quinta-feira, 30 de dezembro de 2010

Sobre a imparcialidade do jornalista

Por Ricardo Noblat (Blog do Noblat, Globo Online, 30/12/2010)

Este é um dos mitos cultivados há mais de século: jornalista é imparcial. Ou tem obrigação de ser. Ninguém é imparcial. Porque você é obrigado a fazer escolhas a todo instante. E ao fazer toma partido. Quando destaco mais uma notícia do que outra, faço uma escolha. Tomo partido. Quando opino a respeito de qualquer coisa, tomo partido.

Cobre-se do jornalista honestidade. Não posso inventar nada. Não posso mentir. Não posso manipular fatos. Mas posso errar - como qualquer um pode. E quando erro devo admitir o erro e me desculpar por ele. Cobre-se do jornalista independência. Não posso omitir informações ou subvertê-las para servir aos meus interesses ou a interesses alheios.

Se me limito a dar uma notícia, devo ser objetivo. Cabe aos leitores tirarem suas próprias conclusões. Se comento uma notícia ou analiso um fato, ofereço minhas próprias conclusões. Cabe aos leitores refletir a respeito, concordar, divergir ou se manter indiferente. Jornalista é um incômodo. E é assim que deve ser. Se não for não é jornalista.

segunda-feira, 27 de dezembro de 2010

O legado de Lula

Por Ricardo Noblat (O Globo, 27/12/10)

Na próxima sexta-feira sairá de cena o governo de um único protagonista! Entrará o governo dos coadjuvantes do governo passado. O período de oito anos de Lula foi construído sob medida para que ele, Lula, brilhasse sozinho. Deu certo. Nada indica que a história se repetirá no período de quatro ou de oito anos da presidente Dilma Rousseff.

Talvez seja melhor assim. O presidencialismo entre nós concentra poderes excessivos nas mãos de uma só pessoa. E isso não é bom para uma democracia que atravessa pela primeira vez, dentro da normalidade, três sucessões consecutivas. Fernando Henrique recebeu a faixa presidencial de Itamar e a repassou a Lula, que a repassará a Dilma.

O primeiro momento de Lula como presidente da República foi de natural perplexidade. Seria possível a um ex-pau-de-arara e ex-favelado, que passara fome e sequer completara os estudos, acabar eleito para governar seu país? Depois de ter sido derrotado três vezes, Lula custou a acreditar.

O segundo momento foi de pavor. Coincidiu com o escândalo do mensalão, que levou Lula, em julho de 2005, deprimido por uns tragos tomados a mais, a falar em renúncia ao mandato. Soubera que o publicitário Marcos Valério, um dos operadores do pagamento de propinas a deputados, ameaçava contar tudo.

O então ministro José Dirceu, chefe da Casa Civil, foi acionado para negociar o silêncio de Valério e assim sossegar Lula. Teve êxito. Mas dali a mais um mês ou dois, obrigado a pedir demissão, reassumiu a vaga de deputado federal para ser cassado. Enfim, era preciso entregar alguma cabeça coroada para que Lula preservasse a sua.

O terceiro momento de Lula na presidência foi de esplendor. E de puro encantamento com ele mesmo. Reeleito em 2006, amparado por uma economia em expansão e idolatrado pela clientela dos programas sociais, passou a se comportar como um enviado de Deus. Ninguém mais do que ele alimentou o culto à própria imagem.

Por pouco não caiu na tentação de gastar parte de sua popularidade para vencer no Congresso a batalha por mais um mandato. Sondou a respeito governadores do PT e de outros partidos, além de auxiliares próximos. E aborreceu-se com alguns que se opuseram à idéia com veemência. Alô, alô, governador Jaques Wagner, da Bahia!

Está de saída porque não tem outro jeito. Mas deixa em seu lugar uma aliada fiel. Que a ele, unicamente a ele, deve sua eleição. E que ele espera lhe seja fiel até o último dos seus dias na presidência. Que dia será esse? Por ora, Dilma não faz idéia. Lula deve fazer, mas não conta a ninguém. Até porque pode mudar de idéia.

Lula abusa da credulidade dos brasileiros quando reescreve a história do país como se ela pudesse ser dividida em duas fases: antes dele e depois dele. Os desafetos de Lula incorrem no mesmo erro quando defendem a tese de que ele se limitou a dar continuidade à política herdada dos seus antecessores – além de ter tido muita sorte.

