quinta-feira, 30 de agosto de 2012

Patrimônio cultural não se vende, não se aluga, não se empresta

Por Rachel Valença* (SRZD-Carnaval, 30/08/2012)

Há cerca de um mês e meio escrevi aqui sobre as propostas de gestão do carnaval de um pré-candidato à prefeitura do Rio, Marcelo Freixo. Hoje ele já é oficialmente candidato e o assunto tem ocupado - para alegria dos aficcionados - as páginas dos principais jornais, de forma muita polêmica. Dos oito tópicos que compõem a pauta proposta pelo candidato, dois não dizem respeito ao desfile das escolas de samba, a saber: apoio a todas as instituições carnavalescas e preservação das entidades foliãs e seus espaços comunitários.

Os outros seis relacionam-se ao chamado "maior espetáculo da Terra", mas curiosamente só um tem sido debatido. Tenho, no entanto, a sensação de que ele não é o que mais incomoda. Está apenas sendo usado para tirar o foco do real problema, do verdadeiro incômodo causado pela plataforma do candidato. Por exemplo, alguém é contra a proposta de apoio às agremiações dos grupos de acesso, aquelas que mais mereceriam a atenção do poder público e hoje estão entregues à própria sorte, sem recursos e sem estrutura? Me parece que não.

Também não mereceu nenhum comentário positivo ou negativo a retomada do projeto original da Passarela do Samba, com o fim dos privilégios de camarotes exclusivos e fixos concedidos a certas escolas e a democratização do espaço para que haja ingressos a preços populares ao longo de todo o percurso e não apenas na concentração e na dispersão. Às vésperas de uma eleição, quem ousaria combater publicamente uma proposta que beneficia muitos e prejudica tão poucos?

O fim da exclusividade de transmissão televisiva de uma só emissora também parece ser uma proposta bastante democrática, pois a sadia concorrência e a possibilidade de termos diferentes olhares e abordagens sobre o espetáculo só aumenta a qualidade da transmissão. E este tópico, de tanta importância, se desdobra na proposta de gratuidade de transmissão para as tevês educativas, que, por sua natureza, privilegiaria os aspectos culturais e educacionais do espetáculo.

A TVE fez durante longo período a melhor cobertura do desfile, com comentaristas isentos e com informação precisa e relevante. Mas parece que não era esse o modelo predileto dos que se apropriaram da organização da festa, e a concorrência incomodava seus poderosos parceiros, de modo que o canal educativo foi alijado da transmissão. Com isso, perdemos nós todos, mas alguém ganhou, pois o monopólio de transmissão aí está até hoje. A quebra desse monopólio, proposta por Freixo, contraria interesses, mas ninguém protestou contra o tópico.

Toda a discussão está espertamente focada, no momento, na questão da contrapartida cultural dos enredos. Ela é vista como atentatória à liberdade de escolha e de criação. Mas, para sermos inteiramente sinceros, na escolha dos atuais enredos há liberdade? Não me parece. É o poder econômico que dita as escolhas. O bom enredo passa a ser aquele que rende mais. Azar do carnavalesco, azar do compositor, azar do componente, azar do público que assiste. É a força da grana... É o fim da criatividade e do compromisso com a cultura. E a isso chamam liberdade...

É ponto pacífico que todo cidadão, todo contribuinte deve preocupar-se com o destino do dinheiro público, saber como foi empregado e se houve prestação de contas para garantir sua correta utilização. Da mesma forma, parece bastante claro que cabe ao poder público gerir todas as atividades culturais de interesse comum.

Ninguém discute, por exemplo, que é da Prefeitura o dever de organizar e administrar a festa do réveillon em Copacabana. E ninguém apoiaria se amanhã ou depois a Prefeitura anunciasse que a festa estava desorganizada, que fazê-la funcionar adequadamente era muito difícil e que a partir de agora uma instituição privada administraria o evento a seu bel-prazer, cobrando ingresso de quem quisesse assistir, construindo camarotes para seus Vips e assim por diante.

Sempre defendi que, por se tratar de um evento cultural, o assunto escola de samba é prioritariamente pertinente à Secretaria de Cultura. É de lá que devem sair as decisões sobre assuntos relacionados à festa, norteadas sempre por fatores culturais. Em resumo, trata-se de devolver ao poder público a gestão do carnaval, principalmente dos desfiles de escolas de samba, que há muito tempo está nas mãos da entidade representativa das próprias agremiações.

