terça-feira, 15 de dezembro de 2015

Quem semeia vento...

Por Murillo Victorazzo

Seja lá de onde partiu o "vazamento" e as intenções do vice-presidente Michel Temer, o conteúdo de sua carta deixa qualquer um bestificado pela dureza educada e sinceridade sem rodeios, ainda mais sendo a destinatária a presidente da República. Mesmo que revele também mesquinharias e fisiologismos.

Temer não foi o primeiro nem será o último vice a não ser integrado no círculo político mais intimo do presidente. No Brasil, onde quase sempre as chapas são compostas por nomes de partidos diferentes, ainda mais. Mas chefes de governos competentes são aqueles que tem o feeling para ver o cenário sob o qual governa e saber a hora e o modo certos de usar os atributos dos que o cerca. E Dilma não está entre esses.

É verdade que o PMDB nunca pareceu se importar em participar da formulação de políticas públicas, o que é a praxe em um governo de coalizão de fato. O foco sempre foi, antes de tudo, seus quinhões de cargos na Esplanada. Em outras palavras, garantir seu espaço na divisão do butim.

Temer e seu partido sempre foram vistos com desconfiança no Planalto. Aliás, com exceções, todo vice é o inimigo com quem se dorme, e o PMDB, com razão, nunca mereceu a confiança de Lula, FHC e, pasmem, Sarney. Seus caciques, há décadas mestres em criar dificuldades para vender facilidades, sabem como ninguém a hora de abandonar um barco à deriva, após pilhá-lo, para logo pular no outro que a ele acena com novas expectativas de poder - leia-se,cargos.

 Mas, hoje se sabe, tampouco se pode confiar no PT e sua conhecida e perigosa dificuldade em aceitar dividir o poder. Por interesse, os dois partidos, tão diferentes entre si, renovaram seus votos de bodas ano passado conhecendo-se muito bem. Portanto, não se trata de apontar o "bem" e o "mal". Em ninguém cabe o figurino de vítima. Trata-se de distinguir quem precisa de quem.

Os defensores da presidente logo preferiram ridicularizar a carta. Em certos aspectos, ela revelou sim um "mimimi" pequeno demais para relação de alta cúpula. Alguns afirmam que o vice foi infantil na forma (uma carta) e no conteúdo. Pode ser. Porém, revelou também algumas verdades incompreensíveis sob a lógica da realpolitik.

Ignorar constantemente um vice com o currículo de Temer - respeitável constitucionalista; ex-presidente da Câmara, com larga experiência em articulações (as legítimas e as, digamos, pouco legítimas) entre Executivo e Legislativo e pontes de diálogo com a oposição; e presidente nacional do principal partido aliado - é nítido sinal de cegueira política.

Seja considerando conselhos ou delegando missões pouco ou muito significativas, um(a) líder que olha para além de papéis, planilhas, e avista o médio e longo prazo, saberia que agradar quem tem relevância política nos momentos favoráveis ajuda a tê-lo ao lado nos desfavoráveis. Garantia de lealdade? Se dentro de partidos não há, imagina entre coligados. Porém, quando há empatia nas relações pessoais, dificulta-se a cisão nas institucionais.

E se não há essa empatia, que o presidente tenha o sangue frio de engolir o sapo, pois quem tem a perder é ele, que coloca seu nome à frente do governo. Por mais estranho que pareça, é o líder quem precisa dos aliados. Não o contrário. Em uma situação como a de Dilma, ainda mais.  No córner do ringue, é inexplicável que ela e seu "núcleo duro" não tenham percebido a necessidade de "acarinhar" o número dois do país.

Em um governo marcado pelo fisiologismo e sob ameaça, não fazia sentido Dilma privilegiar indicados de outros em detrimento dos do seu vice, sendo ele o presidente do partido e natural herdeiro de sua cadeira em caso de afastamento. Se for para barganhar, que barganhe com as pessoas certas.

Preferiu negociar a reforma ministerial recente com Leonardo Picciani, um jovem político sem representatividade, eleito líder de uma bancada dividida por apenas um voto de diferença. Não ganhou os votos sonhados na Câmara e diminuiu Temer.

Quando, no desespero governista, Temer foi chamado a articular o "ajuste fiscal" no Congresso, a metralhadora petista se voltou contra ele. Notícias de boicote, acordo descumpridos pela Casa Civil e similares eram quase diárias no primeiro semestre desse ano. Não demorou, aprovado alguns pontos, abandonou o papel de articulador.

Temer é um poço de ressentimento, previsível para quem acompanha o noticiário. Afirma que não cometerá "qualquer ato de deslealdade institucional" com Dilma durante o processo de impeachment e garante que seu partido não irá romper com ela. Jogo de cena. 

Nenhuma Poliana acreditaria que, vendo a faixa presidencial naturalmente se aproximar em decorrência de governo tão desastroso, um político profissional como Temer não esfregaria as mãos. Mas fica difícil acusá-lo de deslealdade ao pedir à presidente que não interfira nas disputas internas de seu partido. 

Ao articular a destituição de Picciani, ele sinaliza, na prática, que sutilmente, como lhe é característico, entrou no jogo pelo impeachment. Para discurso externo, coordenar o destinos do PMDB é atribuição do seu cargo de chefe da legenda. Nada haveria de conspiração. 

Retórica permitida pela avidez com que o parlamentar carioca jogou-se no colo do Planalto. Ao ouvir apenas o governo, e não sua dividida bancada, na composição da chapa da comissão que analisará o afastamento de Dilma deu a brecha para o movimento do vice.

Efeito oposto tem a presidente, após ouvir os apelos do peemedebista, forçar com inúmeras jogadas a restituição de Picciani. Ela sustenta que está somente lutando contra o impeachment, mas o produto acaba sendo o mesmo: vai ao encontro do discurso planejado por seu inimigo íntimo. Temer agora se mexe para unificar o partido. Sabe que assim o impeachment será questão de tempo. 

Em defesa de Dilma, digamos que as duas opções, nesse caso, são arriscadas. Abrem espaço para o mesmo fim. O que novamente não se compreende é, tão dependente do PMDB, ela jantar no Alvorada com Ciro Gomes, contumaz e ácido crítico da sigla que, dias antes, havia chamado o vice de "capitão do golpe", "desleal" e "homem do Cunha".

Unir a tropa contra seu afastamento é imperativo. A pergunta que se faz é: submerso há anos, pré-candidato do PDT ao Planalto em 2018, Ciro subir o tom e tentar se cacifar junto ao grupo governista faz sentido. Mas hoje em dia ele tem peso político relevante? Elevá-lo a um dos oficiais generais dessa luta compensa as complicações que aproximação tão explícita causa, ela na defensiva, nas relações praticamente rompidas com vice e o maior partido, por enquanto, aliado? 

É o PT que precisa do PMDB para governar. Justo ou não tudo o que o vice escreveu, um (a) líder hábil perceberia (e, portanto, evitaria) que estava - e está - semeando vento. Dilma colhe agora a tempestade.



terça-feira, 17 de novembro de 2015

Ataque à civilização

Por Murillo Victorazzo

Na noite dos ataques jihadistas do Estado Islâmico a Paris, disse Willian Waack em editorial de abertura do Jornal da Globo:" A França é o lado da civilização. Terrorista é barbárie". Em síntese, sem mais nem menos, é exatamente isto.

Explicar, ou tentar entender (não compreender!!!), o que leva ao terrorismo é uma coisa - até para descobrir um meio de secar o terreno fértil ao engajamento fundamentalista, de retirar deles o discurso da vitimização que atrai tantos jovens. Do contrário, continuaremos a enxugar gelo. A via militar por si só não resolverá. 

Justificar, relativizar, é outra bem diferente. É ultra-esquerdismo babaca, simplório.Perde-se qualquer legitimidade e respeito a retórica, muitas vezes verdadeira, sobre injustiças históricas ou atuais quando o modus operandi é a violência indiscriminada. 

Do mesmo modo, generalizar é abrir caminho para a intolerância religiosa, típica aliás desses facínoras. Intolerância que, além de imoral, vai ao encontro do que eles desejam: quanto mais ódio ao Islã no Ocidente, mais fácil seduzir jovens da religião para o jihadismo. Nós somos diferentes. Lembremos, os refugiados sírios, muçulmanos em maioria, estão fugindo desse mesmo terror. 

A Franca é a pátria do "Liberté, igualité, fraternité". Dos valores em que acredito. Não por acaso, foi ela que presenteou a Estátua da Liberdade aos EUA. Um  ataque deste tipo a ela é um ataque à civilização.

segunda-feira, 26 de outubro de 2015

A política externa de tucanos e petistas

Por Matias Spektor* (Folha de SP, 25/10/2015)

A crise que golpeia o PT inaugurou uma nova temporada de reflexão sobre o futuro do PSDB. Este artigo direciona o debate para o tema da política externa. Na área internacional, PT e PSDB enfrentaram o desafio comum de adaptar o Brasil do atraso e da desigualdade à era da globalização. Usaram para isso estilos distintos, mas atuaram com mais semelhanças do que parece à primeira vista.

A política externa virou um dos principais campos de batalha entre PT e PSDB. Poucas políticas públicas são tão polarizadas e controversas. Os petistas enxergam no governo Lula a diplomacia mais arrojada. Com sua política externa ativista, ele teria elevado a posição do Brasil à de grande potência emergente. 

Segundo essa visão, FHC representaria o exato oposto: a capitulação de uma elite entreguista à hegemonia dos Estados Unidos. A cena que esse grupo gosta de reprisar é a do último chanceler tucano, Celso Lafer, tirando os sapatos para uma revista de segurança em aeroportos norte-americanos.

Do outro lado do ringue, encontram-se os tucanos, para os quais o presidente-sociólogo teria normalizado as relações com o mundo, tirando o Brasil do isolamento acumulado nos anos de ditadura militar e de atraso econômico. Para eles, a diplomacia petista seria uma função da vaidade prepotente de Lula e sua equipe. Em ninho tucano, a cena em reprise é a de Lula em Teerã, punho no ar, desafiando as grandes potências num abraço com o presidente iraniano, Mahmoud Ahmadinejad.

Essas distinções são atrativas por sua simplicidade maniqueísta: há mocinhos e há bandidos. Sem espaço para a ambiguidade, porém, elas são equivocadas. Em se tratando da posição do Brasil no mundo, qual é a diferença entre PT e PSDB?

A clivagem fundamental que divide tucanos e petistas a respeito do sistema internacional é simples: ao passo que os primeiros concebem a política externa como instrumento de adaptação à globalização, os segundos imaginam a diplomacia como instrumento de resistência.

Isso ocorre porque os dois partidos têm diagnósticos opostos sobre o significado da globalização –o fluxo de capital, ideias e pessoas numa economia internacional integrada.

Para os tucanos, a globalização é uma força inexorável. "Queiramos ou não", disse FHC ao chegar ao Planalto, em 1995, "a globalização é uma nova ordem internacional. O mundo pode ser dividido entre as regiões ou países que participam do processo de globalização e usufruem seus frutos e aqueles que não participam". Ou o Brasil se adapta a esse novo mundo, ou se autocondena ao atraso.

