quarta-feira, 27 de abril de 2011

Róbson Aldir: “Cobrir o carnaval é minha válvula de escape”

Por Murillo Victorazzo (jornal O Beija-Flor, abr/2007)

Rodando pelo Rio de Janeiro com o “Amarelinho da Globo”, Róbson Aldir já viu de tudo - de cenas tristes a fatos pitorescos. Mas é cobrindo o desfile das escolas de samba que consegue aliviar as tensões do ano. “Amo cobrir minha cidade, mas o carnaval é meu prazer maior”, afirma ele, que confessa ter virado a casaca: “Nasci Beija-Flor e hoje sou Império Serrano. Mas a Beija-Flor continua com um lugar guardado no meu coração”.

O Beija-Flor - Como você começou a fazer o “Amarelinho da Globo”?
Róbson Aldir - Entrei na Rádio Globo como estagiário em 1991 e fui efetivado dois anos depois, já formado em jornalismo. Já fiz de tudo aqui: fui produtor, apurador, repórter. O “Amarelinho” sempre foi um tradicional produto nosso. Depois de um tempo desativado, ele recomeçou em 2003, quando me chamaram para assumi-lo. Somos dois repórteres: a Silvana Maciel, de manhã, e eu, de tarde. Nosso trabalho é a cobertura da cidade, sem uma pauta pré-estabelecida, o que faz com que nos deparemos o tempo todo com flagrantes.

BF - Essa imprevisibilidade deve ser muito instigante...
Aldir – Muito! Deparo-me a todo o momento com situações criticas. Já tive que ajudar uma mulher em trabalho de parto no meio da rua; fiquei no meio de tiroteio entre policiais e traficantes; uma bomba de gás lacrimogêneo explodiu do meu lado durante uma manifestação no Centro. Já passei por cada coisa que você nem imagina! Como fico circulando pela cidade, pego o fato na hora em acontece.

BF - Qual é a relação do “Amarelinho” com o carnaval?
Aldir - Amo cobrir minha cidade, mas o carnaval é meu prazer maior, minha válvula de escape. Adoro me deparar com o carnaval de rua, no período de pré-carnaval, e fazer a cobertura dos barracões o ano todo. Sempre de surpresa, sem hora marcada. Aliás os seguranças da Cidade do Samba não têm mais me deixado ter acesso se não tiver nada agendado. Isto anula minha característica! Nos dias dos desfiles, o “Amarelinho” fica focado na Sapucaí. O carro fica parado nos arredores, e os repórteres entram na Avenida ao vivo. É um trabalho sem amarras. Fico apenas com um microfone e uma escuta sem fios, solto na Avenida. É muito dinâmico!

BF - O samba tem o espaço merecido nos meios de comunicação?
Aldir - Prefiro só falar do rádio, que é o meu ramo. Ele é o veículo que mais dá espaço para o samba, com vários programas no ano todo. O jornal e TV só dão destaque no período do carnaval. Talvez o tratamento não esteja à altura porque os investidores não têm o rádio como um veículo fomentador de vendas, o que é um equívoco. O desfile hoje é fortemente estético e, como quem tem imagem é o jornal e a TV, o rádio ficou para trás. Mas isto é um erro, porque o rádio é mais dinâmico. Estamos sempre em cima do lance na transmissão do carnaval, descrevendo as imagens. A TV tem a dificuldade do cabo e o jornal só mostra no dia seguinte.

BF – Você pensa em ter um programa só seu voltado para o carnaval?
Aldir - Eu estou correndo atrás disso! Tenho um planejamento pronto para a Rádio 1180, a antiga Rádio Mundial. Falta o investidor. Quando conseguir, teremos um programa no Sistema Globo voltado exclusivamente para o carnaval. Essa é uma briga interna minha.

BF – Como você vê o trabalho de divulgação das escolas?
Aldir – Como em todos os segmentos no mundo, a relação entre divulgador e comunicador está sofrendo influência da internet. Sinto que o contato pessoal entre as duas partes funciona muito melhor, mas é inegável esse fato novo. Só o tempo dirá se isso é bom ou ruim.

BF - É verdade que você já foi um torcedor ferrenho da Beija-Flor?
Aldir - A maioria das pessoas não nasceu Beija-Flor; tornou-se depois de descobri-la. Mas comigo foi o contrário: nasci Beija-Flor e hoje sou Império Serrano. Minha família sempre acompanhou as escolas. Quando a Beija-Flor foi tricampeã em 1976/77/78, com aqueles carnavais revolucionários, minha avó passou a torcer pela escola, e eu a acompanhei. Eu ia com a camisa da escola para o desfile, colocava a bandeira na janela. Em 1982, porém, vi na Avenida o Império Serrano com Bum bum paticumbum purugundun. Aquilo foi tão forte para mim que virei a casaca. Mas a Beija-Flor continua com um lugar guardado no meu coração. Um dia, um primo reclamou comigo: “Poxa, sou Beija-Flor por sua causa, e você me diz que é Império Serrano!” (risos).

Dalila Vila Nova: Com ela, é no inhame!

Por Murillo Victorazzo (jornal O Beija-Flor, mar/2007)

É quase impossível alguém no mundo do samba não conhecer Dalila Vila Nova. Carioquíssima, como gosta de frisar, foi a mais laureada divulgadora de escolas de samba durante o tempo em que trabalhou na função. Com 50 troféus e 162 diplomas, passou por várias escolas - entre elas, a Beija-Flor -, tendo recebido da Mangueira o diploma de “Patrimônio do Samba”. Ao mesmo tempo, há 21 anos apresenta o programa “A Fina Flor do Samba”, no ar aos sábados, das 12 às 14 horas, na Rádio MEC. Embora apaixonada pelas escolas de samba, Dalila garante não hesitar quando pensa ser necessária a crítica. “Comigo é no inhame!”, costuma repetir em seu programa.

O Beija-Flor - Quando você começou a lidar com rádio?
Dalila Vila Nova – Foi com 11 anos, na Rádio Bandeirantes. Eu lia mensagens religiosas para crianças, num programa cristão apresentado peloWaldeck Magalhães, um famoso locutor da época. Ele me dizia que eu deveria ser radialista, porque tinha boa dicção e facilidade de expressão. Mas me casei, tive filhos e acabei deixando isso de lado. No entanto, todas as campanhas que fiz eram na base do microfone. Em 1979, morando na Ilha do Governador, fiz uma festança que paralisou o bairro. Quando o Paulo Amargoso, então presidente da União da Ilha, soube disso, logo me convidou para fazer a divulgação da escola. Como divulgadora, tinha que ir a todas as rádios. E ouvia sempre que poderia ser, ao invés de divulgadora, radialista. Mas as chances eram mínimas, pois já tinha 38 anos.

BF - Como foi então que surgiu “A Fina Flor do Samba”?
Dalila - Em 1985, o Adelzon (Alves) me convidou para fazer um teste na rádio MEC, que não tinha programa de samba. O diretor disse que não precisava fazer teste algum, porque já sabia quem eu era, e me chamou. Desde então, faço o “A Fina Flor do Samba”, primeiro lugar de audiência da MEC. Mas já comentei carnaval também nas rádios Tamoio e Nacional.

BF – Como é produzido o programa?
Dalila – Eu apresento e produzo, e o Kid é operador técnico. Toco e falo de samba, das escolas, as festas delas. Depois do carnaval até agosto, toco mais pagodes e abro, entre junho e julho, uma janela para o forró. Mas depois que saem os sambas-enredo, é só isso que toco. Porém, também critico...

