quinta-feira, 26 de dezembro de 2013

A "res pública" e o debate eleitoral brasileiro

Por Murillo Victorazzo

Res pública é uma expressão latina cujo significado é "coisa do povo". Quis a História que,coincidentemente ou não, justamente no dia em que os brasileiros celebram a proclamação de sua República,  políticos de grande relevância, enfim, fossem presos por desviarem "coisas do povo". Será este o início do longo processo que levará o Brasil a tornar-se de fato uma república democrática, aquela que, como disse Abraham Lincoln, é feita "do povo, pelo povo, para o povo"? Tomara, porque corrupção não é propriedade de partido algum.

Exemplos não faltam. Recentemente os casos Alston/Siemens, do metrô de São Paulo, o escândalo envolvendo fiscais da Prefeitura da mesma cidade, além de outros mais antigos, como os mensalões tucano e do DEM e o "Cachoeiragate", nos mostraram que partidarizar a corrupção serve apenas como discurso eleitoral para dirigentes e militantes das siglas adversárias ao envolvido da vez. Fazer um exercício de memória e recordar as notícias de jornais de décadas passadas também

Assim que o PT viu dois de seus principais líderes irem para a cadeia, tornando-se, dessa vez negativamente, protagonista de um fato histórico, a cúpula do seu principal adversário reuniu-se para ensaiar indignação. Ao lado de integrantes da Executiva e de governadores do PSDB, o ex-presidente Fernando Henrique comemorou a prisão dos petistas, chegando a dizer que eles teriam tentado "rasgar a Constituição". "Hoje vejo que a Justiça começa a se fazer", afirmou ele.

Duas ausências foram notadas, embora não lamentadas necessariamente: os ex-governadores José Serra e Eduardo Azeredo. A do primeiro não surpreende. Serra não desiste de remar contra a maré e reluta em admitir que a bola da vez tucana é Aécio Neves. A outra, como mostra matéria do Estadão de 18 de novembro, nada mais foi do que uma conveniente "coincidência" - as aspas, neste caso, são fundamentais.

Réu no "mensalão mineiro", escândalo cujo operador, o publicitário Marcos Valério, e o modus operandi são o mesmo da ladroagem petista, Azeredo constrange a legenda e é um dos nomes de alta plumagem a por por terra qualquer tentativa dela de levantar a bandeira de um verdadeiro republicanismo.

Ex-governador, ex-senador, fundador e ex-presidente da sigla, o hoje deputado federal será julgado pelo STF provavelmente no primeiro semestre do ano que vem, a poucos meses das eleições presidenciais. Assim como José Dirceu e José Genoíno, não foi expulso de seu partido, mesmo não tendo a força política interna dos dois petistas Para constrangimento maior do tucanato, seu presidenciável, aquele que FHC, no mesmo encontro, alcunhou de "o nome da esperança", é o cacique maior do PSDB no estado do réu. 

A diferença entre os mensalões petistas e tucanos é apenas de dimensão: uma, nacional; outra, regional. Um comprou deputados para votar como o governo desejava. O outro comprou votos futuros. Pois partido que financia candidaturas a deputado estadual de outro partido não objetiva outra coisa que não seja a retribuição nos debates da Assembleia local. Fora tempo de televisão na campanha eleitoral. Moralmente, são igualmente repulsivos: desviaram dinheiro público para atingir seus objetivos.

Muitas vezes, o discurso da ética também é a brecha para eleitores tentarem referendar e justificar suas antipatias ideológicas prévias. É a catarse do "Está vendo, não falei? Essa raça não presta". É o grave erro de misturar caráter com visões de mundo; de julgar a probidade da pessoa ou do grupo sob o prisma das políticas públicas e das ideias socioeconômicas defendidas/praticadas por eles. O meu ladrão não é melhor do que o seu. Ou não deveria ser.

Sob a comoção de um julgamento histórico, em meio a um debate que vem se polarizando, qualquer ponderação é, cínica ou ingenuamente vista por muitos como defesa do PT. Mas não é. Trata-se de olhar para o futuro em busca de uma real solução. Para quem, antes de tudo, apenas deseja refundar nossa república em bases que justifique a etimologia da palavra, pouco importando se está mais à direita ou à esquerda, a questão é muito mais complexa. Exigirá muito mais tempo, esforço e conscientização. 

Serve ainda para entender por que o discurso eleitoral da ética é falho. Quem tem memória política sabe que, há décadas, presidenciáveis o vendem e, diante da novidade que representavam, até 2002, obtiveram êxito. Foi assim com Jânio Quadros e sua vassourinha, o "caçador de marajás" Fernando Collor e, ironicamente, Lula, que,  em um ambiente econômico de desemprego, crescimento econômico nulo e racionamento de energia, só chegou ao poder por dizer representar a "nova política".

Do mesmo modo, ainda que com um discurso menos virulento, o PSDB nasceu como a dissidência ética do PMDB. Eram os 'peemedebistas do bem" que saiam da legenda por não concordarem com o domínio da máquina partidária por Orestes Quercia, símbolo do fisiologismo e da ladroagem. Sem entrar nos méritos ou deméritos da gestão de políticas públicas, ao assumirem o poder em 1994, os tucanos repetiram os mesmo erros no trato com a res pública. 

O processo de aprovação da emenda constitucional da reeleição, que, se não bastassem as denúncias de compra de votos, favoreceu os próprios detentores de mandato à época e não exigiu o afastamento temporário do cargo para concorrer ao novo mandato, e ter Renan Calheiros como ministro da Justiça são dois de outros sintomáticos exemplos. Não por acaso, boa parte da base governista de FHC é a mesma de Lula/Dilma.

Sem opções, grande parcela do eleitorado viu-se obrigada a tornar-se ainda mais pragmática. Convicta, com razão, de que todo grupo político tem seus podres, optou por usar como critério de voto basicamente sua sensação de bem-estar econômico. Aquele que lhe permitiu melhorar sua qualidade de vida será seu escolhido.

De certa forma, aliás, a lógica econômica quase sempre prevaleceu, mesmo quando Lula, ainda não testado, representava "uma nova forma de fazer política". Foi assim em 1994 e 1998, quando a população preferiu o candidato do Real, FHC, apesar de sua composição com os setores mais atrasados e depois, na busca pela reeleição, das denúncias envolvendo seu governo e aliados.

Parece, portanto, fadado ao fracasso a retórica (falsa) moralista de Aécio Neves. Melhor será por em discussão os erros administrativos de Dilma e suas eventuais diferentes visões de mundo. Quem é mais capaz de melhorar os serviços públicos e fazer o país crescer sem deixar de lado o combate à desigualdade social, reconhecendo os avanços dos últimos 20 anos? Qual o tipo de Estado e de relacionamento com os outros países é melhor para alcançarmos esse objetivo?

Os fiéis petistas e os ardorosos antipetistas já sabem a resposta. Resta convencer os que se encontram no meio caminho. Isso sem falar no híbrido Eduardo Campos (PSB), no que ele proporá e qual será o papel e o peso da ex-senadora e ex-ministra Marina Silva na sua chapa. Esta, por hora, a única que pode canalizar o  chamado voto ético.

Alguns dirigentes petistas, no entanto, se arriscam e dão o gancho sonhado pelos tucanos ao insistirem com a ladainha de que o julgamento do mensalão foi político. Embora supostos abusos no processo de expedição das prisões devem sim ser condenados, pois Justiça não é sinônimo de justiçamento, insistir que não houve direito de defesa ou que seus condenados são presos políticos é cinismo. Agindo assim,  ajudam a estigmatizar o PT, cuja cúpula - e não todos - fez por merecer a condenação.

Rótulos, arroubos preconcebidos e generalizações a favor ou contra uma ou outra legenda, no aspecto moral, turvam o debate. Assim como o tempo provou ser estelionato eleitoral a pecha de partido puro, é falacioso qualificá-lo como quadrilha, como se todos os petistas fossem criminosos. Ou a sigla a única a sofrer com escândalos.

Não há no mundo, nem tem como haver, partido honesto, do mesmo modo que não há corporações honestas. Há, sim, políticos, executivos, funcionários honestos. No Brasil, cujo sistema político falido é a mescla de uma cultura sociopolítica viciada com um arcabouço que afasta o representante do representado e uma burocracia estatal que de pública, desde muito, pouco tem, o terreno tende a ser ainda mais fértil para escândalos.

Este sistema, em seus processos de formação de maiorias legislativas e na pouco transparente relação entre doadores privados e eleitos, estimula e até impele governos e políticos a entrarem no mercado do fisiologismo, do clientelismo, do balcão de negócios de emendas, da cooptação de siglas menores pelas maiores através de ajuda financeiras para campanhas e  da trocas de favores por meio de licitações encaminhadas ou superfaturadas.

Quando tal contexto encontra quem, por desvio de caráter, pensa ser a carreira política o modo mais fácil de enriquecer, desviando dinheiro público, o cenário torna-se apavorante. E evidencia que, além de uma profunda reforma política, o país precisa de uma efetiva modernização do Judiciário e de deixar para trás a cultura do jeitinho, do patrimonialismo, da esquizofrenia ética, que faz com que muitos que cometem seus pecadilhos cotidianos, frutos de maus costumes, pensem que estes nada têm a ver com isso. Político não é ET; vem do berço da sociedade.

