segunda-feira, 25 de dezembro de 2017

A guerra contra o Papa Francisco

Por Andrew Brown* (The Guardian/ Público, 24/12/2017)

O Papa Francisco é atualmente um dos homens mais odiados do mundo. E quem mais o odeia não são ateus, protestantes ou muçulmanos, mas alguns dos seus próprios seguidores. Fora da Igreja goza de grande popularidade, afirmando-se como uma figura de uma modéstia e uma humildade quase ostensivas. 

Desde o momento em que o cardeal Jorge Bergoglio se tornou Papa em 2013, os seus gestos prenderam a atenção do mundo: o novo Papa guiou um Fiat, transportou as próprias malas e pagou a conta em hotéis; sobre os homossexuais, perguntou: “Quem sou eu para julgar?” e lavou os pés de refugiadas muçulmanas.

Dentro da Igreja, porém, Francisco tem desencadeado uma reação feroz por parte dos mais conservadores, que temem que este novo espírito divida a Igreja ou até que a destrua. Este Verão, um proeminente clérigo inglês disse-me: 

“Mal podemos esperar que ele morra. É impublicável o que dizemos dele em privado. Sempre que dois padres se encontram, falam sobre o quão horrível Bergoglio é… ele é como Calígula: se tivesse um cavalo, fazia dele cardeal.” Claro que após dez minutos de repetidas críticas, acrescentou: “Não pode publicar nada disto, senão serei despedido.”

Esta mistura de ódio e temor é frequente entre os adversários do Papa. Francisco, o primeiro Papa não europeu dos tempos modernos e o primeiro Papa jesuíta da História, foi eleito como um outsider dos poderes instituídos do Vaticano e era esperado que fizesse inimigos. Mas ninguém previu que fizesse assim tantos. 

Desde a sua rápida renúncia à pompa do Vaticano, que marcou desde logo a diferença na relação com os mais de três mil empregados civis do Vaticano, ao seu apoio aos migrantes, às suas críticas ao capitalismo global e, acima de tudo, à sua intenção de reexaminar as posições da Igreja relativamente ao sexo, o Papa tem vindo a escandalizar os reacionários e os conservadores. 

A julgar pelos números das votações do último encontro mundial de bispos, quase um quarto do Colégio dos Cardeais — o mais alto organismo da organização clerical — está convencido de que o Papa se está a aproximar da heresia.

A questão crítica prende-se com a sua visão sobre o divórcio. Num corte com séculos, senão milênios, de doutrina católica, o Papa Francisco tem tentado encorajar os padres católicos a darem a comunhão a alguns casais divorciados ou casados em segundas núpcias e a famílias cujos pais não são casados. 

Os seus inimigos estão a tentar forçá-lo a abandonar essa ideia. Como ele se tem mantido firme e mostrado uma sóbria perseverança face ao crescente descontentamento, começam agora a preparar-se para a guerra. No ano passado, um cardeal, com o apoio de alguns colegas já aposentados, levantou a possibilidade de uma declaração formal de heresia — a rejeição intencional de uma doutrina estabelecida da Igreja, pecado punível com a excomunhão. 

Em Setembro, 62 católicos descontentes, nos quais se incluem um bispo já retirado e um antigo diretor do Banco do Vaticano, publicaram uma carta aberta em que apontam a Francisco sete acusações específicas de ensinamentos heréticos.

Acusar um Papa em funções de heresia é o equivalente católico à opção nuclear. A doutrina afirma que o Papa não pode estar errado quando se pronuncia sobre questões centrais da fé; portanto, se está errado, não pode ser Papa. Por outro lado, se este Papa está certo, todos os seus antecessores têm de ter estado errados.


*Tradução de António Domingos

PPK: mais um "gestor" que se revela

Por Murillo Victorazzo

Economista, banqueiro, ex-diretor do Banco Central e ex-ministro da Fazenda do Peru, além de dirigente do Banco Mundial, Pedro Pablo Kuczynski, conhecido como PPK, lançou-se candidato a presidente de seu país com a imagem de "moderno", de viés mais "técnico", diferente dos políticos tradicionais do país.

Nem completou um ano de mandato, para evitar a aprovação de seu impeachment, semana passada, diante das acusações de recebimento de  propina da Odebrecht, negociou com os partidários de Alberto Fujimori um indulto "humanitário" ao ditador, condenado a 25 anos de prisão por corrupção e crimes contra a humanidade como assassinatos, sequestros e esterilização forçada.