BF - O quê, por exemplo?
Dalila – Relembro os sambas-enredo antigos, para mostrar aos atuais compositores o que era fazer samba. Luto para as escolas colocarem no máximo três compositores em cada samba. É inadmissível um comunicador ficar citando onze compositores! E os títulos que os carnavalescos estão colocando nos enredos..? Quase um verso! Não abro mão de criticar. Por isso digo no programa: “Comigo é no inhame!” (risos)

BF – Durante todos esses anos, junto com o programa, você continuou fazendo a divulgação de escolas...
Dalila - Claro! Depois da Ilha, trabalhei no Império Serrano, Mocidade, Império da Tijuca, Grande Rio e Beija-Flor. Infelizmente fiquei na Beija-flor apenas um ano, em 2001, porque estava me atrapalhando na rádio. Gravo todas às sextas-feiras de manha, e os ensaio da Beija-Flor são às quintas. Para não haver desentendimento com o Anízio e o Laíla, que foram excelentes comigo, resolvi sair. Mas foi uma passagem marcante

BF - São 21 anos de sucesso. É difícil fazer um programa de samba o ano todo?
Dalila – Nada! Eu queria fazer de segunda a sexta, mas não tem horário. A rádio nem tinha programa de samba antes, seria querer demais fazer a semana toda... A MEC era muito voltada para o erudito, agora que está mais popular.

BF - Mas, apaixonada pelo samba como você é, imagino que o contato com o carnaval tenha começado antes de começar a ser divulgadora...
Dalila – Começou, aos 17 anos, na Vila dos Marítimos, em Tomas Coelho, onde criei com 2 amigos um bloco. Era muito barulho, e moradores reclamavam, chamavam a polícia, que sentava o cassetete na gente. Uma vez me acertaram a cabeça, que sangrou muito. Não deu outra: meu pai me mandou parar. Fui presidente da Associação Marítima Atlética e Recreativa (AMAR), quando ajudei muito a Em Cima da Hora, que na época não tinha quadra coberta. Estou no samba há quase 50 anos, mas trabalhando nele, dirigindo, é desde 1979.

BF – Você considera o samba marginalizado na mídia?
Dalila – Marginalizado, eu não diria. Mas com certeza é muito mal explorado. Caberia a Liesa fazer algo. Se há notícias de esportes de meia em meia hora nas rádios, o samba poderia ter algo assim. Pelo menos do meio do ano até o carnaval. Quando comecei a divulgar, havia cerca de 32 programas. Isso fez com que eu ficasse conhecida no Brasil todo. Ia a todos os programas de fora do Rio. Hoje são tão poucos, que você pode querer ser um bom divulgador, mas seu trabalho não aparecerá.

BF - Por que esses programas estão diminuindo?
Dalila - Pode ser falta de patrocínio, mas, hoje, o pessoal do samba só quer saber da televisão. Se você convida um puxador, ou um carnavalesco, para ir ao programa, ele falha. Mas se a TV marca, ele vai com certeza. Eles, às vezes, não colaboram para mantermos o programa.

BF - Como você avalia o trabalho da divulgação das escolas?
Dalila - As escolas erraram ao tirar os divulgadores. Não há mais aquela pessoa que está sempre com o comunicador. É diferente do trabalho dos assessores de imprensa, que, às vezes, nem nos conhecem. Escola com divulgador tem seu samba tocado. O Beija-Flor, por exemplo, dá uma tremenda forca para a escola. É um trabalho excelente, com uma apresentação muito boa. É a melhor revista de samba no momento.

terça-feira, 26 de abril de 2011

Abi Rihan: 50 anos falando e tocando samba de qualidade

Por Murillo Victorazzo e Walter Honorato (jornal O Beija-Flor, fev/2007)

Foi no estúdio do “Alô Rio”, na Rádio MEC, que Hilton Abi Rihan recebeu a equipe de O Beija-Flor. Por quase três horas, enquanto apresentava seu programa - no ar de segunda à sexta das 14 às 17hs -, recordou seus quase 50 anos de rádio, analisou a situação atual do samba e do carnaval carioca, além de falar sobre a Beija-Flor, sua escola de coração. Idealizador e editor da revista “Beija-flor, uma escola de vida”, Abi Rihan passou por diversas emissoras e, por muito tempo, cobriu e comentou os desfiles para TVs e rádios. Durante a entrevista, sambas de cantores como Jamelão e Roberto Ribeiro e até o samba-enredo da azul-e-branco de 1981 foram tocados, numa mostra da qualidade do samba tocado em seu programa.

O Beija-Flor - Conte-nos um pouco de sua vida no rádio. Como ele surgiu na sua vida?
Hilton Abi Rihan - Surgiu na minha cidade natal, Mimoso do Sul, no Espírito Santo. Tinha uns 15 anos e fazia serviços com alto falante. Em 1958, fiz um teste na Rádio Difusora da cidade e passei. Mas queria ir para o Rio de janeiro para trabalhar. Procurei então um deputado para o qual tinha feito campanha, e ele me deu uma carta. Vim para cá, mas demorei seis meses para conseguir fazer um teste e passar na Rádio Continental. Um dia, os dois âncoras que fariam a cobertura da apuração das eleições faltaram, e a rádio me chamou para substituí-los. O chefe da reportagem gostou de mim e pediu minha transferência para o Departamento de Jornalismo. Ser repórter era o que eu mais queria! Aí minha vida começou a dar certo. Só nunca tive talento pra ganhar dinheiro, para trabalhar sempre tive. Depois trabalhei nas TVs Continental, Tupi e Rio, onde fui repórter do primeiro telejornal a cores. Dirigi mais tarde o rádiojornalismo da Rádio Nacional e, dez anos depois fui para a Rádio Globo, na qual, com Washington Rodrigues, apresentei o “Show da Madrugada”. Tínhamos uma liderança absoluta de audiência, maior que todas as outras emissoras juntas. Desde 2000 estou na Rádio Mec.

BF - E como começou seu envolvimento com o samba?
Abi Rihan – Desde que passei para a reportagem da Continental, fazia cobertura de do carnaval, dos desfiles. Os sambas ficavam na minha mente, sentia-me bem ouvindo aqueles sambas enredo. Os caras pesquisavam aquelas histórias sem nunca terem ido a uma faculdade! Eles sabiam mais que muito doutor! Isso me fascinava. Na Continental fiz meu primeiro programa específico de samba, o “Conversa de Bamba. Mas antes já tinha feito, na mesma rádio, o “Frente Ampla”, que tocava muito samba. Na Nacional, comandei por quase uma década o "Chamada Geral", que dava apoio ao sambista;

BF – Como aconteceu sua aproximação com a Beija-Flor?
Abi Rihan - Sou amigo do Anízio há mais de 30 anos. Mas vou se sincero, já fui Mangueira, freqüentava muito a escola. Com o tempo, porém, fiquei amigo do Nélson Abrão David, então presidente da Beija-Flor. Ele era um sujeito fora de série, um cara com quem conversava muito. Ele levava lápis, cadernos com o emblema da escola para eu sortear no programa, e falava muito sobre os projetos da Beija-Flor. Tornei-me também amigo do Anízio, e fui me empolgando com a escola, observando todo seu trabalho social. Sete anos atrás, levei o projeto da revista “Beija-Flor, uma escola de vida” para o Anízio, que logo aprovou. A revista é feita também pelos jornalistas Ricardo da Fonseca e Miro Lopes. Hoje sou um autêntico torcedor da escola, virei a casaca...

