quarta-feira, 30 de setembro de 2009

Diplomacia não é Fla X Flu

Por Murillo Victorazzo
Parece que misturar duas situações distintas, embora relacionadas entre si, é algo bem tentador nas discussões sobre a crise diplomática em Honduras. Para mim, está bem claro que houve lá um golpe. E o golpe se fez pelo método truculento de expulsar um cidadão hondurenho do seu país, algo proibido também pela Constituição, e pela ausência de direito de defesa.
Não sou advogado, mas se a "prisão", feita numa madrugada, por militares mascarados que, após invadirem o palácio presidencial, mantiveram o acusado sob fuzil e de pijama até sua deportação, foi "preventiva", o mínimo exigido para um Estado democrático de Direito, seria que ele ficasse preso no país, com direito de se defender dos supostos crimes.
Quase não há dúvidas de que Zelaya infringiu alguns preceitos constitucionais. No entanto, o rito processual ilegal e imoral deslegitimou seu afastamento do cargo, a ponto de nenhum país e organismo internacional reconhecer o governo de Micheletti. Estados Unidos e Venezuela, enfim, ficaram no mesmo lado.
Soa, aliás, muito presunçoso afirmar que o mundo se iludiu ao ver um presidente de pijamas preso, e que por isso, somente pela imagem, sem "saber direito" o que se passava, condenou a deposição. Quer dizer então que determinadas pessoas aqui são mais bem informadas que todas as diplomacias e órgãos? A Assembléia Geral da ONU por unanimidade repudiou o golpe! A matéria do UOL Notícias reproduzida no post abaixo sobre a "legalidade" do governo interino nos faz entender a postura da OEA, ONU e países.
Outra coisa é o ato de abrigar Zelaya, esse sim algo merecedor de debate, com especialistas da área de Relações Internacionais e Direito Internacional não chegando a um consenso. A revista ISTOÉ dessa semana traz matéria de capa bem moderada para analisar o fato, com opiniões de especialistas pró e contra o ato brasileiro.
Com a humildade de quem é apenas recém pós-graduado em Relações Internacionais, sem ter a eloquência da certeza, parece que Brasil deu uma derrapada desnecessária e perigosa na sua posição, até então - aí sim - seguramente certa, de liderar o repúdio ao golpe.
Era de se esperar que a imprensa brasileira se baseasse num certo tipo de disputa entre "chavismo" e "anti-chavismo". É lamentável, porém, que importantes órgãos tenham nesse foco parado, sem analisar o conflito profundamente. Tal superficialidade faz aparentar que apenas Brasil, Venezuela, Bolívia, Equador condenaram o golpe e pedem a volta de Zelaya ao poder. O governo Micheletti não é reconhecido por nenhum ator do cenário internacional!
Seja qual for o motivo - interesses políticos internos, ideologias extremas opostas e/ou incompetência editorial - é, por isto, triste e angustiante o papel de certos colunistas e editores. Fica um maniqueísmo no qual quem é contra o golpe só pode ser chavista. Lembra a época da ditadura, quando os que lutavam ou protestavam contra o regime eram logo tachados pelos militares de comunista. (aliás, ainda hoje lê-se e ouve-se isso). Num mundo bipolar, prosaica polarização era, de certo modo, como boa vontade, até compreensível.

