sexta-feira, 2 de dezembro de 2016

Por que Medellín é tão especial?

Por Silvia Colombo (Folha de S.Paulo, 02/12/2016)

Em seu mais famoso relato de não-ficção, “Notícias de Um Sequestro”, Gabriel García Márquez afirma que os “paisas” (habitantes da região de Antioquia, cuja capital é Medellín) combinavam de uma forma muito particular “a reza e a parranda” (parranda significa festa, de modo geral).

Aos brasileiros que se comoveram com a linda homenagem que o Atlético Nacional de Medellín fez aos jogadores do Chapecoense e às demais vítimas do acidente aéreo desta semana, os “paisas” deram mais uma prova de serem uma sociedade muito especial, dentro de um país que é nosso vizinho, mas que conhecemos tão pouco.

 Medellín é colombiana em sua essência, mas possui uma personalidade muito própria, marcada pela solidariedade, pela força dos laços familiares, pela fé, pela religiosidade extrema, e pelo gosto pela festa coletiva.

No livro mencionado, o costenho García Márquez observou os “paisas” quase como um estrangeiro. Gabo nunca viveu em Medellín. Conhecia bem as características dos caribenhos, pois nascera na região, antipatizava levemente com certa arrogância da elitista Bogotá, mas em Medellín se deparou com um desafio.

Como uma sociedade era capaz de produzir um contexto de extrema violência _que era, exatamente, a razão pela qual ele escrevia sobre ela, afinal, “Notícias” é um relato sobre uma série de crimes cometidos pelo Cartel de Medellín_ e ao mesmo tempo atravessar esses anos de forma tão compacta, tão forte, e com tanta união entre seus cidadãos?

A literatura mesmo oferece outras chaves. Uma obra de um antioquenho célebre, “El Olvido que Seremos”, de Hector Abad Faciolince, vai no centro da questão. Trata-se de um relato memorialista. O autor teve o pai assassinado por paramilitares quando ele pouco mais que um adolescente.

Já sabemos isso desde o começo, mas o livro tem uma força desde a primeira linha, porque Abad Faciolince o constrói para mostrar não como era a violência em Medellín, apesar de esta ser o pano de fundo o tempo todo, mas sim como era o círculo de amizades, afetos e familiares na Medellín em que ele cresceu, em tempos tão difíceis.

Apesar de a história terminar com uma tragédia, encerra-se também com uma mensagem de esperança. A de que a força está no outro, no apoio dos que te rodeiam, sejam eles de seu próprio sangue ou não.

Medellín carrega de modo sofrido esse rótulo de ter sido, por vários anos, uma das cidades mais violentas do planeta. Justamente durante os tempos da atuação do cartel liderado por Pablo Escobar. Não ajuda nada que tanto se celebre sua imagem como ícone cultural nos dias de hoje. Escobar precisa ser mostrado e entendido para jamais ser repetido. Não estampado em camisetas vendidas nas esquinas das grandes cidades como se fosse um ídolo nacional.

Mas o que vale ressaltar aqui é o que Medellín conquistou depois de 1993, ano em que o chefão do narcotráfico foi morto. Muitos apontam que a esperança surgiu com uma série de gestões de prefeitos e governadores progressistas, com uma visão de que mudanças urbanísticas poderiam transformar a sociedade.

De fato, a aposta, iniciada por Sergio Fajardo quando foi prefeito da cidade (2003-2007) foi correta. Mas não basta para explicar porque a cidade, de sangrenta e perigosa, se transformou em uma urbe moderna e generosa.

 Andar de “metrocable”, o sistema de teleféricos que une periferia e centro, poderia ter se transformado apenas numa facilidade para as pessoas que vivem no subúrbio chegarem mais rápido ao trabalho. Mas não, o “metrocable” virou também passeio de fim de semana. É ao mesmo tempo um modo de famílias de classe média levarem os filhos para conhecer as partes altas da cidade como um meio para que os habitantes das favelas tenham acesso mais rápido às ofertas de diversão do centro, entre elas o futebol.

Além das inovações nos transportes, houve também grande investimento na rede de museus e bibliotecas. Mas, novamente, elas de nada adiantariam se, como no caso do “metrocable”, não fossem abraçadas e incorporadas pela sociedade. Essas obras são concebidas para serem inclusivas e acessíveis, e assim foram recebidas.

Entre a costa alegre e festeira e a capital sofisticada e europeia, Medellín é uma Colômbia à parte. Uma sociedade também da montanha, com fama de trabalhadora e religiosa, e que aprendeu, ao longo de décadas de percalços, a ser solidária para atravessar junta períodos difíceis.

Já é hora de parar de associar Medellín ao perigo e à violência. E sim de celebrar Medellín por sua imensa generosidade, e por ser capaz de chorar mortos que não são os seus, de estender a mão ao outro que está sofrendo, mesmo que este seja um desconhecido. De unir “reza e parranda” também para consolar o próximo em um momento de terrível luto como o que assistimos nesta semana.

Foi bonita e emocionante a festa, Medellín. Gracias.

O jornalista é notícia? Xi, deu merda

Por Murillo Victorazzo

Nunca trabalhei com Guilherme Marques nem o conhecia de fato, a não ser de vista. Mas alguns amigos tiveram essa oportunidade, e diante de seus desabafos hoje, não poderia escolher outro para ainda expressar, após tamanha comoção nas redes sociais o dia inteiro, o meu misto de incredulidade e pesar (sim, hoje chorar não foi força de expressão). Não mais como um desses milhões de brasileiros loucos por futebol, perplexos com a triste ironia que o destino reservou ao Chapecoense, a, como estampou o diário esportivo espanhol "As", "linda menina" que "apaixonou o Brasil", após o feito histórico de semana passada. Sobre esse meu lado, me tornaria repetitivo. 

Aqui, agora, é o jornalista que fala mais alto, ainda me lembrando das palavras de Galvão Bueno no arrepiante encerramento da emocionante edição de hoje do JN: "Os jogadores sempre serão os protagonistas, mas é através dos jornalistas que essa paixão chega a vocês". Pois é, em um momento tão triste, paradoxalmente, por segundos, despertou em mim um sentimento bom, o do orgulho pela profissão. 

Guilherme, além de tudo, começou na imprensa carnavalesca. Salgueirense (na foto, com o mestre Marcão), amava o samba e agora estava no esporte. Quem me conhece não terá dificuldades de encontrar nele gostos comuns aos meus e entender por que, dentre tantas, sua morte me tocou tanto mais.

Que Deus te proteja onde agora estiver, garoto. É em seu nome, mas com os outros vinte no coração - impossível não bater palmas para Vitorino Chermont, um dos melhores repórteres esportivos do país -, que encho o peito pra dizer o quanto é bom poder chamá-los de "coleguinhas".

 A maior tragédia do futebol brasileiro ter vindo junto a maior do jornalismo deste país foi uma porrada forte demais. Porém, talvez faça sentido. Este dia 29/11 nos mostrou um outro lado, aquele com que ninguém gostaria de ter se deparado, de uma obviedade que até então só conseguia ver com satisfação: futebol e jornalismo são indissociáveis. 

Na faculdade, um professor gostava de repetir a máxima de que, se o jornalista é notícia, é porque deu alguma merda. Tenho certeza que ele não imaginava o tamanho e o sentido da merda de hoje. Que merda. (foto: página oficial do Salgueiro)