Tal controle resultou em muitos acertos na organização da festa, sentidos sobretudo porque a situação anterior era de descontrole e desorganização, patenteando naquele momento a dificuldade de um órgão público na gestão do evento. Como é comum em nosso país, ao invés de tentar consertar os erros e partir para uma gestão com qualidade e transparência, preferiu-se o caminho da privatização: caminho fácil para quem não quer se preocupar com algo que no fundo não valoriza nem sequer reconhece como cultura.

Não há como negar, porém, que nem tudo funciona às mil maravilhas na atual gestão dos desfiles: os ingressos são caros, a estratégia de vendas é ultrapassada (é o único dia do ano em que meu aparelho de fax funciona e só o mantenho para comprar ingressos na central de vendas da Liesa!), os critérios de credenciamento são altamente discutíveis e resultam na aparição na pista de pessoas totalmente alheias à festa; a escolha de julgadores dá sempre margem a dúvidas e especulações quanto à competência e a isenção deles.

Tais descaminhos são vistos por todo mundo, são comentados na imprensa e nas redes sociais e todo mundo sabe como vão acabar: no gradativo desinteresse por um espetáculo que vai se tornando menos autêntico a cada ano. De um desfile que afasta de si cada vez mais o seu público legítimo, hoje quase alijado do espetáculo. De uma administração que só considera escolas de samba as agremiações do chamado Grupo Especial, entregando à própria sorte aquelas que mais precisariam de subvenção pública, mas que, ao contrário, recebem migalhas.

Todo mundo sabe, todo mundo vê. Mas falta coragem, dentro e fora das escolas, para protestar. É como se não pudesse haver volta, como se fôssemos obrigados a concordar com tudo que emana daqueles que se erigiram em donos da festa. Como se fôssemos condenados a esse destino, sem chance de mudança e de salvação.

Este é que me parece o cerne da questão: já pensaram quantos interesses serão contrariados se a gestão do carnaval voltar ao poder público? Muito mais certamente do que a exigência de contrapartida cultural nos enredos. Mas esta última é uma questão mais fácil de angariar adesões, em nome de uma pretensa liberdade.

Não me espanta que os dirigentes da Liesa saiam em defesa de seus interesses. Não me causa constrangimento que dirigentes de escolas de samba que vendem enredos defendam sua fonte de renda. O que me admira é ver pessoas bem intencionadas repetirem esses argumentos nada desinteressados, talvez por temerem o novo, talvez por considerarem que nada vai mudar mesmo.

As mudanças são possíveis e só dependem de vontade política. Se até hoje o poder público optou por se omitir, não quer dizer que tenha de ser assim, muito menos que deva ser assim. Há de ser diferente, eu espero. Pois tristeza mesmo me causou a declaração, no jornal O Dia da sexta, 24 de agosto, do prefeito Eduardo Paes, a respeito desta polêmica: "O que sei é que, em 2013, reeleito ou não, estarei na bateria da Portela".

Desculpem a sinceridade, mas de um prefeito se deve esperar, em relação ao carnaval e ao samba, bem mais do que tocar tamborim. E de um ritmista se deve espera mais dedicação e mais ensaio do que um prefeito pode dar.

* Rachel Valença é jornalista, mestre em Língua Portuguesa pela UFF. Pesquisadora do projeto de elaboração do dossiê "Matrizes do samba no Rio de Janeiro", para registro do samba carioca como patrimônio cultural do Brasil, Rachel foi ritmista e vice-presidente da Império Serrano.

terça-feira, 21 de agosto de 2012

Marola ou ressaca vermelha?

Por Murillo Victorazzo

A pouco mais de 40 dias das eleições municipais, a campanha entra, nesta semana, em sua fase mais visível: o horário eleitoral gratuito em rádio e televisão. É a partir de agora que os candidatos ganharão mais visibilidade, com os embates entre eles esquentando. Porém, ainda que muita água vá rolar até dia 7 de outubro, uma certeza já se tem: o prefeito Eduardo Paes (PMDB) larga de um patamar extremamente vantajoso, com grandes possibilidades de vencer sem a necessidade de segundo turno. 

Segundo a última pesquisa do Ibope, caso o pleito acontecesse hoje, Paes seria reeleito em primeiro turno, com 47% dos votos. Nada que surpreenda, em se tratando de uma administração bem avaliada pela população: 41% consideram seu governo ótimo/bom; 38%, regular; e 19%, ruim/péssima Em seguida, bem distante, encontra-se o deputado estadual Marcelo Freixo, do minúsculo porém combativo e ideológico PSOL, com 12%. A seguir, ainda mais longe, vêm os deputados federais Rodrigo Maia (DEM) e Otavio Leite (PSDB), com 5% e 3% respectivamente.

