terça-feira, 24 de março de 2015

Um socialista contra os bolivarianos

Por Murillo Victorazzo

Advogado, Felipe González entrou para a História da Espanha ao se tornar, em 1982, o primeiro presidente do Governo (primeiro-ministro) do campo da esquerda desde 1936. Durante esse espaço de tempo, o país fora governado por conservadores, seja o ditador Francisco Franco ou democratas. 

Por 14 anos, como líder do Partido Socialista (PSOE), González conduziu um gabinete de centro-esquerda que inspirou políticos social-democratas de várias regiões, inclusive o Brasil. Mesclou reformas econômicas pró-mercado (com regulação, mas não intervenção, estatal), direitos e serviços sociais amplos e garantidos pelo Estado e valores progressistas. Algo próximo à "Terceira Via" de Tony Blair. Foi um dos principais responsáveis pela modernização da economia espanhola.

Agora, este mesmo político anuncia que irá defender os opositores presos por Nicolás Maduro na Venezuela. Será que os defensores do chavismo ainda vão insistir na tese de que quem é contra ele é apenas a direita, os EUA e blá blá blá? Continuarão achando que esquerda moderna é esse anacronismo econômico misturado a autoritarismo político que está levando os venezuelanos ao caos?

Para desespero de alguns lá como cá, tanto à direita quanto à esquerda, o mundo não se divide entre "coxinhas reaças" e "comunas"...

quarta-feira, 18 de março de 2015

Insatisfação também aumenta em redutos petistas tradicionais

Por Mauro Paulino e Alessandro Janoni  (Folha de S.Paulo, 18/03/2015)

Com exceção dos simpatizantes do PT e de seus próprios eleitores, todos os demais segmentos socioeconômicos, políticos ou demográficos reprovam majoritariamente o desempenho de Dilma Rousseff. Mesmo nos estratos mais beneficiados pelas políticas sociais do governo, a rejeição disparou.

Pela primeira vez, a maioria dos que têm menor renda e menor escolaridade classifica sua gestão como ruim ou péssima. O mesmo ocorre no Norte e no Nordeste.

As manifestações do fim de semana e sua repercussão intensificaram a frustração que evoluía desde fevereiro. Desde o último levantamento do Datafolha, a divulgação da lista do procurador Janot, a crise com o Congresso, os panelaços, as confusões no FIES e a mobilização da classe média potencializaram o peso da corrupção no terreno fértil da incerteza econômica.

O grau de capilaridade e cobertura das variações na opinião pública, apesar do alto prestígio e poder atribuídos às redes sociais pelos brasileiros, deve-se principalmente à comunicação em massa por rádio e TV, que alcança todas as regiões e segmentos da população. Sintoma disso são os 73% que tomaram conhecimento da divulgação dos nomes dos políicos que serão investigados pela Operação Lava Jato, índice que se mostra elevado também no Norte (68%) e no Nordeste (72%).

A gestão Dilma desce a patamares de reprovação equivalentes à instabilidade do governo Sarney e aos últimos suspiros de Collor antes de sua renúncia. O Congresso também vive sua pior crise de imagem junto à opinião pública desde o escândalo dos anões do Orçamento, em 1993.

O índice de aprovação da presidente é idêntico ao de FHC em setembro de 1999, depois do ajuste que desvalorizou a moeda brasileira. Como esperança para a petista, há ainda a referência de Itamar, que tinha apenas 16% de ótimo ou bom cerca de um mês antes da implantação do Real.

O caminho a ser percorrido pela opinião pública nos próximos meses depende de como se comportará essa imensa maioria, de perfil oposto ao dos que foram às ruas nos últimos dias. A maioria tem a insatisfação em comum com os manifestantes, mas é mais carente, menos politizada e mais pragmática quanto aos serviços públicos e à influência da economia em suas vidas.