BF – Qual sua avaliação das transmissões dos desfiles das escolas?
Abi Rihan - Eu peguei todos os tipos de cobertura. No início, várias emissoras faziam suas próprias transmissões. As rádios tinham um poder muito maior, até porque todas iam cobrir. Os discos de sambas de enredo batiam os do Roberto Carlos! Hoje o CD é bem produzido, mas não vende como antes. Hoje tudo é mais organizado. A cobertura da Globo é impecável, o Aloísio Legey é competentíssimo, mas antes havia aquele calor, aquela briga de quem fazia a melhor cobertura.

BF - E o tratamento que a mídia dá ao samba durante o ano?
Abi Rihan - Infelizmente a mídia dá um espaço ruim para o samba. Ou melhor, para algo que dizem que é samba, mas não é. Você liga a televisão e só vê “Tchan”, Carla Perez... Isso não tem nada a ver com samba! As FMs também são responsáveis por essa situação, pois tocam qualquer coisa. Eles querem induzir o público, que acaba aceitando. Mas acho que o samba está respirando outra vez. Há poucos dias, lançaram um CD do selo Rádio Mec, o “MPB de raiz”, produzido pelo Adelzon Alves. É um disco fabuloso, com artistas novos. Não é porque estou aqui, mas a Rádio MEC é considerada de excelência em termos de musica brasileira qualidade. Espero que surjam mais festivais de sambas de quadra, que os sambas-enredo melhorem cada vez mais e o CD venda mais.

BF – Como é produzido o “Alô Rio”?
Abi Rihan - Há três anos produzo e apresento o programa. Temos quadros voltados para o lado cultural, o resgate. Há quadros como o “Conversa de bamba”, no qual conversamos com sambistas; o “Enredo que deu samba e o samba que deu pé”, falando de sambas enredo; o “Túnel do Tempo”, com sambas antigos. Para realizar o programa, temos uma excelente equipe: o Amauri, o Ademar e o Kaká, que são o coordenador e programadores; uma equipe de reportagem, que é do Jornalismo da rádio; o Eduardo, que é produtor, e a Lídia Costa.

João Estevam: credibilidade e experiência na hora de falar de carnaval

Por Murillo Victorazzo (jornal O Beija-Flor, jan/2007)

Há uma antiga discussão no futebol sobre se comentarista que nunca foi jogador tem credibilidade para fazer críticas. Se polêmica semelhante existir no mundo do samba, João Estevam Tavares Amaral não tem com que se preocupar. Ele tem autoridade suficiente para falar sobre carnaval no seu “Domingo de Bamba” – programa veiculado na Rádio 94FM aos domingos, das 20 às 22hs. Aos 40 anos, esse carioca de Ramos, jornalista há 17 anos, além falar de carnaval o ano todo nas rádios, é um campeão de samba-enredo. Em 1995 e 1999, assinou os sambas que levaram a Imperatriz Leopoldinense aos dois títulos. “Procuro ouvir o programa com muito senso crítico, característica fundamental num comunicador. Conheço a alma do sambista, e, por isso, procuro me colocar no lugar dele como ouvinte”, revela João Estevam.

O Beija-Flor - Além de jornalista, você é compositor de samba-enredo, tendo vencido duas vezes na Imperatriz, em 1995 e 1999. E é hoje também diretor-geral da União da Ilha. Quem veio primeiro: o jornalista ou o sambista??
João Estevam - Ainda garoto, já freqüentava os ensaios e desfilava na Imperatriz Leopoldinense, escola do bairro onde me criei. Sempre gostei de carnaval. No colégio, já percebia que gostava de escrever. Assim que entrei na faculdade de jornalismo, em 1984, comecei, como estagiário da Rádio Carioca, a cobrir o carnaval na Rio Branco. Formei-me em 1989, e comecei a compor sambas na Imperatriz. Perdi muitos, até que, em 1995, ganhei com Mais vale um jegue que me carregue, que camelo que me derrube...lá no Ceará. Valeu a pena esperar, porque escola ganhou o campeonato naquele ano. Repetimos a façanha em 1999, com Theatrumn Rerum Naturalis Brasilie. Agora, como diretor-geral da União da Ilha, estamos, com uma visão empresarial, trabalhando para levantar a escola.

BF - São mais de vinte anos trabalhando em rádio então...
Estevam - Exato. Passei pelas Rádios Tupi, Continental, Metropolitana, Carioca, 107FM e pela TV Rio, atuando também em outras áreas além do carnaval. Fui repórter da Cidinha Campos, da Patrulha da Cidade, cobri muito a área policial. Há seis anos, estou na 94FM, com o “Domingo de Bamba”. Hoje, no entanto, sou também empresário do ramo do entretenimento. Graças a Deus, tenho esse outro trabalho, meu próprio negócio, porque infelizmente o rádio dá muito pouco dinheiro. O rádio, para mim, é mais um lazer; faço por prazer.

BF - Como surgiu e como é produzido o “Domingo de Bamba”?
Estevam – Eu achava que havia uma necessidade de se falar mais sobre o carnaval durante o ano todo. Tinha certeza de que o samba precisava ser mais divulgado e que havia público para isso. O programa é aos domingos, das 20 às 22 horas, e tem como produtor o Rafael Azevedo. Somos uma equipe de 14 pessoas, entre repórteres, comentaristas, apuradores. E posso assegurar que somos uma família. Fazemos entrevistas, comentários e reportagens sobre o carnaval. Tenho um estúdio próprio, na Penha, onde edito as matérias. Na entressafra, no meio do ano, a gente toca muitos sambas-enredo antigos. Passamos o ano todo falando e tocando carnaval.

BF – O fato de ter sido compositor da Imperatriz fez com que, em algum momento, pusessem em dúvida sua imparcialidade como jornalista?
Estevam - De jeito nenhum!Nunca atrapalhou em nada. Todos sabem que é puro profissionalismo. Hoje sou diretor-geral da Ilha e nem por isso perdi minha isenção. Ser compositor só me abriu as portas nas escolas. Ajuda na minha respeitabilidade e credibilidade. Procuro ouvir o programa com muito senso crítico, característica fundamental num comunicador. Conheço a alma do sambista, e, por isso, procuro me colocar no lugar dele como ouvinte.

BF – O que você pensa do trabalho de divulgação das escolas de samba?
Estevam - Na sua maioria, é bom. É claro que depende muito da cabeça da diretoria. Se ela tiver uma mentalidade amadora, vai ser um trabalho amador. Mas entendo a dificuldade de algumas escolas. Por isso, o programa não fica esperando a notícia chegar. Temos uma equipe que entende as dificuldades e corre atrás da informação. No caso da Beija-Flor, por exemplo, o Miro (Lopes, assessor de imprensa) nos passa sempre notícias. Temos um contato excelente. Só tenho a reclamar do espaço físico destinado à imprensa na quadra. A 94FM sempre cobre as finais da escola, e é a Selmynha SorrisoZ quem tem que nos ceder o camarote dela. Pela grandeza da Beija-Flor, ela tem todas as condições de criar um espaço maior para os jornalistas trabalharem com mais tranqüilidade.