Nenhum presidente fez tanto pelos brasileiros mais pobres do que Lula – e esse será seu grande legado. Em oito anos de governo, o número de pobres foi reduzido a menos da metade. O programa Bolsa Família é uma invenção do governo anterior, eu sei. Mas foi com Lula que se expandiu e hoje atende a quase 13 milhões de famílias.

Quem elege os governantes numa democracia é o povo. Quem tem mais autoridade para julgá-los é ele. Lula foi tolerante e cúmplice com o desrespeito à moralidade pública? Foi. Mas nem isso o impediu de chegar ao fim do governo com a aprovação de 83% dos seus conterrâneos. Tamanho grau de aprovação é um equívoco? Bobagem!

É fato que o povo, só por deter a autoridade suprema numa democracia, não é necessariamente sábio. Mas aonde um regime de sábios, respeitando os direitos do povo, foi capaz de conduzi-lo a uma situação melhor? Recolha-se a São Bernardo do Campo, Lula! Tome uma por mim. E deixe Dilma acertar ou errar em paz.

quinta-feira, 16 de dezembro de 2010

Quem tem boca vai a...

Por Murillo Victorazzo

Quem quer que seja, o governador do Rio de Janeiro terá sempre forte visibilidade nacional. Sendo bem avaliado, o destaque será então naturalmente ainda maior. Reeleito este ano com 66% dos votos válidos ainda no primeiro turno, Sérgio Cabral é um destes casos. Seu nome, porém, não ganhou as páginas dos jornais apenas por acertos de seu governo. O Brasil inteiro, nos últimos anos, conheceu uma outra faceta sua: a de um político que se envolve em polêmicas por, muitas vezes, não conseguir segurar sua língua nervosa.

Cabral tem tido seus passos seguidos de perto pelo PMDB, já de olho nas eleições de 2014. Os caciques da sigla o têm como uma de suas principais cartas na manga para projetos de poder futuro. Merecidamente, seu nome se impôs no tabuleiro da política nacional. Em um estado marcado por décadas de desgoverno, mostrou, pelo menos, que havia alguém no Palácio Guanabara estabelecendo direções.

Ainda que enfrentando denúncias de corrupção na área de saúde, de fisiologismo na relação com a Alerj, além de amizades e alianças suspeitas, Cabral tem marcas para mostrar. As UPAs, a conquista do investment grade para o estado, após sanear as finanças fluminenses, e, principalmente, sua política de segurança, com destaque para a implantação das UPPs, são as vitrines de seu governo responsáveis pela fácil e compreensível reeleição.

Com a garantia de mais quatro anos no poder estadual, Cabral conseguiu, em novembro, reverter um quadro desfavorável - que poderia queimar boa parte de seu prestígio - justamente na área mais elogiada de sua gestão: a segurança pública. As perigosas sequências de arrastões pela capital do estado e, posteriormente, de incêndios a ônibus e carros ordenados por traficantes foram a deixa, a gota d´água, para que ele e seu secretário José Mariano Beltrame, em resposta, precipitassem e alterassem suas estratégias na área.

A ocupação e libertação da Vila Cruzeiro e do Complexo do Alemão, principal bunker do tráfico de drogas no estado, através de uma bem sucedida parceria com as Forças Armadas, resgatou o otimismo dos fluminenses. Acontecimentos que, de início, poderiam fazê-lo perder popularidade - em especial, entre a classe média e alta - acabaram, no final, por  fortalecer a sensação de que o governo está no caminho certo. Basta andar pelas ruas do Rio para sentir o alto prestígio seu e de seu secretário.

Mas, talvez inebriado por essa lua de mel com o eleitorado, Cabral, nos últimos dias, deixou aflorar um lado seu que não combina muito com o perfil de um político experiente: a verborragia. Na ânsia de defender a legalização do aborto e dos jogos de azar, apelou para frases simplórias de efeito que, para muitos, não condizem com seu cargo.