Quando chegou ao poder, FHC entendeu que o Brasil era fraco demais para resistir ao que chamava de "ventos do mundo". O sistema internacional não lhe oferecia espaço de manobra.

Para os petistas, entretanto, a globalização não é um fato inescapável da realidade, mas um projeto político talhado pelas grandes potências do Atlântico Norte. Assim, a globalização pode (e deve) ser resistida e negociada. Ninguém pode fazer isso melhor que grandes países em desenvolvimento, que têm capacidade de arrancar concessões dos mais poderosos em troca de sua adesão.

Lula pôde agir assim porque chegou ao Planalto com um país estabilizado e em franca ascensão. O sistema internacional do PT a partir de 2003 abria ao Brasil brechas antes inimagináveis: do desastre da intervenção americana no Iraque à ascensão da China, no mundo daquela época havia jogo novo para o país. Essas diferenças levaram o Planalto de tucanos e petistas a elaborar receitas alternativas.

Para os tucanos, se o Brasil quiser participar da globalização precisará de "credenciais de boa conduta internacional". Foi isso que a diplomacia de FHC buscou em áreas como direitos humanos, não proliferação nuclear, meio ambiente e comércio internacional, assinando compromissos externos que o regime militar antes rejeitara de forma sumária.

O objetivo não era mudar o mundo, mas utilizar normas internacionais como alavanca para reformar um país ainda marcado pelo penoso entulho autoritário acumulado desde a era Vargas e pela história de hiperinflação.

Na concepção petista, o Brasil deveria explorar as rachaduras do projeto político da globalização, que eram evidentes nos protestos de Seattle (1999) e foram escancaradas quando o governo americano invadiu o Iraque sem autorização das Nações Unidas (2003). Para o núcleo pensante do PT, existia uma demanda mundial por vozes alternativas, como sugere o lema: "Outro mundo é possível".

Assim, FHC rodou o planeta para amarrar o Brasil a novas regras internacionais que permitissem ao país embarcar num novo ciclo de desenvolvimento capitalista. Lula manteve essa política, mas adicionou a ela uma ambição reformista.

O ativismo internacional do PT começou com visitas de altíssimo perfil a Cuba, Irã, Líbia e Síria, além de numerosos périplos pela África e pela América Latina. Em seguida, Lula foi central na criação dos Brics, do Ibsa (acrônimo em inglês para o grupo formado por Índia, Brasil e África do Sul) e na formação do G20.

O PT optou por um estilo negociador maximalista na Rodada Doha, nos embates pela Alca e na tentativa de reformar o Conselho de Segurança da ONU. Patrocinou no Haiti a maior mobilização de tropas brasileiras desde a Segunda Guerra Mundial e criou iniciativas inéditas para o Oriente Médio. 

As diferenças entre PT e PSDB são, portanto, reais. Mas é crucial não exagerá-las. FHC aderiu às normas do Ocidente liberal de maneira lenta, parcial e, na maioria das vezes, negociada. Não houve no Brasil do PSDB uma fuga em direção ao neoliberalismo como na Argentina de Menem, a Venezuela de Pérez ou o México de Salinas.

O governo tucano empurrou a Alca com a barriga e patrocinou a expansão do Mercosul. Na OMC, FHC patrocinou a política revisionista de quebrar patentes, transformando o papel das grandes farmacêuticas no mundo. A estratégia de aproximar o Brasil de Chávez foi criada pelo PSDB, assim como o foi a decisão de proteger o regime autoritário de Alberto Fujimori no Peru.

O discurso brasileiro mais incendiário que um presidente brasileiro já fez em relação à hegemonia americana não foi de Lula, mas de FHC. "A globalização reduz a liberdade dos países", disse o tucano. E alertou: "Esse capitalismo especulativo pode danificar o próprio centro do sistema".

Já Lula adotou uma política externa revisionista, mas na maioria das vezes avançou com cautela. Em vez de denunciar a dívida brasileira com o FMI como ilegítima, pagou-a. Em vez de chocar-se com os desmandos do governo Bush, aproximou-se da Casa Branca como nenhum outro presidente brasileiro. 

Quando Brasília propôs um Conselho de Defesa para a Unasul, o ministro da Defesa do governo do PT não começou seu périplo de consultas pelas capitais sul-americanas, mas por Washington. E, nas apostas mais arriscadas da diplomacia petista –a rodada Doha e a Declaração de Teerã–, Lula tentou uma conciliação com os americanos até o último minuto.

Em política externa, ao longo desses 20 anos, tucanos e petistas tiveram muito em comum. Ambos apostaram na construção de coalizões regionais, concebendo o Mercosul como instrumento para resistir à integração hemisférica proposta pelos Estados Unidos. Ambos imaginaram a integração regional como oportunidade de negócios para a indústria de Defesa e para construtoras brasileiras abastecidas a crédito barato do BNDES. 

Juntos, PT e PSDB rejeitaram as demandas dos países vizinhos por instituições regionais densas, preferindo compromissos minimalistas que permitissem ao Brasil reagir de modo unilateral quando fosse útil ou necessário.

Petistas e tucanos também reduziram ao máximo o conflito com os Estados Unidos, buscando apoio da Casa Branca ao mesmo tempo que evitavam fazer o jogo de Washington na América do Sul. Ambos os partidos, quando no poder, se recusaram a pressionar o chavismo na Venezuela.

Petistas e tucanos também evitaram abrir o comércio brasileiro na marra. Mantiveram as negociações comerciais em fogo brando, sem ameaçar os interesses protecionistas de uma parte influente da indústria nacional, mesmo quando isso privilegiasse poucos em detrimento da maioria.

Em temas como narcotráfico e mudança do clima, PT e PSDB optaram por compromissos internacionais minimalistas. Não usaram a política externa para forçar a reforma das polícias militares, para barrar o crescimento do narcotráfico, para disciplinar o agronegócio desmatador ou para chacoalhar um Estado que ainda pratica crimes sistemáticos contra os direitos de sua própria população. Contra esses interesses enquistados, não houve mobilização diplomática significativa.

PT e PSDB operaram em política externa para adaptar o Brasil a um mundo muito mais interdependente. No processo, produziram respostas diferentes, mas beberam de um poço comum. Em nenhum momento compraram uma briga para valer contra os interesses que mantêm bolsões de atraso em nossa sociedade.

O que aprendemos nesses 20 anos de diplomacia de PT e PSDB é que os conceitos de esquerda e direita –ao menos em política externa– não são necessariamente valores em oposição. Em nossa experiência histórica, a direita adaptou o Brasil à globalização, enquanto a esquerda buscou condicionar o processo num momento em que o Brasil parecia forte o suficiente para fazê-lo. Para além das diferenças brutais de estilo, a mudança ocorreu na margem.

O resultado desse experimento foi parcial. Quando se trata de política externa, a luta do progresso contra o atraso ainda está longe de ser ganha.

*Matias Spektor é doutor pela Universidade de Oxford e ensina relações internacionais na FGV.

quinta-feira, 8 de outubro de 2015

Antes de tudo, uns fortes!

Por Murillo Victorazzo

Salve, Ariano Suassuna! Salve, Jorge Amado! Salve, José Lins do Rego! Salve, Rui Barbosa! Salve, João Ubaldo! Salve, Ferreira Gullar! Salve, Aloísio de Azevedo! Salve, Gonçalves Dias!  Salve, Rachel de Queiróz! Salve, João Cabral de Melo Neto!  Salve, José Alencar! Salve, Patativa do Assaré!

Salve, Dorival Caymmi! Salve, Luis Gonzaga!  Salve, Gil, Caetano, Betânia e Gal! Salve, Ivete! Salve, Bel! Salve, Antonio Nóbrega! Salve, Chico Anísio! Salve, "confederados do Equador"! Salve, Frei Caneca! Salve, "alfaiates" da Bahia! Salve, Maria Quitéria! Salve, tantos outros de hoje e de ontem!

Salve a literatura de cordel! Salve o São João de Caruaru e de Campina Grande! Salve o xaxado e o baião!  Salve a culinária nordestina! Salve as belezas naturais da região! Salve o "Velho Chico"!

Salve o Nordeste brasileiro, tão vítima da ignorância preconceituosa de alguns, idiotas que desconhecem a importância histórica da região na formação política e sócio-cultural desse país e não olham o próprio rabo!

 Parabéns, meus amigos nordestinos! Euclides da Cunha escreveu que "o sertanejo antes de tudo é um forte". Pois eu digo, vocês todos do Nordeste o são. Um abraço repleto de gratidão de um carioca com o coração um pouco nordestino.

terça-feira, 22 de setembro de 2015

Coxinha e caviar

Por Antonio Engelke* ( O Globo, 22/09/2015)

“Coxinha” e “esquerda caviar” são estereótipos que prestam um desserviço ao debate político no Brasil, e pelos mesmos motivos. Estereótipos reduzem as complexidades, as muitas e variadas singularidades que coexistem dentro de um determinado conjunto a uma só substância negativa, alardeada como se fosse a essência mesma de tal conjunto. Possuem função cognitiva, isto é, não são meros filtros que distorcem a posteriori uma realidade apreendida objetivamente, mas parte integrante da própria moldura perceptiva dentro da qual o sujeito apreende aquilo que lhe parecerá então digno de repúdio. Ajudam a criar e sustentar preconceitos.

Gíria paulistana, “coxinha” inicialmente designava o sujeito rico, arrumadinho e careta. Ressignificada em meio à recente turbulência política do país, tornou-se instrumento retórico via de regra empregado para desqualificar de antemão quem quer que se manifeste contra o governo, nas ruas ou em redes sociais. Como se os protestos não comportassem insatisfações legítimas, oriundas de diversos estratos da sociedade, mas fossem apenas expressões de uma elite desde sempre autorreferida, carcomida pela ignorância de quem é incapaz de estender sua empatia para além do mundinho particular em que vive. É contra o PT? Coxinha.

A expressão “esquerda caviar”, cunhada na França dos anos 80, pretende denunciar o que seria a hipocrisia constitutiva da esquerda: condenar o capitalismo mas aproveitar suas benesses, vivendo de modo a contradizer os valores que prega. A expressão não apenas pressupõe como também faz parecer que há algo como “a esquerda”, um bloco monolítico eminentemente socialista ou comunista. Nada mais distante da realidade. Basta pensar nas diversas formas de esquerda social-democrata existentes — os liberais americanos ou os quadros mais sóbrios do PSDB, por exemplo — e a suposta contradição ou hipocrisia que a expressão denota desaparece.

Além disso, como observou Francisco Bosco em coluna publicada no GLOBO, “a crítica é um princípio democrático de aperfeiçoamento, e não um instrumento de negação absoluta”. Critica-se o capitalismo para melhorá-lo, o que, na perspectiva de esquerda, significa principalmente reduzir as desigualdades que produz. Não importa: se é esquerda, só pode ser comunista; portanto, não pode usufruir dos frutos do capitalismo sem cair em contradição. Esquerda caviar.

