terça-feira, 12 de junho de 2012

Superação e drama rubro-negros: a crônica da mediocridade anunciada

Por Murillo Victorazzo

Superação. A palavra, que, no esporte, nos remete à quebra de recordes e à desafios vencidos, anda em voga no Flamengo. Mas, para a infelicidade de sua imensa torcida, nada tem a ver com desempenhos louváveis do time em campo. Remete-nos, muito pelo contrário, à insuperável capacidade da atual diretoria de ultrapassar a barreira do ridículo a cada crise enfrentada. O poço do patético parece não ter fundo por lá.

Especialmente desde o início da pré-temporada, em janeiro passado, a Gávea vem nos dando exemplos de como se superar em incompetência e desleixo financeiro e profissional. Vem, por consequência, também nos ensinando com clareza como a bagunça fora das quatro linhas se reflete dentro delas. A tragicômica eliminação na primeira fase da Libertadores é o mais puro retrato do pastelão protagonizado pela trupe de dona Patrícia Amorim.

O auge -até agora- foi o caso Ronaldinho Gaúcho. A presidente e seus asseclas conseguiram permitir que o indisciplinado e cínico jogador saísse da Gávea por iniciativa própria. Ao, lenientemente, passar a mão em sua cabeça após as inúmeras demonstrações de falta de respeito com os companheiros de time e torcida, ao mesmo tempo em que não lhe pagava parcela do acordado, deu-lhe o álibi perfeito para justificar suas molecagens e conseguir nos tribunais o fim do seu vínculo com o clube.

Se o episódio em si já era reprovável, a maneira como a diretoria reagiu a ele foi ainda pior. Na ânsia de tentar se explicar e dar o troco, Patrícia deu a torcida mais motivos para execrá-la. Divulgou um vídeo que, se, por um lado, mostrava a indisciplina do jogador, por outro, comprovava que Vanderley Luxemburgo, então treinador, tinha razão ao pedir alguma sanção contra o pseudo-atleta.

À época, os mesmos cartolas se apressaram a negar o fato, fragilizando a autoridade de Luxemburgo, que, logo depois, veio, ele sim, a receber o cartão vermelho. Terminaram por tornar certeza  o que se suspeitava há meses: Luxemburgo acabou caindo não por seus inúmeros erros, mas por um de seus poucos acertos. Não resistiu ao bater de frente com o ex- queridinho e hoje inimigo figadal da trupe. Este, aliás, nunca precisou ficar sem receber para mostrar sua índole. Seu histórico no Barcelona e Milan nos diz tudo.

Mas, com fôlego de ótima nadadora que foi, Patrícia consegue superação sobre superação dentro de um mesmo episódio. Pena que no pior sentido possível. Seu vice-presidente Jurídico, Rafael De Piro, tornou-se figurinha constante nos jornais para bravatear "tiros de canhão" contra o ex-intocável. Alardeou, assim, um exame de sangue que provaria o estado alcoolizado de Ronaldinho antes de um treino. Não bastasse a mesma incoerência de admitir o que desmentira tempos atrás, a revelação serviu para, uma semana depois, o nobre advogado galgar mais um andar no pódio dos caras de pau.

Perdido, primeiro revelou que o exame não havia sido encontrado nos arquivos do clube. Depois, diante da negativa indignada do doutor José Luis Runco sobre a existência do exame, teve que confessar "ter se enganado". Não satisfeitos em perder o pouco de credibilidade que lhes restavam (se é que ainda havia alguma), conseguiram desmerecer e entrar em conflito com um dos poucos setores realmente profissionais da Gávea, o Departamento Médico. Um misto de incompetência e irresponsabilidade inaceitável para quem deseja ficar mais três anos no clube mais popular do país. E com o agravante, dessa vez, de se tratar de estratégia de defesa na Justiça, em um caso que pode lesar em R$ 40 milhões os cofres rubro-negros.

O atributo mais importante de um homem é a dignidade. Erros acontecem, é humano. Pode-se ou não relevar, dependendo da frequência e gravidade. Mas falta de vergonha na cara é indesculpável, sendo a autocrítica ainda mais importante do que qualquer juízo feito por terceiros. Quando se é um dirigente, seja lá do ramo que for, o grau de exigência deve ser ainda maior. Pelo menos, deveria, porque atualmente, nos salões da Gávea, não há espaço para o medo do ridículo. A atual diretoria do Flamengo aperfeiçoa diariamente a arte da total ausência de respeito a si próprio.

A falta de competência e de consideração com os associados e torcedores não surpreende mais. Dessa turma, os flamenguistas não esperam mais nada. Após tantos atos e declarações levianos, o que intriga é saber se Patrícia e seus vice-presidentes, em especial De Piro e o de Finanças, Michel Levy, conseguem encarar o espelho. Aparentam não tê-los em casa; e se os têm, neles não refletem brio algum. Senão, das duas uma: ou Patrícia teria demitido ontem imediatamente De Piro ou ele mesmo teria pedido seu afastamento.

Na novela das omissões da presidente, o capítulo Ronaldinho foi apenas mais um. Zico que o diga. Esperar sua renúncia é ilusão, até mesmo porque seu mandato termina daqui a seis meses. Movimentar-se para evitar sua reeleição poderia ser a esperança de um futuro melhor para o Flamengo, com dirigentes, no mínimo, que prezem a honradez e tenham comando. As perspectivas, contudo, são desalentadoras, se a opção oposicionista se resumir a um nome ungido da união de Márcio Braga e Kléber Leite, como visto na reunião no Teatro Leblon, na última segunda-feira.

Caso consiga derrotar Patrícia nas urnas, o que esperar de um presidente eleito sob as bênçãos desses dois nomes? A resposta, apenas o futuro poderá nos dar. Por hora, só temos a certeza de que o tabuleiro político da Gávea continua sendo de uma mediocridade tão vexatória quanto dramática. E que, além de decepção, foi uma triste ironia conhecer o sentido negativo de superação justamente através de alguém que, como atleta, quebrou inúmeros recordes sul-americanos com profissionalismo.