O caso dos fiscais de ISS paulistanos talvez sintetize nosso drama com perfeição. Arraigado em vários escalões da prefeitura, mostrou-se ser um corroído sistema suprapartidário que ultrapassara gestões. Secretários e subsecretários ligados aos ex-prefeitos Gilberto Kassab e Serra e ao atual prefeito, Fernando Haddad, políticos de legendas diferentes, são investigados.

Caso corrupção tivesse DNA, seria mais fácil retirá-la do nosso dia a dia Mas não é. Portanto, que os demais larápios acabem como os mensaleiros; que façamos o debate ideológico ou programático à parte; que reflitamos sobre que sociedade é a nossa - e que, assim, esse 15 de novembro faça jus ao seu significado.


sábado, 30 de novembro de 2013

Obrigado, Enciclopédia!

Por Murillo Victorazzo

Pelé foi gênio, o maior de todos, queiram ou não os argentinos. É sim um símbolo nacional, do qual devemos nos orgulhar. Mas o Édson Arantes deixa a desejar. Talvez por isso, daquela geração da década de 50/60, provavelmente o jogador com quem mais simpatizava, aquele que mais admirava era Nílton Santos.

Eleito o maior lateral esquerdo da história do futebol mundial, era craque fora do gramado também: simples, carismático, tinha noção do que representava sem ser megalomaníaco. Muito pelo contrário. Era impossível ouvi-lo dar alguma declaração desastrada ou vê-lo em situação passível de crítica. Mesmo depois de tantos anos, nunca esqueceu do seu Botafogo. 

Meu coração é rubro-negro, e nele nunca haverá espaço para outro ídolo que não Zico. Mas nem por isso deixaria de aplaudir de pé talento e personalidade tão raros. Pena que tantos torcedores não tenham discernimento igual e, numa fixação patológica e prosaica, não cansem de tentar menosprezar o sucesso e a qualidade de ídolos históricos de clubes rivais, mesmo quando o reconhecimento a eles atravessa fronteiras e times.

 Não são apenas os botafoguenses que lamentam hoje. Quem ama o futebol também, independente de tê-lo ou não visto jogar à época. Obrigado, Nílton Santos, por ter sido brasileiro. Se hoje somos o "país do futebol", a seleção mais vitoriosa do planeta, respeitada até mesmo em seus piores momentos, em muito devemos a você. Descanse em paz, Enciclopédia!

segunda-feira, 21 de outubro de 2013

Safra interessante em 2014

Por Anderson Baltar  (Rádio Arquibancada, 21/10/2013)

A safra de sambas para o Carnaval 2014 está definida. E, num primeiro olhar, ainda muito baseado na forma como os hinos como foram apresentados nas quadras, posso dizer que teremos um CD do Grupo Especial muito interessante – aliás, como há alguns anos não víamos. Depois de uma terrível década, os sambas estão numa curva ascendente de qualidade. Pelo menos metade das escolas têm composições interessantes e que podem crescer muito a partir da gravação e dos exaustivos ensaios que estenderão até março.

O que teria motivado essa situação? Cito alguns aspectos. O primeiro, e mais óbvio, foi a redução sensível da quantidade de enredos de qualidade ou entendimento duvidosos. Sim, sei que enredo se julga na avenida. Mas, até o momento, o que temos é o argumento, baseado nas sinopses. E, não se iluda: se o argumento é falho, a chance do enredo ter uma sobrevida é quase mínima. Não por acaso, as escolas que largam atrás no quesito samba-enredo têm enredos de construção e elaboração no mínimo contestada.

Não tem mistério: quando o compositor sabe do que tem que falar e, acima de tudo, vê que aquela sinopse está dentro da sua verdade e, mais do que tudo, da verdade da escola, a inspiração floresce na hora. Samba bom nasce no sentimento genuíno, na frase que sai do fundo do coração, como os sambas do Salgueiro e da Mocidade Independente de Padre Miguel deixam claro na primeira audição. São testemunhos de fé, de amor, inspirados por argumentos que tocam fundo no alma dos compositores e dos componentes da escola.

A verdade é uma só: enredo bom causa ansiedade no compositor. Ele sai da quadra com a sinopse embaixo do braço ansioso para se juntar com os parceiros. Leva para cama e a lê antes de dormir. Batuca no intervalo do trabalho pensando no refrão, anota até no canhoto da conta de luz que acabou de pagar. Acorda de madrugada pensando na melodia. E, em sua maioria, os enredos de 2014 propiciaram esse frisson gostoso nos poetas das escolas.

Outro aspecto que não pode ser deixado de lado é que o carnaval sempre é ditado pelos parâmetros criados pela campeã. E a vitória da Vila Isabel em 2013 teve o dom de propiciar a redenção do quesito samba-enredo. Por mais importante que seja no julgamento (dele dependem, no mínimo, outros cinco quesitos), o samba estava sendo deixado de lado há muitos anos. O importante era o visual, o barracão, as surpresas que os gatos-mestres da Cidade do Samba estavam aprontando. Com a antológica obra de Martinho da Vila, Arlindo Cruz, André Diniz e parceiros, o samba-enredo foi recolocado em seu lugar. Como fio condutor de um desfile e maior estimulante para a consagração de uma escola.

Não citei Martinho e Arlindo gratuitamente. Nenhum dos dois é novato na seara carnavalesca, muito pelo contrário. Mas, justamente o sucesso da parceria fez despertar em muitos compositores da MPB o interesse pelo samba-enredo. Na minha visão, uma janela aberta para a revitalização do gênero e uma possibilidade para a volta da popularização.

Tivemos Pedro Luis, Jorge Aragão e até Francis Hime nas disputas de samba. Carlos Caetano e Péricles, reconhecidos no meio do pagode, chegaram às finais. E dois dos 12 sambas são assinados por nomes de peso na música popular: o da Imperatriz, de Elymar Santos, que promete ser o arrasta-quarteirão da temporada; e o de Dudu Nobre, da Mocidade, que vai brigar para ser um dos grandes sambas do carnaval. Dudu, é bom que se diga, não caiu de paraquedas. Irmão da porta-bandeira Lucinha, tem histórico nas escolas mirins, mas nunca havia encarado o desafio de disputar samba em sua escola de coração. E estreou de forma magnífica.

Muita gente torceu o nariz, mas vejo com ótimos olhos esse movimento. Se as escolas continuarem julgando as obras ao invés do nome, esse intercâmbio será ótimo para o gênero samba-enredo, que se revitalizará, e também para os compositores das escolas, que passarão a ter portas abertas para o chamado mercado “do meio de ano”.

Análise da safra

Apesar de ser um tanto prematuro, faço aqui a minha primeira análise da safra. Cabe lembrar que ouvi oito sambas ao vivo e os outros quatro só conheço de gravação.

- Salgueiro e Mocidade, na minha opinião, têm os melhores sambas do ano. São os mais completos no que diz respeito a enredo, qualidade de letra e, principalmente, empatia com a identidade da escola. Ambos são feitos para se cantar batendo forte no peito e com os olhos marejados.

- Portela, mais uma vez, traz um samba de muita qualidade e estrutura diferenciada. O enredo é maravilhosamente descrito e, na final, a melodia já entrou na quadra totalmente encaixada com a bateria. Foi algo mediúnico, poucas vezes visto.

- União da Ilha, Imperatriz e Mangueira prometem sacudir a avenida. A Ilha, finalmente, escolheu um bom samba e ouviu a voz da comunidade. Com uma bateria renovada e o ótimo trabalho plástico dos últimos anos, tem tudo para fazer um carnaval memorável. A Imperatriz tem o refrão do ano e deverá viver um momento histórico – a consagração total do público, rara em sua trajetória. O samba da Mangueira tem refrões explosivos e promete conduzir o arrasta-povo que só a verde e rosa sabe fazer.

- São Clemente e Império da Tijuca têm sambas agradáveis e de qualidade. Teoricamente, as duas brigam pela permanência no grupo e, pelo visto, a disputa será acirrada inclusive no samba-enredo. A escola de Botafogo partiu para uma linha mais lírica e o povo da Formiga vem com um samba valente – ideal para abrir desfile.

- Vila Isabel é o samba que mais pode surpreender. Depois da consagração do carnaval passado, pouca gente prestou atenção na composição de Arlindo Cruz, André Diniz, Bocão e sua turma. O samba tem ótima letra e melodia interessante. Quando o efeito “Festa no Arraiá” passar, creio que este samba começará a ser melhor notado. Não é todo dia que um craque faz gol de bicicleta; esse foi um tento com toque na saída do goleiro. Não tão impactante, mas também importante.

- Beija-Flor, Tijuca e Grande Rio têm os sambas mais fracos da safra. Não por acaso, os três enredos mais complicados.

Para encerrar, um pedido

Que as assessorias de imprensa das escolas não encarem isso como crítica, até porque eu tenho certeza de que sua área de atuação nas quadras é bem limitada – fui assessor e sei bem disso. Há muitos entraves dentro das agremiações e muitos dirigentes ainda não entendem – ou não querem entender – a importância do trabalho da imprensa nas quadras. O fato é que as condições de trabalho precisam melhorar. É frustrante chegar para transmitir e, salvo raríssimas exceções, encontrar áreas mal localizadas e apertadas, com poucos pontos de luz e sem internet de qualidade.