BF – Na posição de sambista e jornalista, como você vê o espaço dado ao samba na mídia?
Estevam – Melhorou bastante nos últimos anos. O surgimento de sites, blogs possibilitou um maior espaço. Os jornais estão se abrindo mais para as escolas. Não é o ideal, mas não tem jeito. Ainda bem que temos pessoas como o Robertinho do Rio, Alpa Luis, Miro Ribeiro, esses guerreiros obstinados, pessoas que não querem nada em troca. Aplausos para eles!

segunda-feira, 25 de abril de 2011

Beija-Flor deixa sua marca no histórico RIO 2007

Por Murillo Victorazzo (jornal O Beija-Flor, ago/2007)

Não é de hoje que o esporte inspira o samba e vice-versa. Esta forte e saudável relação, que repercute no fortalecimento sócio-cultural do País, tem belos exemplos, como os projetos sócio-esportivos que a Beija-Flor mantém em sua quadra, em Nilópolis. Nada mais lógico e merecido então que a campeã do carnaval tivesse papel de destaque no maior evento esportivo já realizado no Brasil, os Jogos Pan-americanos e Parapan-americanos Rio 2007. Em suas festas de abertura e de encerramento e na passagem da tocha pan-americana por cidades brasileiras, integrantes da azul-e-branco da Baixada deixaram suas marcas, confirmando o papel de destaque da escola na cultura nacional.

Milhões de pessoas do mundo inteiro assistiram de perto e pela televisão a belíssima Cerimônia de Abertura do evento, realizada no dia 13 de julho. Como não poderia deixar de ser, a festa primou por mostrar representações da cultura popular brasileira. Sendo assim, os traços carnavalescos nas imensas alegorias e nas coloridas fantasias dos integrantes do show eram mais do que obrigatórios, ainda mais com a direção artística por conta de Rosa Magalhães, veterana carnavalesca da co-irmã Imperatriz Leopoldinense. A festa contou com a participação de 1500 ritmistas de escolas de samba do Grupo Especial. À Beija-Flor, coube também o comando desta “bateria pan-americana”, com Mestre Paulinho regendo-a perante cerca de 95 mil pessoas que lotaram o Maracanã.

A bateria acompanhou a cantora Ana Costa, que interpretou a música-tema dos Jogos, “Viva essa energia”. A canção, aliás, de autoria de Arnaldo Antunes e Liminha, já tinha a marca da Beija-Flor de Nilópolis: seu acompanhamento fora gravado por Mestre Paulinho e seus ritmistas. Enquanto tocava, a bateria formava um corredor para a passagem das delegações dos 42 países participantes, que somavam 5500 atletas. Músico persussionista há 35 anos, com larga experiência na Marquês de Sapucaí e em outros trabalhos fora do carnaval – integrou por 16 anos a banda que acompanha a cantora Simone e participou de gravações com cantores como Djavan, Beth Carvalho, Jorge Aragão, Paul Simon, Dione Warrick, além do maestro Isaac Karabschevisk – Paulinho não negou a emoção especial: “Foi inesquecível, uma momento único, diferente para mim. O coração bateu forte.”

A Cerimônia de Encerramento, no dia 29 do mesmo mês, também no Maracanã, teve novamente a marca da campeã do carnaval. Da mesma maneira que na Abertura, Mestre Paulinho comandou os 1500 ritmistas durante a apresentação de Ana Costa e Daniela Mercury. Depois que os presidentes do Comitê Organizador dos Jogos (Co-Rio), Carlos Arthur Nuzman, e da Organização Desportiva Pan-Americana (Odepa), Mario Vázquez Raña declararam encerrados o RIO 2007, os atletas e voluntários se divertiram ao som do funk de Fernanda Abreu. Mas, em se tratando de Rio de Janeiro, a última imagem dos Jogos tinha que ser o samba. Por isso, para fechar a festa, Elza Soares surgiu no palco para cantar, entre outros, o histórico samba-enredo imperiano Aquarela Brasileira – e desta vez acompanhada somente por ritmistas da Beija-Flor.

Duas semanas depois, no dia 12 de agosto, a campeã do carnaval voltou a marcar presença, desta vez na Cerimônia de Abertura dos Jogos Parapan-americanos, na Arena Olímpica, em Jacarepaguá. Entre encenações da praia de Copacabana e de festas populares nacionais e apresentações das cantoras Daniela Mercury, Adriana Calcanhotto e Ana Costa, ritmistas da Beija-Flor deram seu show para os 1.300 atletas de 25 países que disputaram a competição e convidados.

Mas não foi somente a bateria da Beija-Flor que representou a escola no RIO 2007. Antes do início do evento, outros dois integrantes da azul-e-branco representaram-na na passagem da tocha pan-americana por diversos municípios do Brasil. No Amapá, no dia 21 de junho, Alexandre Louzada, integrante da Comissão de Carnaval campeã, carregou a tocha pelas ruas de Macapá. Foi uma homenagem da prefeitura da cidade que será enredo da escola no próximo carnaval. Da mesma forma, no dia 10 de julho, a voz da azul-e-branco na Avenida há mais de 30 anos, Neguinho da Beija-Flor, teve igual responsabilidade pelas ruas de Nova Iguaçu, sua cidade-natal.

Alpa Luiz : "O samba hoje é usado e abusado"

Por Murillo Victorazzo e Walter Honorato ( jornal O Beija-Flor, out/2006)

Um emocionante e indignado manifesto em defesa do rádio e do samba. Assim pode ser traduzida a entrevista ao O Beija-Flor dada por Alpa Luiz, radialista que, há 40 anos, une e valoriza suas duas paixões. Com a legitimidade de quem considera uma "missão" seu trabalho, Alpa não hesita em criticar o espaço dado atualmente ao samba nas rádios: “Na década de 80, eram cerca de 40 programas de samba, hoje se contam nos dedos”. Pelo mesmo motivo, Alpa merece ser ouvido quando se indigna com a desunião dos sambistas. “No mundo do samba, cada um está cuidando de si”, lamenta ele, que, no momento, trabalha em duas estações: a Roquette Pinto 94FM e a Super-Rádio 1440 AM. Na primeira, é produtor jornalístico e, na segunda, apresenta o programa “Batida do Samba”, no ar, há quatro anos, diariamente das 16 às 18h.

O Beija-Flor - Como começou a sua paixão pelo rádio e pelo samba?
Alpa Luiz - Com cinco anos já adorava ouvir rádio. Acho que por influência do meu pai, que era ator. Nasci no Pará, mas vim para o Rio de Janeiro com meses. Sou na verdade carioquíssimo! Um apaixonado por rádio, pelo samba e por essa cidade! Gostava de ouvir Donga, Lupicínio, Carmem Miranda, os sambistas da época. Prestava também muita atenção no que locutores como César de Alencar diziam. Atraía-me ouvir aquelas pessoas falando comigo. A primeira coisa que fazia ao chegar em casa era ligar o rádio. Tinha sete anos e já copiava os locutores. Pegava um caixote de bacalhau, um cabo de vassoura e, na porta de minha casa, em Maria da Graça, imitava o César de Alencar. A vizinhança ia assistir o menino que era o César de Alencar do bairro. Com dez anos, fiz um teste na Rádio Mayrink Veiga, mas não pude ficar porque não dava para conciliar com a escola. Fui diretor da 94FM, da Fluminense, trabalhei na Metropolitana e também em televisão. Mas tinha uma coisa na cabeça: queria fazer um programa de rádio voltado para o samba. Tinha uma experiência no final dos anos 70, o programa “O melhor do Samba”, na então Roquete Pinto FM. Foi o primeiro programa de samba numa FM. Só tocava os clássicos, como Eliseth Cardoso, Cartola. A paixão pelo rádio me permitiu descobrir o quanto o samba é importante!

