segunda-feira, 31 de março de 2014

As lições do "jovem" Pepe

Por Murillo Victorazzo

José "Pepe" Mujica foi o entrevistado do "Canal Livre", na Band, domingo passado. Em seu humilde sítio nos arredores de Montevidéu, o presidente do Uruguai recebeu  os jornalistas Fernando Mitre, Ricardo Boechat e Fábio Pannunzio para uma hora de ótima conversa.

Conversa que, de tão boa, pareceu ter durado apenas cinco minutos. Deixou, de todo modo, uma certeza: Mujica é daquelas personalidades raras no mundo que explicam por que a  História e a política são apaixonantes - por mais que a maioria de seus atores atuais faça parecer o contrário.

Concorde-se ou não com tudo que  defende, o presidente uruguaio nos faz pensar, cativa, te prende em frente à televisão. Une vanguarda e simplicidade a bom humor, sem fugir de perguntas. Reflete antes de responder, sem platitudes ou frases decoradas. Prova que ser inteligente é muito diferente de ser pernóstico. E que idade avançada não é sinônimo de conservadorismo. Quem dera tantos jovens brasileiros tivessem a inquietude intelectual, a mente arejada, do "Viejo"...

Para o Brasil, Mujica pode ser a inspiração para uma esquerda moderna, sem os dogmas excessivos, as visões jurássicas sobre economia e com a coragem de avançar na implantação de políticas que reflitam as relações sociais atuais. Ainda que, neste quesito, tenha-se que dar o desconto da diferença de tamanho e de complexidade da sociedade que separam os dois países, como ele mesmo ressaltou. "O Uruguai é um país laico, muito laico", frisa.

 Descrente do petismo, assustada com a repaginada à direita do PSDB e cética com o que se transformou o PPS (antigo PCB),  o eleitorado centro-esquerdista é órfão de políticos assim. Mujica nos lembra que, entre o autoritarismo nacionalista chavista e o direitismo neoliberal, alinhado, muitas vezes, automaticamente aos EUA, há um vasto campo a explorar. Uma verdadeira e contemporânea social-democracia.

Como cidadão, invejo os uruguaios; como jornalista, invejei Mitre, Boechat e Pannunzio...

terça-feira, 25 de março de 2014

A política externa do regime militar

Por Matias Spektor (Folha de S.Paulo, 25/03/2014)

O golpe ocorreu em meio à mais intensa mudança de posição do Brasil no sistema internacional.
Entre 1955 e 1960, o Produto Interno Bruto cresceu 8,1% ao ano. Entre 1964 e 1971, os industrializados passaram de 5% para 31% da pauta de exportações, enquanto o café caiu de 55% para 13%.

O país deixou de ser uma economia rural para virar uma sociedade urbana. Pela primeira vez, o Brasil entrou para a categoria de país emergente. "Como um gigante adormecido, o Brasil está acordando para um período de expansão quase sem precedente", afirmava "The Times" de Londres. "Poderemos vê-lo se tornar o Japão do Terceiro Mundo."

Na política externa, o regime militar patrocinou a luta anticomunista. Colaborou com uma intervenção na República Dominicana e restaurou laços com o Fundo Monetário Internacional. Operou em países como Argentina, Bolívia, Chile e Uruguai. Juracy Magalhães, embaixador do regime em Washington, proferiu a frase: “O que é bom para os Estados Unidos é bom para o Brasil”.

O regime contou para isso com o apoio dos Estados Unidos. Quando a repressão apertou, o embaixador americano no Brasil, William M. Rountree, e seu adido militar, o coronel Arthur Moura, alentaram a atividade nos porões.

No entanto, com o tempo, os Estados Unidos se tornaram um problema para os militares brasileiros.
O poder econômico norte-americano, que num primeiro momento se beneficiara de acesso privilegiado à Esplanada dos Ministérios, passou a se ressentir da política industrial protecionista.

Em temas diplomáticos, a relação também esfriou. Os militares brasileiros no comando acreditaram estar recebendo tratamento de segunda classe: os investimentos eram menores do que o esperado, as condições, árduas, e a atitude da Casa Branca, imperial. E o regime não estava disposto a coordenar com os americanos cada passo de sua própria Guerra Fria na América do Sul.

Esses problemas se exacerbaram quando o Congresso dos Estados Unidos começou a denunciar o uso de tortura. E tudo desandou a partir de 1976, quando o candidato presidencial Jimmy Carter afirmou que o apoio norte-americano ao Brasil ditatorial “é um exemplo da pior faceta de nossa política externa... Um gratuito tapa no rosto [do povo] americano.”

Nos governos dos generais Médici e Geisel, as relações entre Brasil e Estados Unidos, ao invés de melhorar, pioraram, chegando a seu ponto mais baixo. Os Estados Unidos deixaram de ser a principal fonte de apoio externo à ditadura para transformar-se em ameaça. O regime respondeu cerrando fileiras.