Jornalista está na quadra para trabalhar. Não está para comer e beber – sei que muita gente pensa isso da imprensa e, infelizmente, alguns colegas dão razão a esse tipo de comentário. O jornalista só quer ter condições mínimas de trabalhar. Com a internet e a popularização das redes sociais, o público potencial do carnaval só multiplica e as pessoas, onde quer que estejam, querem saber de tudo em tempo real.

Frustra um pouco saber que, em alguns momentos, não conseguimos suprir essa demanda de informações por fatores que fogem à nossa área de atuação, mas poderiam ser minimizados com procedimentos simples. Basta apenas reservar um lugar digno, com algumas mesas e pontos de luz. E, se possível, internet para todos. Qualquer local de grandes eventos no mundo tem sala de imprensa. As quadras, que a cada dia mais se transformam em casas de show, precisam se adaptar a esta realidade.

quinta-feira, 17 de outubro de 2013

Credibilidade dos EUA é a principal afetada pelo embate da dívida

Por Patrícia Campos Mello (Folha de S.Paulo, 17/10/2013)

O Partido Republicano dos Estados Unidos foi derrotado na novela da paralisação do governo e da elevação do limite do endividamento. A oposição pôs uma arma contra a cabeça do presidente Barack Obama e ameaçou conduzir o país para o calote, caso democratas não aceitassem reverter vários pontos da lei de reforma da saúde, a chamada "Obamacare".

A extorsão não funcionou, e os republicanos foram pressionados a recalcular a rota de forma humilhante ontem. Segundo pesquisa do Instituto Gallup feita entre 3 e 6 de outubro, mesmo antes do recuo, a popularidade do partido de oposição havia caído estrepitosamente: só 28% dos americanos viam favoravelmente o partido, diante de 38% em setembro.

Mas como admitiu ontem Jay Carney, o porta-voz da Casa Branca, não há vencedores no embate. Entre mortos e feridos, quase ninguém se salvou. A aprovação dos democratas está em 43%. E os Estados Unidos, como país, saíram com a credibilidade chamuscada.

É a segunda vez em pouco mais de dois anos que o governo americano chega perto de dar um calote. A pergunta geral é: será que dá para confiar em um país assim tão disfuncional, em que um partido pode tomar o outro como refém e ameaçar não pagar as contas?

A China tripudiou: pediu uma economia global "desamericanizada" para que "a comunidade internacional possa se proteger dos efeitos do turbilhão da política doméstica dos EUA". A agência de classificação de risco Fitch disse que "atitudes políticas temerárias podem aumentar o risco de um calote americano".

E o pior é que o acordo, aprovado no final da noite de ontem, apenas adia em alguns meses o próximo embate sobre a elevação do teto da dívida. Os americanos estão brincando com fogo.

Como disse o megainvestidor Warren Buffett, sobre a possibilidade de o teto da dívida não subir: "O mero fato de se cogitar a ideia [de um calote] é totalmente irresponsável, e deveria ser banido do arsenal dos dois partidos". E concluiu: "Credibilidade é como virgindade: pode ser preservada, mas não recuperada facilmente".

quarta-feira, 9 de outubro de 2013

A Economist e o Brasil

Por Gabriela Ferigato  (Do Observatório da Imprensa, reproduzindo matéria do portal Imprensa, 08/10/2013) Título original: "Pensei muito nos textos para não ser injusta com o Brasil"

“O Brasil estragou tudo?” O questionamento feito na última edição da revista inglesa The Economist pairou no ar e despertou a atenção de muitos. Se em 2009, o veículo mostrava em sua capa a imagem do Cristo Redentor, alusão para a economia brasileira, como um foguete prestes a decolar, hoje o sentimento não é tão otimista. Quatro anos depois, a publicação reproduziu a mesma abertura, mas dessa vez mostrou o monumento como uma aeronave desgovernada, com a chama apagada e prestes a cair.

Com o título “Has Brazil Blown it? (traduzido literalmente para “O Brasil estragou tudo?”), a edição, distribuída na América Latina, conta com uma reportagem especial de 14 páginas e foi produzida pela jornalista irlandesa Helen Joyce, correspondente da revista no Brasil. A matéria evidencia o baixo crescimento da economia brasileira. O mesmo país que sinalizava um futuro promissor ao registrar crescimento de 7,5% em 2010 estagnou, desde 2011, em um desenvolvimento anual de 2%. Entre as consequências, de acordo com a reportagem, está o afastamento de investidores estrangeiros. Apesar das críticas, que não são poucas, existe um otimismo a longo prazo.

Helen, que atua na Economist desde 2005 e como correspondente brasileira desde 2010, afirma que o principal desafio de um jornalista estrangeiro é ser justo e, segundo ela, foi o que ela tentou ao máximo nessa edição: “É sempre difícil falar de Brasil. É muita coisa positiva e negativa na mesma proporção. Tem muita coisa para melhorar, mas também teve progresso nos últimos anos. Sempre há os dois lados”.

A repercussão da matéria gerou muitos comentários e opiniões, até mesmo da presidente Dilma Rousseff que, em seu perfil no Twitter, disse que “Eles [The Economist] estão desinformados. O dólar estabilizou, a inflação está sob controle e somos o único grande país com pleno emprego”. Helen ressalta que a matéria teve um grande retorno, mas que a maioria dos julgamentos foi baseada na imagem de capa: “Ninguém mandou uma crítica bem estruturada”.

Confira a entrevista exclusiva à Imprensa:

Por que a reprodução da capa de 2009 neste momento?
Helen Joyce – Nós temos uma agenda para reportagens especiais que são combinadas um ano antes, então eu já sabia que essa matéria sairia nessa edição e já tinha feito um planejamento. Fiz as viagens, realizei a maioria das entrevistas em julho deste ano e, em agosto, mandei tudo para Londres e começamos um processo, que durou quase um mês, de confirmação de dados, edição e escolha de imagens. Não é uma ideia recente, ela foi arquitetada faz um tempo.

A reportagem foi uma proposta sua ou uma solicitação dos editores?
Joyce.– Todo ano a editora do escritório de reportagens especiais manda um e-mail para todos os jornalistas da revista pedindo sugestões de ideias. Eu disse que o Brasil mudou muito nos últimos quatro anos e que queria escrever uma matéria sobre isso. Em julho de 2012, fui à sede em Londres para explicar os principais pontos e ela gostou. Quando a lista de temas foi fechada, no fim do ano passado, o meu relatório estava lá.

A ideia de reproduzir a mesma capa de 2009, com outro foco, foi uma sugestão sua?
Joyce.– Não, eu não sabia que seria assim, só vi depois. A The Economist tem uma reputação em capas fortes. A imagem precisa capturar a atenção dos leitores. Temos uma equipe de especialistas e eles sempre têm ideias assim. Muita gente acha que temos aberturas diferentes apenas quando se trata de Brasil, e que difere do tratamento dado ao restante do mundo. Não é assim. Sempre usamos sátiras, imagens fortes etc para outros países também.

Qual foi a recepção dos leitores?
Joyce.– Recebi vários comentários. As pessoas que gostaram muito da última capa não gostaram dessa e vice e versa. No geral, acho que não leram a matéria, que foram mais pela imagem. O que sempre acontece. Recebemos algumas queixas sobre usar a imagem do Cristo Redentor, por ser religioso e até relacionado com blasfêmia. Isso aconteceu também em 2009. Ninguém mandou uma crítica bem estruturada. Recebi comentários de pessoas falando para eu olhar para o meu país, o que não faz sentido, porque nós escrevemos sobre ele. Eu escrevo sobre o Brasil, porque sou a correspondente daqui. Ninguém disse que sou pessimista ou otimista demais. Quando lerem, verão que sou os dois, ao mesmo tempo.

Quais foram os principais problemas citados na reportagem?
Joyce – É sempre difícil falar de Brasil, mas tentei ser muito equilibrada na matéria. Existem muito prós e contras aqui. É muita coisa positiva e negativa na mesma proporção. Eu passei muito tempo pensando nos textos para não ser injusta. Cheguei aqui em julho de 2010 e o grande desafio de ser correspondente estrangeiro é exatamente ser justo. Tem muita coisa para melhorar, mas também teve progresso nos últimos anos. Sempre há os dois lados. Entre as coisas negativas existe o processo de licenciamento ambiental, um sistema ineficiente para escolher o governo, uma incrível diferença entre setor privado e público, uma burocracia ruim etc. Em todos esses pontos utilizei muitos dados e fontes públicas, como o Banco Mundial e o governo brasileiro. Tudo o que eu disse eu posso comprovar. Temos um processo rígido de confirmação de dados e eu passei, no mínimo, duas semanas falando com nossos pesquisadores em Londres, que pediram fonte para tudo.

Qual é a principal mudança do que foi publicado em 2009 para hoje?
Joyce.– O sentimento do mercado externo. A opinião dos estrangeiros mudou totalmente, mas para pior. Em 2009, houve um grande otimismo, talvez exagerado, que agora acho que seja de menos. Eu li um relatório de um grande banco em 2009, não posso dizer qual, mas que explicava três cenários para os próximos anos e, no pessimista, indicava um crescimento de 5% por ano. O mundo inteiro achou que o Brasil chegou a um crescimento sustentável, de, no mínimo, 4 a 5% por ano. Agora é um sonho perdido. Ele não cresceu.

