segunda-feira, 5 de março de 2012

Bom tucano balança mas não cai do galho

Por Murillo Victorazzo

José Serra se decidiu. Pressionado pela cúpula tucana, o ex-governador paulista voltou atrás e anunciou que tentará voltar à Prefeitura paulistana este ano. Figura de peso da política nacional, era natural que as eleições em São Paulo ganhassem novos contornos com seu nome na disputa. Março começou, por isto, com Serra no centro das atenções. E os meios de comunicações, para aproveitar o gancho ou por interesses nada jornalísticos, logo lhe abriram farto espaço. Na última quinta-feira, tal exposição parecia ter sido um tiro saído pela culatra. No sábado, porém, com a divulgação da mais recente pesquisa de intenção de voto, o diagnóstico era o oposto.

Em entrevista concedida a um amistoso Boris Casoy, no Jornal da Noite, da TV Band, Serra, quinta-feira, usou o figurino de que mais gosta, o de forte crítico do governo Dilma Roussef. Entre críticas ao  "aparelhamento do Estado" e à "desindustrialização" do país, chamou Casoy para visitar com ele projetos seus desenvolvidos quando governador e prefeito. Em um dado momento, após convidar o apresentador para conhecer um museu a céu aberto criado em sua gestão, ouviu a bem humorada negativa: "Não vou a museus mais, governador. Tenho medo que não me deixem sair de lá". A recusa, ainda que sutil, viria a mostrar-se como o prenúncio de um entrevista infeliz para o candidato.

Ao ser perguntado sobre a crise europeia, Casoy -e provavelmente quase todos espectadores- imaginava ter  entrado no terreno ideal para o famoso economista desfiar seus conhecimentos acadêmicos. Mas, por essas ironias que a entrevista jornalística permite, o veterano político acabou por tropeçar feio nas próprias palavras, cometendo uma gafe que, se cometida pelo ex-presidente Lula, redundaria em manchetes jocosas nos principais jornais do país.

Com seu conhecido tom professoral, Serra pretendia iniciar sua resposta ressaltando as dificuldades inerentes a uma federação. Para tanto, se dispôs a fazer uma analogia da com o Brasil e os Estados Unidos. E logo de cara, convicto, afirmou: "O Brasil se chama Estados Unidos do Brasil. Os Estados Unidos se chamam Estados Unidos da América..." Foram longos três segundos nos quais a sensação de vergonha alheia ficou no ar no estúdio e em muitas residências, até que Casoy delicadamente interrompeu para corrigi-lo: "Não, o Brasil não se chama Estados Unidos do Brasil, governador".

Incrédulo, olhando com feições de abobado para o jornalista, o plumado político conseguiu piorar sua situação ao retomar a palavra com uma simples mas sintomática pergunta: "Mudou?" A Casoy, só restou esclarecer: "Sim. Chama-se República Federativa do Brasil". O diálogo deixava claro que Serra não havia cometido um simples lapso de memória, uma mera confusão comum a quem está externando ideias rapidamente. O engano era real. "Então. É federação, é parecido", logo retrucou, tentando mitigar seu erro e dando sequência a sua argumentação.

Gafes fazem parte do noticiário político. Mas, vindo de um político exaltado por aliados, eleitores e grande parte da mídia como culto e preparado para qualquer cargo público, a confissão de desconhecimento, por menor que seja o fato em si, surpreendeu. Especialmente por se tratar de alguém que foi duas vezes candidato à Presidência da república em questão. Dá para imaginar um homem pedindo a mão de uma mulher cujo nome pouco sabe? Não sabia o ex-deputado, ex-senador,  ex-ministro, ex-prefeito e ex-governador que, há 45 anos, o nome oficial de seu sonho de consumo mudara.

Tivesse saído da boca do operário ex-presidente, a frase seria considerada mais uma prova de ignorância e falta de estatura de quem ousa pretender ser um estadista. Burro seria o mínimo disparado raivosamente pela parcela da opinião pública que, donas de visões equivocadas de mundo ou de preconceitos sociais e ideológicos, pensam ainda que chefia de Estado é vestibular. "Um presidente não pode falar isto", diriam. E um candidato reincidente ao mesmo cargo pode?

Do outro lado da trincheira, a gafe serrista fez a alegria dos militantes da candidatura do ex-ministro Fernando Haddad. Nas redes sociais, eles não economizaram ironias e provocações. Uma celebração ao que pensavam ser o infeliz pontapé inicial de campanha de seu principal adversário. Uma espécie de catarse petista, em muito fundamentada nas razões mencionadas no parágrafo acima.

No entanto, a pesquisa DataFolha divulgada no sábado logo arrefeceu os ânimos estrelados. Os nove pontos percentuais conquistados por Serra e sua consequente liderança em todos os cenários pesquisados demonstraram que a exposição na mídia teve o resultado desejado. Na balança, pesou mais do que a lamentável gafe. Por sinal, certamente muitos petistas devem estar se indagando se o erro foi repercutido pela imprensa do mesmo modo que seria se o político em questão fosse outro.

É claro que os 30% de intenções de voto de Serra se deve muito ao recall de eleições anteriores. Em outras palavras, à memória que o eleitor tem das participações do candidato em outros pleitos. Mas é inegável também que o tucano saiu do governo e da prefeitura com altos índices de aprovação. Por outro lado, desta vez, como candidato  do prefeito Gilberto Kassab, ele terá que se desvencilhar das críticas à  mal avaliada administração municipal. Além  de driblar as desconfianças sobre se irá completar o mandato, ou renunciar novamente para tentar voos maiores.

Estes prós e contras explicam por que Serra é um nome fortíssimo, ainda que com alta taxa de rejeição. Para quem parte de 3%, como Haddad, a semana evidenciou como será difícil derrotar o PSDB. E sinalizou que, apesar de bom de bico, tucano também tropeça nas próprias patas, mesmo que, por enquanto, tenha balançado mas não despencado do galho.