Polemistas, profissionais ou amadores, dependem da repetição de estereótipos para avançar seu trabalho de desqualificação do outro ideológico. Ao martelar incessantemente tais expressões em jornais, revistas e blogs, não estão apenas criticando algo de que discordam, mas ajudando a criar uma atmosfera hostil a este outro, com o intuito de negar inteligibilidade à sua visão de mundo.

Uma vez sedimentado um terreno discursivo suficientemente maniqueísta, qualquer coisa que o outro diga será recebida já dentro dos termos de uma percepção distorcida, preconceituosa porque sistematicamente estereotipada. Anula-se, assim, a possibilidade de um diálogo racional, pois os interlocutores passam a se comportar não como adversários honestamente permeáveis às opiniões uns dos outros, mas como inimigos cuja “ladainha” sequer deveria vir a público.

De modo geral, discursos estruturados por sobre estereótipos como “coxinha” e “esquerda caviar” renunciam à difícil tarefa de tentar compreender a realidade em toda a sua complexidade. Transformam posições políticas legítimas em espantalhos, para então enxovalhá-las justamente por isso. Contribuem para a polarização estéril do debate, pois que é próprio do preconceito reproduzir o antagonismo do qual é um sintoma.

*Antonio Engelke é sociólogo

quinta-feira, 10 de setembro de 2015

Paralisia e autoengano

Por  Murillo de Aragão* (Blog do Noblat, 10/09/2015)

Imaginem um navio parado naufragando lentamente. De longe se ouve a balbúrdia. Alguns marinheiros tratam de acionar as bombas, enquanto outros abrem buracos para entrar mais água. As ações são contraditórias. O navio fica mais ou menos na mesma. Contudo, o perigo de naufrágio continua iminente.

A atual conjuntura política no Brasil apresenta um quadro semelhante. O governo não naufraga, mas tampouco se recupera. Não naufraga pela falta de condições políticas para “finalizar” o mandato da presidente Dilma Rousseff. Nem se recupera pela sequência quase inacreditável de trapalhadas que produz.

Prosseguindo nas analogias marítimas, existem alguns no governo que parecem querer jogar a embarcação sobre as pedras. Resistem aos cortes, não dão importância à eventual perda do investment grade nem se mobilizam para atuar na linha do que todos desejam: recuperar o mais rapidamente possível a credibilidade econômica e fiscal.

Ao lado das trapalhadas políticas, o governo Dilma se sacrificou politicamente ao tomar medidas duras no campo dos preços administrados e na política cambial. No entanto, ao enfrentar o rombo fiscal, titubeou e está fugindo da raia. Mandou uma proposta orçamentária covarde. Poderá voltar atrás adiante.

Quando, dias atrás, o vice-presidente, Michel Temer, disse o óbvio – que governo nenhum resiste muito tempo com baixa popularidade —, houve uma grita exagerada. Não foi uma mensagem conspiratória. Foi, simplesmente, a constatação de uma realidade não reconhecida por muitos da alta cúpula.

O risco do autoengano é ainda pior porque as soluções que se apresentam tendem a mascarar o fato. Não há um pleno reconhecimento dos erros. Aqui e ali, de forma tímida e envolvida em muitos véus, surge um mea-culpa. Não convence. As soluções são parciais e mal embaladas. Agora o Planalto pretende aumentar os impostos sem mostrar o corte de gastos que todos esperam. E sem atacar algumas das questões estruturais, como os gastos com a Previdência Social.

Pouco mais de seis meses após a posse de Dilma, o governo envelheceu de forma irreversível. Para sobreviver terá que se reinventar. Elaborar um plano amplo de reestruturação ministerial. Adequar o ministério à base política e não ao contrário. Blindar áreas críticas com nomes acima de qualquer partidarismo. Dar força a uma política fiscal austera. Melhorar radicalmente o ambiente de negócios. Ampliar espaços para o investimento estrangeiro no país. E reafirmar o compromisso com a honestidade e a moralidade públicas.

A receita é simples. Duro é fazer. Governos e governantes devem saber dizer não aos interesses corporativistas. . Devem assumir seus erros e apontar novos caminhos. Não é o que ocorre. Ao contrário. As imagens projetadas e seus atos nos levam ao sentimento de que é preciso o país piorar muito para começar a melhorar.

* Murillo de Aragão é cientista político

sábado, 27 de junho de 2015

O amor sempre vence

Por Murillo Victorazzo

Dois anos depois de o STF reconhecer o casamento gay no Brasil e após vários outros país o legalizarem, a Suprema Corte dos EUA declarou inconstitucional qualquer tentativa de proibição nos 14 estados do país que não o reconhecem (e projetos que pudessem resultar em recuos nos que legalizaram).

 Diante da influência cultural que o Tio Sam exerce no mundo - bem visível na repercussão do feito nas redes sociais -, uma decisão que merece aplausos de pé. 

Infelizmente algo tão óbvio - a igualdade de diretos; a noção de que, em sua vida privada, cada um divide o que quer com quem quiser; a separação completa entre preceitos religiosos e civis - ainda cria celeumas. Feliz seria o mundo se conquistas assim, de já existentes e compreendidas, não precisassem ser notícia. 

Porém, não deixa de ser um gigantesco alento, ainda mais em um dia em que o fundamentalismo religioso deu as caras novamente na Europa, África e Ásia. 

Quando nos fechamos em "mundinhos" sócio-culturais, deixamos de conhecer o outro e o definimos apenas por estereótipos. Preconceito e radicalismo andam lado a lado com a ignorância. 

Por aqui, torçamos que algum dia o Congresso avalize em lei a decisão do nosso Judiciário, que tem se mostrado mais antenado com as transformações sociais do que nossos parlamentares. Infelizmente, vendo o espetáculo grotesco que a nojenta bancada religiosa, aliada a uma direita conservadora viúva de anos sombrios, vem oferecendo no Legislativo e casos de intolerância religiosa nas ruas, fica difícil se animar.

 Mas sejamos otimistas. Porque Deus é amor, e, no final, "love wins" sempre.


Homofobia não é só crime, é ridículo

Obrigado, Violino!

Por Murillo Victorazzo

As segundas-feiras sempre trazem consigo um pouco de melancolia. Esta melancolia só aumenta quando a gente lê que um ídolo morreu.

Craque dentro de campo, com a elegância do toque de um violino, não por acaso seu apelido, e técnico vitorioso - ser duas vezes campeão brasileiro (fora estaduais e Mercosul), pegando times desacreditados e levando-os ao topo, é para poucos -, sempre pelo seu time de coração, do qual era cria legítima e nunca se distanciou até seus últimos dias, Carlinhos merece muito mais que um minuto de silêncio e a já existente estátua. Merece a gratidão e carinho eternos de todo rubro-negro de verdade, aquele que conhece e valoriza a história do Mais Querido.

 Eu, que tantas vezes, até ele ficar doente, vi aquele senhor simples, franzino, de fala mansa, indo a pé para a Gávea ou tomando humildemente seu chopp nos bares ao redor do clube e, sempre que podia, fazia questão de cumprimentá-lo e agradecê-lo, pensando comigo mesmo como ele podia ser tão diferente de vários "professores" engomados, presunçosos, bravateiros, mal-educados, nervosinhos à beira do campo, supervalorizados, muitos dos quais sem os troféus que ele conquistara, só posso novamente dizer: Valeu, Carlinhos! Obrigado do fundo do coração.

 Marcar seu nome na história do seu clube amado, para qualquer um, deve ser motivo de enorme orgulho. Quando este clube é o Flamengo, a maior torcida do país, o sentimento torna-se indescritível, privilégio de um seletíssimo grupo. Grupo liderado por um certo Artur Antunes Coimbra, aquele menino que, ao você se aposentar dos gramados,  a ele entregou suas chuteiras. Além de tudo, você tinha dons premonitórios. Que Deus te receba como quem fez a alegria de cerca de 40 milhões de brasileiros merece.

quinta-feira, 11 de junho de 2015

Militares dão força à visita de Dilma aos EUA

Por Matias Spektor (Folha de S.Paulo, 11/06/2015)

A cooperação militar entre o Brasil e os Estados Unidos é estreita há muitos anos. Nos governos do PT, só cresceu. Do Haiti ao golfo da Guiné, da fábrica da Embraer em Jacksonville à compra americana de 20 Super Tucanos para uso no Afeganistão, os militares dos dois países ficaram mais próximos que em qualquer momento desde a Segunda Guerra mundial.

Lula e Dilma patrocinaram isso com dinheiro novo. O BNDES levou crédito barato a start-ups da indústria da defesa e a empreiteiras que usaram a oportunidade para entrar no negócio militar. O processo foi facilitado com aumentos sistemáticos do orçamento da Defesa e com a Estratégia de Defesa Nacional (2009) e o Livro Branco (2012), peças desenhadas para iniciar o longo e árduo processo de racionalizar o gasto das três forças.

Nos EUA, a transformação foi vista como oportunidade grande o suficiente para justificar uma revisão da política restritiva de venda de tecnologias sensíveis. Juntos, os dois países estabeleceram quatro diálogos formalizados sobre o tema e negociaram dois acordos para facilitar seu comércio.

O coroamento desse esforço seria uma compra gigantesca de caças da Boeing. O escândalo da espionagem, há dois anos, jogou tudo a perder. O Brasil decidiu comprar caças suecos, não americanos, e suspender os diálogos recém-criados. Fora do radar, porém, houve pragmatismo e acomodação de ambas as partes.

As Marinhas dos dois países mantiveram a cooperação e, em algumas áreas, a aumentaram. Continuaram as reuniões de planejamento, os programas de treinamento conjunto, e o Brasil comprou dos EUA mísseis antinavio. Manteve-se ainda a parceria contra a pirataria na costa da África, onde americanos combatem o terrorismo e brasileiros, a rota da coca escoada pelo porto de Santos.

Agora, esse investimento renderá frutos concretos para Dilma. No fim do mês, antes de ela encontrar Obama na Casa Branca, seu ministro da Defesa passará quase quatro dias na capital americana. Tudo indica que ele levará na mala um acordo bilateral de defesa já ratificado pelo Congresso Nacional. Mostrará ainda que o outro lá tramita em regime de urgência.

O ministro anunciará a retomada dos diálogos oficiais e aparecerá em Washington com representantes da indústria brasileira de defesa. Existe a possibilidade de os americanos comprarem uma dúzia de Super Tucanos para sua operação no Líbano. A maior dificuldade, claro, é dinheiro. O ajuste fiscal brasileiro reduziu o orçamento militar, ao passo que o ajuste americano fez o mesmo com o Comando do Sul, responsável pela relação com a América Latina.