Quando Carter veio ao Brasil para pressionar o governo por mais abertura política, os generais receberam apoio de lideranças de oposição, como Ulysses Guimarães, sindicatos, imprensa e parte da oposição, que denunciaram a prepotência norte-americana.

Na política externa, o regime acelerou a diversificação de países consumidores, provedores e investidores –-uma alavanca contra o magnetismo da economia norte-americana.

Os militares também patrocinaram coalizões com outros países em desenvolvimento e assumiram liderança no chamado embate Norte-Sul. O regime se afastou de Israel no Oriente Médio para se acercar dos árabes. Aproximou-se dos novos países independentes da África, mesmo aqueles que eram marxistas e recebiam apoio econômico e militar de Cuba.

A ditadura abriu embaixadas em regiões que antes ignorava e suas empresas estatais passaram a fazer investimentos fora do país. O Banco do Brasil abriu as primeiras agências na América do Sul, ao passo que a Petrobras foi para a África.

O regime também patrocinou um ambicioso programa nuclear. Ao lançá-lo, o general Costa e Silva, então presidente da República, afirmou: “Nada nos impede de fazer pesquisa e mesmo artefatos que posam explodir. Não vamos chamar de bomba, mas de artefato que pode explodir”.

Depois de gastar uma fortuna na tentativa de criar um parque industrial nuclear com tecnologia da Alemanha, o regime levou parte de suas atividades para a clandestinidade. Comprou peças no mercado negro, urânio altamente enriquecido da China e desenhou um míssil balístico.

No processo, adquiriu capacidade para enriquecer urânio. O custo foi o isolamento --em temas de não-proliferação, o país passou a ser visto como pária. Em vez de aumentar a capacidade nacional de barganha, o regime militar debilitou-a. Entre 1973 e 1979, a dívida externa do país quadruplicou, passando de US$ 12 bilhões para quase US$ 50 bilhões.

O país ainda sofreu sanções comerciais e seus representantes passaram a ter de suplicar ajuda a instituições financeiras internacionais. Os ministros da Fazenda da época tiveram de se acostumar à sala de espera do Secretário do Tesouro dos Estados Unidos.

O Brasil da ditadura ficou mais rico, sem dúvida alguma. Contudo, ao sair do poder, os militares deixaram o país numa posição internacional mais fraca, dependente e injusta do que era possível imaginar em 1964.

segunda-feira, 17 de março de 2014

2015 já começou no samba! Abre o olho, Salgueirão!

Por Murillo Victorazzo

O carnaval 2015 já começou. E com uma notícia de impacto: o campeão, igualmente adorado e contestado, Paulo Barros sai da Tijuca e aceita o desafio de ajudar a reerguer a Mocidade Independente.

Claro que uma escola não é apenas seu carnavalesco. É, antes de tudo, chão, canto, além de outros quesitos. Foram estes fundamentos, aliás, que, ao contrário do que muita gente simplifica (aqueles que preferem colocar tudo na conta do Barros), garantiram o título para o Borel.

A azul e amarela tem uma ótima equipe, desde a Harmonia até o excelente casal de mestre sala e porta bandeira, passando pela "Pura Cadência" e os coreógrafos de comissão de frente que já marcaram seus nomes na história da Avenida. Foram capazes de superar o fraco samba enredo e evoluir com perfeição.

Mas não dá para negar que a contratação de Barros se trata de um belo upgrade para Padre Miguel. Ainda que, por enquanto, seja apenas a sinalização de que a escola pode voltar a incomodar e, principalmente, se reinventar. Certeza de que voltará ao pódio das Campeãs, não há- nem poderia haver. Qual a estrutura, incluindo aí os segmentos responsáveis pelas demais notas, que o carnavalesco encontrará lá?

Do mesmo modo, se sua saída é uma grande perda para os tijucanos, é também a chance de provarem e reafirmarem ser muito mais do que um talento. Tijuca e Salgueiro, não por acaso, campeã e vice, são as mais bem administradas escolas de samba atualmente - talvez ao lado de uma ou outra a mais. O que não significa, porém, que não terão dificuldades em achar alguém capaz de evitar uma perda na parte estética da agremiação.

Quanto a Barros, o carnavalesco da moda fez uma aposta alta. Pode se consagrar definitivamente ou dar argumentos àqueles que asseguram ter ele tornado-se mais do mesmo.

Para o carnaval carioca, que, até 2013, tinha quatro escolas dominando anos após ano (Beija-Flor, Vila Isabel, Salgueiro e Tijuca), o horizonte é de garantia de um 2015 ainda mais disputado. Se 2014 recolocou Portela e Ilha na lista das "temidas" e surpreendeu negativamente com Beija-Flor e Vila, ano que vem promete ainda mais. E a verde e branco é uma das principais expectativas para o próximo desfile.

Que meu Salgueiro tenha notado essas mudanças e aprimore cada vez mais a competência que já mostrou ter para fazer carnaval de primeira qualidade, sempre nas cabeças...Confio em vocês, Regina, Lage, Marcão, Sidcley, Marcela e Harmonia!!