Ao perguntar quem nunca "teve uma namoradinha que teve que abortar" e afirmar ser "demagogia" proibir jogos de azar no país, Cabral levantou contra si setores mais conservadores da sociedade. E até alguns dos que concordam com suas posições discordaram da maneira como elas foram expressadas e do reducionismo explícito de suas falas. Em um momento favorável a seu nome, ficou sob críticas após muitos meses de elogios.

Alguns podem dizer que sua sagacidade foi demonstrada pelo momento em que as declarações foram dadas. Ele não se exporia assim antes de 3 de outubro, diriam estes. Faz sentido. Cabral, provavelmente, não correria mesmo o risco de perder os votos destes setores, que sempre rejeitaram políticos como Fernando Gabeira, seu principal adversário no pleito passado. Mas a lembrança do vídeo no qual ele, político experiente, perde a compostura diante de um inocente garoto de 17 anos, a ponto de xingá-lo de "otário" e 'sacana", nos leva a crer que pensar bem antes de falar não está entre suas virtudes.

À mesma conclusão chegamos ao recordar o episódio no qual, em 2008, chamou de "vagabundos" e "safados" os médicos que faltaram a plantões no Hospital Getúlio Vargas. Ou, recentemente, quando, por precipitação, queimou o nome de seu secretário da Saúde, Sérgio Côrtes, na formação do ministério da presidente eleita, Dilma Rousseff. Ao anunciar o nome de Côrtes como próximo ministro da Saúde antes da confirmação pública de Dilma e sem conversar com seu partido, acabou rifando-o.

Destemperos verbais já causaram graves estragos a políticos promissores. O brigadeiro Eduardo Gomes morreu arrependido de ter dito, na campanha presidencial de 1945, que não precisava dos votos dos "marmiteiros". Em 2002, Ciro Gomes viu sua candidatura a Presidência em 2002 ir pelo ralo em muito por suas frases grosseiras e inoportunas.

Amigo de Cabral, o mesmo Ciro se vê agora em meio ao constrangimento de, caso aceite voltar a ser ministro, ter como chefe, na vice-presidência, Michel Temer. Na pré-campanha eleitoral deste ano, Ciro chamou Temer de "chefe da quadrilha" do PMDB, partido que seria um "ajuntamento de assaltantes".

O histórico do amigo deveria servir de exemplo ao governador, político em ascensão. Afinal, diz o ditado que quem tem boca vai a Roma. E, na política nacional, Roma tende a ser Brasília, mas pode acabar sendo também algum indesejado purgatório eleitoral, seja lá onde este for.

segunda-feira, 13 de dezembro de 2010

Pista Social

Por Murillo Victorazzo (ISTOÉ, maio/2003)

Na década de 30, a Estrada da Gávea, na Zona Sul do Rio de Janeiro, era o circuito oficial da cidade e por lá passavam antigos campeões do automobilismo como o argentino Juan Manuel Fangio e o brasileiro Chico Landi. Mais de meio século depois, um campeão voltou ao local. Alan Hellmeister, 16 anos, considerado o piloto brasileiro revelação da Fórmula 3, levou o seu carro a Vila Olímpica da Rocinha para que as crianças e adolescentes da comunidade vissem de perto um pouco dessas máquinas que fascinam milhões de pessoas.

Mais jovem participante da Fórmula 3 e fã de Airton Senna e Michael Schumacher, Alan está em quinto lugar no Campeonato Sul Americano e tem em seu currículo o Campeonato Pan-Americano de 2000 de kart e o bi-campeonato Sul-Americano de 2001 da mesma categoria. Diante de uma garotada empolgada com a presença de um piloto profissional, embora muitos nem soubessem seu nome ou mesmo a nacionalidade, Alan entrou em seu carro e tirou fotos. "Quem sabe eu não vou ser um piloto quando crescer", brincou Jó de Oliveira, 11 anos.

Sob gritos de algumas meninas mais entusiasmadas, ouviu, por exemplo, perguntas sobre se ele não tinha medo de correr ou bater. “É meio estranho se sentir como alvo dessa criançada, mas é muito bom receber o carinho deles”, disse. A iniciativa de expor o carro numa área carente partiu do pai de Hellmeister, Mário, e tinha o objetivo de promover a Fórmula 3 ao lado de um trabalho social.