Além do favoritismo do atual prefeito, outras duas tendências são bem claras. Freixo surge desde já como o novo queridinho das classes médias e altas ( com exceção possivelmente de seus setores mais conservadores), destacando como a principal -e talvez única- esperança de surpresa no pleito. E o ex-prefeito César Maia e o ex-governador Anthony Garotinho correm sérios riscos de protagonizarem enorme fiasco eleitoral com a chapa composta por seus filhos. 

Com a imagem de político ético, progressista e forte opositor do governo Cabral na Alerj, características ressaltadas com seu papel à frente da CPI das milícias, Freixo tem muitas semelhança com Fernando Gabeira - embora este tenha, nos últimos anos, caminhado rápido demais para o centro. Seus eleitorados têm, não por coincidência, o mesmo perfil médio: força na Zona Sul e Grande Tijuca e entre os de escolaridade mais alta.

O socialista tem outras vantagens em potenciais perante o verde. A essa época, em 2008, Gabeira tinha menos intenções de votos do que ele agora. Com quatro pontos percentuais a mais do que mês passado, Freixo inicia aparentemente a fase televisa em condições mais promissoras. Tem, além disso, ótimas chances de atrair o eleitorado petista descontente com a aliança com Paes, algo que Gabeira não conseguiu, devido a sua aproximação com tucanos e demistas.  No primeiro turno daquela eleição, o PT apresentou candidato próprio, o deputado Alessandro Molon.

Caso a chance de segundo turno entre Freixo e o prefeito se torne mais concreta, a crise latente no PT carioca virá à tona. É bem provável que, neste caso, muitos dos petistas que ainda aceitam engolir Paes ou os que, como Molon, negam-se a fazer campanha para o prefeito mas não declararam, por hora, voto em outro candidato, juntem-se aos dissidentes do partido que já se bandearam para o PSOL. Petista histórico, Chico Buarque, por exemplo, já foi para lá. (foto acima)

Por outro lado, a favor de Paes diga-se que ele, antes de iniciar o período televiso de 2008, também tinha menos intenções de voto do que hoje - quase a metade! Para se ter melhor noção, o resultado do primeiro turno foi 28% x 22% a seu favor, contra Gabeira. Quatro anos depois, com a força das máquinas municipal, estadual e federal, um governo com boa aprovação e um enorme arco de quase 20 partidos a seu favor, o que lhe dá disparado o maior tempo de televisão, sua largada é mais do que promissora.

Seu favoritismo fica mais evidente quando se olha para os outros candidatos oposicionistas. Embora com mais tempo de televisão que o socialista, Maia sofre com o maior índice de rejeição: 32% afirmam que nunca votariam no filho de Cesar. Para quem parte de apenas 5% (mesmo número da pesquisa anterior), é um horizonte desalentador. Segundo o jornalista Fernando Molica, de O Dia, o núcleo de sua campanha sentiu o baque após a divulgação da pesquisa. Apesar das dificuldades conhecidas perante Paes, não imaginavam que Freixo se consolidaria tão rápida e nitidamente na vice-liderança. Depressão e constrangimento, conta Molica, seriam as palavras mais usadas no QG demista.

A candidatura do jovem Maia nasceu problemática. A baixa votação de Cesar na eleição para o Senado, em 2010, demonstrou o tanto que seu grupo está desgastado entre os eleitores cariocas depois de 12 anos no Executivo municipal. A lembrança de seu último mandado causa arrepios em quase toda a população. Junto ao filme queimado do pai, Rodrigo carrega consigo na chapa a deputada Clarissa Garotinho, cujo sobrenome é ainda mais nauseante para boa parte do eleitorado - especialmente, os que, nas últimas duas décadas, despejaram votos em Cesar. 

A arriscada coligação DEM-PR foi costurada mirando em 2014, quando Garotinho pai tentará voltar ao Palácio da Guanabara. Seu desejo é ter Cesar como vice, num inversão da chapa atual. Na eleição estadual, com o interior e Baixada votando, a estratégia tem bem mais chances de dar certo. Mas, na capital, a união de dois sobrenomes desgastados, somada à repulsa por aliança de tão desiguais e ex-figadais adversários, é uma cruz pesada demais para um político sem traquejo retórico. 