A mensagem central, porém, ficará clara. O Brasil está aberto a negócios porque tem interesses concretos na área. E a relação estratégica avançará porque, apesar das diferenças e da retórica, na Amazônia e no Atlântico Sul os dois países mantêm uma bateria de objetivos comuns.

terça-feira, 2 de junho de 2015

Às vezes, o futebol cansa

Por Murillo Victorazzo

Quem bancou Anderson Pico no lugar do pouco menos medíocre João Paulo? Quem avalizou a chegada do inútil Pará, quando estimulava a ida de Léo Moura? Quem pediu Bressan? Quem estava há quase um ano no comando e, sem perder ninguém de impacto ( e com a aquisição de Cirino), conseguiu regredir o padrão tático e técnico de um time limitado mas "menos pior" do que o visto em campo - até no bizarro Carioquinha?

Aquele que, desde a pré-temporada, planejando o ano junto com a diretoria, se dizia satisfeito com o "projeto" deles; garantia que esse mesmo time era capaz de chegar à Libertadores; mas, demitido, saiu sem fazer autocrítica alguma. Preferiu apenas atacar, afirmando que seus ex-chefes nada sabiam de futebol (não que isto aparentemente não seja verdade). Um treinador que há anos nada ganha de relevo, nem mesmo deixa sua marca de forma positiva em clube algum. Vive do seu passado glorioso. 

Como "castigo", não demorou para ser contratado pelo bicampeão brasileiro, dono de um elenco superior ao do ex-time, contra o qual, ironicamente, estreará. Para o técnico responsável pelas duas taças, demitido por uma eliminação na Libertadores e um início ruim no Brasileirão, em meio à reformulação do grupo de jogadores, sobraram apenas lágrimas na despedida. Às vezes, o futebol me cansa.

segunda-feira, 27 de abril de 2015

Ogum Iê! Mas o Estado é laico

Por Murillo Victorazzo

Há traços culturais que não há como serem apagados. Para o azar dos que acham que identidades são melhores ou piores, e não apenas diferentes, dos preconceituosos, dos fundamentalistas, dos eurocêntricos, o sincretismo religioso brasileiro é parte indissociável nossa, relevante até para os céticos e agnósticos. Graças a Deus, Olorum, Alá e outras divindades.

Dia 23 de abril é dia de São Jorge, santo guerreiro. Ou Ogum (olo = senhor, gum = guerra), orixá capaz de abrir caminhos nas nossas vidas. Sendo um orixá/santo tão popular, especialmente ligado ao samba, não poderia deixar de aqui ser saudado. Nada, porém, que justifique ser a data feriado. Afinal, o Estado é (ou deveria ser) laico.

Embora a maioria dos brasileiros seja católica, o país, manda nossa Constituição, não tem religião oficial. Em outras palavras, as manifestações religiosas têm total liberdade, mas devem vir da sociedade espontaneamente, em suas igrejas, centros, mesquitas, sinagogas, ruas e praças - sem o dedo do Estado.

Não se pode exigir que evangélicos, judeus, ateus, muçulmanos, hindus, embora minoritários, se vejam obrigados a um calendário de cunho religioso. Por que terem que fechar seu comércio e dar folga para seus funcionários cristãos, por exemplo? Ou seus filhos não irem às aulas por algo que não creem? Cerca de 25% da população são evangélicos. Por que devem se submeter a feriados que celebram o que não acreditam, como santos?

Pela mesma lógica, nenhuma repartição estatal deveria ter em suas salas crucifixos ou qualquer outro símbolo religioso à mostra. Entra neste cenário também a proibição do ensino religioso em escolas públicas, abrindo-se exceção talvez para aulas não proselitistas, com explicações sobre a história e visão das diversas crenças. Debate, aliás, presente no Judiciário: está prestes a ser julgado pelo STF uma Adin (ação direta de inconstitucionalidade), impetrada pelo Procuradoria-geral da República, que vai ao encontro disto.

Na laicidade ideal, feriados religiosos arraigados aos brasileiros deveriam deixar de sê-lo. É o caso da Sexta-Feira Santa, Corpus Christi, 12 de outubro (dia da padroeira do país) e até Natal. Pode-se, contudo, imaginar a reação da Igreja católica e sua massa de fiéis mais fervorosa. A favor delas, o argumento, com algum grau de sentido, de que mais do que religiosas tais datas ganharam carga histórica- cultural.

Foi com a Constituição de 1891 que a separação entre Igreja e Estado se deu juridicamente. Levando-se em conta que antes, por 400 anos, o Catolicismo foi a religião oficial do país, não havendo em grande parte desse período nem liberdade de culto para as demais, 124 anos, ao contrário do que parece, não é muito tempo. A longa tradição, querendo ou não, ainda pesa.

É provável ainda que mesmo as lideranças evangélicas se incomodassem com demonstração de laicidade tão sólida. Se usam a sua numerosa e barulhenta bancada no Congresso para, com apoio, discreto ou não, de parlamentares ligados à Igreja Católica, tentar impor visões religiosas sobre direitos sociais e civis, tal perda de força política da principal entidade religiosa do país seria sinal de que seus objetivos estariam mais distantes. Quanto mais secular o Estado brasileiro ficar, mais fracos se tornarão - embora o que se tem visto no Parlamento atual seja infelizmente a relação inversa.

O Estado laico é uma conquista dos brasileiros. Um pré-requisito essencial para qualquer democracia. Um antídoto contra fundamentalismos, teocracias. Em um país como o Brasil, ganha importância ainda maior, pois o sincretismo religioso anda de mãos dadas com a tolerância religiosa, e ambos só são garantidos, sem risco de retrocesso, quando o Estado não influi a favor ou contra crença alguma. Seja tanto não impondo feriados como não sendo tíbio no combate a perseguições de fiéis e religiosos a outras crenças e minorias.

"Se a sociedade quisesse mudar essas datas, deixando de ser um feriado obrigatório para todas as religiões, isso deveria ser feito pelo Congresso Nacional ou pelo Supremo Tribunal Federal, mas não há espaço político para isso", afirma, em entrevista ao portal Terra, o  advogado Gilberto Garcia, especialista em Direito religioso, autor do livro O Novo Código Civil e as Igrejas.

Nada, porém, que nos impeça de sempre enaltecer, rezar e comemorar: Ogum Iê!! "É quem dá confiança pra uma criança virar um leão".

segunda-feira, 13 de abril de 2015

O multiculturalismo russo de Putin

Por Anna Alekseyeva*

Muito tem sido feito nos últimos anos na estreita aliança entre Putin e a Igreja Ortodoxa Russa (ROC). Com acusações de corrupção, lavagem de dinheiro e um agora infame remendo de photoshop na imagem da igreja, poucos negariam que esta parceria é mais uma conveniência política do que piedade genuína.

Mas, enquanto há um consenso ideológico entre a igreja russa e o Estado, não necessariamente isto se reflete em doutrina ecumênica. O ponto central em que convergem Putin e a igreja é a rejeição ao "modo liberal de civilização", como o Patriarca Kirill escreve em seu manifesto "Liberdade e Responsabilidade": a busca da harmonia, a favor da "cultura nacional e da identidade religiosa".

A Rússia é um vasto e diverso país, e na promoção de um modo de governança enraizada na identidade cultural e religiosa, a ideologia nacionalista de Putin se estende para além da base demográfica cristã ortodoxa russa. Em seus discursos, Putin tem trabalhado para cultivar a imagem de uma Rússia multi-étnica e multi-religiosa. Enquanto a ROC certamente mantém um holofote na arena política, Putin tem feito um esforço retórico para se afastar da igreja, como o defensor da identidade russa, insistindo que a força do país reside em sua diversidade cultural. 

Para acomodar uma identidade nacional multicultural – uma vez que está posicionado na junção de Ásia e Europa,  Putin alçou o Islã e o cristianismo ortodoxo russo aos postos de  religiões central do país. Aproximadamente 20 milhões de muçulmanos vivem na Rússia (cerca de 15% da população), tornando-a a maior população muçulmana na Europa.

Putin não apenas defendeu o Islã como historicamente indígena para a cultura russa como também aderiu a proposição de que o cristianismo ortodoxo está mais próximo do Islã do que do catolicismo. Enquanto protestantes ocidentais evidenciam seus valores liberais através do apoio ao aborto e à homossexualidade, afirma ele, o Islã e a ROC estão atrelados em suas deferências a um sistema de valores tradicionais.

Como uma das quatro religiões tradicionais da Rússia (ao lado do judaísmo e budismo), o Islã obtém status especial. O estado tem prestado apoio a várias instituições islâmicas, incluindo escolas religiosas e um canal de TV islâmica. 

Autoridades religiosas dispostas a cooperar com o Estado, como Talgat Tajuddin, chefe Mufti russo, mantêm relações estreitas com Putin. No passado, o vínculo do Estado com líderes muçulmanos chegou a eclipsar, pelo menos momentaneamente, sua proximidade com o ROC. Quando manifestantes antigoverno reuniram-se na Praça de Bolotnaya, em 2011, Damir Mukhetdinov, chefe-adjunto do Diretório Religioso Muçulmano Russo, condenou-os, enquanto representantes do ROC mantiveram posição mais neutra.

Mas a marca do Islã promovida pela Rússia é firmemente circunscrita. Remontando à política imperial, o Estado trabalhou para dissociar os muçulmanos russos do Islã transnacional, criando uma infra-estrutura doméstica de liderança e administração islâmica. Putin denunciou a importação de práticas islâmicas, como o uso do hijab, argumentando que eles são estranhos ao Islã tradicional russo. Em 2012, alinhou-se a proibição do uso do hijab por meninas nas escolas públicas da região de Stavropol. 

Mais preocupante tem sido a política do governo para o extremismo religioso, que tem causado receios no público pelas ameaças Wahhabi comumente alegadas, frequentemente baseadas em pequenas evidências. Durante a preparação para os Jogos Olímpicos de Sochi, autoridades conduziram fortes incursões em locais de culto muçulmanos em Moscou e São Petersburgo, detendo a centenas de pessoas.

As contraditórias relações do Estado com a comunidade muçulmana russa mais ampla pode ser resumida na política de Putin para o norte do Cáucaso. Lá, a guerra em grande escala, que forneceu a Putin capital político no início de sua Presidência, foi sucedida por subsídios do governo e uma remodelação em massa de Grozny. 

No entanto, apesar destas aflitivas políticas, o governo manteve o compromisso retórico de uma Rússia etnicamente inclusiva, mesmo no contexto da crescente maré de nacionalismo étnico (uma tendência tão freqüentemente observada que se tornou platitude em análises contemporâneas sobre o país). Na sequência de motins étnicos em 2010, no Manezh Square de Moscou e em cidades por toda a Rússia, Putin condenou os rebeldes xenófobos do Norte caucasiano. "Somos todos filhos de um mesmo país", declarou: "Temos uma pátria comum. A Rússia tem sido um Estado multiétnico e multiconfessional". 

Enquanto as palavras de Putin podem ser convertidas em mero simbólismo, sua defesa da diversidade étnica e religiosa é claramente parte de uma agenda doméstica e de política externa.

Na década de 1990, demarcando sua posição liminar entre grandes agrupamentos políticos do mundo, a Rússia trabalhou para desenvolver um papel de mediador entre o mundo muçulmano e o Ocidente. Rússia denunciou as intervenções americanas no Iraque, perseguiu a "two track policy" com o Irã, contribuindo com seu programa nuclear ao mesmo tempo em que mantinha diálogo com Washington e se comprometia com a liderança de Hamas. 