Para Hellmeister, o mais interessante foi subir uma favela e ver “tantas pessoas legais” e nenhum sinal da violência que é estampada nos jornais diariamente. Mário diz que escolheu o Instituto Rumo Certo após receber indicações de amigos sobre o local e verificar a seriedade do trabalho realizado lá. Criada há três anos, a instituição incentiva a formação social e esportiva de cerca de 1500 jovens de seis a 17 anos da favela da Rocinha e tem turmas de volei, futebol, basquete, natação, atletismo, judô e ginástica olímpica.

Hellmeister levou também 200 crianças do Instituto para acompanhar a 2ª Etapa da Fórmula 3 Sul-Americana, realizada no domingo 25 no Autódromo de Jacarepaguá. Escolhidas entre as mais disciplinadas, elas tiveram o privilégio de ver de perto a corrida e os boxes com direito a lanche e camisetas. Essa, aliás, não foi sua primeira campanha social. Mês passado, o piloto andou com seu carro pelas ruas de Avaré, interior de São Paulo, e distribuiu kits com camisas e bonés de sua equipe, a Amir Nasr Racing. Em troca, a população doou uma tonelada de alimentos para o programa Fome Zero. "É importante mostrar para essa garotada que o esporte pode ser um bom caminho para suas vidas", acredita.

Um universo antes do Big Bang?

Por Murillo Victorazzo (matéria produzida mas não publicada na ISTOÉ,2003)

Quem passou pela Urca, zona sul do Rio de Janeiro, na semana que passou, pôde ver centenas de estrangeiros com crachás no peito andando pelas ruas do bairro. Ao contrário do que vem logo à cabeça, não eram meros turistas querendo conhecer o Pão de Açúcar. Eram cientistas, físicos e astrônomos, de todos os cantos do mundo, que vieram ao Brasil para participar do X Encontro Marcel Grossman de Relatividade Geral.

 Cerca de 400 congressistas de 73 países, incluindo japoneses, norte-americanos e brasileiros, se dividiram em palestras nos auditórios do Centro Brasileiro de Pesquisas Físicas (CBPF) para um dos mais importantes eventos internacionais sobre cosmologia - ciência que estuda a origem e evolução do universo. Realizado trienalmente, essa foi a primeira vez que o Encontro aconteceu no Brasil.

Jovens ou de cabelos brancos, vestindo de roupas sociais a camisetas e até sandálias, além de inseparáveis óculos na grande maioria, os “professores Pardais” estiveram por seis dias discutindo, em inglês, os novos estudos sobre o Big Bang. A falta de ostentação, que muitas vezes caracteriza os grandes Congressos mundiais, não impediu que novas idéias sobre o início do universo fossem apresentadas.

O físico Mário Novello, responsável pelo Comitê brasileiro do Encontro e diretor do CBPF, conta que a grande novidade seria o questionamento se o Big Bang foi realmente o começo de tudo. “Até a década de 70 e 80, não se discutia o que deu origem ao Big Bang. Ele foi o momento de condensação de tudo que existe no universo, mas não foi o ponto zero”, afirma, explicando que os cosmólogos estão se dedicando a fazer cenários teóricos que descrevam esse momento.

Ao contrário da teoria do Big Bang, que diz que volume do universo no início teria sido zero, o novo modelo apresentado por físicos como Novello mostra, em linhas gerais, que, antes de haver um universo que se expandiu com o passar do tempo, houve algum tipo de colapso. “Por que colapsou? Por que parou de colapsar e começou a expandir? Essas são as grandes questões que temos que estudar”, diz Novello.

O físico ressalta que é difícil descrever para um público leigo os resultados recém descobertos. O motivo seria as estruturas pouco convencionais dos corpos envolvidos. “Na cosmologia, você teve uma revolução tão fantástica que os cientistas fizeram com que suas teorias matemáticas fossem muito além do que a gente pode descrever na nossa linguagem convencional”.

Razões para romper

Por Fernando Rodrigues (Folha de S. Paulo, 12/12/10)

Desde que o mundo é mundo e política é política, aliados às vezes acabam se desentendendo. No micropolítica brasiliense, as apostas já estão abertas para tentar vaticinar quando Dilma Rousseff romperá com seu mentor, Luiz Inácio Lula da Silva.