Entre os que têm nível superior de escolaridade, 11% dizem ter saído às ruas para protestar no domingo, taxa que cai para 1% entre os de nível fundamental. Entre os que têm renda maior do que 10 salários, 12% dizem que o fizeram, contra 2% entre os mais pobres. Na avenida Paulista, no domingo, 68% tinham renda familiar superior a 5 salários, taxa que corresponde a 27% entre os paulistanos.

Cada vez mais inseguros sobre o emprego, muitos brasileiros já não enxergam no governo o continuísmo pelo qual optaram na última eleição, mas também não se identificam com a maioria dos manifestantes. Executivo e Congresso, se quiserem minimizar a crise, devem ações concretas a seus representados. E a classe média, se quiser maior representatividade, deve encorajar "rolezinhos" nas suas manifestações.

* Mauro Paulino e Alessandro Janoni são diretores geral e de pesquisas do DataFolha

segunda-feira, 9 de março de 2015

Racionalidade, por favor

Por Murillo Victorazzo

Como alguém que sonha com uma social-democracia de verdade no país e por isso já votou no PT e no PSDB, que tem nojo dessa direita representada por certos articulistas de Globo e Veja e das viúvas de 64, que teme os extremismos de direita e esquerda, que já foi rotulado de petista por reconhecer méritos no governo Lula, e de tucano por aplaudir avanços na Era FHC - e criticá-los em seus vários defeitos -, acho que tenho a isenção pra dizer: a imbecilização do debate político chegou ao ponto de agora ficarem em rede social discutindo se na sua vizinhança houve ou não panelaço, como se só o fato de em vários locais ter hoje acontecido não provasse que algo está errado, que Dilma está no canto do ringue. 

Apelar (ou se limitar a) para a batida luta de classe é, além de tudo, miopia, basta ver a queda vertiginosa de popularidade da presidente e os 51 milhões de votos da oposição. Quisera o Brasil ter tanto rico assim. Assim como é desprezível usar de palavras vulgares para se referir à presidente da República. Nem mesmo no mensalão houve o que está havendo no país agora. Se o governo ( e seus defensores apaixonados) achar que só os ricos/classe média alta estão insatisfeitos com o cenário político-econômico, meio caminho andado para seu nocaute terá sido percorrido. 

É fato que os que sempre tiveram rejeição prévia, ideológica, ao PT usam o momento como catarse. O ladrão do outro é pior que o meu ladrão. Indignação seletiva há infelizmente. É fato que dá nojo a hipocrisia de políticos do PSDB e aliados falando em ética, ou do cinismo de gente que defende épocas sombrias, quando a falta de liberdade de imprensa, do MP, e a fragilidade da PF impediam o acesso a informações e consequentemente qualquer investigação. 

Acho patético ver gente agora compartilhando discursos "indignados"de tucanos e demistas com rabo preso direta ou indiretamente, ou pessoas tentando ideologizar a ladroagem. É cara de pau ou falta de memória. Corrupção não tem limite tolerável. Quando muito, quem roubou 5 não tem moral para falar de quem roubou 7, 8, 10,ou 20. A população alheia a interesses partidários, ricos ou pobres, tem. É preciso muito fígado para aturar uma galera que desconhece nossa história "cagar regra". 

Mas é inegável que Dilma seja incompetente, que ela pratica o oposto do que defendeu na campanha eleitoral, que os avanços sociais ocorridos nas últimas décadas correm risco por sua visão equivocada de política econômica e inabilidade política, que o "petrolão" é grave demais e bate na sua porta. Isto não significa, por enquanto pelo menos, defender impeachment, instrumento jurídico sério e custoso ao país, onde se precisa ter provas concretas do dolo criminal ( incompetência não é requisito) do chefe de governo.