segunda-feira, 28 de setembro de 2009

Governo de Honduras é golpista e não interino, dizem especialistas

Por Maurício Savarese (UOL Notícias, 28/09/2009)
A falta de devido processo legal, a inexistência de apoio da comunidade internacional e a origem em um levante para remover um chefe de Estado legitimamente eleito só permitem chamar o governo de Honduras de golpista, não de interino, afirmam especialistas consultados pelo UOL Notícias. A atual administração do país centro-americano acusa o presidente deposto, Manuel Zelaya, de tentar violar a Constituição para buscar a renovação de seu mandato presidencial.
A administração liderada por Roberto Micheletti afirma que Zelaya está sujeito a ser preso se deixar a Embaixada do Brasil por ter violado a 4ª Cláusula da Constituição hondurenha, segundo a qual tentativas de mudar a Carta implicam perda imediata do cargo público. Os golpistas acusam o presidente deposto de abuso de poder e de traição à pátria.
Para os analistas, ainda que Zelaya tenha tentado promover um referendo para mudar a Constituição hondurenha, nada nela prevê que o mandatário seria expulso do país, o que reforça os contornos de golpe de Estado na ação promovida pelo grupo de Micheletti. Além disso, dizem eles, pesa contra o regime de Tegucigalpa a ausência de reconhecimento não apenas por outros países, mas também pela Organização das Nações Unidas (ONU) e pela Organização dos Estados Americanos (OEA).
Os especialistas ouvidos foram unânimes ao considerar que chamar o governo de Micheletti de interino seria uma concessão a uma gestão com traços autoritários - inclusive com suspensão de direitos constitucionais e censura à imprensa - e que carece de respaldo globalmente. Nenhum governo do mundo até o momento reconheceu o regime estabelecido em Tegucigalpa após a deposição de Zelaya, que desde a semana passada está abrigado na Embaixada do Brasil na capital do país.
"Honduras faz parte da Convenção Americana dos Direitos Humanos e ali está claro que em todo processo legal deve haver direito ao contraditório. Mesmo uma pessoa acusada de um crime tem o direito de defesa. Isso não foi observado e diante de uma suposta violação decidiu-se simplesmente tirar o presidente do país e instituir outro regime. Isso permite dizer que há lá um governo golpista", afirmou Pedro Dallari, professor de Direito Internacional da Faculdade de Direito da Universidade de São Paulo (USP).
Especialista em questões latino-americanas, o venezuelano Rafael Villa diz que a administração de Micheletti não pode ser chamada de ditadura porque mal acabou de se instalar no poder, mas afirma que se trata de um governo golpista, que também pode ser chamado de regime de fato. "A linha divisória entre governo de fato e governo golpista não existe. Ambos emergem fora das regras estabelecidas e que dão legitimidade. Ambos supõem governo fora de legalidade e carentes de legitimidade. É esse o caso de Honduras", afirmou.
O professor da USP diz que a falta de reconhecimento internacional é um grande elemento que reforça o caráter golpista do grupo hondurenho. Ele lembrou a situação do Haiti, que afastou o então presidente Jean-Bertrand Aristide em meio a uma revolta popular e o isolou na África do Sul, em 2004. Depois de chegar ao continente africano, ele alegou que não tinha renunciado e que os Estados Unidos o tinham sequestrado.
"No caso do Haiti houve uma espécie de acordo entre países da comunidade internacional, um reconhecimento da situação de fato que se deu contra Aristide. Enquanto no caso do governo golpista de Honduras, em maior ou menor intensidade há apenas condenação. Tanto é que o governo golpista está desamparado nessa crise e está tomando medidas que reforçam esse caráter, como impedir a entrada de diplomatas da Organização dos Estados Americanos (OEA). Não é possível chamar de interino um governo que não aceita organizações internacionais", disse.
Para Gilberto Safatli, professor das Faculdades Rio Branco e da Fundação Getúlio Vargas (FGV), o momento decisivo para o regime de Micheletti ganhar a alcunha de golpista é o sequestro de Zelaya e sua retirada do país. "Qualquer legitimidade foi perdida aí. Se o presidente estava aprontando e havia uma previsão institucional de que poderia perder o cargo se tentasse violar a Carta Magna, poderia haver alguma legitimação. Mas o que aconteceu não foi isso, foi uma remoção forçosa do poder. Isso só pode ter o nome de golpe de Estado", afirmou.
Além disso, diz o professor, se a Constituição hondurenha previsse todos esses passos - incluindo a expulsão de Zelaya do país - haveria mais justificativa para o afastamento de Zelaya do poder. Como isso não existe no texto, a ordem institucional de Honduras foi rompida. "Na Turquia a Constituição prevê que se um partido muçulmano chegar ao poder e quiser aplicar algo da sharia [lei islâmica] pode ser removido. Isso aconteceu em 1997, os militares governaram um ano até chegarem as eleições. O movimento que aos nossos olhos ocidentais se assemelha a um golpe foi considerado legítimo, porque a ordem institucional foi mantida. Não foi o caso de Honduras", completou.