Mais recentemente, em 2009, Medvedev afirmou que a Rússia é "uma parte orgânica" do mundo muçulmano, sentimento reiterado por Putin, que argumentou que "nosso país desenvolve relacionamentos estreitos e multifacetados com os governos do mundo muçulmano". Estas declarações de unidade tem sido corroboradas na defesa da do governo sírio, na qual Putin tem vendido a Rússia como um apóstolo do direito internacional. 

O apelo do governo para a unidade com o mundo muçulmano também ajuda a legitimar a expansão econômica russa para o leste, que começou com o estabelecimento da União Econômica Eurasiática, uma aliança eslavo-turca que incluirá Armênia, Bielorrússia, Cazaquistão, Quirguistão e Rússia. " A integração da Eurásia', argumentou Putin em seu discurso, em 2013, no Valdai Internacional Discussion Club, "é uma oportunidade para todo o espaço pós-soviético tornar-se um centro independente para o desenvolvimento global, em vez de marginalizados na periferia da Europa e Ásia".

No contexto da expansão para o Oeste, também a retórica da inclusão tem desempenhado um papel. No início de seu discurso após a anexação da Criméia, Putin enfatizou que "mistura única" de diferentes culturas e tradições daquela região ia ao encontro da "Rússia como um todo, onde nenhum grupo étnico se perdeu ao longo dos séculos." (Os tártaros da Criméia, que somente recentemente retornaram à região depois da limpeza étnica feita por Stálin contra toda sua população em 1944 talvez tenham sido cético quanto a tais palavras.) 

Contudo, se a geopolítica de Putin posiciona a Rússia como uma nação entre Oriente e Ocidente, quando se trata de valores e morais, a Rússia presidencial é decididamente anti-ocidental.   

Este contraste é baseado não só na distinção afirmada entre as religiões da Rússia e o Cristianismo ocidental, mas também na divergência básica entre uma Rússia religiosa e um Ocidente secular. No mesmo discurso em Valdai, Putin lamenteou que "pessoas em muitos países europeus estão envergonhadas ou medo de falar sobre suas afiliações religiosas. Feriados são abolidos ou mesmo chamados de algo diferente; sua essência é escondida, como é seu fundamento moral". Não tanto na Rússia, onde legislação aprovada em 2013 penalizou a promoção de "propaganda gay" para menores e criminalizou atos que insultam os sentimentos religiosos das pessoas. (apelidados por muitos como lei "Pussy Riot").

E enquanto o secularismo Europeu sufoca o multiculturalismo, diz Putin (ou, pelo menos, estabelece um multiculturalismo "artificial", o que quer que isso signifique), a Rússia preserva uma rica concentração de etnias e línguas inigualável até mesmo na terra dos imigrantes, os Estados Unidos.

Tais alegações de multiculturalismo e multi-confessionalismo podem ser parte da tentativa de Putin de posicionar a Rússia como uma civilização proeminente, restabelecendo o país como um centro de gravidade moral e político. Mas o presidente faz questão de casá-las com afirmações de unidade nacional e patriotismo. 

Tomando cuidado para moderar seu endosso à diversidade étnica, Putin ressaltou que "é claramente impossível identificar-se através  apenas da etnia ou religião". Em vez disso, argumentou que "as pessoas devem desenvolver uma identidade cívica com base em valores compartilhados, uma consciência patriótica, responsabilidade cívica e solidariedade..."

 Para este fim, Putin se referiu com entusiasmo aos muçulmanos soviéticos e outros grupos étnicos que defenderam sua pátria durante a Segunda Guerra Mundial "da fortaleza de Brest a Berlim". Referências às deportações em massa de muitos destes grupos praticas pelo governo soviético durante a guerra não encontraram espaço em seu discurso.

Usando o patriotismo como um dos valores compartilhados por todas as religiões tradicionais da Rússia – juntamente com a justiça, verdade e diligência – Putin tenta conciliar identidade étnica e cívica com uma singular lealdade pró-russa.

Na realidade, porém, a relação entre religião e etnia, por um lado, e assimilação cívica, por outro lado, é muito menos harmoniosa do que a magniloquência de Putin diz. Tomemos, por exemplo, a nova política russa de nacionalidades, de 2012, que tem sido criticada por ambos os lados do corredor. Defensores dos direitos de minoria argumentam que ela prejudica o status e a autonomia das nacionalidades não russas. Grupos nacionalistas russos, entretanto, a condenam por remover as referências ao "ao papel de formador do Estado do povo russo (etnicamente)".

Um compromisso superficial à diversidade pode ter certa importância estratégica na projeção de uma Rússia como contrapartida ressurgente ao Ocidente, capaz de aliar-se à Ásia e ao Oriente Médio. No entanto, esta posição política fará pouco para apaziguar correntes eleitorais internas, como nacionalistas e grupos étnicos não-russos, que vão se sentir traídos pela falta de compromisso do governo em qualquer direção.

Sobre a questão fundamental da identidade nacional russa – a que esfera do mundo pertence o país?, – Putin tem outra vez um meio-termo retórico. Segundo ele, a Rússia não é nem um coisa nem outra: é "uma civilização única ligada ao Leste e Oeste. Em outras palavras, a Rússia não tem que escolher um lado. Parece, no entanto, que há uma contradição nesta teoria. É possível, afinal de contas, ser tanto parte como idiossincraticamente diferente do Ocidente?

*Anna Alekseyeva is doutoranda na Oxford University. Seus estudos focam na ideologia governamental no espaço soviético e pós-soviético.

**traduçao livre do blog

terça-feira, 7 de abril de 2015

Apesar de tudo, jornalista

Por Murillo Victorazzo

Meses atrás, o passaralho passou no Globo. Depois, na Band. Parece que ontem foi no Estadão. Mais do que nunca, ser jornalista no Brasil é para os fortes.

Mas, apesar de tudo, das dificuldades no mercado de trabalho, do pouco reconhecimento salarial, da má qualificação de vários, da distorção de alguns, tanto os chapa-brancas quanto os visceralmente antigovernos, que preferem o proselitismo e o discurso panfletário ao dever de informar e interpretar os fatos, dando a César o que é de César, ainda me orgulho de pertencer à categoria.

Embora aquele jornalismo romântico tenha ficado em algum canto dos corredores da faculdade, não deixei de crer no jornalismo de qualidade, aquele que, como defendia o "mestre" Cláudio Abramo, é "o exercício diário da inteligência e a prática cotidiana do caráter". E se ainda creio nisso, é pelo caráter e competência dos com quem convivo ou convivi nestes anos de profissão.

O maior valor de um país é a liberdade, e não se busca nem se pratica a liberdade sem jornalista. Parabéns, coleguinhas! (P.S: aos que desconhecem o jargão jornalístico, passaralho é demissão em massa)

terça-feira, 24 de março de 2015

Um socialista contra os bolivarianos

Por Murillo Victorazzo

Advogado, Felipe González entrou para a História da Espanha ao se tornar, em 1982, o primeiro presidente do Governo (primeiro-ministro) do campo da esquerda desde 1936. Durante esse espaço de tempo, o país fora governado por conservadores, seja o ditador Francisco Franco ou democratas. 

Por 14 anos, como líder do Partido Socialista (PSOE), González conduziu um gabinete de centro-esquerda que inspirou políticos social-democratas de várias regiões, inclusive o Brasil. Mesclou reformas econômicas pró-mercado (com regulação, mas não intervenção, estatal), direitos e serviços sociais amplos e garantidos pelo Estado e valores progressistas. Algo próximo à "Terceira Via" de Tony Blair. Foi um dos principais responsáveis pela modernização da economia espanhola.

Agora, este mesmo político anuncia que irá defender os opositores presos por Nicolás Maduro na Venezuela. Será que os defensores do chavismo ainda vão insistir na tese de que quem é contra ele é apenas a direita, os EUA e blá blá blá? Continuarão achando que esquerda moderna é esse anacronismo econômico misturado a autoritarismo político que está levando os venezuelanos ao caos?

Para desespero de alguns lá como cá, tanto à direita quanto à esquerda, o mundo não se divide entre "coxinhas reaças" e "comunas"...

quarta-feira, 18 de março de 2015

Insatisfação também aumenta em redutos petistas tradicionais

Por Mauro Paulino e Alessandro Janoni  (Folha de S.Paulo, 18/03/2015)

Com exceção dos simpatizantes do PT e de seus próprios eleitores, todos os demais segmentos socioeconômicos, políticos ou demográficos reprovam majoritariamente o desempenho de Dilma Rousseff. Mesmo nos estratos mais beneficiados pelas políticas sociais do governo, a rejeição disparou.

Pela primeira vez, a maioria dos que têm menor renda e menor escolaridade classifica sua gestão como ruim ou péssima. O mesmo ocorre no Norte e no Nordeste.

As manifestações do fim de semana e sua repercussão intensificaram a frustração que evoluía desde fevereiro. Desde o último levantamento do Datafolha, a divulgação da lista do procurador Janot, a crise com o Congresso, os panelaços, as confusões no FIES e a mobilização da classe média potencializaram o peso da corrupção no terreno fértil da incerteza econômica.

O grau de capilaridade e cobertura das variações na opinião pública, apesar do alto prestígio e poder atribuídos às redes sociais pelos brasileiros, deve-se principalmente à comunicação em massa por rádio e TV, que alcança todas as regiões e segmentos da população. Sintoma disso são os 73% que tomaram conhecimento da divulgação dos nomes dos políicos que serão investigados pela Operação Lava Jato, índice que se mostra elevado também no Norte (68%) e no Nordeste (72%).

A gestão Dilma desce a patamares de reprovação equivalentes à instabilidade do governo Sarney e aos últimos suspiros de Collor antes de sua renúncia. O Congresso também vive sua pior crise de imagem junto à opinião pública desde o escândalo dos anões do Orçamento, em 1993.

O índice de aprovação da presidente é idêntico ao de FHC em setembro de 1999, depois do ajuste que desvalorizou a moeda brasileira. Como esperança para a petista, há ainda a referência de Itamar, que tinha apenas 16% de ótimo ou bom cerca de um mês antes da implantação do Real.

O caminho a ser percorrido pela opinião pública nos próximos meses depende de como se comportará essa imensa maioria, de perfil oposto ao dos que foram às ruas nos últimos dias. A maioria tem a insatisfação em comum com os manifestantes, mas é mais carente, menos politizada e mais pragmática quanto aos serviços públicos e à influência da economia em suas vidas.

Entre os que têm nível superior de escolaridade, 11% dizem ter saído às ruas para protestar no domingo, taxa que cai para 1% entre os de nível fundamental. Entre os que têm renda maior do que 10 salários, 12% dizem que o fizeram, contra 2% entre os mais pobres. Na avenida Paulista, no domingo, 68% tinham renda familiar superior a 5 salários, taxa que corresponde a 27% entre os paulistanos.