Na oposição, vigora o raciocínio clássico e sem muita lógica: "É só uma questão de tempo". Entre os governistas e o crescente grupo já conhecido como dilmista, a avaliação é oposta, mas também desprovida de ciência: "O relacionamento deles será sempre amistoso; Dilma tem grande respeito por Lula".

Nem uma coisa nem outra. Tudo dependerá, fundamentalmente, de dois fatores. Primeiro, das pretensões político-eleitorais futuras de Lula e de Dilma. Se houver sobreposição, haverá rompimento. Segundo, do desempenho do país nos próximos quatro anos, sobretudo na economia. Ninguém gosta de ser sócio do malogro alheio.

O Brasil deve crescer 7,5% neste ano. Em 2011, dentro do governo, as previsões indicam algo entre 4% e 5%. Apesar da queda, o patamar será alto. Mas já se sabe que haverá mais inflação, o principal fator a minar o poder de compra das grandes massas -e a drenar na mesma proporção a popularidade do titular do Palácio do Planalto.

Sobre planos políticos futuros, nada indica um desejo orgânico de Lula para retornar à Presidência em 2014. Os sinais são de que pretende ter voos mais internacionais do que nacionais. Não parece haver, portanto, sobreposição entre seus interesses e os de Dilma.

Na economia, mesmo com as incertezas à frente, ninguém se arrisca a prever um completo fracasso para o Brasil em 2011. A prevalecer esse cenário de crescimento - ainda que com alguma inflação -, dificilmente a administração Dilma será reprovada de saída nessa área.

Tudo considerado, faltam indicadores provando um iminente rompimento entre Lula e Dilma. No futuro, quem sabe. Por ora, não.

quinta-feira, 2 de dezembro de 2010

Vazamentos causam mais constrangimento que efeitos reais

Por Carlos Eduardo Lins da Silva (Folha de São Paulo, 03/12/2010)


As revelações sobre a relação bilateral Brasil-EUA vindas a público até agora graças ao trabalho do WikiLeaks causam mais constrangimentos a alguns personagens mencionados do que efeitos reais sobre ela. Assim como quando classificou as consequências da crise econômica mundial de 2008 sobre o Brasil como "marolinhas", o presidente Lula pode exagerar, mas não estar longe da verdade, ao chamar os documentos de diplomatas norte-americanos sobre o país que apareceram nesta semana como "insignificâncias".

Ninguém que acompanhe bem o diálogo entre os dois países desconhece que desde 2003 bolsões de retórica antiamericana que sempre existiram no Itamaraty ganharam espaço e que isso causa algum desconforto no Departamento de Estado. Mas também todos sabem que em nenhum momento os pontos essenciais que unem as duas nações estiveram ameaçados de ruptura.

A tradição da diplomacia brasileira tem sido, desde o barão do Rio Branco, de manter em relação aos EUA posição de relativa autonomia e de preservação estratégica de interesses. Raros foram os períodos em que essa linha se alterou dramaticamente no caminho ou do alinhamento automático (governos Dutra e Castello Branco) ou de níveis de tensão mais altos (governos Jânio/Jango e Geisel). Na administração Lula, apesar de arroubos de discurso aqui e acolá, o padrão básico se manteve.

É natural e público que haja divergências internas no governo brasileiro sobre o caráter da relação do país com os EUA. Também é mais do que esperável que as autoridades americanas tratem com mais simpatia as brasileiras que veem seu país por uma ótica mais favorável.

Pode não ser prudente nem aconselhável que integrantes do primeiro escalão da administração do país sejam excessivamente cândidos com representantes de outra nação, mas isso nem sempre se consegue evitar. Igualmente, não há como impedir que diplomatas estrangeiros cumpram o dever de mandar a seus superiores informações, análises e opiniões sobre os acontecimentos no país em que estão trabalhando. É para isso que eles são pagos.

É possível supor que de agora em diante os diplomatas americanos sejam mais cautelosos em seus relatos e talvez mesmo em suas conversas no Brasil. Mas nada indica que algo de grave para a relação bilateral possa advir desses vazamentos. Ao menos por enquanto. Pode ser que quando se divulgue o conteúdo dos despachos da embaixada americana em Brasília sobre os movimentos do Brasil em relação ao programa nuclear iraniano no ano passado, o tom das avaliações seja mais intenso. Mas dificilmente a ponto de causar danos graves à relação.