sábado, 19 de setembro de 2009

Anfíbios" transitam entre petistas e tucanos

Por Marcio Aithda (Folha de São Paulo, 20/09/2009)
Quanto mais próxima a disputa eleitoral de 2010, mais acirrada se torna a rivalidade entre petistas e tucanos pela hegemonia política do país.No meio dessa guerra, um grupo de políticos e economistas equilibra-se entre a fidelidade ao presidente Lula e a proximidade do governador José Serra, virtual candidato tucano à Presidência.
Como anfíbios, transitam de um círculo de confiança a outro com desenvoltura, na maioria das vezes com o conhecimento dos dois líderes políticos.Fazem parte desse grupo, entre outros, o ministro da Defesa, Nelson Jobim, o deputado federal petista Antonio Palocci e o presidente do BNDES (Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social), Luciano Coutinho, além do economista Luiz Gonzaga Belluzzo e do advogado petista Sigmaringa Seixas.
Na maioria dos casos, essa habilidade resulta de relações antigas de amizade. Em outros, de necessidades recentes. Jobim é o expoente máximo desse grupo. Ele e Serra dividiram um apartamento em Brasília por seis anos, nos anos 80. O governador de São Paulo é seu padrinho de casamento. As conversas entre Serra e Jobim vão da crise aérea ao modelo de exploração das reservas do pré-sal -a relação entre ambos foi determinante para que o governo desistisse de incluir no projeto sobre o tema a redistribuição geográfica dos royalties.
Consultado pela Folha, Jobim enviou a seguinte resposta: "Eu não misturo política com relações pessoais. Serra é um grande amigo. É um hábito sul-americano misturar política com relações pessoais. Pois eu tanto converso com Lula como janto com Serra".
Se Jobim é o anfíbio mais tradicional, Palocci é o mais novo integrante desse grupo. Ele se aproximou de Serra quando, ministro da Fazenda, cercou-se de pessoas mais alinhadas ao viés técnico tucano que ao instinto político petista. Mas só ingressou mesmo no rol de confidentes de Serra no último ano, durante o esforço que fez para se livrar da acusação de orquestrar a quebra do sigilo bancário do caseiro Francenildo Costa.
Serra e Palocci conversam regularmente sobre os mais variados assuntos, do cenário eleitoral ao "excesso" de gastos públicos, passando pelo papel dos bancos públicos. Dessas conversas, por exemplo, Serra tirou a impressão, relatada posteriormente a correligionários, de que Palocci não será candidato à Presidência nem ao governo de São Paulo. Serra teria encorajado Palocci a voltar ao governo, talvez para o Ministério das Relações Institucionais, ocupado até a semana passada por José Múcio Monteiro, indicado para o Tribunal de Contas da União. Seria uma maneira, segundo o governador, de impedir um processo de deterioração administrativa, comum a governos em final de mandato. Reticente, Palocci disse estar propenso a buscar a reeleição.
Ex-tucano, o petista Sigmaringa Seixas é o anfíbio mais discreto. Lula o recebe para consultas relacionadas a nomeações de tribunais e ao Ministério da Justiça. Muitas vezes, a pedido do presidente, Seixas testa a reação dos tucanos a decisões que o governo pretende tomar.Seixas disse à Folha não ver nenhuma contradição entre ser tão próximo de Lula como de Serra, ao menos no campo da amizade, mas não da fidelidade política. "Não é motivo de preocupação. A capacidade de relacionar-me com ambos é usada para o bem do país."
Já a ligação entre Serra, Belluzzo e Coutinho data dos anos 70, quando os três foram expoentes da safra de economistas desenvolvimentistas que prosperou na Unicamp e consolidou uma das principais escolas do pensamento econômico brasileiro. Eles são críticos da política monetária tocada pelo presidente do Banco Central, Henrique Meirelles, e partilham de opiniões semelhantes sobre o papel do Estado na crise.
Belluzzo tornou-se um dos mais próximos colaboradores econômicos de Lula, mas não perdeu a intimidade com Serra, com quem assiste regularmente aos jogos do Palmeiras, clube que Belluzzo hoje preside.Em mais de uma ocasião, Belluzzo conversou com Lula ao celular estando, no estádio do Parque Antártica, a alguns metros do governador paulista.
Para o cientista político Fábio Wanderley Reis, professor emérito da UFMG, os anfíbios não são apenas produto de amizade antiga ou de alguma tradição brasileira à conciliação permanente.Eles refletiriam também a convicção social-democrata que une o PSDB à vertente do próprio governo Lula."A trajetória do governo Lula é de moderação e de realismo", disse ele. "Não há muita diferença entre isso e o compromisso fundamental do PSDB."