Cada vez mais inseguros sobre o emprego, muitos brasileiros já não enxergam no governo o continuísmo pelo qual optaram na última eleição, mas também não se identificam com a maioria dos manifestantes. Executivo e Congresso, se quiserem minimizar a crise, devem ações concretas a seus representados. E a classe média, se quiser maior representatividade, deve encorajar "rolezinhos" nas suas manifestações.

* Mauro Paulino e Alessandro Janoni são diretores geral e de pesquisas do DataFolha

segunda-feira, 9 de março de 2015

Racionalidade, por favor

Por Murillo Victorazzo

Como alguém que sonha com uma social-democracia de verdade no país e por isso já votou no PT e no PSDB, que tem nojo dessa direita representada por certos articulistas de Globo e Veja e das viúvas de 64, que teme os extremismos de direita e esquerda, que já foi rotulado de petista por reconhecer méritos no governo Lula, e de tucano por aplaudir avanços na Era FHC - e criticá-los em seus vários defeitos -, acho que tenho a isenção pra dizer: a imbecilização do debate político chegou ao ponto de agora ficarem em rede social discutindo se na sua vizinhança houve ou não panelaço, como se só o fato de em vários locais ter hoje acontecido não provasse que algo está errado, que Dilma está no canto do ringue. 

Apelar (ou se limitar a) para a batida luta de classe é, além de tudo, miopia, basta ver a queda vertiginosa de popularidade da presidente e os 51 milhões de votos da oposição. Quisera o Brasil ter tanto rico assim. Assim como é desprezível usar de palavras vulgares para se referir à presidente da República. Nem mesmo no mensalão houve o que está havendo no país agora. Se o governo ( e seus defensores apaixonados) achar que só os ricos/classe média alta estão insatisfeitos com o cenário político-econômico, meio caminho andado para seu nocaute terá sido percorrido. 

É fato que os que sempre tiveram rejeição prévia, ideológica, ao PT usam o momento como catarse. O ladrão do outro é pior que o meu ladrão. Indignação seletiva há infelizmente. É fato que dá nojo a hipocrisia de políticos do PSDB e aliados falando em ética, ou do cinismo de gente que defende épocas sombrias, quando a falta de liberdade de imprensa, do MP, e a fragilidade da PF impediam o acesso a informações e consequentemente qualquer investigação. 

Acho patético ver gente agora compartilhando discursos "indignados"de tucanos e demistas com rabo preso direta ou indiretamente, ou pessoas tentando ideologizar a ladroagem. É cara de pau ou falta de memória. Corrupção não tem limite tolerável. Quando muito, quem roubou 5 não tem moral para falar de quem roubou 7, 8, 10,ou 20. A população alheia a interesses partidários, ricos ou pobres, tem. É preciso muito fígado para aturar uma galera que desconhece nossa história "cagar regra". 

Mas é inegável que Dilma seja incompetente, que ela pratica o oposto do que defendeu na campanha eleitoral, que os avanços sociais ocorridos nas últimas décadas correm risco por sua visão equivocada de política econômica e inabilidade política, que o "petrolão" é grave demais e bate na sua porta. Isto não significa, por enquanto pelo menos, defender impeachment, instrumento jurídico sério e custoso ao país, onde se precisa ter provas concretas do dolo criminal ( incompetência não é requisito) do chefe de governo.

Há muita gente brincando (por desconhecimento ou ardil) com isto. Há muita gente, em ambos os lados, que parece não entender o que é democracia. Protestar, mais que válido, é obrigação. Dilma está acuada, antes de tudo, por culpa sua e de seu partido, não de terceiros. O quadro é lamentavelmente sério. Racionalidade, por favor.

sexta-feira, 6 de março de 2015

A hora e a história

Por Demétrio Magnoli (Folha de S.Paulo, 28/02/2015)

O governo Dilma 2 acabou antes de começar. Batida pelo turbilhão da crise que ela mesma engendrou, a presidente perdeu, de fato, o poder, que é exercido por dois primeiros-ministros informais: Joaquim Levy comanda a economia; Eduardo Cunha controla as rédeas da política. Na oposição, entre setores da base aliada e, sobretudo, nas ruas, a palavra impeachment elevou-se, de murmúrio, à condição de grito ainda abafado. É melhor pensar de novo, para não transformar o Brasil num imenso Paraguai.

Nos sistemas parlamentares, um voto de desconfiança do Parlamento derruba o gabinete, provocando eleições antecipadas. No presidencialismo paraguaio, regras vagas de impeachment conferem aos congressistas a prerrogativa de depor um chefe de Estado que não enfrenta acusações criminais. Um parecer de Ives Gandra Martins sustenta a hipótese de impedimento presidencial por improbidade administrativa, mesmo sem dolo. Na prática, equivale a sugerir que Dilma poderia ser apeada com a facilidade com que se abreviou o mandato de Fernando Lugo. A adesão a essa tese faria o Brasil retroceder do estatuto de moderna democracia de massas ao de uma democracia oligárquica latino-americana.

Não são golpistas os cidadãos que fazem circular o grito abafado. Dilma Rousseff tornou-se um fardo pesado demais. Lula deu o beijo da morte no segundo mandato da presidente ao lançar sua candidatura para 2018 antes ainda da posse. No ato farsesco de "defesa da Petrobras", o criador da criatura emitiu sinais evidentes de que, em nome de sua campanha plurianual, prepara-se para assumir o papel um tanto ridículo de crítico do governo. Diante de uma presidente envolta na mortalha da solidão, os partidos oposicionistas parecem aguardar uma decisão das ruas. Fariam melhor oferecendo um rumo político para a indignação popular.

Antes de tudo, seria preciso dizer que, na nossa democracia, a hipótese de impeachment só se aplica quando há culpa e dolo. O complemento honesto da sentença é a explicação de que, salvo novas, dramáticas, informações da Lava Jato, inexiste uma base política e jurídica sólida para abrir um processo de impedimento da presidente. Contudo, só isso não basta, pois o país não suportará mais quatro anos de "dilmismo", essa mistura exótica de arrogância ideológica, incompetência e inoperância.

"Governe para todos --ou renuncie!". No atual estágio de deterioração de seu governo, a saída realista para Dilma é extrair as consequências do fracasso, desligando-se do lulopetismo e convidando a parcela responsável do Congresso a compor um governo transitório de união nacional. O Brasil precisa enfrentar a crise econômica, definir a moldura de regras para um novo ciclo de investimentos, restaurar a credibilidade da Petrobras, resgatar a administração pública das quadrilhas político-empresariais que a sequestraram. É um programa e tanto, mas também a plataforma de um consenso possível.

"Governe para todos --ou renuncie!". O repto é um exercício de pedagogia política, não uma aventura no reino encantado da ingenuidade. As probabilidades de Dilma romper com o lulopetismo são menores que as de despoluição da baía da Guanabara até a Olimpíada. Isso, porém, não forma uma justificativa suficiente para flertar com o atalho do impeachment. Se a presidente, cega e surda, prefere persistir no erro, resta apontar-lhe, e a seu vice, a alternativa da renúncia, o que abriria as portas à antecipação das eleições.

Dilma diz que a culpa é de FHC. Lula diz que é da imprensa, enquanto reúne-se com o cartel das empreiteiras. A inflação fará o ajuste fiscal. Por aqui, os camisas negras usam camisas vermelhas. A justa indignação da hora faz do impeachment uma solução sedutora. Mas a história não é a hora. Dilma vai passar, cedo ou tarde. Ela não vale o preço da redução do Brasil a um Paraguai.

quarta-feira, 4 de março de 2015

Obrigado, Léo Moura!

Por Murillo Victorazzo

Quis o destino que, depois de passar por vários clubes sem se firmar, o menino na foto entrasse para a história do seu time de coração. Longe de ser um Leandro, um C.A.Torres ou um Jorginho, sua habilidade com os pés ajudou-o a conquistar um título brasileiro (2009), duas Copas do Brasil (2006/13) e cinco estaduais (07/08/09/11/14).

Mas mais do que isso, ganhou o coração da torcida, mesmo nos momentos em que tecnicamente esteve mal, pelos dez anos de dedicação e profissionalismo, marca raríssima no volúvel futebol atual. Gente boa, discreto, tornou seu estranho cabelo moicano moda entre os pequenos flamenguistas. 

Décadas atrás, entrava ao lado do ídolo-maior  de seu time no gramado do Maracanã, hoje receberá dele (coincidentemente aniversariante de ontem), no mesmo estádio, em nome de 40 milhões de apaixonados, os agradecimentos por honrar o manto do Mais Querido do Brasil por tanto tempo - muitos dos quais como capitão. 

São estes destinos cruzados que, apesar de tudo, ainda me fazem adorar o futebol e amar o meu time. Porque o fã aprendeu com o Rei: vestir o vermelho e preto e tê-lo em seu sangue é privilégio para poucos; ser ídolo da maior torcida do país é para agradecer todo dia a Deus. Valeu, Léo! A Nação Rubro-Negra te agradece!

terça-feira, 3 de março de 2015

Não há alternativa ao acordo com o Irã

Por Clovis Rossi (Folha de .Paulo, 03/03/2015)

O discurso de Binyamin Netanyahu no Congresso norte-americano é um clássico da aplicação do velho dito popular, o que fala em juntar a fome com a vontade de comer.

Bibi, como é chamado o premiê israelense, permitiu aos republicanos do Congresso saciar sua fome de semear obstáculos à administração Obama, ao mesmo tempo em que ele próprio dava vazão à sua vontade de morder simbolicamente o presidente norte-americano, com o qual as relações sempre foram de ruins para péssimas.

Ao desenhar o programa nuclear iraniano como um claro e presente perigo para a sobrevivência de Israel, Bibi acrescenta argumentos para que os republicanos boicotem um eventual acordo com o Irã, que seria um belo legado da administração Obama.

Que a posse da bomba pelo Irã (ou qualquer outro país) é sempre um perigo, não há dúvida. Mas Netanyahu superestima o perigo, como o faz sempre. Em 2012, por exemplo, dissera na Assembleia-Geral da ONU, que, "em poucos meses, possivelmente em poucas semanas, eles [os iranianos] terão suficiente urânio enriquecido para a primeira bomba".

Nem o serviço secreto israelense acreditava nele, como demonstra vazamento de relatório da mesma época do Mossad: "O Irã não está desenvolvendo a atividade necessária para produzir armas".

O problema de fundo, no entanto, nem é se o Irã está ou não na iminência de ter a bomba. O que interessa é como se pode evitar que chegue a ela. E aí não há alternativa a um acordo como o que está sendo negociado. Digamos que se rompam as negociações e, em consequência, o Irã acelere o programa nuclear até chegar à possibilidade de produzir a bomba.

O que farão as potências ocidentais que agora negociam com o Teerã? Bombardearão o país? É simplesmente impensável pelo tremendo conflito no mínimo regional que provocaria, talvez um conflito global. E Israel seria certamente a primeira vítima.