Não se deve subestimar os conhecimentos sobre pesquisas e  marketing político de Cesar. Com o início do horário eleitoral, Maia deve apresentar algum crescimento. Mas o mais provável é que a ascensão seja mínima. Salvo um fantástico programa de TV que mitigue tais adversidades, nada mais do que isso se notará. Nos ditos formadores de opinião, Freixo leva vantagem; entre os mais pobres, Paes reúne mais ferramenta de sedução.

Cesar sabe que o terreno está minado para seu grupo. Sua candidatura à Câmara dos Vereadores, no fundo, é um confissão subliminar de seus limites atuais. Pretende ser o vereador mais votado da cidade para, como o líder da provável oposição, voltar aos holofotes com mais frequência. Assim, daqui a dois anos, tentaria voos maiores, seja novamente o Senado ou, como sonha Garotinho, a vice-governadoria.

Com 3% de intenções de votos, Leite deposita também suas esperanças  na televisão. Espera que a aparição de figurões tucanos como o ex-presidente Fernando Henrique, e os ex-governadores José Serra e Aécio Neves turbine sua candidatura. Pouco provável. A fraqueza do PSDB carioca é mais do que reconhecida. 

Exceto o período no qual o ex-brizolista Marcelo Alencar transferiu seu prestígio ao partido, chegando ao Guanabara (1995-1998), raramente um tucano na cabeça de chapa alcançou dois dígitos na cidade e no estado do Rio. Isso sem contar que até mesmo os presidenciáveis da legenda costumam ter nelas um de seus calcanhares de Aquiles. Nem Fernando Henrique escapou. Serra, só para recordar, ficou em terceiro lugar entre os cariocas, em 2010.

Freixo tem alguns difíceis obstáculos a ultrapassar: o pouco tempo de televisão e o eleitorado das regiões mais carentes da cidade, ainda indiferente a seu nome. Paes sabe que a figura do empresário Fernando Cavendish e a patética foto dos guardanapos na cabeça em Paris, episódios que mancharam a imagem de Cabral, podem também lhe atingir. Certamente o crescimento do PSOL, em grande parte, já é efeito da lambança. A dúvida é se ela se disseminará pelas classes menos escolarizadas. Ao mesmo tempo, Maia terá dificuldade em usar o escândalo estando ao lado de Garotinho. É complicado pregar ética tendo a Cidade da Música e uma vice com tal sobrenome à sua sombra. 

As tendências estão nítidas. Resta agora elucidar algumas incógnitas. Só assim saberemos  se a onda vermelha de Freixo será apenas uma marola ou tomará a proporção suficiente para causar uma bela ressaca nas praias peemedebistas.



sexta-feira, 17 de agosto de 2012

O cansativo complexo de vira latas



Por Murillo Victorazzo

Indignar-se com corrupção e problemas sociais, entende-se e deve-se compartilhar. No entanto, é incompreensível como tem brasileiro com complexo de vira lata que, além de subestimar a capacidade de seus compatriotas em organizar eventos, vem logo ridicularizar até a cultura da própria terra, seja falando sério ou com piadinhas. Cultura essa que de tão bela, rica e diversificada é elogiada no mundo inteiro. 

Ele fala tanta besteira que mal sabe que está apenas demonstrando ignorância sobre suas próprias raízes e, principalmente, sobre  "lá fora". Prefere, de cara, baseado em  concepções prévias, quase sempre clichês enfadonhos, supervalorizar as coisas dos outros, qualquer que sejam elas. 

Respeito, gosto e admiro muitos países, mas amo apenas um: o meu! Minha terra, minha cultura, minha cidade, que agora é OLÍMPICA! Nada a ver com nacionalismo ou ufanismo barato, que repudio da mesma forma. Uma coisa é ter aversão ao que não é nosso, ou crer que somos sempre os melhores. Estou muito longe disto. Outra é amar e valorizar o que é seu, sabendo que não é questão de ser melhor ou pior, mas apenas diferente. 

Defeitos, temos; os outros povos também. Críticas são sempre necessárias. Sou o primeiro a fazê-las. Mas autodepreciação beira o patético. Como diz o poema de Fernando Pessoa: "O Tejo é mais belo que o rio que corre pela minha aldeia. Mas o Tejo não é mais belo que o rio que corre pela minha aldeia. Porque o Tejo não é o rio que corre pela minha aldeia".  

É por isto que não consegui deixar de me emocionar com o vídeo da música-tema das Olimpíadas de 2016 (vídeo acima). Tive que compartilhar. A nossa Olimpíadas!