BF – O seu programa é o único que está no ar de segunda a sábado. Quem não entende de samba deve perguntar como você consegue...
Alpa – Alguns me chamam de maluco (risos)...Mas o principal é ter uma boa equipe. Temos o Pedro Lucas na reportagem e produção, o Roberto Tavares como operador de áudio, o Flávio Bezerra, como assistente de produção, e o Marcão, que é o coordenador do site. Queria ampliar a equipe, mas não tenho patrocínio. Seria importante ter mais estagiários, para ensinar para a nova geração a importância do samba. No quadro “Memórias do Carnaval”, temos depoimentos riquíssimos de sambistas antigos. São informações de uma época do carnaval. Temos também o quadro “Papo de sambista”, que é um papo informal sobre o samba atual. Há um quadro-homenagem ao estado do Rio de Janeiro, o “Rio Antigo”, que é um pretexto para falar das curiosidades do estado que sou apaixonado. Outro quadro, ocasional, são as entrevistas de solidariedade. Procuro encaminhar companheiros desempregados. Tem gente famosa que me confessa ter problemas para pagar aluguel. Outros me dizem que não podem fazer mais shows por falta de roupa, por problemas de dentição...São relatos dramáticos! Faço então uma prestação indireta de serviços: coloco no ar, por exemplo, um dentista, que divulga o que for do interesse dele. Em troca, peço-lhe para ajudar esse companheiro. O que tem de compositor de musicas famosíssimas passando até fome...Daí a minha revolta! O mundo do samba está desunido, cada um cuidando de si.

BF - O Beija-Flor - Essas experiências com sambistas em dificuldades parecem te chatear muito...
Alpa - Vocês não têm idéia...Já vi companheiros chegarem na Rádio querendo se suicidar. Tive uma experiência amarga com o Carlinhos de Pilares. Um dia ele me disse que estava com uma doença grave, e pior, sem recursos. Ele já estava magoado antes por não ser mais chamado para shows. Poucos colaboraram. Não é só a grana, é a palavra, o olho no olho. O que tem de grandes compositores sem acesso às rádios...Deveríamos seguir o exemplo dos sertanejos e do pessoal do axé, que são muito unidos. Lá um ajuda o outro; o sambista, não.

BF – O rádio e o samba são mais do que uma profissão para você, é uma missão?
Alpa – Talvez seja, sim...O rádio está desvalorizado, muito segmentado. As religiões tomaram conta dos meios de comunicação, principalmente o rádio. Não entro no mérito das religiões, respeito-as. Em relação ao samba, diria que está talvez até pior. Não há programa de TV, exceto o do Jorge Perlingeiro. Imagino como ele deve se esforçar para mantê-lo há anos. Agradeço pelo muito que o samba fez por mim. Mas no rádio hoje há cerca de seis programas, e num esforço pessoal. Na maioria, o horário é comprado para divulgar o samba. Não me conformo! Tirando esses programas, ninguém mais toca Jovelina, Agepê... O “Batida de Samba” foi feito para resgatar esses sambistas. Abro espaço também para o pessoal que está começando. Mas não aceito jabá! Quero ter a liberdade de dizer: “não vou tocar porque seu trabalho está ruim”. É missão sim, porque me toca profundamente haver companheiros que contribuíram com o samba não sendo mais lembrados. Hoje há uma discriminação maior com o samba, que é usado e abusado. Na década de 80, eram cerca de 40 programas de samba, hoje se contam nos dedos.

BF – Mas por que esta discriminação?
Alpa - Nos segmentos religiosos, por exemplo, uma música que fala do “diabo” não toca! Teve um profissional que teve que mudar o nome, porque o sobrenome artístico era Satã! Veja que absurdo!Há o modismo também. Certas emissoras não tocam samba porque acham que já era. Só tocam em época de carnaval, ou quando o artista está na moda. Tem gente que acha que samba é coisa de velho! A nossa sorte é que o samba é tão poderoso que ninguém consegue tirar o seu bastão.

BF - E o Alpa folião?Você já desfilou, sempre participa do carnaval?
Alpa - Tenho uma frustração: sou o único sambista que não sabe sambar!(risos) Fico ridículo sambando! Eu, garotinho, pegava o bonde e ia de Maria da Graça até o centro do Meier para ver o carnaval. Mais adulto, desfilava no Bloco das Piranhas, em Madureira! Na época não era tão “colorido” (risos)...O pessoal ia brincar apenas. Sinto saudades do carnaval de rua. Adoro as escolas e a LIESA, que cumprem o seu papel. Mas é na rua que ensinamos o garoto a gostar de carnaval. Hoje recebo marchas de carnaval horrorosas, mal gravadas, 15 dias antes do carnaval. Antigamente se gravava até quatro meses antes! Vamos recuperar o nosso carnaval de rua! Outra frustração foi nunca ter desfilado. Recentemente recusei o convite do Império da Tijuca, que homenageava meu amigo Sargenteli. Fiquei com medo de me emocionar. Mas um dia vou desfilar, sim.

BF – Como é a sua relação com os dirigentes e as escolas de samba?
Alpa - Sempre respeitei os dirigentes, e eles me respeitaram. Principalmente os que fazem um esforço enorme para manter suas escolas. Mesmo as ricas têm limitações. Já tivemos dirigentes que nos ajudaram, mas foi coisa entre amigos. Recuso-me a aceitar dinheiro fácil que não seja para empregar em algo da emissora ou no produto que trabalho, o samba. Mas, em relação à divulgação, tenho uma critica. No Grupo Especial e em parte do Grupo de Acesso, estou tranqüilo. Em outras escolas menores, porém, os presidentes precisam trabalhar mais a imagem delas. É necessário ter uma assessoria, alguém de comunicação. Não tem computador? Pega uma máquina de escrever! É o suficiente para dar uma notinha. Não precisa de muito dinheiro para se fazer esse trabalho.

BF - Qual a avaliação que você faz do trabalho de divulgação da Beija-Flor?
Alpa - As escolas deveriam se espelhar em como a Beija-Flor divulga a sua comunidade. Tenho muito respeito pelo trabalho do O Beija-Flor. É um exemplo de como se faz um jornal democrático, que reverencia os ícones da escola, mas abre um leque para além dela. Aliás, olhar os seus é uma característica da Beija-Flor. Parabenizo o Anízio, o Farid, a equipe do jornal. Outro dia, sem autorização do meu departamento comercial, anunciei os patrocinadores do jornal. Fiz isso, porque eles me dão a certeza de que ainda há empresários inteligentes, conscientes da importância do samba.

Miro Ribeiro: 30 anos cobrindo carnaval

Por Murillo Victorazzo (jornal O Beija-Flor, ago/2006)

Muitos podem achar que escola de samba só é notícia na época de carnaval. Pura mentira! E para mostrar que o samba tem que ter espaço no ano todo, alguns radialistas lutam para informar, de janeiro a dezembro, os seus ouvintes sobre o que acontece nas agremiações. Para homenagear esses abnegados, O Beija-Flor entrevista Miro Ribeiro, radialista que apresenta o programa “Vai dar samba” todos os sábados, na rádio 94FM, das 8 às 10 horas. Primeiro negro a apresentar um programa de televisão, na TV Tupi, Miro passou por várias emissoras de rádio, onde passou a viver de perto os bastidores do carnaval. Desde então já são cerca de 30 anos cobrindo as escolas de samba. “Nunca falta notícia sobre carnaval. O que há é um certo preconceito, que só acaba quando os figurões querem aparecer na mídia, nos desfiles”, dispara.

