumamos fazer caminhada juntos e sempre ganho deles em resistência.” Ana Cristina fez recentemente um check-up, cujo resultado foi um “coração nota dez”, mesmo sendo de uma família com problemas cardíacos e vivendo na correria, com trabalho e filhos. “Só pode ser a hyowa que me deixa assim.”

J. Cléber explica que o menor impacto causado pela água e o fato de não usar pesos torna a técnica mais atrativa para os idosos. Não por acaso, a maior parte dos freqüentadores é de pessoas mais velhas, como a aposentada Marta Amorim Costa, 75 anos. Ela operou o coração e tem as artérias obstruídas, o que não a impede de fazer a hyowa há três anos. “Adoro esse lugar. Sinto-me rejuvenescida ao sair daqui”, propagandeia.

As aulas são praticada em piscinas aquecidas, com temperatura em torno dos 30 graus. “A água morna é o meio ideal para se atingir os estados mais profundos de relaxamento”, afirma ele. Outra diferença em relação à hidroginástica tradicional é a ausência de música “bate estaca” em volume alto. “O nosso fundo musical é o barulho da água. O exercício deve ser feito com tranqüilidade”, argumenta. “É uma meditação dentro d’água”, completa Ana Cristina.