quarta-feira, 10 de setembro de 2014

A escolha de Marina

Por Matias Spektor* (UOL, 03/09/2014)

Crescem as apostas sobre a política externa de um eventual governo Marina Silva. Nos corredores da Esplanada dos Ministérios e nas embaixadas estrangeiras de Brasília, nos comitês de campanha e nas consultorias de risco de São Paulo, proliferam cenários prospectivos.  Como sempre, o foco é nos nomes que viriam a compor a equipe diplomática da candidata eleita: o ministro das Relações Exteriores, a secretaria-geral do Itamaraty e a assessoria internacional do Palácio do Planalto.

As listas de possíveis candidatos têm de tudo. Há embaixadores que conhecem a candidata e outros que nunca a viram, intelectuais fiéis a ela, personalidades públicas simpáticas à causa e políticos profissionais capazes de engordar uma possível base aliada. Se existe algum pré-requisito para ser levado em conta é partilhar da crença dominante em campo marinista de que a política externa brasileira precisa ser resgatada do marasmo em que se encontra. Segundo essa visão, o país teria hoje uma posição pior do que tinha há quatro anos.

No marinismo também existe a crença de que política externa não se limita a afetar a economia brasileira, mas também impacta a distribuição de direitos políticos, econômicos e sociais numa sociedade que continua sendo obstinadamente desigual como a nossa. No entanto, o consenso entre quem apoia a candidata termina por aí.

Dentre os correligionários, há movimentos sociais que esperam uma guinada progressista em direitos humanos, mudança do clima, desenvolvimento sustentável e não proliferação nuclear. Eles convivem com aquelas vozes que defendem a adoção de compromissos internacionais de cunho liberal com vistas a tirar o país do atraso, lembrando, em tom e estilo, o primeiro governo FHC. O que une esses grupos é a visão segundo a qual a diplomacia do PT, nesses quesitos da agenda internacional, teria se mostrado lenta, acovardada, antiquada ou simplesmente ambígua.

Por outro lado, há uma parte do movimento pró-Marina que teme qualquer compromisso internacional que possa comprometer a autonomia nacional diante das grandes potências. "Não dá para trocar a defesa do nacionalismo pelo cosmopolitismo financiado pelas ONGs da Noruega", ouvi de uma pessoa que usou ironia sem estar falando de brincadeira.

O recém-lançado programa de governo de Marina dá um passo no sentido de dar mais voz aos primeiros grupos. Resta saber se a candidata, eleita, teria o interesse e a capacidade de manter essa escolha. Uma reversão não é implausível. Afinal, o trecho de política externa no programa divulgado não foi produto de ampla consulta à militância nem de um ajuste de posições entre PSB e Rede. O material estava pronto antes mesmo de a candidata virar cabeça de chapa.

É por isso que o mercado de apostas sobre a equipe de política externa promete continuar aquecido até os resultados da eleição

*Matias Spektor é doutor pela Universidade de Oxford e ensina relações internacionais na FGV.

terça-feira, 9 de setembro de 2014

Política externa de Obama posta à prova

Por David Sanger ( The New York Times, 04/09/2014))

Com o discurso que fez na Estônia na quarta-feira, declarando que a defesa reforçada dos EUA aos países mais vulneráveis da Otan vai continuar "pelo tempo que for preciso" para deter a Rússia, o presidente Barack Obama agora comprometeu seu país com três projeções importantes do poderio norte-americano: uma "virada" ampla em direção à Ásia, uma presença mais robusta na Europa e uma nova batalha contra extremistas islâmicos, que, ao que parece, provavelmente vai se intensificar.

Autoridades dos EUA reconhecem que esses três compromissos assumidos certamente vão atrapalhar os planos de Obama de reduzir o orçamento do Pentágono antes do término de seu mandato, em 2017. Eles também contrariam uma doutrina crucial de seu primeiro mandato: que o uso de alta tecnologia e apenas uma "pegada leve" de forças militares são capazes de deter potências ambiciosas e combater terroristas.

Os compromissos podem muito bem reverter um dos princípios chaves de suas duas campanhas presidenciais: que o dinheiro antes gasto no Iraque e Afeganistão seria investido em "construção da nação em casa". O acúmulo de novas iniciativas de defesa deixa aberta a questão de até que ponto Obama está engajado em reverter a desconfiança, presente desde a Europa até o Oriente Médio e a Ásia, de que os Estados Unidos vive uma era de recuo.