Tanto aqui como lá fora, os exemplos, no passado e no presente, de "novos", de "gestores não políticos", que logo se revelam um embuste não acabam. Mas ainda tem gente que cai na esparrela de que perfil assim é garantia de ética e competência.

terça-feira, 12 de dezembro de 2017

Lula: o (conveniente) caso do brasileiro que deseja a lentidão da Justiça

Por Murillo Victorazzo

O Tribunal Regional Federal (TRF) da 4ª Região marcou para o dia 24 de janeiro o julgamento do recurso do ex-presidente Lula contra sua condenação a nove anos de prisão no caso do tríplex do Guarujá. Assim que a notícia foi divulgada, os séquitos petistas vociferaram, afirmando que rapidez com que o recurso seria analisado seria a prova da perseguição ao líder petista.

Mas se Lula é inocente e perseguido por um juiz de primeira instância, que o condenou sem provas, não deveria agradecer por ser logo julgado por três desembargadores e assim poder fazer sua campanha eleitoral tranquilamente? Ah, não, o TRF também o persegue. Todo o Judiciário do país é "reaça". E Lula, o novo Cristo.

Vivemos para ver alguém reclamar da celeridade da Justiça, ciente ela da importância do caso. Claro, preferem a indefinição das liminares às vésperas de outubro, já registrado como candidato, para a encenação de mais um "golpe". Ou vencer sem ter sido julgado. Que se dane o risco da imprevisibilidade institucional aí embutido.

E o "não patriota" é a "direita entreguista" - o que eles entendem por direita, claro.

segunda-feira, 11 de dezembro de 2017

Bolsonaro chavista? Faz sentido


Por Murillo Victorazzo

Uma entrevista do queridinho da direita radical brasileira, deputado Jair Bolsonaro, ao Estadão, em setembro de 1999, caiu nesta segunda-feira na redes. (imagem ao lado) Nela, o parlamentar faz elogios ao recém-empossado presidente venezuelano Hugo Chávez, coronel que havia sido preso por tentativa de golpe militar sete anos antes contra um presidente de centro-direita, por ele chamado de "neoliberal". Uma pérola de respostas, em especial a última.

A princípio, ninguém é obrigado a ter opiniões imutáveis e todos podem de fato se "decepcionar" com o tempo. Mas, àquela época, já eram notórios o passado golpista de Chávez, os setores esquerdistas que o apoiavam e os primeiros atos concentradores de poder e estatizantes da nova Carta do país - e, por isso, muitos no Brasil e lá fora já se preocupavam. (matéria completa: http://acervo.estadao.com.br/pagina/#!/19990904-38672-nac-0007-pol-a7-not/busca/Bolsonaro)

Igualmente chama a atenção o lapso de sincericídio, constrangedor a ambas as partes e que deve dar tilt na cabeça dos apaixonados simpatizantes do deputado: comunismo e a ditadura militar brasileira podem sim serem consideradas próximos, dois lados da mesma moeda. Compartilhavam da noção de Estado grande, centralizado, intervencionista em todos os setores, em maior ou menor intensidade; suas cúpulas, as únicas capazes de conduzir o povo, e não o contrário. Não por acaso, militares como Prestes e Lamarca se tornaram expoentes do movimento comunista brasileiro, e as Forças Armadas foram o esteio desses regimes em todo o mundo.

Mais do que tudo, portanto, essa entrevista reforça o pior dos defeitos de Bolsonaro: ele e seus filhotes ultrapassam o embate direita x esquerda, pelo menos as moderadas - nem toda direita é liberal, e esquerda está longe de ser sinônimo de comunismo). São eles deploráveis leões de chácara: indigentes intelectuais, incapazes de articular raciocínios políticos, sociais e econômicos mais complexos e coerentes, truculentos, brucutus sem apego algum às normas de uma sociedade verdadeiramente democrática, tolerante e diversificada, incluído aqui o Estado de Direito e suas instituições. O passado do capitão e afirmações presentes da família confirmam.

É de fazer rir sua tentativa de repaginada liberal democrata. Até o moralismo não se sustenta, como se vê nas notícias de empreguismo familiar. Assim como Chávez, Bolsonaro é exemplo de populismo autoritário messiânico. Em seu caso, com verniz hiperdireitista. Esta é sua essência.Faz sentido o elogio.

quinta-feira, 7 de dezembro de 2017

O silêncio sobre Robinho

Por Murillo Victorazzo

Políticos renunciam e artistas são afastados após avalanche de denúncias de assédio sexual nos EUA. No Brasil, um famoso ex-jogador da seleção canarinha é condenado - repito, condenado - pela Justiça italiana por estupro - repito, estupro - e pouquíssimos se "emocionam".

Sem prejulgamentos, Robinho tem o direito de recorrer da pena de nove anos de prisão por abuso de uma albanesa de 22 anos em 2013, quando jogava pelo Milan. Mas por muito menos, por infrações esportivas ou disciplinares, atletas foram suspensos ou afastados previamente. E aí Galo, até quando se calará ?

É estarrecedor o quase nenhum espaço dado ao caso na imprensa daqui. Não, condenação por crime contra outro ser humano não é assunto particular.