Existe um otimismo a longo prazo?
Joyce – O Brasil ainda tem muitos pontos fortes. Isso não mudou nos últimos anos. É um dos raros países que tem essa possibilidade de crescimento. Mas por que não está crescendo? Acredito que por erros internos. Em geral as razões para o baixo crescimento estão dentro do próprio Brasil. O agronegócio, por exemplo, é um dos pontos fortes. É uma grande fonte de crescimento. Na semana passada eu conversei com a [ex-senadora] Marina Silva, que é uma das pessoas mais interessadas no meio ambiente, e ela falou que temos terras e que a nossa produção pode crescer muito mais, sem danos ambientais.

Você credita o governo de Dilma Rousseff como um dos principais motivos para o baixo desenvolvimento do País?
Joyce – Sim, infelizmente. O maior erro, em minha opinião e dos meus editores, é que ela perdeu a confiança do mercado sem necessidade. Que acho que foi um erro enorme.

O que você responde ao comentário da presidente Dilma em sua conta no Twitter, onde ela diz: “Eles [The Economist]estão desinformados. O dólar estabilizou, a inflação está sob controle e somos o único grande país com pleno emprego.”?
Joyce – Ela respondeu sobre coisas que não dissemos. Não falamos que a inflação está fora do controle, apenas que é alta e nem que o dólar está desestabilizado. Não sei por que ela disse isso. A Dilma afirmou que somos desinformados, mas em que ponto? Ela não apontou um dado incorreto ou alguma informação que não procede.

Você acha que a Copa do Mundo e os Jogos Olímpicos oferecerão ajuda para a recuperação do Brasil ou trarão mais dívida?
Joyce – Acho que os eventos não serão relevantes para a economia. Pode ser ótimo em outros sentidos, mas para a economia não será relevante. É possível a construção de mais estádios, o país é rico o suficiente para isso. Mas realmente querem isso? Acho que terão estádios caros e alguns sem utilização – que será um desperdício. O Brasil tem muito potencial em turismo, mas ainda não recebe muitos, pelo custo e distância.

Quais os investimentos e os projetos futuros da The Economist no Brasil?
Joyce – Eu sou a única correspondente, mas não por falta de interesse, mas sim por recursos financeiros. Há muita curiosidade por parte dos estrangeiros. Eles não conhecem muito, mas querem passar a conhecer. Tem muito interesse e desconhecimento ao mesmo tempo, o que é bom para o jornalista. Podemos escrever qualquer coisa sobre o Brasil que teremos audiência. Eu vou sair do país no fim deste ano. Geralmente o correspondente fica um período de três a quatro anos, que eu já fiquei. Teria gostado de ficar um pouco mais. Vou voltar para Londres. Meu sucessor vai chegar no começo de janeiro e vai morar em São Paulo e poderá escolher se vai trabalhar em casa ou em um escritório separado.

terça-feira, 8 de outubro de 2013

SEPE: O GLOBO compra o discurso do prefeito

Por Murillo Victorazzo

Qualquer sindicato, em maior ou menor número, tem, entre seus integrantes, pessoas ligadas a partidos. É normal, pois defesa de classe é luta política, no sentido mais verdadeiro e nobre da palavra e, ao contrário do que alguns desejam, não inventaram na democracia ocidental outra plataforma para tentar se fazer representar nos locais onde se debatem políticas públicas, o Legislativo .

Não se entende, portanto, por que O GLOBO faz questão de dar tanto destaque à ligação de membros do sindicato dos professores (SEPE) com PSOL. Parece uma espécie de defesa indireta do discurso cínico do prefeito Eduardo Paes, que tenta desqualificar a greve e as manifestações dos professores como se fossem uma espécie de retaliação da legenda pela derrota ano passado e palanque para 2014. 

Se apenas por tais ligações elas forem ilegítimas ou "políticas", todas as outras, no passado e no futuro (e a História do país está repleta de exemplos de atos semelhantes que também descambaram para a violência da polícia), mereceriam o mesmo estigma. Até em governos do PT, funcionários públicos filiados à CUT chegaram a fazer paralisações. 

Sindicatos têm inúmeros problemas, mas, ruim com eles, pior sem eles, pelo menos para seus trabalhadores - especialmente os de uma classe cuja importância é inversamente proporcional ao seu reconhecimento. Para o establishment político estadual e seus simpatizantes na imprensa, certamente não.

terça-feira, 1 de outubro de 2013

Cabral e o lixo da História

Por Murillo Victorazzo

Em um estado administrado anteriormente por Chagas Freitas, Leonel Brizola, Moreira Franco, Marcelo Alencar, Anthony e Rosinha Garotinho, ser considerado o melhor governador das últimas décadas não seria uma tarefa tão árdua.

Por esta razão, entendia-se por que Sérgio Cabral, apesar de seu caráter duvidoso e da estagnação em  áreas de seu governo, havia sido alçado a este posto por grande parte da população e reeleito no primeiro turno com folgada votação três anos atrás.

O equilíbrio financeiro do estado, algumas obras e principalmente as UPPs, inegavelmente um avanço em política de segurança mesmo com os problemas expostos nos últimos meses, eram seus trunfos.

Porém, ligações com empreiteiros, o deslumbramento yuppie com as mordomias do poder, a confusão entre o público e o privado e a arrogante resposta às manifestações de junho fizeram sua popularidade merecidamente despencar nas últimas pesquisas.

Como se tudo isto não bastasse, agora, Cabral avaliza que a PM parta para cima dos professores municipais em greve. E, ao criticar a ocupação da Câmara dos Vereadores por estes, parece querer transformar as vítimas em algozes. Tudo para defender seu pupilo, o prefeito Eduardo Paes.

Seus aliados preferem alertar que a derrota de seu grupo político ano que vem significará a volta de Garotinho ou a ascensão do senador petista Lindberg Farias. É verdade, e este é o drama dos fluminenses, que cansados vão às ruas sem em quem mais acreditar.

Mas, caso tal retrocesso ocorra, a culpa será unicamente dele, que terá jogado no lixo o voto de confiança que os fluminenses lhe deram quando reduziu os índices de violência. E em outro lixo, o da História, poderá acabar, lado a lado de seus medíocres antecessores.

Assim como o prefeito, que prefere desqualificar a greve com alusões ao PSOL, quem manda bater em quem ensina não merece outro fim.

quinta-feira, 26 de setembro de 2013

A verdade dói

Por Eliane Cantanhêde (Folha de S.Paulo, 26/09/2013)

Passou quase em branco, mas não foi mero detalhe da abertura da Assembleia-Geral da ONU: a presidente do Brasil falou duro com os EUA, mas nem o presidente Obama, nem o secretário de Estado, John Kerry, nem a conselheira de segurança, Susan Rice, estavam lá. E, dizem, a própria embaixadora dos EUA na ONU só chegou na última hora.

Não foi por falta de aviso. O mundo inteiro sabia que Dilma apontaria o dedo na cara de Obama por causa da espionagem. Ele também.

Hipótese 1 para a ausência: os americanos, sempre tão pontuais, atrapalharam-se no trânsito e chegaram atrasados à cerimônia.

Hipótese 2: o chefe Obama estava ali ao lado, esperando sua vez de falar, e sua equipe não pôde prestigiar Dilma para fazer-lhe a corte.

Hipótese 3: Obama e sua equipe não estão nem aí para as reclamações (justas, diga-se de passagem) e para a gritaria (em tom adequado, idem) da presidente do Brasil.

Hipótese 4: foi uma retaliação à decisão de Dilma de cancelar a visita oficial a Washington, alegando que não haveria clima para a conversa bilateral depois de escancarada a espionagem americana, sobre, até mesmo, a Presidência brasileira.

De qualquer forma, se os EUA deviam um pedido de desculpas ao Brasil pela interceptação ilegal de dados de cidadãos, empresas, representações diplomáticas e do Planalto, agora devem dois: o segundo pela deselegância e pelo descaso diante da fala da presidente a centenas de chefes de Estado e, por extensão, ao mundo todo. O alvo eram os EUA e Obama. E eles deveriam dar atenção.

Dilma usou termos fortes como "ilegal", "indignação", "repúdio" e "inadmissíveis". E, afora a tentativa vã de liderar um movimento por um marco internacional da internet, ela foi bem ao acusar: "Jamais pode o direito à segurança dos cidadãos de um país ser garantido mediante a violação de direitos humanos e civis fundamentais dos cidadãos de outro país". Como discordar?

quarta-feira, 25 de setembro de 2013

"Quem perde com o desprezo do Brasil?", questiona New York Times após discurso de Dilma

Do UOL (25/09/2013)

Depois do discurso rígido da presidente Dilma Rousseff na abertura da 68ª Assembleia Geral da ONU, no qual fez críticas ao programa de espionagem dos Estados Unidos, uma série de artigos intitulada "Quem perde com o desprezo do Brasil aos EUA?" foi publicada nesta quarta-feira (25) na versão online do jornal norte-americano The New York Times.