quarta-feira, 16 de setembro de 2009

Uma nação à procura de esperança

Por Murillo Victorazzo
Não é preciso dizer que o sonho de consumo presidencial de todo flamenguista é o eterno ídolo maior Zico. O Galinho, porém, conhecedor dos bastidores rubro-negro e da forte possibilidade de se queimar entrando nessa barca, parece postegar o quanto possível esse que parece ser o seu inevitável destino. Dizem que Deus nos dá uma missão na vida. Na religião Flamengo, parece acontecer o oposto: os fiéis é que já deram ao Deus rubro-negro o carma de salvar a pátria rubro-negra, após quase duas décadas de descalabro estrutural, financeiro, moral e político.
Enquanto o Messias não vem, urge o aparecimento de um nome que dê os primeiros passos para o reerguimento do mais querido do Brasil. Sem deixar de ressaltar, porém, que, acima de pessoas, um novo modelo de gerenciamento profissional é necessário. Sem isso, nem o Galinho dará jeito.
Embora o provável seja que os conchavos rolem solto na Gávea até dezembro, mês das eleições no clube, e o número de candidatos diminuia, a escolha para o próximo triênio não deve fugir dos nomes colocados até aqui.
Na última terça-feira, dia 15, duas candidaturas foram lançadas: o atual presidente, Delair Drumbovisck, e a ex-vice-presidente de Esportes Olímpicos, a famosa ex-nadadora Patrícia Amorim. Dizem estar no páreo também o advogado Clóvis Sahione, o vice-presidente de Futebol da Era Kleber Leite, Plínio Serpa Pinto, e o publicitário João Henrique Areias.
Em meio a uma gigantesca crise, o Flamengo é hoje uma caricatura deformada da democracia. É a distorção do que deveria ser um clube com vida política democrática. Há muito cacique para pouco índio, com os primeiros sempre se articulando entre si, em meio a conchavos que permitem cada grupo ficar se alternando na presidência.
Cada grupo é liderado por um ou mais ex-presidentes que, querendo ou não, deixaram suas marcas no descalabro rubro-negros. Em maior ou menor grau, todos que passaram por lá, desde meados da década de 80 têm sua culpa. De George Helal a Marcio Braga - especialmente este, que ocupou o cargo por cinco vezes - passando por Luis Veloso, Kleber Leite e o famigerado Edmundo Santos Silva.
É esse o quadro que dá a qualquer rubro-negro verdadeiro um gosto de impotência e desesperança mesmo quando um processo eleitoral se inicia. Nomes antigos ou novos mas com fortes vínculos com responsáveis por tudo que se encontra na Gávea de ruim juntam-se a outros com prestígio profissional mas pouco inspirador de confiança.
Por seu passado de ótima atleta vestindo o manto sagrado nas piscinas, Patrícia despontaria como o nome mais palatável. Condição que se desfez um pouco após turbulenta passagem pela vice-presidência olímpica do clube e declarações sobre profissionalização da gestão esportiva “sem criação de empresa ou vender o clube”. Talvez não seja, mas parece discurso de quem tem medo de enfrentar sérios tabus de frente.
À primeira vista, Areias, com sua mentalidade mais moderna - fato provado em sua gestão mais profissional e inovadora no breve periódo como responsável pelo basquete bicampeão brasileiro e da Liga Sul-Americana - parece fugir do status quo dominante. É, contudo, até agora, um nome não suficientemente conhecido para a empolgar os rubro-negros mais ansiosos. E, pior, sua força eleitoral interna é aparentemente insuficiente para se tornar uma alternativa concretamente viável - talvez nem ao dia da eleição chegue. Sua história no Flamengo - como torcedor, frequentador ou atleta -, aliás, é parca.
De qualquer modo, ambos os nomes são, até aqui, os únicos que poderiam causar espasmos de oxigenação nos ares da Gávea. Não bastasse rezar para o padroeiro rubro-negro, Saõ Judas Tadeu, melhor também dar um pouco de atenção a São Tomé e ver para crer...

