quinta-feira, 27 de outubro de 2016

Para Irã, demonstrar força junto com abertura faz parte do plano

Por Thomas Erdbrink (New York Times/UOL, 27/10/2016)

Assim como opositores conservadores do acordo nuclear feito com o Irã avisaram, Teerã parece estar se movimentando agressivamente para expandir sua influência regional enquanto trabalha para conter os interesses americanos em todo o Oriente Médio.

No entanto, assim como os proponentes do acordo prometeram, o Irã também está se abrindo aos poucos, fechando contratos com empresas ocidentais, criando conexões de telefone com os Estados Unidos, aumentando a velocidade da internet, dando boas-vindas às hordas de turistas europeus e afrouxando algumas restrições sociais para seu próprio povo.

O que pareceria uma bizarra contradição é na verdade uma política de duas vias cuidadosamente pensada pelo líder supremo, aiatolá Ali Khamenei, e pelo círculo de líderes ao seu redor.

Os generais iranianos estão conduzindo a guerra em solo na Síria. Consultores iranianos estão treinando milícias xiitas que lutam no Iraque e na Síria. Armas iranianas e outros tipos de apoio estão ajudando os rebeldes houthis no Iêmen.

Além de sancionar as pegadas militares mais agressivas do país na região, Khamenei tem feito regularmente discursos contra os Estados Unidos, prometendo que não haverá uma flexibilização na posição de Teerã contra o Grande Satã, ao mesmo tempo em que abre as portas para o capital e as técnicas do Ocidente.

No entanto, embora o presidente Hassan Rouhani enfrente ataques dos conservadores linha-dura, Khamenei quase sempre o protege, pelo menos não publicamente.

"Sim, é parte de nossa nova política mostrar nossa força, mas também tentar nos aproximarmos do Ocidente", diz Saeed Laylaz, um economista e analista político próximo do governo de Rouhani. "Ambos pretendem fortalecer nosso país e aumentar nossa influência. Contradição? Estamos fazendo exatamente o que os Estados Unidos têm feito há décadas."

Não há muita dúvida de que o Irã esteja exercendo um maior poder na região. Nos campos de batalha da Síria, consultores iranianos e "voluntários"—muitas vezes milícias afegãs e xiitas— estão lutando e morrendo ao lado de tropas do governo sírio para expulsar os rebeldes de Aleppo.

Perto de Mosul, no Iraque, as Forças de Mobilização Popular, outro nome para dezenas de milícias xiitas, estão se guiando por outros consultores, normalmente associados à força de elite Quds da Guarda Revolucionária.

Com a região em meio a tanta turbulência, esse pode parecer um momento inoportuno para flexibilizar as restrições em acordos de negócios com o Ocidente e nas liberdades pessoais em casa. Mas é exatamente isso que parece estar acontecendo. As mudanças estão vindo aos poucos e podem ser revertidas a qualquer momento, mas elas são inegáveis, dizem os analistas.

A mudança mais óbvia é na política. Depois de dominar por 15 anos, a fação linha-dura do Irã —uma elite conservadora de clérigos, líderes militares e políticos— sofreu uma série de derrotas.

O testa-de-ferro deles, o ex-presidente Mahmoud Ahmadinejad, se tornou o símbolo de uma nação que recusa qualquer concessão. "O Irã nunca vai fazer concessões a seu programa nuclear", costumava prometer Ahmadinejad.

Mas em 2012, um ano antes de terminar o mandato de Ahmadinejad, Khamenei permitiu que seus representantes contatassem os Estados Unidos para discutir exatamente essas concessões.

Desde então, os conservadores linha-dura perderam todas as batalhas para um grupo de tecnocratas e moderados que eram os únicos no pequeno establishment do país capazes de conversar com o Ocidente.

Durante as eleições de 2013, os linhas-duras perderam para o moderado Rouhani. Recentemente, Khamenei descartou qualquer perspectiva de uma volta de Ahmadinejad, que ainda é o único conservador com muitos seguidores.

Por dois anos durante as negociações com os Estados Unidos e outras potências mundiais sobre a questão nuclear, os linhas-duras se declararam contra qualquer tipo de concessão. Perderam. Eleições parlamentares? Perderam também.

Os linhas-duras se declararam contra qualquer tipo de investimento estrangeiro, liberdade na internet, mais visitas de estrangeiros, shows e menos polícia da moral nas ruas. Em todas essas questões, eles perderam ou foram amplamente ignorados.

E isso não é por acaso, dizem os analistas.