O texto de introdução às análises de cinco especialistas (entre eles brasileiros) afirma que, depois de adiar a visita de Estado que faria aos EUA em outubro, Dilma disse na assembleia que a espionagem viola as leis internacionais e os direitos humanos. Na sequência, o texto afirma que, até então, os dois países estavam focados no fortalecimento da parceria --à medida que cresce o poder econômico do Brasil e os EUA tentam reduzir a influência da China-- e apresenta a seguinte questão: qual deles tem mais a perder com a deterioração das relações?

No primeiro artigo, "EUA têm mais a perder", Oliver Stuenkel, professor de relações internacionais da unidade de São Paulo da FGV (Fundação Getulio Vargas) afirma que a "repreensão severa" de Dilma pode estimular países como Alemanha e México a agirem da mesma forma em relação às denúncias de espionagem. Para Stuenkel, a presidente "preferiu não correr o risco de ser vista como submissa" diante da "corrida eleitoral apertada" de 2014. Quanto às consequências do discurso, o professor afirma que, "apesar do constrangimento temporário, a relação bilateral continuará em ascensão".

No texto "Brasil tem mais a perder", Eric Farnsworth, vice-presidente do Americas Society and Council of the Americas, afirma que o adiamento da visita de Estado "é um retrocesso para as duas nações" mas que, no final, "o Brasil vai arcar com um custo maior". "Golpeando os Estados Unidos publicamente e, em seguida, reforçando a mensagem durante a Assembleia Geral das Nações Unidas, a presidente Dilma Rousseff tem congelado a agenda bilateral", disse. Para Farnsworth, é "estranho" que Dilma exija um pedido de desculpas dos EUA por espionagem sem reconhecer que outros países façam o mesmo.

No artigo "O adiamento requer duras verdades", Julia Sweig, diretora dos programas América Latina e Brasil do Council on Foreign Relations e colunista do jornal Folha de S.Paulo, afirma que Obama ainda precisa pedir desculpas ao povo americano e às empresas do país pela espionagem. "Ele tem sido lento para reconhecer a violação da vida privada e não pediu à NSA [agência de segurança nacional dos EUA] que interrompa a vigilância. É difícil imaginar que o Brasil receba uma resposta mais satisfatória do que o povo americano tem até o momento", pontuou.

O cientista político João Augusto de Castro Neves, analista do Eurasia Group, afirma, no texto "Há muito em jogo", que é "improvável que o episódio faça descarrilar a agenda bilateral, embora Rousseff tenha expressado suas preocupações em um discurso na Assembleia Geral da ONU". Para ele, a lição que fica é que, "independentemente da intenção ou extensão da espionagem americana que levou ao desprezo, o incidente demonstra a máxima de que a espionagem é para conhecer, e não para ser conhecida".

No último artigo, "Por enquanto o Brasil parece injustiçado", o cientista político brasileiro Maurício Santoro, conselheiro de direitos humanos da Anistia Internacional Brasil, afirma que o fato de a presidente Dilma ter adiado a visita oficial aos EUA, em vez de cancelá-lá, passa uma mensagem importante. "Ela mantém a porta aberta para o diálogo e, ao mesmo tempo comunica que a espionagem é um problema sério para o seu governo", disse.

quinta-feira, 5 de setembro de 2013

Síria e o direito internacional

Por Paula Wojcikiewicz Almeida* (Valor Econômico05/09/2013)

Não é o bastante recordar o fracasso da intervenção no Iraque, motivada por um falso alarme de armas de destruição em massa, ou mesmo as críticas decorrentes do excesso na intervenção na Líbia, com o pretexto de proteger civis, e os motivos subjacentes que deixaram aparente a intenção de derrubar o regime de Gaddafi. Os supostos guardiões da legalidade internacional parecem insistir no erro e tentam legitimar uma ação ilegal contra a Síria, esforçando-se para influenciar a opinião pública mundial. Mas antes de comprar o discurso, é preciso refletir e avaliar criticamente os fatos.

Há tempos se busca obter apoio no âmbito do Conselho de Segurança (CS) da ONU para uma ofensiva na Síria. Desde o início do conflito, em março de 2011, não há consenso na comunidade internacional. A chamada "coalition of the willing" parece incansável em seu objetivo de encontrar suporte político e jurídico para uma possível ação militar. China e Rússia deixaram claro desde outubro de 2011 que se oporiam a uma possível intervenção na Síria com o aparente objetivo de proteger a população.

O argumento baseado na "responsabilidade de proteger" (R2P) tem servido como justificativa para uma série de intervenções militares ilegais, ou seja, sem autorização do órgão que supostamente detém o monopólio do uso da força, o CS. É o caso, por exemplo, das ações da Otan no Kosovo e da intervenção no Iraque pelas forças da coalition. Busca-se estabelecer uma prática "contra legem" no sentido de que, se o CS não alcançar uma solução conforme aos desígnios dos potenciais interventores, seria legítima uma ação de um ou mais Estados com o objetivo de salvaguardar a paz e a segurança internacional e com o fim precípuo de proteção dos civis não envolvidos diretamente nas hostilidades. Ora, é hoje indiscutível que as violações massivas de direitos humanos e de direito humanitário integram o conceito de ameaça à paz e a segurança internacional, ensejando uma atuação da ONU.

Entretanto, apesar de todas as críticas ao sistema e, sobretudo, ao CS, que não representa concretamente a voz da comunidade internacional, qualquer intervenção com o uso da força mesmo em casos envolvendo a R2P deve necessariamente ser autorizada. A regra no direito internacional consiste na proibição do uso da força, cabendo duas exceções: legítima defesa individual ou coletiva e; autorizações concedidas pelo CS com base na segurança coletiva.

No caso presente, ambas as exceções parecem não se configurar. Isso porque, no que tange à legítima defesa, a condição é que exista um ataque armado atual ou iminente contra o país em causa ou contra um terceiro, como Turquia ou Israel, que poderiam considerar-se vítimas de ataque armado cometido em suas fronteiras com a Síria. Ainda não há prova de que o regime sírio tenha responsabilidade quanto às armas químicas no incidente do último dia 21 de agosto no subúrbio de Damasco. Os investigadores da ONU ainda não concluíram o relatório, apesar da enorme pressão exercida pelos países que buscam justificar uma intervenção. Quanto ao sistema de segurança coletiva, a falta de unanimidade no Conselho de Segurança, mesmo com a finalidade de proteger civis, não deixa dúvidas a respeito da ilegalidade da intervenção.

Uma possibilidade seria o recurso à Assembleia Geral (AG), nos termos da resolução 377, "uniting for peace", invocada no contexto da guerra da Coreia de 1950. Isso poderia ocorrer em caso de bloqueio no CS, o que ensejaria uma ação da AG autorizando o uso da força via resolução não vinculante. Para tanto a Assembleia poderia ser reunir em sessão especial de emergência, a pedido do Conselho ou da maioria de seus membros. A ação da AG foi explorada em outros casos, inclusive envolvendo a Síria, o que poderia indicar uma alternativa.

O discurso de Obama pronunciado no último sábado deixa clara a intenção do país em se auto-erigir como um bastião da legalidade internacional, tendo a responsabilidade de fazer respeitar, se necessário com o uso da força, os tratados internacionais, especialmente a Convenção Internacional sobre a proibição do desenvolvimento, produção, estocagem, uso e destruição de armas químicas de 1993. A referida convenção foi ratificada por 189 Estados, dentre eles EUA e França, mas não obriga a Síria. De qualquer forma, a proibição do uso de armas químicas remonta ao Protocolo de Genebra de 1925, podendo-se extrair o argumento de descumprimento.

Independentemente da divulgação do relatório da ONU e de qualquer posicionamento do Conselho de Segurança, Obama reiterou sua intenção de agir militarmente e disse estar "confortável", apesar da negativa de seu aliado britânico que não obteve aprovação parlamentar. Buscando resguardar-se, o presidente americano optou por aguardar a autorização do Congresso para a possível intervenção na Síria. A oposição francesa agora também pressiona por um pronunciamento legislativo, apesar de não haver condição expressa na constituição francesa. O momento atual é de lobby no congresso americano, que deve tomar uma decisão a partir de 9 de setembro. O argumento principal consiste na necessidade de assegurar o respeito das normas internacionais por meio da força, tendo em vista os dados recentes que confirmariam o uso de sarin pelas forças do governo sírio.

Os frequentes desacordos no âmbito da ONU testemunham uma tensão permanente: não se pretende reproduzir o fracasso diplomático que levou à inação em Ruanda, tampouco se pode perpetuar a ilegalidade da intervenção não autorizada no Iraque, no qual o suposto risco de armas de destruição em massa não foi comprovado. O Secretário Geral, Ban Ki-moon, pediu tempo para estabelecer os fatos. Não se deve atropelar as regras do jogo, buscando transformar exceções em regra. Existem normas claras na Carta da ONU: o uso da força é sempre o último recurso, devendo ser proporcional e necessário. Um Estado não pode se atribuir unilateralmente a responsabilidade de, com o uso da força, fazer respeitar o direito internacional.

