sábado, 26 de novembro de 2022

O limite do ranço

Por Murillo Victorazzo

Eu sei que ninguém está preocupado com o que penso, mas eu vou falar bem detalhadamente, porque o saco já está cheio. A antipatia que Neymar desperta em muitos brasileiros não nasceu com sua declaração de voto em Bolsonaro, tanto que outros jogadores optaram publicamente pelo atual presidente sem receber em troca o mesmo desapreço. O atacante é sim um homem de 30 anos que aparenta sofrer da "síndrome do Peter Pan": mimado, repleto de atitudes reprováveis dentro e fora de campo e com enorme dificuldade de autocrítica, o que o tornou, há muitos anos, mal visto por tantos não apenas no Brasil.

Quem não se lembra da declaração de Renê Simões sobre ele ainda em 2010? Quem esqueceu, basta um “Google”. Ali dava-se ainda o benefício da dúvida a um menino de 18 anos possivelmente deslumbrado. Não é preciso aqui recordar as polêmicas envolvendo seu nome em Copas anteriores nem como, em determinadas ocasiões, reagiram a seu comportamento muitos torcedores dos clubes por qual jogou. Não é diferente no PSG. Seu talento é proporcional à sua arrogância. Zombar de dependência química de comentarista que o critica, por mais errado que este pudesse estar, foi o gol contra mais recente. É alguém que não conta com minha afeição - e sua preferência política pouco peso tem nisso.

É compreensível , portanto, o ranço por parte de tantos, inclusive muitos eleitores de Bolsonaro, pensamento que pode ter se alterado convenientemente após seu engajamento à direita, o que, em contrapartida, reforçou inegavelmente a antipatia em setores da esquerda. Comparações com as relações entre CR7 e portugueses e Messi e argentinos são equivocadas. Ignoram suas posturas profissionais, o modo como compreendem o papel de ídolo e o seus tamanhos  para a história do futebol dos dois países. 
Nada, porém, justifica debochar, deliciar-se com sua lesão, e minimizar sua importância como principal jogador brasileiro. Se tua antipatia a Neymar já se tornou ódio e rancor, pense pelo menos nos companheiros de time que sentirão sua falta como maior referência em campo. Pense nos demais brasileiros que desejam apenas ver sua seleção campeã e, gostemos ou não, sem o camisa 10 a tarefa se torna mais complicada, por mais que a dependência seja bem menor este ano. Pense como seria muito melhor estarmos todos focados em enaltecer a promissora estreia da equipe, sem polêmicas desnecessárias. Isto não te tornará "Neymarzete".

Copa do Mundo é o momento em que milhões de pessoas pouco acostumadas com futebol despertam para o esporte. Normal, essa é uma das graças do evento. Quase sempre as consequências são apenas risadas, gafes, opiniões sobre ângulos diferentes. Nada mais chato do que ser bedel de torcedor. O problema é a minoria incapaz de guardar por um minuto sequer o crachá de militante. Na verdade, do que imaginam ser militante.

Militar em um torneio tão grandioso assim é compreensível e até necessário. É, aliás, grandioso justamente por ultrapassar os gramados. Mas é preciso saber pelo que militar e de que maneira. São legitimas e merecem os aplausos os protestos contra a monarquia absolutista e teocrática do Qatar, emociona ver o choro de mulheres iranianas em estádios. Em se tratando de seleções, geopolítica e inimizades históricas inevitavelmente vêm à tona. Quem não está curioso para assistir ao Irã x EUA decisivo que se aproxima? Mas picuinha e falta de discernimento nada tem a ver com politização. 

O que penso de Neymar como pessoa não mudará com o Hexa - e é de lamentar a aparente pouca preocupação do jogador e sua assessoria em buscar entender as razões de uma antipatia tão forte que já extrapolou, entre alguns, para uma perseguição irracional e leviana. Até seu choro é sempre de cara colocado em dúvida. Quando parte de um argentino, é amor à camisa. Com ele, é encenação. Prejulga-se atos seus a partir de frames captados de fotos. Ignoram a quantidade de faltas que sofre; preferem o estigma sarcástico do “cai cai”. 

O craque, assim como alguns de seus companheiros, como Raphinha, deveria se perguntar por que um país que não cansou de exaltar Zizinho, Pelé, Garrincha, Zico, Rivelino, Romário, Ronaldo, entre outros, mesmo eventualmente criticados em certos momentos, vê parcela de sua população destilar tamanha aversão ao, pelo menos por enquanto, maior nome de seu principal esporte. Não, seu erro não foi ter nascido no Brasil. Iguala-se, porém, a quem não simpatiza quem prefere gastar o tempo vibrando com a desgraça alheia. Nem notam que, além de tudo, acabam por ajudá-lo a vitimizar-se, reação típica de Neymar mesmo quando está equivocado. Desta vez, com razão.

Copa do Mundo é também momento de confraternização entre povos. Se iranianos e norte-americanos trocam cumprimentos e se respeitam no gramado e nas arquibancadas, por que preferir destilar rancor contra outro brasileiro, que está ali para vestir a camisa pelo qual você diz estar torcendo? Não se trata de patriotada demagógica, mas de estar cansado de energia negativa e querer apenas torcer, divertir-se e orgulhar-se, pelo menos por um mês, do que fazemos de melhor: festa e jogar futebol. Um futebol cujo estilo único é sinônimo desse país perante o mundo. Um estilo que tem em Neymar um fiel discípulo. Uma camisa, a mais pesada entre todas, admirada em todos os continentes. 

Dificilmente terei Neymar como ídolo algum dia. Não é uma pessoa que procuraria ter como amigo. Quero sim ele brilhando muito em campo no Qatar. Se entendem como "culpa cristã" ter empatia por um atleta que se viu assustado pela possibilidade de ficar de fora do maior evento do planeta, que seja por interesse: uma seleção sem Neymar é uma seleção menos forte. O adversário olha de outra forma. Melhorem. Até pra ranço há limites.