Vem da decisão de Khamenei de liberar o Irã —por ora, pelo menos— de uma interpretação rígida de sua ideologia revolucionária e de encerrar o isolamento que dificultou a economia e frustrou jovens iranianos que ansiavam viver em um país "normal".

Aos 77 anos, e com pelo menos uma internação em anos recentes por câncer de próstata, Khamenei parece determinado, enquanto ainda tem poder total, a fazer as mudanças essenciais para o Irã realinhar relações com o mundo, dizem os analistas.

"Na visão de Khamenei, nós deveríamos ser como a China", diz Hamidreza Taraghi, um analista com ligações próximas dos linhas-duras. "Tendo relações econômicas com o Ocidente, mas sem sua influência política e neocolonização."

Assim, as restrições de visto foram afrouxadas e as políticas de investimentos estrangeiros foram relaxadas, enquanto os diplomatas iranianos estão disseminando a mensagem de que o Irã é o último grande mercado inexplorado do mundo.

"Precisamos das técnicas ocidentais e dos investimentos ocidentais", diz o economista Laylaz. "Agora que as sanções não estão mais no nosso caminho, estamos nos aproximando do Ocidente pelo dinheiro e pelo conhecimento deles. Mas, é claro, não queremos a política deles."

Rene Harun, um expatriado alemão e diretor da Câmara de Indústria e Comércio Alemã-Iraniana, fala de uma "nova era" na república islâmica. "O governo está dando grandes passos para melhorar a economia", ele diz.

Nos últimos meses, o iraniano médio tem notado algumas bem-vindas mudanças também. A internet, que por muito tempo foi mantida lenta pelas autoridades, está visivelmente mais rápida, o suficiente para assistir vídeos online, algo que nunca fora possível antes. A televisão estatal criou novos canais digitais, introduzindo mais comédias e até mesmo uma versão persa de "House of Cards", série do Netflix.

O Parlamento, livre da dominação por parte dos linhas-duras pela primeira vez em mais de uma década, pediu por restrições sobre a pena capital, mais liberdade de imprensa e reintegração de uma política mulher que foi barrada depois de aparecer em fotos sem o véu islâmico obrigatório.

"No geral há esperança, e embora precisemos ver ainda como isso se dará e quanto tempo levará, as pessoas estão esperando pelo futuro mais do que antes", diz Nazanin Daneshvar, a presidente da Takhfifan, um site de compras com desconto.

Ao mesmo tempo, Khamenei tem feito o possível em seus pronunciamentos públicos para garantir a seus apoiadores linhas-duras que sua visão de uma teocracia islâmica conservadora em oposição aos EUA e ao Ocidente ainda tem muita influência. Em um discurso feito na semana passada, por exemplo, ele disse que "os problemas entre o Irã e os EUA nunca serão resolvidos."

Khamenei também emite alertas frequentes sobre o Estado Islâmico, que em sua essência é uma violenta insurgência sunita que representa uma ameaça ao Irã xiita. Ele diz que se deve ou combater os militantes na Síria, ou combatê-los nas cidades iranianas ocidentais de Kermanshah e Hamadan.

Embora as ações militares do país pareçam distantes da vida cotidiana para muitos iranianos, elas de fato se alinham com as visões frequentemente nacionalistas da população. "O Irã deveria ser forte e influente", diz Mohammad Heydari, ex-jornalista. "É só olhar para o mapa, ver onde estamos localizados e o tamanho do nosso país, que você vai entender."

As guerras também podem servir como uma distração, talvez aplacando os linhas-duras em um momento em que os limites ideológicos também estão sendo ultrapassados, e acontecimentos que antes pareciam impossíveis, como a compra de aviões americanos, agora se dão regularmente.

Publicamente, Khamenei costuma criticar o acordo nuclear, mas os linhas-duras mais influentes entendem que foi ele o arquiteto do pacto. Ele também não impediu as conversas entre a Boeing e a empresa nacional Iran Air, embora o acordo que está surgindo vá resultar em relações de negócios de grande escala com os Estados Unidos.

"Muitas coisas no Irã são ditas para consumo doméstico", diz Amir Kavian, um analista político próximo do movimento reformista iraniano. "Não devemos levar as coisas tão a sério. As ações falam mais alto que as palavras."

Tanto a abertura parcial do Irã para o Ocidente quanto seu envolvimento nos conflitos do Oriente Médio são conduzidos por Khamenei, de acordo com analistas.

"Todas as principais políticas externas e internas são comandadas pelo líder", diz Taraghi, o analista político linha-dura. No entanto, ele diz, os ocidentais não deveriam alimentar a esperança de que haja mudanças profundas e significativas no Irã.

Tradução: UOL