*Paula Wojcikiewicz Almeida é professora de direito internacional da FGV Direito Rio




quinta-feira, 15 de agosto de 2013

Meu pai, meu exemplo


Por Murillo Victorazzo

"Você é o filho do comandante Victorazzo?", perguntou um sargento que trabalhara com meu pai vários anos antes. "Sim, sou", respondi. "Poxa, como ele está? Seu pai foi o melhor comandante que tive na carreira: paixão por ser fuzileiro, competente, honesto, gentil e leal", completou ele, deixando de lado outros para priorizar meu atendimento. Aquele não foi um caso único. Vários outros me disseram coisas semelhantes. 

Que filho não se comoveria ao ver o almirante diretor do hospital sair correndo emocionado para socorrer o chefe de 20 anos atrás quando este precisou ser internado? Eu já sabia dessas qualidades, mas vindo de terceiros era a prova da verdade. E conheço ainda outras, as dele como pai: carinhoso, protetor, capaz de realmente tudo pelos filhos, longe muito longe daquele estereótipo do pai militar severo. 

Meu pai é a certeza de que, seja em casa ou no trabalho ( e no seu caso, um ambiente militar!) autoridade nada tem a ver com autoritarismo, que liderar é conquistar e dar exemplo, não impor. 

Exemplo a ser seguido é tudo que um pai deve ser para o filho. Não poderia ter melhor. Queira Deus que um dia me torne um pai como ele. Te amo, meu pai. Parabéns para você e para todos meus amigos e parentes que têm o privilégio de poder dar exemplo para seus filhos!

sexta-feira, 26 de julho de 2013

Parabéns, Leblon!

Por Murillo Victorazzo

Entre o mar, o Morro Dois Irmãos e a Lagoa Rodrigo de Freitas, separado da irmã berço da Bossa Nova apenas por um canal cercado de jardim, cresceu, mas não tomou os ares incômodos do gigantismo comum a uma metrópole (pelo menos até agora).

Apesar ter entre seus moradores pessoas como Sérgio Cabral, que fez suas ruas pararem nas capas de jornais por motivos bem diferentes dos que os demais 46 mil habitantes estão acostumados, não perde a beleza e a elegância tipicamente cariocas: é capaz de ser chique sem ser pedante e exibicionista, de abrigar prédios luxuosos ao lado de botecos com o charme informal e bem humorado que só o Rio de Janeiro tem. 

Afora os dois anos e meio em que morei em Salvador e Brasilia por motivos profissionais do meu pai, nunca vivi em outro local que não fosse ele. E me orgulho disto. Não por ser o bairro tido como o mais nobre, o mais caro da cidade, mas por ver nele a leveza de uma cidade que infelizmente em muitos outros pontos não existe mais.

Por caminhar por suas ruas e, muitas vezes, ter a sensação de que estou numa cidade média, onde seus moradores, se não se conhecem, se reconhecem. Por andar três quadras e estar na minha terapia: a praia. Ou olhar para o lado e ver o Clipper ali me esperando para tomar meu chopp. Por colocar a cabeça para fora da janela e, seja lá para que lado me virar, ver o mar ou o verde do morro. E também por saber que colado a mim está a sede de minha outra paixão: o Clube de Regatas do Flamengo. 

Não sei o que o futuro me reserva, mas, por enquanto, vou usufruindo ao máximo o privilégio de morar aqui. Muito antes de Manoel Carlos te apresentar ao Brasil, eu já sabia, reconhecia, usava e abusava de teus atributos. Parabéns, Leblon! Parabéns por teus 94 anos! Te adoro!

sábado, 29 de junho de 2013

Os falsos intelectuais e o "ópio do povo"

Por Murillo Victorazzo

Bastou a população brasileira se animar com o time do Felipão para velhos clichês sobre ela voltarem à tona, mesmo que o presente os desminta. Passivo, alienado, ópio do povo...Expressões assim surpreendentemente ainda encontram eco em setores desta própria população, que, com alta dose de uma esquizofrenia presunçosa, aponta o dedo para o espelho como se o que visse não fosse ela mesmo.

Nada é mais bobo, papinho de "intelectualóide" incapaz de separar as coisas (as aspas e o sufixo são necessários porque o intelectual verdadeiro procura discernir e entender em vez de julgar com preconceitos), do que se dizer indignado com comemorações por vitórias da seleção brasileira de futebol em meio ao turbilhão dos dias juninos.

Esse mesmo povo que criticam está nas ruas há 15 dias em gigantescos protestos por todos os cantos do território nacional, com consequências já visíveis. Parlamentares arregalam os olhos, governos procuram respostas com urgência, popularidades despencam. Mas, quando para pra ver um jogo, os bobões se "revoltam", voltam com a ladainha um pouco fora de moda de que brasileiro é isso ou aquilo. Lamento informa-lhes, mas torcer pelo país dentro das quatro linhas não impede ninguém de criticar o que há de errado fora delas.

A Copa deveria ser no Brasil? Esta pergunta não cabe mais agora, a uma ano dela. Deveríamos ter protestado contra a construção de estádios com dinheiro público e superfaturamentos antes deles serem finalizados. Agora, já feitos, só nos resta pressionar por investigações, CPIs. Derrotas não significarão mais dinheiro para a educação ou prisão de mensaleiro. Muito menos mudará o local da competição. Ela será aqui, independente de sucessos ou não da equipe canarinho.

Discursos como esses são, antes de mais nada, ultrapassados. Remetem-nos à ditadura militar, quando muitos opositores do regime afirmavam torcer contra a seleção na Copa de 1970 porque o ditador da época, general Médici, usaria o triunfo a seu favor. Podia fazer algum sentido em um ambiente obscuro como aquele, mas em uma democracia, não. O tempo provou ser tal raciocínio equivocado para o Brasil de hoje.

Só como exemplo, em 2002, o time canarinho foi pentacampeão mundial e, três meses depois,o candidato do governo Fernando Henrique, José Serra, não só perdeu  com folga para o oposicionista Lula como teve dificuldades até para passar para o segundo turno. Por quê? Porque o país vivia em recessão, desemprego, crise energética. A sensação de corrupção era perene. O petista, à época, representava um não ao sistema sociopolítico. Nada que o futebol pudesse anestesiar.

Esses metidos a "cult" ou niilistas radicais devem pensar que cérebro é como memória de computador, com capacidade limitada de informações, ou um jogo de soma zero, no qual mais de algo implica em menos do pretensamente oposto. Uma visão pateticamente binária. Cometem, aliás, um grave erro de análise, pois, caso os protestos diminuam com o fim da Copa das Confederações, eles, sim, estarão fazendo o jogo dos governantes. Nossos problemas vão muito além dos absurdos que envolvem o torneio e a FIFA.

No fundo, pessoas assim mostram uma arrogância cega, incapaz de conhecer o povo a qual, querendo ou não, pertencem. Apenas externam velhos preconceitos e complexo de vira-lata. Pensam ser melhores, mas são intelectualmente mais superficiais do que muitos dos que menosprezam. Sim, amo samba, amo futebol, assisto a novelas e sei que podem me chamar de tudo menos de alienado, massa de manobra e outros blá blá blás...

terça-feira, 7 de maio de 2013

OMC: eleição em ótima hora

Por Murillo Victorazzo

A eleição do brasileiro Roberto Azevedo para a direção-geral da Organização Mundial do Comércio (OMC) é inegavelmente a principal vitória de nossa diplomacia nos últimos anos. Se, por um lado, o Brasil é ainda um país relativamente fechado ao comércio exterior, por outro, é reconhecidamente um dos maiores defensores do multilateralismo.

 Embora Azevedo deva ser, a partir de agora, menos diplomata nacional e mais dirigente internacional, responsável pela busca por consensos na entidade, sua eleição vem em ótima hora para os interesses do Itamaraty, não apenas pelo óbvio papel protagonista que o país adquire.

Se conseguir algo como o destravamento da Rodada de Doha, Azevedo fortalecerá o multilateralismo em um momento em que pipocam por todos os cantos do mundo acordos bilaterais, prática pouco perseguida em Brasília, e embriões de novas zonas de livre-comércio, como o Acordo Transatlântico (EUA-UE) e a Parceria Transpacífico (TPP). Ganharia a OMC e ganharia a política externa brasileira.

Só com gardenal...

Por Murillo Victorazzo

Guilherme Afif Domingos, Fernando Collor e Paulo Maluf eram os candidatos da direita (seja a liberal econômica ou a conservadora) à Presidência em 1989. Afif tinha como principal adversário ideológico Lula, do PT, mas, em certo momento daquela campanha, travou as batalhas retóricas mais duras com Mário Covas, do PSDB, à época um partido realmente social democrata.

Para Afif, e muitos representantes da direita, a centro-esquerda tucana e a esquerda socialista petista eram frutos da mesma árvore. Tinham boa dose de razão. As siglas de fatos apresentam um passado em comum. Não por acaso, no segundo turno, Covas apoiou Lula, que recusou a ajuda do PMDB de Ulysses, e Afif seguiu com Collor, assim como o PFL e Maluf. 

Décadas depois, aquele PT socialista caminhou pra social democracia, e o PSDB tornou-se a sigla preferida da centro-direita. Ambos, quando governo, apropriaram-se do modus operandi clientelista e fisiológico típico do centrão direitista peemedebista e pefelista (hoje demista). 