Há muita gente brincando (por desconhecimento ou ardil) com isto. Há muita gente, em ambos os lados, que parece não entender o que é democracia. Protestar, mais que válido, é obrigação. Dilma está acuada, antes de tudo, por culpa sua e de seu partido, não de terceiros. O quadro é lamentavelmente sério. Racionalidade, por favor.

sexta-feira, 6 de março de 2015

A hora e a história

Por Demétrio Magnoli (Folha de S.Paulo, 28/02/2015)

O governo Dilma 2 acabou antes de começar. Batida pelo turbilhão da crise que ela mesma engendrou, a presidente perdeu, de fato, o poder, que é exercido por dois primeiros-ministros informais: Joaquim Levy comanda a economia; Eduardo Cunha controla as rédeas da política. Na oposição, entre setores da base aliada e, sobretudo, nas ruas, a palavra impeachment elevou-se, de murmúrio, à condição de grito ainda abafado. É melhor pensar de novo, para não transformar o Brasil num imenso Paraguai.

Nos sistemas parlamentares, um voto de desconfiança do Parlamento derruba o gabinete, provocando eleições antecipadas. No presidencialismo paraguaio, regras vagas de impeachment conferem aos congressistas a prerrogativa de depor um chefe de Estado que não enfrenta acusações criminais. Um parecer de Ives Gandra Martins sustenta a hipótese de impedimento presidencial por improbidade administrativa, mesmo sem dolo. Na prática, equivale a sugerir que Dilma poderia ser apeada com a facilidade com que se abreviou o mandato de Fernando Lugo. A adesão a essa tese faria o Brasil retroceder do estatuto de moderna democracia de massas ao de uma democracia oligárquica latino-americana.

Não são golpistas os cidadãos que fazem circular o grito abafado. Dilma Rousseff tornou-se um fardo pesado demais. Lula deu o beijo da morte no segundo mandato da presidente ao lançar sua candidatura para 2018 antes ainda da posse. No ato farsesco de "defesa da Petrobras", o criador da criatura emitiu sinais evidentes de que, em nome de sua campanha plurianual, prepara-se para assumir o papel um tanto ridículo de crítico do governo. Diante de uma presidente envolta na mortalha da solidão, os partidos oposicionistas parecem aguardar uma decisão das ruas. Fariam melhor oferecendo um rumo político para a indignação popular.

Antes de tudo, seria preciso dizer que, na nossa democracia, a hipótese de impeachment só se aplica quando há culpa e dolo. O complemento honesto da sentença é a explicação de que, salvo novas, dramáticas, informações da Lava Jato, inexiste uma base política e jurídica sólida para abrir um processo de impedimento da presidente. Contudo, só isso não basta, pois o país não suportará mais quatro anos de "dilmismo", essa mistura exótica de arrogância ideológica, incompetência e inoperância.

"Governe para todos --ou renuncie!". No atual estágio de deterioração de seu governo, a saída realista para Dilma é extrair as consequências do fracasso, desligando-se do lulopetismo e convidando a parcela responsável do Congresso a compor um governo transitório de união nacional. O Brasil precisa enfrentar a crise econômica, definir a moldura de regras para um novo ciclo de investimentos, restaurar a credibilidade da Petrobras, resgatar a administração pública das quadrilhas político-empresariais que a sequestraram. É um programa e tanto, mas também a plataforma de um consenso possível.

"Governe para todos --ou renuncie!". O repto é um exercício de pedagogia política, não uma aventura no reino encantado da ingenuidade. As probabilidades de Dilma romper com o lulopetismo são menores que as de despoluição da baía da Guanabara até a Olimpíada. Isso, porém, não forma uma justificativa suficiente para flertar com o atalho do impeachment. Se a presidente, cega e surda, prefere persistir no erro, resta apontar-lhe, e a seu vice, a alternativa da renúncia, o que abriria as portas à antecipação das eleições.