O Beija-Flor - Fale um pouco da sua carreira como radialista.
Miro Ribeiro – Sou formado em Jornalismo. Ainda na faculdade, em 1974, comecei a fazer rádio, na Rádio Metropolitana. Carlos Lima, um grande nome do jornalismo esportivo, da TV Tupi, era meu professor. Ele fez uma prova de seleção para trabalhar com ele e passei. Fiquei cinco anos como produtor e apresentador do programa “Operação Esporte”. Só sai de lá quando a Tupi faliu. Fui então participar da formação da TV Manchete, mas quando ela entrou no ar levei uma “pernada” e sai (risos). Fui repórter, redator e chefe de jornalismo da Rádio Tamoio.Trabalhei também na Rádio Bandeirantes, Globo. Há 11 anos, estou na Roquete Pinto 94FM, onde sou diretor de jornalismo. E há sete anos apresento o programa “Vai dar samba”. Fui chamado também para fazer o “Carnaval do Povão”, na CNT, substituindo o Jorge Perlingeiro quando ele não pode apresentar.

BF - Como você entrou no mundo do samba?
Miro – Sempre gostei muito de samba, carnaval. Mas minha experiência se resumia, quando jovem, ao blocos, em Piedade. Não tinha participação direta em escolas de samba. Comecei a vivenciar as escolas no jornalismo, cobrindo-as. Além disto, fui locutor da quadra da São Clemente na década de 80. São 30 anos falando de escola de samba!

BF - O que levou a 94FM criar o “Vai dar samba”, um programa dedicado ao samba ano todo?
Miro – A gente percebeu que havia uma enorme necessidade de falar das escolas de samba durante 365 dias. Não somente no carnaval. Havia outros programas em outras rádios que falavam de samba, mas o nosso é dedicado especificamente às escolas de samba. Cobrimos todos os grupos, não somente a Liesa. Temos a pretensão de antecipar o que acontece nas escolas. Criamos quadros para resgatar nomes que eternizaram os desfiles, sambas-enredos antigos. Discutimos, por exemplo, a importância de um determinado samba-enredo para aquele momento. Entrevistamos personalidades para lembrarem momentos inesquecíveis de seus desfiles e contarem situações inusitadas na Sapucaí. Temos um cantinho para as velhas-guardas. Além de informar como as escolas estão construindo seus desfiles.

BF - Quais são as maiores dificuldades para se fazer um programa dedicado às escolas de samba durante o ano inteiro?
Miro – A dificuldade é por parte de quem não quer fazer. Assim que acaba o carnaval, já existe notícia. Já na quarta-feira de cinzas começa o troca-troca de carnavalescos, diretores, comentários sobre possíveis enredos. Mas as pessoas não acreditam que há assunto o tempo todo. Aqui é a capital internacional do samba! Você vê os comerciais da Bahia falando sobre o carnaval ano todo. Temos que valorizar o nosso potencial. Basta os empresários da mídia e os responsáveis pelas emissoras se voltarem para isso. Mas parece que há um preconceito ainda com o sambista. Este preconceito só acaba quando estes figurões querem aparecer na mídia no desfile, na época do carnaval. Notícia não falta, é só as emissoras abrirem espaço.

BF - Para conseguir fazer um programa assim é preciso ter uma equipe...
Miro – Claro! Nós temos uma equipe para buscar a notícia. O Miguel Ângelo é o nosso representante na Liesa. O Edson Jorge está direto na Associação das Escolas de Samba, se informando sobre as escolas dos outros grupos. E o Arnaldo Lima percorre todas as escolas. No nosso programa não há o “eu acho”. Procuramos entrevistar sempre o presidente ou o carnavalesco da escola para evitar especulações. É um programa com a espinha dorsal jornalística, mas bem humorado! Estamos abertos a todas as escolas e blocos para divulgação. E de graça! Se alguém cobrar para divulgar aqui, pode chamar a polícia! (risos)

BF - Como é o seu relacionamento com o os presidentes das escolas e da Liesa?
Miro – Nós temos passagem livre nas escolas. Lidar com escola de samba o ano todo nos dá credibilidade. Os dirigentes gostam de falar conosco. Chegamos a ponto de dispensar as assessorias de imprensa. Muitas vezes ligamos direto para eles. Eles sabem que no fundo trabalhamos para as suas escolas.

BF - Como você se relaciona com a Beija-Flor? Aliás, o que mais lhe chama atenção na escola?
Miro – Para começar, o Anízio me disse uma vez que adora o número 94. É um bom começo!(risos) Sempre fui muito bem recebido na Beija-Flor. Tenho um contato muito fácil com a escola. Faço questão de enaltecer no programa como a família Abrão David impulsionou a escola. Devagarinho, a escola veio para ficar. Ela tem nomes que são sinônimos de samba, como o Neguinho, a Selmynha e, claro, o Laíla. Há na Beija-Flor uma coerência naquilo que faz. Fico impressionado quando vou aos ensaios, em Nilópolis. Aquilo é mágico, tribal. Toda escola sempre está cantando o samba com muita ordem, disciplina.

segunda-feira, 18 de abril de 2011

A oposição na encruzilhada

Por João Augusto de Castro Neves (O Globo, 18/04/2011)

Depois da terceira derrota eleitoral consecutiva em eleições presidenciais, a pergunta a ser feita é se há alguma luz no fim do túnel para a oposição política no Brasil. Como se o pano de fundo do crescimento econômico sustentado - o mais elevado em anos recentes - e da imensa popularidade presidencial não fossem bastantes para tornar difícil a vida da oposição, o fato é que os dois governos (Lula e Dilma) incorporaram e expandiram políticas que haviam sido lançadas pelo governo de FHC, o que dificultou enormemente a tarefa da oposição de criticar o governo do PT, e muito menos oferecer uma mensagem alternativa aos eleitores.

O problema está essencialmente no âmbito do PSDB. Desnorteado, o PSDB gastou o que lhe restava de capital político em objetivos duvidosos e contraproducentes. Insistiu numa abordagem ambígua e reticente em relação à sua única experiência no poder, no governo de Fernando Henrique Cardoso. Relutou em explicitar uma posição articulada quando temas mais controvertidos do governo FHC são suscitados, como a privatização. Muitos consideram que essa relutância foi em grande parte responsável por duas derrotas eleitorais: Serra em 2002 e Alckmin em 2006.

Em segundo lugar, parece que o PSDB presta pouca ou quase nenhuma atenção a um sistema fragmentado de partidos políticos e à grande popularidade presidencial nos últimos anos. Em vez de buscar uma mensagem clara ao eleitorado, bem como buscar construir uma sólida aliança político-partidária, os líderes do PSDB têm se dedicado a disputas internas pelo controle do partido. E, enquanto a liderança partidária está envolvida em suas disputas, o partido se esvai em ambas as casas do Congresso.

Além disso, se a gente leva em conta a virtual desintegração do DEM, a situação fica ainda mais crítica para a oposição. Não tendo força para frear o rolo compressor legislativo da coalizão governamental, a esperança da oposição hoje é a deterioração da situação econômica. Dito de outra forma, a volta da inflação. Mas uma crise econômica seria suficiente para ressuscitar a oposição?

Hoje, os tucanos estão às voltas com a questão de como e onde posicionar-se em sua mensagem aos eleitores. Embora mantendo a estratégia de unir forças com um aliado mais conservador, o DEM, os principais líderes tucanos, como o ex-governador José Serra e o senador Aécio Neves, insistem em flertar com uma agenda "de esquerda", para tentar competir com o PT em sua própria seara.

Reconhecer que um excesso de egos e uma escassez de ideias prejudicam a aliança PSDB-DEM não significa dizer que não há uma alternativa viável ao governo do PT. As três vitórias presidenciais consecutivas do PT não evitaram a necessidade de um segundo turno; além disso, em 2010 os votos evidenciaram uma tendência que pode adquirir importância nas próximas eleições, a saber, a emergência de uma terceira força que poderá romper a bipolaridade PT-PSDB dos últimos 15 anos. Os cerca de 20% dos eleitores que votaram em Marina Silva não serão necessariamente de pessoas com grande consciência ambiental, mas podem significar uma insatisfação crescente com as duas principais forças políticas do país. Quem for capaz de aproveitar essa insatisfação com uma mensagem clara e eficaz poderá ter acesso a um vasto capital político.