terça-feira, 15 de setembro de 2009

Made in Brasil

Por Murillo Victorazzo
Depois de oito meses no ar, a novela "Caminho das Índias" chegou ao fim no dia 11, tendo seu último capítulo obtido um share de 85%. Em outras palavras, de cada 100 televisores ligados, 85 estavam sintonizados na novela de Glória Perez. Mais um sucesso desta brilhante novelista, que, em suas obras, consegue, quase sempre, unir prestação de serviço, humor e interessantes pesquisas sobre culturas poucos conhecidas. Foi assim com os muçulmanos de "O Clone", os ciganos de "Explode Coração" e agora os indianos.
Três dias depois, estreou "Viver a Vida", mais uma novela do renomado Manuel Carlos. Rei de textos nos quais a emoção, a simplicidade e as relações humanas imperam, Maneco tratará novamente de situações cotidianas ou mais verossímeis do que as vistas na maioria dos demais autores. Foi assim com "Por Amor", "Laços de Família", "Mulheres Apaixonadas ", "Páginas da Vida", entre outras.
Em seus trabalhos, a marca são os diálogos que nos causam identificação com muito de nossas vidas sociais, familiares e profissionais, sustentados por uma direção que segue o mesmo tom. Retrato perfeito foi a cena do primeiro capítulo em que os protagonistas José Mayer e Taís Araújo, a Helena da vez, se conhecem, dando início ao romance condutor da novela. Sem closes impactantes e congelados ou trilhas sonoras românticas, a troca de olhares fluiu sem "sinos tocarem".
É digno de aplausos como os novelistas globais conseguiram, no decorrer do tempo, imprimir suas marcas. Quem assiste um pouco que seja a novelas consegue perceber facilmente de quem é aquela que está no ar. Lembremos também a bela estreia, ano passado, de João Emanuel Carneiro no horário nobre, com "A Favorita", novelão típico, com suspense, vilã maquiavélica e situações até certo ponto non sense.
Seja Glória Peres, Maneco, Gilberto Braga, com seu glamour entremeado a tramóias pesadas, ou Aguinaldo Silva, com seu realismo mágico ou, ultimamente, tramas de origens jornalísticas sobre a situação carioca, o know how brasileiro na produção deste gênero é de dar orgulho.
Descontando características inevitáveis a qualquer novela, a diversidade de estilo é certamente um dos motivos que nos levam a ser, junto com o México, os principais exportadores deste tipo de dramaturgia. (Sem medo de parecer patriotada, é inegável também nossa superioridade sobre os mexicanos no quesito sobriedade e moderação. Drama é uma coisa, dramalhão é outra.)
É de se lamentar, no entanto, que, apesar de tudo, setores da sociedade ainda vejam a novela como subproduto. Aquela velha frase generalista "não gosto de novela" exprime um preconceito igual ao da época em que homens não podiam chorar. Suas mentalidades rasas os impedem de entender que se trata apenas de mais um tipo de dramaturgia, como são as peças de teatro, os filme e os seriados. Nem melhor, nem pior, apenas diferente.
Do mesmo modo que esses gêneros, há novelas boas e novelas ruins. A diferença é que é uma produto cultural de massa e tipicamente brasileiro. E isso incomoda tanto alguns que confundem simplicidade com simplismo, ter cultura com ser pernóstico, acadêmico com academicismo ou sofrem de um patético colonialismo cultural.