Dilma diz que a culpa é de FHC. Lula diz que é da imprensa, enquanto reúne-se com o cartel das empreiteiras. A inflação fará o ajuste fiscal. Por aqui, os camisas negras usam camisas vermelhas. A justa indignação da hora faz do impeachment uma solução sedutora. Mas a história não é a hora. Dilma vai passar, cedo ou tarde. Ela não vale o preço da redução do Brasil a um Paraguai.

quarta-feira, 4 de março de 2015

Obrigado, Léo Moura!

Por Murillo Victorazzo

Quis o destino que, depois de passar por vários clubes sem se firmar, o menino na foto entrasse para a história do seu time de coração. Longe de ser um Leandro, um C.A.Torres ou um Jorginho, sua habilidade com os pés ajudou-o a conquistar um título brasileiro (2009), duas Copas do Brasil (2006/13) e cinco estaduais (07/08/09/11/14).

Mas mais do que isso, ganhou o coração da torcida, mesmo nos momentos em que tecnicamente esteve mal, pelos dez anos de dedicação e profissionalismo, marca raríssima no volúvel futebol atual. Gente boa, discreto, tornou seu estranho cabelo moicano moda entre os pequenos flamenguistas. 

Décadas atrás, entrava ao lado do ídolo-maior  de seu time no gramado do Maracanã, hoje receberá dele (coincidentemente aniversariante de ontem), no mesmo estádio, em nome de 40 milhões de apaixonados, os agradecimentos por honrar o manto do Mais Querido do Brasil por tanto tempo - muitos dos quais como capitão. 

São estes destinos cruzados que, apesar de tudo, ainda me fazem adorar o futebol e amar o meu time. Porque o fã aprendeu com o Rei: vestir o vermelho e preto e tê-lo em seu sangue é privilégio para poucos; ser ídolo da maior torcida do país é para agradecer todo dia a Deus. Valeu, Léo! A Nação Rubro-Negra te agradece!

terça-feira, 3 de março de 2015

Não há alternativa ao acordo com o Irã

Por Clovis Rossi (Folha de .Paulo, 03/03/2015)

O discurso de Binyamin Netanyahu no Congresso norte-americano é um clássico da aplicação do velho dito popular, o que fala em juntar a fome com a vontade de comer.

Bibi, como é chamado o premiê israelense, permitiu aos republicanos do Congresso saciar sua fome de semear obstáculos à administração Obama, ao mesmo tempo em que ele próprio dava vazão à sua vontade de morder simbolicamente o presidente norte-americano, com o qual as relações sempre foram de ruins para péssimas.

Ao desenhar o programa nuclear iraniano como um claro e presente perigo para a sobrevivência de Israel, Bibi acrescenta argumentos para que os republicanos boicotem um eventual acordo com o Irã, que seria um belo legado da administração Obama.

Que a posse da bomba pelo Irã (ou qualquer outro país) é sempre um perigo, não há dúvida. Mas Netanyahu superestima o perigo, como o faz sempre. Em 2012, por exemplo, dissera na Assembleia-Geral da ONU, que, "em poucos meses, possivelmente em poucas semanas, eles [os iranianos] terão suficiente urânio enriquecido para a primeira bomba".

Nem o serviço secreto israelense acreditava nele, como demonstra vazamento de relatório da mesma época do Mossad: "O Irã não está desenvolvendo a atividade necessária para produzir armas".

O problema de fundo, no entanto, nem é se o Irã está ou não na iminência de ter a bomba. O que interessa é como se pode evitar que chegue a ela. E aí não há alternativa a um acordo como o que está sendo negociado. Digamos que se rompam as negociações e, em consequência, o Irã acelere o programa nuclear até chegar à possibilidade de produzir a bomba.

O que farão as potências ocidentais que agora negociam com o Teerã? Bombardearão o país? É simplesmente impensável pelo tremendo conflito no mínimo regional que provocaria, talvez um conflito global. E Israel seria certamente a primeira vítima.

Um acordo aceitável para as partes permitiria trazer o Irã de volta à comunidade internacional, o que, por sua vez, reduziria sua beligerância em relação a Israel, ao menos em tese