Petistas se aliaram a Collor, enquanto os tucanos, a Afif e o PFL. O grupo de Maluf e o PMDB integraram a base aliada tanto de Lula como de FHC. Agora, Afif, vice-governador do estado mais importante administrado pelo PSDB, é também ministro do governo petista de Dilma... 

Como sempre digo, tucanos e petistas são mais próximos do que desejam; bobos aqueles que acham que há santos ou demônios nesta dualidade. A lógica política partidária no Brasil é compreensível apenas para os  mais fortes. Os fracos acabam apelando para o gardenal...

sexta-feira, 26 de abril de 2013

Progresso silencioso

Por Matias Spektor*  (Folha de São Paulo, 17/04/2013)

O governo norte-americano começa a preparar um possível encontro entre Dilma e Obama.Na perspectiva de Washington, isso é bom porque o relacionamento bilateral vem avançando positivamente. Longe dos holofotes e sem alarde, as duas diplomacias têm encaminhado pendências em temas como comércio, investimento e tributação.

Em silêncio, dissiparam o mal-estar característico dos últimos meses do governo Lula e avançaram em novas áreas: a Casa Branca considerou a postura de Dilma diante da sucessão presidencial venezuelana como "excelente" e não apenas entende, como aprecia, o modo brasileiro de lidar com Cuba. Acha que conversar reservadamente com o Brasil sobre África e Oriente Médio é útil, não mera formalidade.

O avanço mais palpável talvez seja na área de cooperação naval. Almirantes dos Estados Unidos são, na capital americana, os defensores mais influentes da ideia de um Brasil em ascensão. Nada disso significa que a relação esteja atravessando uma lua de mel. Há fricções de baixa intensidade que não vão desaparecer e sérios problemas de percepção mútua.

A diplomacia americana é tão orgulhosa quanto a brasileira e frustra-se cada vez que, em foros multilaterais ou grandes encontros Sul-Sul, Brasília dialoga ou coopera com Washington em privado, mas a esbofeteia em público. Idem para o argumento da Esplanada segundo o qual a política monetária americana seria causa de todo mal --proposição sem amparo nas análises econômicas mais sérias.

Mas o avanço é inegável, graças ao trabalho de bastidor das duas diplomacias. O próximo encontro poderá render excelentes frutos. Como Dilma tem a agonia de quem precisa vencer uma corrida eleitoral, enquanto Obama tem a flexibilidade do último mandato, as condições são boas para o Brasil pedir concessões e levar.

Isso importa porque Obama receberá, neste ano, boa parte dos líderes das chamadas Aliança do Pacífico e da Parceria Transatlântica, as duas iniciativas comerciais mais importantes dos últimos tempos. Juntas, elas pretendem destravar o comércio internacional. Representam, no entanto, um duro golpe contra os pilares da estratégia comercial brasileira, Mercosul e Organização Mundial do Comércio.

Em uma conjuntura na qual há muita coisa em jogo, é crucial que o governo brasileiro monte uma visita presidencial possante. Possante de verdade. Imagine Dilma no Congresso dos EUA, onde há inédita boa vontade porque senadores e deputados disputam investimentos brasileiros.

Imagine uma campanha de marketing para promover a marca Brasil antes da viagem, método simples e barato que nunca foi testado. Imagine uma presidente que encontra representantes dos mais de 2,5 milhões de brasileiros que moram nos Estados Unidos, força que todo mundo ignora.

Imagine o anúncio da política de conteúdo local do pré-sal em coletiva para a imprensa internacional antes da reunião no Salão Oval. O progresso silencioso dos últimos dois anos criou as condições para avançar. Pé no acelerador.

*Matias Spektor é professor de relações internacionais da FGV-Rio. Trabalhou na ONU antes de completar seu doutorado na Universidade de Oxford.

quinta-feira, 7 de março de 2013

Qual socialismo cabe em Caracas?

Por Clóvis Rossi (Folha de São Paulo, 07/03/2013)

O socialismo do século 21 de Hugo Chávez é menos socialista que o do século 20, se por socialismo se entender a estatização dos meios de produção. 
É o que mostra o Banco Central da Venezuela: o reinado de Chávez aumentou, sim, a participação do Estado na economia, mas o setor privado ainda responde por 58,2% do Produto Interno Bruto. O Estado avançou de 35%, quando Chávez assumiu, em 1999, para 41,8% em 2012.

A pergunta seguinte é óbvia: se, como parece mais provável hoje, Nicolás Maduro se eleger presidente, haverá mais avanço do Estado ou alguma recuperação do setor privado? 
A boa lógica manda cravar a segunda hipótese. Simples de explicar: o vice-presidente é tido como homem de confiança da liderança cubana, uma das razões, talvez a principal, para que tenha sido ungido por Chávez como seu sucessor.

Se Cuba está abrindo espaço para o setor privado, não faria sentido recomendar o contrário a Maduro. 
Até porque a liderança cubana tem interesse vital em que a Venezuela dê certo: de 20% a 22% da economia cubana é gerado pela estreita associação com a Venezuela.

E, para a Venezuela dar certo, é indispensável refazer as pontes com o setor privado. Não bastam os programas sociais que fizeram a glória eleitoral de Chávez e serão parte fixa da agenda política venezuelana pelo futuro previsível. 
Para manter tais programas, o setor privado terá que ser chamado a cooperar porque o papel do Estado como locomotiva econômica aproxima-se da exaustão.

A ineficiência da economia venezuelana reflete-se em dois fenômenos que minam a popularidade de qualquer governo: inflação exagerada (20,1% em 2012, o mais alto índice da América Latina) e desabastecimento (20,4% dos produtos que os consumidores pedem na rede comercial não estavam disponíveis em janeiro).

Para não falar no deficit público, que, em 2012, situou-se na altura de 11,9% do PIB, patamar insustentável no médio prazo e que, obviamente, dificulta a expansão do gasto público, principal motor do crescimento de 45% que a economia da Venezuela conheceu nos anos Chávez.

Há, portanto, razões de sobra para supor que Maduro, se de fato se eleger, olhará menos para o socialismo cubano do século 20 e mais para o "lulismo", cujo líder "também fez do 'povo' e do alívio da pobreza uma prioridade, e, com melhor gerenciamento e sem a polarização no confronto com o 'império', teve impressionante sucesso", como escreve Jon Lee Anderson para a "New Yorker".

Até porque rótulos como "socialismo do século 21" contam pouco ou nada para as massas, como depõe para "El País" Beatriz Lecumberri, ex-chefe do escritório da agência France Presse em Caracas: "O socialismo e a luta contra o capitalismo não impregnaram um povo consumista, individualista e convencido de que o petróleo resolverá seus problemas".

Ou, como dizia o então líder chinês Deng Xiaoping, "não importa a cor do gato, desde que ele pegue o rato". 
Maduro terá, pois, que decidir com que socialismo pegar o rato da prosperidade venezuelana.

quarta-feira, 6 de março de 2013

Chávez: nem Deus, nem o diabo

Por Murillo Victorazzo

Chávez não era o generoso democrata, salvador dos latinos americanos, como alguns da esquerda preferiam acreditar.Tampouco era o diabo na Terra, o "anti-Cristo", o "herdeiro" de Stálin, um perigo para o Brasil (seria o mesmo que o gato ter medo do rato), como a direitona conservadora, representada por colunistas como Reinaldo Azevedo, Merval Pereira, Diogo Mainardi, pregava.

A receita do petróleo, que, até sua eleição, ia apenas para as mãos de uma elite corrupta e parasita, com ele, chegou ao andar debaixo. Com a criação das "missões", financiada por este dinheiro, Chávez fez por merecer toda a admiração e gratidão que os mais pobres lhe dedicavam.

Em seu governo, a pobreza na Venezuela caiu mais de 20%, e o país passou a registrar a menor desigualdade entre ricos e pobres entre nações latino-americanas, de acordo com relatório da ONU. As taxas de analfabetismo e de mortalidade infantil despencaram.

Por outro lado, embora seus fanáticos defensores não queiram ver, era sim um protoditador. Ainda que não haja notícias de mortos e desaparecidos políticos, perseguiu adversários, restringiu liberdades individuais, prinicipalmente a de expressão, e, pior, deu respaldo a terroristas como os das Farc.

Sua plataforma econômica, exageradamente estatista/nacionalista, já se mostrava inflacionária. O desabastecimento é um drama cotidiano para venezuelanos. Sua retórica antiamericana era não apenas demagógica e anacrônica como hipócrita: 75% das exportações de petróleo vão para o Tio Sam.

Na balança dos prós e contras, Chávez criou um regime que não deve ser seguido por país algum. Mas não se pode negar: seu estilo caudilho boquirroto externava uma personalidade polarizadora e contraditória, como de tantos outros líderes da História.

Contradição que pode ser sintetizada no fato de ter sido um projeto de tirano com respaldo - não apenas uma vez - do voto popular.

terça-feira, 5 de março de 2013

O tiro no pé italiano: um país à beira do abismo

Por Murillo Victorazzo

Ao colocar seu cargo à disposição e antecipar as eleições gerais, o primeiro-ministro italiano, Mário Monti, desejava dar ao povo a chance de formar um governo mais forte, capaz de atravessar a tempestade da grave crise econômica sem maiores indefinições. Seria necessário um governo avalizado pelo eleitorado para   prosseguir nas reformas necessárias.