quarta-feira, 2 de setembro de 2009

Moscou lança campanha para restaurar os valores soviéticos

Por Rodrigo Fernández (El País, 02/09/2009)
Moscou - A Rússia costuma aceitar muito mal as críticas, e pior ainda agora que recuperou seu papel de potência e seu orgulho de grande Estado - e que portanto o patriotismo, ou simplesmente o nacionalismo, está no auge. Isso faz com que os governantes russos tentem justificar todos os momentos de sua história, tenham ou não razão. Daí o surgimento, por ordem do presidente Dimitri Medvedev, de uma comissão para impedir o que o Kremlin considera tergiversações da história. Daí também que os dirigentes russos se irritem quando alguém compara o comunismo da época stalinista ao nazismo alemão, apesar de Joseph Stalin ter matado mais pessoas que Adolf Hitler.
Essa atitude, segundo alguns especialistas, simboliza os planos do Kremlin para restaurar os valores soviéticos. A defesa exagerada do que é russo às vezes leva Moscou a tentar justificar o injustificável. Chega-se ao extremo de que o serviço federal de espionagem exterior publique documentos secretos que teoricamente demonstram que havia motivos para elogiar Stalin por assinar em 1939 o pacto Molotov-Ribbentrop - pelo qual a Alemanha e a Rússia dividiram a Polônia, e Moscou obteve luz verde para se apoderar dos países bálticos -, porque era "a única medida acessível de autodefesa". Especialistas como Alexandr Shubin argumentam que se trata de uma mentira, pois em 1939 a Alemanha não pensava em atacar a União Soviética.
Outro exemplo é o documentário transmitido pela televisão estatal há alguns dias, no âmbito do 70º aniversário da invasão da Polônia pela Alemanha, no qual se afirmava que Varsóvia tinha se aliado com Hitler para atacar a União Soviética. Esse programa de televisão foi objeto de uma queixa formal por parte do governo polonês. Um livro escolar que será estudado na Rússia neste semestre também se enquadra na tendência de encobrir os crimes de Stalin.
Nesta mesma semana Medvedev voltou a protestar durante uma entrevista na televisão pelo fato de que "os países da Europa literalmente puseram em um mesmo nível e tornaram a Alemanha fascista e a União Soviética, na mesma medida, responsáveis pela Segunda Guerra Mundial". "Mas isso é simplesmente uma cínica mentira", ressaltou. Para Medvedev, trata-se de determinar "quem começou a guerra, quem matava e quem salvava gente, milhões de vidas, quem em última instância salvou a Europa".
A Rússia não entende que não se trata de justificar Hitler. Na Alemanha, a ideologia nazista foi condenada e proibida e se pediu perdão pelos crimes cometidos. Na Rússia, a ideologia stalinista não foi condenada nem proibida pelo regime Putin-Medvedev - mais ainda, alguns veem hoje um ressurgimento de Stalin - e os governantes russos não gostam de admitir os numerosos crimes que foram cometidos nessa época, incluindo os milhões de soviéticos que morreram.
Se é difícil pedir perdão pelo que Stalin fez a seu próprio povo, mais ainda é falar do que ele fez a outros: a invasão da Polônia - incluindo o negro episódio do massacre de Katyn (a execução de 20 mil soldados poloneses que tinham caído prisioneiros do exército soviético) - e a deportação para a Sibéria de milhares de habitantes dos países bálticos.
Segundo o especialista Shubin, o problema está "na mudança produzida na opinião pública como resposta ao anticomunismo primitivo" da época de Boris Ieltsin. Essa reação foi multiplicada graças à nova exaltação do Estado, e o resultado foi que se tornaram muito populares as idéias obscurantistas que o regime de Stalin divulgava. Por isso alguns temem que em breve a figura do ditador esteja definitivamente reabilitada.