Um acordo aceitável para as partes permitiria trazer o Irã de volta à comunidade internacional, o que, por sua vez, reduziria sua beligerância em relação a Israel, ao menos em tese

sábado, 28 de fevereiro de 2015

Parabéns meu Rio! 450 anos de encanto!

Por Murillo Victorazzo

“Sublime, pitoresca, cores intensas, predomínio do tom azul, grandes plantações de cana-de-açúcar e café, véu natural de mimosas, florestas parecidas porém mais gloriosas do que aquelas nas gravuras, raios de sol. Tudo quieto, exceto grandes e brilhantes borboletas. Muita água, as margens cheias de arvores e lindas florestas”. Foi assim que Charles Darwin, descreveu o Rio de Janeiro, logo depois de avistá-lo, dando início a sua passagem pela cidade, em 1832.

Segunda maior cidade do país, hoje seria um tanto difícil manter as grandes plantações. Mas as cores intensas, o mar e a montanha a cercá-la, o sol – muitas vezes até exageradamente- a iluminá-la o ano inteiro, a maior floresta urbana do mundo permanecem.

Poucas – creio eu que nenhuma- cidade no mundo consegue ser simultaneamente metrópole e um estonteante balneário, dono de tão variada natureza, espalhada por diversos cantos. Quase sete milhões de pessoas têm o privilégio de aproveitar, a cada dia do ano, tal beleza, embora também tenham que superar as mais complexas adversidades típicas das grandes cidades, umas mais, outras menos.

Mas o meu Rio não é só beleza natural, é sua cultura popular, o jeito do seu povo, que torna qualquer esquina com cerveja o melhor point do mundo. É, por exemplo, sair da praia e parar naquele boteco por você frequentado há anos, onde, mesmo sozinho, é prazeroso parar no balcão e desenrolar papos intermináveis sobre tudo com os garçons, que de tão conhecidos estranham se você fica alguns meses sem por lá passar. É nas areias fazer amizades sem distinção de cor e classe social, com o morro e o asfalto convivendo, em todos os sentidos.

É fazer piada da sua própria dificuldade. É não cansar de passar finais de semana pelas rodas de samba de Vila Isabel, Andaraí, Madureira, Ramos e outros. É caminhar pelo Centro e pela Zona Portuária e ver a História do país diante dos seus olhos, capital que foi. É ter umbilicalmente integrados a sua vida pontos turísticos famosos no mundo todo, almejados por tantos. Tão integrados que, às vezes, a gente se esquece de dar-lhes seu merecido valor.

Quem cresceu indo ao Maracanã, frequentando a Marquês de Sapucaí, vendo o por do sol no Arpoador/Ipanema, tendo, a qualquer hora, em qualquer lugar, o Cristo Redentor lá em cima te abençoando, passando quase todo dia em frente ao Jardim Botânico, tendo mil histórias para contar sobre noites regadas à cerveja com os amigos em frente aos arcos da Lapa ou nas quadras de escola de samba, caminhando, desde que se recorda como gente, pelas ruas e lugarejos que inspiraram os mestres Tom Jobim e Vinicius de Moraes, entende o que falo.

Sim, sou desses bobos que, ao o avião se aproximar do Galeão ou do Santos Dumont, se encantam com o visual visto pela janela como se fosse a primeira vez e começam a cantar para si o "Samba do Avião": "Minha alma canta, vejo o Rio de Janeiro. Estou morrendo de saudades..."

Desses que ficam com o coração cheio de orgulho ao se deparar com um turista bestificado com o que, para mim, é trivial. Mas a trivialidade não me impede de tentar, por alguns minutos, me colocar no lugar dele e olhar de outro modo para minha cidade. Aí eu vejo como ela é imperfeitamente perfeita, de fato o a "cidade maravilha, purgatório da beleza e do caos".

Mas hoje é dia de esquecer a violência, o trânsito, os serviços mal oferecidos. Hoje eu só quero dizer: parabéns, meu Rio!!! 450 anos encantando o mundo, sendo a fonte de inspiração dos mais diferentes tipos de músicos. Como cantava meu Salgueiro em 2008: "Divina obra-prima pra se admirar. Entre morros e ladeiras. A brisa embala as ondas do mar. Essa gente tão cheia de graça. O turista que leva saudade. E o redentor abençoando. Maravilhosa cidade (...) E deixa o sol bronzear. No calor do meu Salgueiro. Eu sou raiz desse chão. E canto a minha emoção.Salve o Rio de Janeiro!"

Parabéns, eternamente o cartão postal do meu Brasil, parâmetro sócio-cultural do meu país. Sou orgulhosamente flamenguista,salgueirense e leblonense. Viva a carioquice! E se quiserem arrumar briga comigo, ousem duvidar do meu amor por essa cidade.

terça-feira, 24 de fevereiro de 2015

Caindo de podre

Por Murillo Victorazzo

Uma breve passada pela História nos mostra que regimes autoritários recrudescem quando se veem ameaçados. Paradoxalmente, é um dos sinais de sua debilidade. Se o chavismo, quando seu mentor estava vivo, permitia debates sobre se era ou não uma ditadura no sentido clássico da palavra, trazendo consigo visões distintas sobre o conceito de democracia direta, Nicolás Maduro dissipou qualquer dúvida.

Com Hugo Chávez, faça-se justiça, alguns indicadores sociais melhoraram na Venezuela,  apesar da corrupção crescente e da perseguição a adversários, incluindo meios de comunicação. Os tempos do petróleo em alta permitiam.

Entretanto, a visão anacrônica de um estatismo exagerado, ou, como seus seguidores preferem dizer, o "socialismo do século XXI", enterrou a iniciativa privada do país, tornando-o refém de sua riqueza natural.  A inflação disparou, e o desabastecimento deu as caras.

Para o azar dos venezuelanos (ou sorte), a maré econômica começou a virar quase ao mesmo tempo da morte do líder bolivariano. Pode-se falar tudo de Chávez, mas seu carisma e liderança inegáveis conseguiam arrefecer certos incômodos entre seus eleitores. Além de unificar e inebriar seus correligionários.

Maduro é o homem errado na hora errada. Seus discursos sobre conspirações ou aparições do líder morto beiram o ridículo. Não impõem respeito. Algumas decisões, como criação de órgãos ou ministérios esdrúxulos, também. Dentro das hostes bolivarianas, não aglutina como seu antecessor. Em um ambiente de deterioração econômica, que já faz retroceder os ganhos sociais, sua fraqueza, já evidenciada em sua estreita e polêmica eleição, se potencializou.

A saída foi aumentar a coerção, deixar cair a máscara e revelar a essência do regime, com um decadente projeto mal-acabado de ditador. Sim, projeto, porque a Maduro falta qualidades até para entrar no hall dos "grandes" ditadores, com visões estratégicas, maiores profundidade ideológicas, posturas condizentes e talentos administrativos - por pior que moralmente fossem.

A situação na Venezuela ganhou contornos perigosos a partir da detenção do prefeito da capital, Antonio Ledesma, eleito, assim como Maduro, pelo povo. A severa repressão às manifestações ano passado já indicavam este caminho. O pretexto de uma suposta participação do prefeito em um complô golpista não encontrou eco nem mais em alguns políticos à esquerda do país.

Até mesmo o Itamaraty, tão cheio de melindres quando o assunto é a crise venezuelana, subiu o tom em sua última nota, embora acaricie Maduro ao se dizer preocupado com "iniciativas tendentes a abreviar o mandato presidencial".

"São motivos de crescente atenção medidas tomadas nos últimos dias, que afetam diretamente partidos políticos e representantes democraticamente eleitos", diz o texto da chancelaria brasileira. Longe do ideal, mas um sinal de que o sinal amarelo acendeu em Brasília. Ainda que seja difícil de crer, espera-se iniciativas práticas e imparciais.

Não se sabe o modo e o tempo que irá levar; torce-se para que seja pacificamente - e a atuação do Brasil será essencial para que sim. Mas o regime chavista começa a dar sinais de naufrágio. Nicolás está ( com o perdão do trocadilho óbvio) caindo nem tanto de Maduro, mas sim por estar podre.

sábado, 21 de fevereiro de 2015

O carnaval e o eterno chororô

Mais um carnaval passou e, como sempre, os "chororôs" sobre o resultado do desfile das escolas de samba pautaram as redes sociais. Quanto mais equilibrados, como tem sido progressivamente, mais as reclamações se intensificarão. Seria, contudo, bom que muitos dos que agora vêm destilar críticas ao resultado acompanhassem as escolas durante todo o ano, lessem regulamento e procurassem entende-lo. Sem falar nos que acham que pela TV se consegue ter noção do que de fato se passou.

A competição entre as agremiações não é de quem tem a alegoria mais bonita ou emociona mais. É de quem erra menos; é principalmente de chão, é técnico, é organização, é canto. São nove quesitos, muitos dos quais duvido que essas pessoas saibam analisar. Será que leram sinopses? Sabem avaliar casal de MS/PB? Se uma bateria veio afinada, em consonância com o samba cantado? E comissões de frente? Conseguem discernir se uma escola cantou em harmonia ? Ou se algum carro e fantasia veio mal acabado? Parece óbvio ser mais agradável assistir a irreverência ou "inovações", mas não é isto, talvez infelizmente, que ganha carnaval. Está errado? Mude-se o regulamento. 

Também seria bom que deixassem de lado antipatias prévias ou paixonites. Como salgueirense, chateado com mais um vice-campeonato, poderia chorar hipocritamente sobre a polêmica de uma ditadura vencer, ou dizer que a Beija-Flor foi "monótona". Mas sei que a escola soube abordar um continente sem enaltecer ninguém, nenhum governo, apenas o negro e suas raízes, através de um lindo samba, evoluindo e cantando como quase nenhuma. Praticamente não errou. É isto que conta no momento em que os jurados dão as notas. Compara-se o que a escola disse, por escrito, pretender contar com o que - e como - foi desenvolvido na prática. 

Os critérios de financiamento do carnaval devem, sim, ser revistos, mas não apenas este, a começar pela contravenção. Dinheiro sujo? É pouco honesto se dizer indignado um torcedor da Mocidade, que enalteceu a volta da grana do bicho dos Andrade, ou o portelense que, no passado, tantos títulos levou com a ajuda da coerção do lendário Natal, ou o da Vila, que faturou título patrocinada por Hugo Chaves, e mesmo o da minha escola, que, durante anos, sobreviveu às custas da família Garcia, entre tantos outros.

Pode-se ou não gostar do desenvolvimento de certos enredos, pode-se gostar ou não de determinada escola, de não achá-la, em seu gosto, a que mais merecia ganhar. Porém, misturar alhos com bugalhos, não. Havia quatro escolas prontas para serem campeãs. Lamentavelmente, na hora H, a Portela errou demais. A sensação é de que ela perdeu para ela mesmo. Não por acaso, antes do desfile, portelenses e nilopolitanos eram vistos como os principais favoritos.