Quais seriam então as chances da oposição daqui até as próximas eleições presidenciais em 2014? Em primeiro lugar, uma oposição debilitada não conseguirá criar maiores problemas para o governo no Congresso. O governo, por seu turno, já terá muito trabalho em negociar com a sua própria base parlamentar. Em segundo lugar, as dissensões entre os líderes tucanos poderão prejudicar ainda mais o partido se não forem resolvidas bem antes da próxima temporada eleitoral. Em terceiro lugar, há espaço para algumas surpresas na paisagem política, seja mediante a consolidação de outra força política apoiando Marina Silva, seja com um novo grupamento político que possa ocupar o vácuo existente no campo conservador do Brasil de hoje. O problema é que, em 2014, talvez o evento mais importante do ano acabe sendo a Copa do Mundo.

*João Augusto de Castro Neves é cientista político.

domingo, 17 de abril de 2011

Reforma Política e Stanislaw Ponte Preta: das polêmicas ao samba do crioulo doido, da jabuticaba às nossas besteiras

Por Murillo Victorazzo

Defender a reforma política tornou-se o mantra de todo início de legislatura no Brasil. Não há um parlamentar que não diga ser entusiasta dela. O que mudar, porém, está longe de ser consenso. Neste contexto, o mês de abril serviu para evidenciar a complexidade prática da questão. Enquanto a Comissão especial do Senado para o tema entregava seu relatório, com propostas que ainda merecerão muita discussão no Congresso, o prefeito de São Paulo, Gilberto Kassab, lançava o mais novo partido político do país, o Partido Social Democrático (PSD).

Entre as propostas mais relevantes aprovadas pela comissão especial, uma mudança que transformaria sensivelmente o quadro político, está adoção do voto em lista fechada nas eleições para deputado (estadual e federal) e vereador. O eleitor passaria a votar somente em uma legenda, e não mais em um nome preferido. Proporcionalmente aos votos obtidos, o partido conquistaria um determinado número de cadeiras, que seriam ocupadas por nomes previamente incluídos numa lista fechada e ordenada, definida pelos diretórios.

É certo que muita discussão ainda virá sobre o assunto até a votação (se houver) em plenário no Senado e na Câmara. Mas alguns especialistas e políticos acusam este sistema de fortalecer a cúpulas partidárias, já que seriam delas o poder de escolher e ordenar os nomes da lista, em detrimento da democracia interna. Além disso, o povo deixaria de ter o direto de escolher especificamente o seu candidato. Muitos destes críticos são favoráveis à adoção do voto distrital (misto ou puro). Neste modelo, as eleições para estes cargos passariam a ser majoritárias, assim como é para os Executivos e o Senado. Os estados seriam divididos eleitoralmente em distritos, com o candidato mais votado de cada um sendo eleito o seu representante.

Como não poderia deixar de ser, há tantos outros que se opõem ao voto distrital. Argumentam, entre outros motivos, que a plataforma dos deputados ficaria restrita a atendimento de necessidades cotidianas locais, semente das barganhas clientelistas. E que políticos com eleitorado espalhados por todo o estado tenderiam a perder espaço. Entre estes, destacam-se os chamados "candidatos de opinião", aqueles que se notabilizam em debates nacionais complexos, com propostas de políticas públicas e visões de mundo  mais encorpadas. Seria, assim, a "paroquialização" ou "vereadorização" dos deputados.

Rejeitado enfaticamente por cientistas políticos, outro modelo, o chamado "distritão", é defendido principalmente pelo PMDB. Com ele, seriam eleitos os candidatos mais votados, independentemente do desempenho de seus partidos. Para tais especialistas, o sistema representaria um retrocesso democrático. Enfraqueceria os partidos e criaria o hiperindividualismo na representação popular, com a eleição dos que têm mais recursos financeiros ou de personalidades.

Segundo estes especialistas, a única vantagem do "distritão" - que é ser de simples explicação - é justamente o motivo de maior receio. O senso comum veria esta simplicidade como algo bom, até mesmo porque muitos acreditam já ser assim a escolha de nossos parlamentares. Ignoram a existência do quociente eleitoral, utilizado exatamente para dar relevância às legendas.

A busca pelo fortalecimento dos partidos políticos, entes fundamentais em qualquer democracia representativa séria, é o principal argumento dos defensores da lista fechada. Ao ter que optar por uma legenda, o eleitor necessariamente passaria a prestar mais atenção aos discursos partidários. Por outro lado, para se difundirem e se diferenciarem claramente, as siglas teriam que deixar de ser apenas siglas e fortalecer seus programas partidários com conteúdos e propostas claros.

Sabe-se fartamente que a representatividade das legendas perante a população, salvas raríssimas exceções, é muito débil. A falta de nitidez ideológica e programática delas é, contudo, a grande causa deste fosso. Mas será que o melhor meio de mudar a situação uma transformação de cima para baixo, como seria com a adoção da lista fechada? Ou o processo terá que ser necessariamente lento, de longo prazo, de baixo para cima?

Pela segunda hipótese, os partidos deveriam, primeiramente, adquirir recheio teórico para merecer a confiança da população, que, aos poucos, iria optar por uma ou outra, de acordo com sua percepção de mundo e seus interesses. Os grandes partidos norte-americanos e europeus ganharam seus adeptos no decorrer de décadas e até séculos, corrigindo e atualizando seus ideais de acordo com as transformações estruturais ocorridas na história. Em defesa dos nossos partidos, ressalte-se que os do primeiro mundo não foram cerceados por ditaduras, tendo existências longas e ininterruptas.

De todo modo, o cenário nacional é desalentador. O PT pode ser considerado a espécie brasileira mais parecida com o que se conceitua como partido político. Tem organização, militância e algum tipo de identidade, ainda que ela tenha sofrido metamorfoses éticas e ideológicas ao assumir o poder federal, em 2003. Os votos de legenda recebidos nas últimas eleições e diversas pesquisas mostram que é a sigla com maior número de eleitores simpatizantes.

Ainda que as benesses de ser protagonista de um governo altamente popular tenham alavancado estes números, já na oposição os petistas sinalizavam consistência orgânica. Seus militantes, por sinal, eram mais apaixonados e idealistas do outro lado da trincheira do que agora. Perderam alguns discursos, mas não a eloquência. Por outro lado, o PT também se tornou o que mais suscita antipatias. Tal grau de polarização, aliás, é mais um sinal de força e consistência, algumas das virtudes que o alçaram ao posto de maior partido de massa da América Latina.

PSol e PSTU também possuem razão de ser, com militância e ideologias claras. Sua capilaridade na sociedade, porém, é muito limitada, tanto por deficiências funcionais como pelo que é visto, por grande parte do eleitorado, como pensamento anacrônico.

As demais legendas não conseguem reunir todos os requisitos necessários para se intitularem portadores organizados de bandeiras. O DEM, embora tenha algum verniz ideológico, continua tímido em se assumir como é: um partido de direita, ou centro-direita. Além disso, militância e democracia interna nunca foram seu forte, desde o tempo da antiga Arena. Já o PSDB, maior partido de oposição, com quadros intelectuais reconhecidos, vive uma aguda crise existencial e não consegue falar aos corações de setores da sociedade. Em sua grande maioria, os que se dizem simpáticos aos tucanos hoje o são mais pelo ângulo do anti-petismo do que por crer em suas ideias.