Monti sabia que seu severo pacote de austeridade fiscal seria reprovado pelo voto popular. Diante de tamanha recessão e desemprego, os italianos extravasariam nas urnas sua indignação. Após os intermináveis escândalos, a centro-direita do famigerado Sílvio Berlusconi parecia não ter fôlego para voltar ao poder. A vitória cairia no colo da centro-esquerda de Pier Bersani.

O que ele não imaginava, mais do que obter meros 10% dos votos, é que o pleito fosse ter efeito inverso. Para formar o necessário governo de maioria, Bersani precisava que sua coligação levasse metade mais dos parlamentares na Câmara e no Senado. Conseguiu na primeira, mas não no segundo. A pulverização do eleitorado em três partes quase iguais embaralhou o jogo parlamentar, que poderia se ajustar com alianças se não fossem o segundo e terceiro colocados quem são.

Para a perplexidade e deboche dos mercados e imprensa mundiais, as urnas mostraram um Berlusconi ainda com força - mais do que se suponha e se desejava (menos de um ponto percentual atrás do centro-esquerdista) - e revelou ao planeta o comediante Beppe Grillo. Este, sem dúvida, a maior e mais desagradável surpresa. O grande responsável por Bersani ter "vencido, mas não levado", como o próprio admitiu.

A complicada situação econômica exacerbou o desencanto dos italianos com os políticos tradicionais, que não cansam de ilustrar o noticiário com escândalos de corrupção. Grillo foi a voz do protesto de um povo desiludido, apreensivo com o futuro. O outsider que costuma aparece em cenários similares em todos os cantos do mundo. Seu partido, que se diz movimento, não tem sede nem hierarquia: todos militantes debatem pelas redes sociais. Vendeu-se como o "diferente de tudo que está aí", um homem íntegro e idealista.

Não há, até hoje, motivos para duvidar do caráter de Grillo. No entanto, uma pessoa que se dispõe a posar quase nu na capa de uma revista para fazer propaganda não pode ser levada a sério. Alguém que nega a política ao entrar nela é, querendo ou não, nada mais do que um populista. Dizer-se apolítico é a forma mais conveniente - e temerária - de se fazer política.  Apenas o radicalismo prosaico e presunçoso explica um postulante a premier ter como o lema um palavrão. Em seus discursos, mandava "todos" (os políticos) para "aquele lugar" como se fosse um mantra.

Pode-se até tentar compreender a reação do eleitor, considerado irresponsável por muitos na mídia europeia. Ele responde com fígado o que seu estômago e bolso sentem. Mas espera-se de quem deseja liderar uma nação ou ser o porta-voz das sonhadas transformações o discernimento entre política e politicagem. Deve-se combater a segunda, nunca a primeira.

Pregar e praticar a ética, ainda que necessário, não é o suficiente para querer liderar uma nação. Voto de protesto, sem consistência, é bom para movimento estudantil, não para formar um governo. Agora, com o cacife de um quarto dos votos, Grillo dá sinais de que não se aliará a ninguém. Logo que os resultados saíram, chamou Bersani de "morto que fala", ao insinuar que não dará voto de confiança a coalizão alguma. Por não entender que se aliar a alguém não significa torna-se igual ao aliado, sinaliza preferir ver o circo pegar fogo.

Sem maioria, Bersani não conseguirá formar um governo, e o presidente Giorgio Napolitano acabará obrigado a convocar novas eleições. Aos olhos da população, significará que o poço do descalabro do sistema político atual é ainda mais fundo. Quanto maior for a indignação, ainda maior será o número de votos em mim, deve pensar o comediante. Nada mais do que uma tática maquiavélica.

A favor de Grillo, seus aliados afirmam que ele não poderia  receber mais de 8 milhões de votos prometendo se livrar do sistema estabelecido e logo depois se aliar à "velha guarda". Decepcionaria seus eleitores. Embora plausível, do ponto de vista deles, tal argumento, por si só, explica o perigo de candidaturas deste tipo em um parlamentarismo. Tendem a se ver no dilema de ou engolir algum grau de pragmatismo, correndo o risco de, à primeira vista, desiludir os seus, ou cair na armadilha da inoperância.

Ainda mais preocupante é quando, majoritários, os "puros" descambam para a caça às bruxas messiânica. Historicamente, o autoritarismo foi seu fim. A retórica niilista de que nada presta, de aversão às instituições da democracia representativa, produziu na própria Itália, Benito Mussolini. Pavimentou, numa Alemanha caótica, a estrada de Adolf Hitler.

Não por acaso, ano passado, no rastro dessa mesma crise, o mundo se assustou com a expressiva votação do partido neonazista na Grécia e da extrema-direita xenófoba de Marine Le Pen na França. No Brasil, discurso e conjuntura semelhantes elegeram Fernando Collor, um dos governos mais corruptos e instáveis de nossa República. Outsiders sempre foram sinônimos de instabilidade e frustração.

Alguns jornais brasileiros de imediato simplificaram Grillo, rotulando-o de "o Tiririca da Itália". Afinal, embora o humor do primeiro tenha mais a ver com uma mistura de Bussunda com Rafinha Bastos, como ressalvou, no "Globo", o colunista Nélson Motta, do que com o besteirol ingênuo e oco do segundo, ambos são comediantes cujos milhões de votos foram inesperados sinais de protesto. Neste aspecto, a comparação faz sentido. Contudo, o palhaço deles é algo maior - e isto não necessariamente é um elogio.

Afora o brasileiro ter tornado-se "apenas" mais um deputado enquanto o italiano é o líder de seu partido, o que, no Parlamentarismo, significa o nome da sigla para chefiar o governo, a diferença reside nas ideias e no seu significado para o futuro do país. Tiririca não tem nada a dizer e nada representa para o falido quadro partidário brasileiro. Grillo, para o mal ou para o bem, quebrou o paradigma do, ainda que não oficial, bipartidarismo italiano. Até então, as eleições eram uma disputa entre os partidos Democrático e O Povo da Liberdade, ambos com outras pequenas legendas a seus reboques. Um furacão político nada efêmero que já deixou rastros.

Infelizmente, porém, tais ideias, quando não são prosaicas e apolíticas, são demagógicas e/ou arriscadas. Entre elas, estão defender um "salário-solidariedade" de mil euros para desempregados, a redução da semana de trabalho a 20 horas por semana e revisão da presença da Itália na União Europeia. Grillo, assim, seria, digamos, um Tiririca com mais verniz, com algo mais a falar, mas mais perigoso - ainda que ele talvez não tenha consciência do risco que representa.

A diferença entre o veneno e o remédio é a dose. Qualquer economista, não importa de que escola teórica fosse, pregava, com razão, um ajuste fiscal na Itália. Era inevitável. Mas a intensidade do pacote patrocinado por Bruxelas e Berlim e aplicado por Monti, nos moldes que a ortodoxia liberal aplaude, mostrou-se ser um fardo grande demais para a população. Nada, porém, que justifique propostas populistas. Na política e na econômica, não há (ou não deveria haver) espaço para maniqueísmos.

As crises são o cenário ideal para se propagar propostas imediatistas tão caras aos populistas. Se até mesmo David Cameron aproveitou o momento para praticar a eurofobia tradicional de seu partido, ao prometer plebiscito sobre a permanência da Grã Bretanha na União Europeia, imagina Grillo e nacionalistas de outros países. As chances de que europeus implodam pelo voto o bloco ou a Zona do Euro não são desprezíveis. Em economia, contudo, nem sempre o que é bom a curto-prazo - ou parece ser - é de fato o certo a longo-prazo.

Grillo, apesar de ter se destacado principalmente entre os mais jovens - justamente a faixa do eleitorado mais atingida pelo desemprego e suscetível a bravatas radicais, utópicas -, conseguiu sucesso até perante os ditos formadores de opinião, aqueles dos quais se espera maior grau de politização. Um sinal da intensidade dos dias de fúria vividos na "Bota" nesses últimos meses. Mas não é inédito ver a classe média perder a racionalidade quando ela sente seu bolso e emprego serem corroídos. Depois se arrependem...

Da Alemanha, o líder do partido social-democrata, Peer Steinbrück, adversário de Ângela Merkel nas próximas eleições, não perdoou. Conhecido pela franqueza pouco comum em políticos de sua posição, disparou, referindo-se ao desempenho de Berlusconi e Grillo: "Estou estarrecido que a Itália tenha votado nestes dois palhaços". No embalo da sinceridade alemã, uma das mais importantes revistas do mundo, a inglesa "The Economist", trouxe, na capa de sua última edição, os dois lado a lado, sob o título "Escolha o palhaço". No subtítulo: "Como o desastre da eleição da Itália ameaça o futuro do euro".

Quando o voto de protesto ajuda a piorar a situação, a indignação torna-se nada mais do que um tiro no pé. O maior derrotado dessas eleições é o próprio país, que agora enfrenta uma severa crise econômica sob uma instabilidade política de proporções ainda não mensurada e com sua credibilidade perante a comunidade internacional mais arranhada do que a dos políticos que tanto rejeitou. Em recessão, a Itália se vê, se não sem governo, com um governo com data de validade próxima.

Os italianos, mesmo inconscientemente, ao desejarem se afastar do precipício, deram alguns passos a mais rumo a ele.