No entanto, apesar dos erros, a azul-e-branco de Madureira acordou e viu que camisa, como no futebol, não garante boas notas há tempos. Nos últimos dois anos, apesar de erros fez desfiles dignos, à altura do seu nome. E a Mangueira? Quando reaprenderá a desfilar? Sai presidente, entra presidente, os erros continuam. Relevando o azar da chuva, se não fosse o belo samba e o casal de MS/PB, o desastre poderia ser maior. Mas se preferirem continuar, sem autocrítica, no discurso da perseguição, do favorecimento e blá blá blá....

É claro que algumas notas não são compreensíveis - o que, aliás, sempre acontecerá, devido a subjetividade inerente ao regulamento. Entretanto, no conjunto, os "absurdos" se contrabalançaram. Partir para teorias sobre beneficiamento à escola nilopolitana seria injusto e contraditório. Basta lembrar do que aconteceu com ela no carnaval passado, quando muitos asseguravam que, com um enredo em homenagem a Boni, a Rede Globo forçaria o título para ela. Nem entre as Campeãs voltou. Surpreendente mesmo apenas o terceiro e nono lugares da Grande Rio -que retirou a Portela das quatro primeiras - e União da Ilha.

Tenho absoluta convicção de que meu Salgueiro fez carnaval para ser campeão - surpreendentemente até, depois de tanto ceticismo com o enredo e o samba (que faturou 30 pontos inesperadamente). Isso só me deixa mais orgulhoso de ser salgueirense. Antes do carnaval, celebraria o vice-campeonato com fogos, mas, depois do que vi na Avenida, ficou um "gosto de quero mais". Paciência. Pois feliz é quem tem o Salgueiro no coração!  No meio de tanto equilíbrio, de tantas escolas grandes, estar nas Campeãs seguidamente desde 2008, sendo um título e quatro vices, é para as gigantes.

quinta-feira, 19 de fevereiro de 2015

O Japão sai de sua “sonolência” pacifista

Por Philippe Pons ( Le Monde/UOL, 20/02/2015)
Desde sua derrota em 1945, o Japão passou por um período excepcional de prosperidade e de paz em uma Ásia abalada por guerras, como a da Coreia e do Vietnã. Ele foi um notável exemplo de uma modernização destacada do molde do Ocidente, cujas técnicas e práticas ele adotou sem jamais ter colonizado e perdido sua identidade, e continua sendo um dos países mais prósperos e mais avançados tecnologicamente do planeta.
Mas sua era de ouro está prestes a terminar: como reverberação de um conflito afastado de sua ancoragem asiática, ele está sendo sugado para dentro da globalização política depois de ter entrado relutantemente na globalização econômica. A execução de dois reféns japoneses em janeiro pelo Estado Islâmico revelou a seus compatriotas que o Japão agora era assemelhado aos países que o combatem militarmente.

Até hoje, o Japão havia sido amplamente poupado pelo terrorismo: as ações do grupo Exército Vermelho nos anos 1970 ou da seita Aum em 1995 eram questões internas.

Alegando seu pacifismo constitucional que lhe proíbe de recorrer à guerra, ele ainda evitou se envolver diretamente nos conflitos conduzidos por seu mentor americano, contentando-se em lhe servir de base de apoio na Coreia e no Vietnã. Depois ele contribuiu financeiramente para a primeira guerra do Golfo (1990) e, após a invasão do Iraque em 2003, enviou um contingente restrito a operações de manutenção de paz. Uma iniciativa impopular, mas pelo menos ele permanecia afastado.

Essa posição distanciada agora é coisa do passado. Enquanto parte da opinião pública critica a maneira como Tóquio conduziu (ou mais exatamente, não conduziu, segundo certos comentaristas) as negociações para salvar os reféns, o primeiro-ministro, Shinzo Abe, clama que pretende "fazer com que os autores desse crime paguem por isso".

Esse apelo por vingança até hoje não fazia parte do vocabulário diplomático japonês. Aproveitando sua maioria no Parlamento e a onda de indignação e de preocupação despertada por esses assassinatos, o governo pretende conseguir a aprovação, durante a sessão parlamentar que termina em junho, uma dezena de leis que permita que o Japão participe de um sistema de defesa coletiva e intervenha no exterior.

Tóquio está discretamente aumentando sua presença militar em Djibouti (onde está estacionado um contingente de 200 homens para o combate à pirataria no Chifre da África), para criar uma "base" operacional na África e no Oriente Médio.

Além disso, o Japão poderá participar de uma licitação para a construção de um submarino australiano, confirmando sua entrada no mercado de armamentos (as restrições estabelecidas para a exportação de armas foram retiradas em abril de 2014).

Sutilmente, Abe vai abrindo o dogma pacifista (já erodido no passado por legislações de exceção) sobre o qual se construiu a prosperidade do Japão no pós-guerra. A direita (de onde ele se originou) nunca o aceitou ("está na hora de o Japão sair de sua sonolência pacifista", ressalta o entourage do primeiro-ministro), mas a maioria está do seu lado.

Segundo Hitoshi Tanaka, presidente do Instituto de Estratégia Internacional e ex-vice-ministro das Relações Exteriores, "o ambiente de segurança internacional mudou e o Japão precisa se adaptar".

Em um editorial recente, o jornal "Asahi" (centro-esquerda) ressalta que "o Japão não deve de forma alguma se envolver em ações militares", lembrando "o caos que resultou da invasão do Iraque" e alertando contra "o perigo de se responder à força bruta com força bruta". Para o jornal, a "doutrina pacifista continua sendo a melhor defesa do Japão."

Para além do debate sobre os meios de assegurar a segurança do Japão surge a questão dos recursos à sua disposição para colocar em prática a ambição da direita de ter um maior papel no cenário internacional através daquilo que ela chama de "pacifismo proativo".

O Japão não está em uma situação invejável: a ascensão da China, que lhe tirou a supremacia regional, conjugada à estagnação econômica, prejudicou sua autoconfiança.

É verdade que se trata de um declínio relativo: o Japão continua sendo a terceira maior potência econômica do mundo e, apesar de um crescimento nulo ou pequeno, não passa pela instabilidade social de muitas outras democracias avançadas.

Mas para se projetar internacionalmente, o Japão precisaria de uma "retaguarda" sólida em sua própria região, o que não é o caso. O negacionismo demonstrado pelo primeiro-ministro (que minimiza ou nega os abusos do Exército imperial) enfurece seus vizinhos chineses e coreanos. Pequim e Seul certamente usam com fins políticos internos o nacionalismo de Abe.

Em sua ambição de poder, "Pequim precisa marginalizar o Japão", acredita Hiroshi Tanaka. Só que qualquer avanço de Tóquio no domínio da defesa é visto em Pequim e em Seul como uma ameaça potencial que provoca tensões.

O Japão é a pedra angular da estratégia americana de voltar seu foco para a Ásia após os reveses sofridos no Iraque e no Afeganistão. Mas Washington também quer construir uma parceria estratégica com a China, e Tóquio tem menos certeza de um compromisso americano pleno. Já Pequim alerta o Japão: ele não pode esperar ter boas relações ao mesmo tempo com a China e os Estados Unidos.

A margem de manobra de Tóquio, portanto, é estreita: sua participação em um sistema de defesa coletivo corre o risco de arrastá-lo junto com os Estados Unidos para dentro de guerras que ele não quer, e Pequim não está disposto a vê-lo reforçando seu poderio militar.

terça-feira, 3 de fevereiro de 2015

Collor, Cunha e Renan: o andar em círculo da política brasileira

Por Murillo Victorazzo

Novo presidente da Câmara e assim o segundo homem na linha sucessória da Presidência da República, Eduardo Cunha, a mais completa personificação do fisiologismo e do jogo rasteiro de bastidores, um dos mais atuantes membros da bancada conservadora evangélica (blarg), começou na vida pública como presidente da antiga Telerj, no governo Collor, indicado por PC Farias.

Renan Calheiros, reeleito pela terceira vez presidente do Senado, foi, em 1989, um dos principais articuladores da candidatura do mesmo Collor à Presidência do país. Embora deputado federal, até então era um relativamente desconhecido político regional. Com o amigo eleito (depois romperiam), tornou-se líder de seu governo na Câmara. No governo FHC, pasmem, chegou a ser ministro da Justiça.

Collor, o capo-mor, após ser, em 1992, merecidamente defenestrado do Planalto, hoje é senador reeleito por Alagoas, um dos principais aliados do governo petista no Congresso. 

Às vezes, parece que a política brasileira anda em círculos, no pior sentido da expressão, com novos atores (ou partidos), de tempos em tempos, integrando - e aprimorando com louvor - o enredo da mesma triste novela.

E eu que pensei, quando estudante, que, ao ir para as ruas pedir e comemorar o impeachment de um ladrão hipócrita,  sem pudor algum (e de personalidade agressiva), um ciclo pernicioso ali se encerrava, levando juntos seus integrantes e seu "modus operandis"...

terça-feira, 27 de janeiro de 2015

Domingo de Baixada na Sapucaí

Por Murillo Victorazzo

Caxias e Nilópolis protagonizaram o terceiro domingo de ensaios do Grupo Especial. Maior vencedora do carnaval carioca no século XX, a Beija-Flor sempre atrai as atenções ao entrar na Sapucaí. Paga, por isso, o preço da sua (justa) fama. Esperamos sempre muito dela, o que aumenta as chances de decepção.

Não se pode dizer que a escola fez um mal ensaio. Foi tecnicamente bom. A escola passou sem buracos, com a comunidade cantando. Porém, não foi aquele rolo compressor visto, por exemplo, em 2013, quando levou um enredo sobre cavalos. Talvez o atraso de quase uma hora tenha contribuído para a aguerrida comunidade nilopolitana não entrar com a impressionante vibração de sempre.

Mais surpreendentemente ainda foi sentir que o lindo samba, considerado um dos três melhores de 2015, não rendeu como imaginado. Quem frequenta a quadra da azul-e-branco garante que o andamento foi mais lento do que tocado em Nilópolis. Motivo, Neguinho e a bateria, que fez uma ótima apresentação, devem ter.

Nas palavras de um integrante da Comissão de Carnaval, foi "um ensaio morno". Promessa de muito trabalho nesses quase 20 dias que faltam para o desfile oficial. O perfeccionismo e a rigidez de Laíla, diretor-geral de Carnaval e Harmonia da escola, são mais do que conhecidos.

Ao contrário, com um samba não tão bonito mas alegre, pra cima, a Grande Rio mandou bem, surpreendeu positivamente. Fora eventuais erros em alas e seus cansativos "bicões" típicos, a tricolor contagiou. Cantou muito e mostrou que, se as outras derem mole, o tão sonhado título inédito pode, enfim, parar em Caxias.

Ressalte-se ainda que eles têm hoje o melhor intérprete do carnaval carioca, vencedor do Estandarte de Ouro ano passado: Émerson Dias. Enquanto Neguinho parecia burocrático, ele "arrepiou", junto com a Invocada.

Seja como for, a Baixada deu o tom no Sambódromo. Seus torcedores desceram em peso para lotar as arquibancadas e frisas. E voltaram com a impressão de que, apesar dos pesares, depois de três anos, o troféu de campeã pode voltar para a região.