De início, sob a liderança de Kassab, a adesão da senadora Kátia Abreu, líder dos ruralistas, do vice-governador paulista, Afif Domingos, e de outros políticos demistas, poder-se-ia supor que o PSD vinha para ocupar explicitamente o posto de partido da direita nacional. Desde a redemocratização, em meados da dácada de 80, este nicho encontra-se vazio, e se autointitular direitista no país tornou-se um tabu. Além da imagem vinculada à ditadura e ao coronelismo nordestino, este campo político ainda é visto mais como bastião do conservadorismo moral do que como defensor do liberalismo econômico. Tal percepção tem seus motivos: certos políticos defendem ainda defendem teses que nos remetem àquela fúnebre época.

Seria positivo para a estrutura partidária nacional que o PSD surgisse como o representante  de uma direita moderna, liberal. Lembremos que Afif foi candidato a presidente, em 1989, pelo extinto Partido Liberal (PL). No entanto, declarações dos fundadores não indicam este caminho. Kassab afirmou que a sigla não será de direita nem esquerda. Kátia acrescentou que tampouco será governo ou oposição. "Votaremos a favor do Brasil", disse ela. O velho clichê para justificar a falta de projeto político.

Na verdade, ainda que a maior parte dos políticos detentores de mandato do PSD tenha saído do DEM, outros vieram dos mais variados partidos - como o , em tese, centro-esquerdista PPS. Enfim, um saco de gatos que parece se juntar a PMDB, PP, PTB e outros menores no clube dos agrupamentos amorfos fisiológicos e das válvulas de escapes para grupos regionais e ambições pessoais de curto-prazo. O Palácio dos Bandeirantes é a fixação atual de Kassab.

Peculiar pela artificialidade, muitos de nossos partidos se tornam ainda mais estranhos quando comparamos o significado de seus nomes com sua atuações práticas. Aqui, um partido social-democrata (PSDB) nasceu, para espanto de seus homólogos europeus, sem base operária. Tanto o SPD alemão como o Partido Trabalhista britânico, entre outros, tiveram na militância sindical seu principal reduto eleitoral. Não bastasse quererem praticar social democracia sem trabalhador, os tucanos ficaram com a pecha de partido da elite paulista. Nada mais conservador. E, se não são um partido de direita, hoje são vistos como o refúgio eleitoralmente  mais viável pelo eleitorado direitista ou centro-direitista. Aqueles que defendiam uma aliança com o PT, no mínimo, a longo prazo, por suas semelhanças históricas, devem estar fazendo uma releitura de suas análises.

No mesmo rastro das esquisitices, o Partido Progressista (PP) reúne muitas das principais vozes do conservadorismo brasileiro e, praticando o arcaico fisiologismo, participa de um governo liderado pelo PT. O Partido Trabalhista Brasileiro (PTB), tão fisiológico quanto, longe está de defender os ideais getulistas. Não faz muito tempo, seu líder na Câmara era um dos principais comandantes da bancada ruralista. O que tem a ver Roberto Jéffersom com Vargas?

Para completar, nem os partidos comunistas escaparam da esquizofrenia oportunista. Oriundo do antigo PCB, o Partido Popular Socialista (PPS), de início, foi reformulado para ser a voz de uma esquerda moderna e democrática. Hoje é oposição ao governo petista, junto com o PSDB e o DEM, o filhote da Arena. Pelo visto, no Brasil, neoliberais e socialistas parecem ter mais pontos em comum do que diferenças...Contudo, nada é mais surpreendente do que ver o PCdoB, através de um de seus principais deputados, Aldo Rabelo, produzir um relatório favorável aos ruralistas no debate sobre o Código Florestal. E este mesmo partido, de integrante fiel da administração petista de Marta Suplicy, passar a integrar a base governista de Kassab na prefeitura paulistana.

Os históricos de Kassab, Kátia e Afif pouco têm de causa social. Os partidos por quais passaram, menos ainda. Pensando bem, se desejassem levantar a bandeira do liberalismo econômico, deveriam mudar o nome da nova casa. Em defesa deles, porém, o fato de não serem, como visto, os únicos a exercerem contradições.

Por terem pontos positivos e negativos, a escolha do sistema eleitoral é, por si só, delicada. Tanto que há exemplos de lista fechada e de voto distrital em diversos países desenvolvidos. O "distritão", ao contrário, é utilizado apenas em meia dúzia de países subdesenvolvidos da Ásia e África. Este parece mesmo ser uma aberração. No entanto, visto as peculiaridades de nossos partidos, o que é polêmico pode se tornar inútil. Podemos, para amenizar certos defeitos, acabar potencializando outros. Uma triste equação de soma zero.

Stanislaw Ponte Preta dizia que "tudo que só existe no Brasil e não é jabuticaba é besteira".  Seria injusto afirmar que as anomalias de nosso arcabouço partidário é mais uma prova da veracidade da frase. Muitos outros países, em especial os que não têm longas sequências de história democrática, sofrem deste mal. O mesmo Stanislaw, porém, assinaria embaixo como um légitimo "samba do crioulo doido" o quadro atual.

Por hora, não sabemos se a lista fechada é o melhor meio para corrigir os absurdos do modelo vigente e enraizar os partidos na sociedade. Contudo, debater é um bom início. O pior dos cenários será não se votar nem discutir nada. Caso isto aconteça, aí sim, nossos partidos serão cada vez mais "besteiras", dizer-se a favor da reforma política não passará um bobo clichê e nem o "crioulo doido" curtirá tal samba atravessado.

sexta-feira, 15 de abril de 2011

FHC e a direita nova

Por Fernando de Barros e Silva (Folha de S.Paulo, 15/04/2011)

Ato falho, gafe, deslize, apenas um detalhe -seja o que for, o uso infeliz da palavra "povão" no artigo mais famoso do que lido de Fernando Henrique Cardoso reforça, sim, o estigma de que tucano é meio alérgico a pobre. Lula, espertalhão, percebeu a deixa e já tratou de esfregar na cara do antecessor a palavra pela qual seu texto será lembrado: "Agora tem um presidente que diz que não precisa ficar atrás do povão, esquecer o povão. Sinceramente, não sei como é que alguém estuda tanto e depois quer esquecer do povão".

Crítica rasteira, sem dúvida. Mas a culpa, no fim das contas, cabe a FHC, que fez uma intervenção política, por mais elaborada que seja, e não um "paper" sociológico a ser discutido entre seus pares. Interessantíssimo como análise, o texto de FHC é politicamente desastrado. Reduzido a seu cerne, o artigo reconhece uma impotência e vislumbra uma brecha para o PSDB.

A impotência: o governo petista cooptou sindicatos e movimentos sociais e dispõe de mecanismos para conceder benesses às massas mais carentes. Contra esse poder, a palavra da oposição pouco pode. A brecha: há, no país, uma grande classe média emergente, com demandas novas de consumo e cultura, que não se identifica automaticamente com o PT (quase o contrário) e com a qual o PSDB precisa criar canais efetivos de diálogo.

Que partido seria esse, capaz de falar aos anseios dos novos consumidores, integrados à pauta historicamente vitoriosa do individualismo possessivo? FHC não chega a explicitar esse passo, mas o corolário do que ele diz parece evidente: para sobreviver, o PSDB precisa caminhar em direção à direita.

Em termos da política norte-americana, seria como se FHC dissesse o seguinte aos tucanos: o PSDB perdeu, por circunstâncias históricas, a condição de ser o Partido Democrata no Brasil; se não perceber o que está acontecendo na sociedade, também perderá logo a chance de ser o Partido Republicano.