Em suas viagens na Europa esta semana e na Ásia neste outono americano, o presidente enfrenta um desafio duplo: convencer aliados e parceiros dos EUA que não pretende deixar vácuos de poder espalhados pelo mundo para serem preenchidos por adversários, e, ao mesmo tempo, convencer a população americana que conseguirá enfrentar cada um desses conflitos nascentes sem mergulhar os EUA de volta em outra década de grandes engajamentos militares e grande número de baixas.

"Está ocorrendo um desnível crescente entre o discurso e a política", disse Richard N. Haass, presidente do "think tank" Council on Foreign Relations e representante sênior dos EUA durante a queda do Muro de Berlim, em 1989, e novamente quando a guerra do Iraque se aproximava, 12 anos atrás. "Se somamos os recursos necessários para implementar a virada em direção à Ásia, o reengajamento com o Oriente Médio e o aumento de nossa presença na Europa, vemos que isso não pode ser feito sem dinheiro e capacidade adicionais. O mundo mostrou ser um lugar que exige muito mais do que esta Casa Branca previu alguns anos atrás."

Assim, não surpreende que, em um momento em que Obama ainda está respondendo às críticas por ter dito na semana passada que "ainda não temos uma estratégia" para combater o grupo Estado Islâmico, ele agora precisa de várias estratégias, cada uma delas adaptada a problemas que, no último ano, ganharam complexidades surpreendentes.

Para enfrentar os mais de 10 mil combatentes do Estado Islâmico (EI), ele terá que encontrar uma maneira de fazer frente a um tipo diferente de grupo terrorista, um grupo determinado a usar as técnicas mais brutais possíveis para tomar conta de territórios que ficaram sem controle forte na esteira da primavera árabe. A campanha aérea dos EUA contra alvos do EI no Iraque não chega perto dos custos da invasão e ocupação do Iraque, mas as armas, combustível e outras despesas já somam custos previstos de cerca de US$225 milhões por mês, segundo fontes do Pentágono.

O grupo Estado Islâmico "não é invencível", disse Matthew G. Olsen, diretor do Centro Nacional de Contraterrorismo, em palestra dada no Brookings Institution na quarta-feira, e ainda não é para os EUA o tipo de ameaça direta representada pela Al Qaeda antes dos ataques de 11 de setembro de 2001. O grupo "é brutal e letal", ele disse, e derrotá-lo vai exigir um compromisso de longo prazo de um tipo que Obama evidentemente não previa no início deste ano.

Na Rússia do presidente Vladimir Putin, Obama se vê diante de uma potência em declínio -afetada por uma população decrescente, nacionalismo estridente e uma economia altamente dependente das exportações de petróleo-que, segundo ele aposta, não conseguirá satisfazer a sede de poder de Putin. Mas as posições divergentes discutidas na administração americana dizem respeito a quão diretamente e onde traçar o limite -e, não surpreendentemente, em Tallinn, Estônia, na quarta-feira, Obama definiu como limite as fronteiras da própria Otan. Resta a saber se Putin acredita nele.

Na China, Obama enfrenta um desafio de tipo inteiramente distinto: uma potência ascendente, dotada de recursos crescentes e o sentimento de que este é o momento de a China reafirmar sua influência na Ásia, de uma maneira que não faz há centenas de anos. Aqui, o que surpreendeu Obama é a agressividade com que o presidente chinês, Xi Jinping, vem abraçando os esforços para lançar reivindicações territoriais contra o Japão, Coreia do Sul, Vietnã e Filipinas, ao invés de concentrar sua atenção na economia doméstica.

"Isto (a postura chinesa) nos pegou de surpresa, e há muita discussão sobre como reagir", disse há algumas semanas um ex-integrante da equipe de segurança nacional de Obama. A frase pode aplicar-se a cada um dos desafios que Obama tem pela frente. E ela revela por que a administração está tendo tanta dificuldade em explicar como esta combinação de problemas vai afetar seus planos futuros.

O secretário da Defesa, Chuck Hagel, foi levado a seu cargo em parte para buscar maneiras de reduzir o setor militar, especialmente depois de ser concluída a missão oficial de combate no Afeganistão, este ano. Mas Hagel não tem conseguido ou não quer deixar claro quais serão as implicações de longo prazo dessa redução.

Tradução: Clara Allain (UOL)