segunda-feira, 3 de dezembro de 2012

Um conselho de Chico Buarque para o Oriente Médio

Por Murillo Victorazzo

A guerra civil síria - que envolve rebeldes apoiados por países do Ocidente e Turquia contra uma ditadura cujo principal (talvez hoje único) aliado é o Irã e que serve de alicerce para o Hezbollah, no Líbano -começa a ter reflexos na fronteira norte de Israel. Este, por enquanto, prefere não se envolver no conflito, mas, em sua fronteira sul, voltou, na última semana, a a trocar bombardeios pesados com o Hamas. O grupo terrorista, por sua vez, parece, agora, contar com maior solidariedade de um Egito liderado pela Irmandade Muçulmana. Até então, o país era o principal moderador na região do paralisado processo de paz entre palestinos e israelenses.

O parágrafo acima, em linhas gerais, explica o potencial explosivo que as atuais crises político-militares do Oriente Médio têm: se não bastassem envolver rancores históricos de fundo religioso e étnico, permeados por interesses geopolíticos, apresentam preocupantes entrelaçamentos. São uma rede de conflitos com causas e consequências interligadas.

Ainda que se tenha conseguido um cessar-fogo entre Israel e o Hamas, não precisa ser profundo conhecedor do caso para saber que foi alcançada uma mera paz provisória. Varreu-se o problema para debaixo do tapete. Um tapete que, em algum momento, terá que ser levantado se quiserem limpar a casa para valer.

Além do Hamas, que se tornou o principal centro político palestino,  saíram vitoriosos a secretária de Estado norte-americana, Hillary Clinton,  e o presidente egípcio, Mohamed Bursi. Ao ter êxito como negociadora da trégua, ela despediu-se da chefia da diplomacia norte-americana levando para casa um respeitável troféu. Aumentou seu cacife na política interna de seu país. Ele, por sua vez, em seu primeiro teste de fogo na arena regional, conseguiu equilibrar-se entre criticar os ataques israelenses e pressionar seus aliados radicais a aceitarem o cessar-fogo, sem perder o mínimo de isenção necessária a um mediador. Tudo que o Egito não deseja é mais instabilidade em seu quintal.

Há muitas perguntas sem resposta ou com respostas mal dadas na questão palestina. E elas se caracterizam assim porque não são fatos isolados; são uma espiral de conflitos historicamente correlacionados e estimulados de forma conveniente pelo radicalismo de ambos os lados, com a "ajuda" da incapacidade (ou má vontade) política dos líderes mundial e regional. Um pergunta mal respondida antes resulta em novas perguntas não (ou mal) respondidas agora e por aí vai. Uma versão bem mais séria e complexa do clássico "dilema do ovo" ("Quem vem primeiro, o ovo ou a galinha?"). Certeza apenas de que vítimas inocentes continuam sendo chocadas.  

O último recrudescimento da eterna crise é apenas mais um exemplo da sandice extremista. O argumento israelense de que estava "apenas" defendendo-se dos ataques do Hamas, intensificados nas últimas semanas, era factível. Mas, ressalvando a diferença de métodos, o atual governo direitista de Israel já dera mostras de sua cegueira radical ao fazer de tudo para fragilizar a Autoridade Nacional Palestina (ANP), presidida pelo moderado Mahmoud Abbas, e insistir na expansão de assentamentos na Cisjordânia e no bloqueio à Gaza. Se a racionalidade chegasse ao gabinete de Benjamim Netanyahu, este seria o maior interessado em lidar com um Abbas fortalecido, dono de maior prestígio entre os palestinos, em detrimento do grupo terrorista. 

A incapacidade da comunidade internacional de agir é também vista na Síria. Até agora, toda proposta de sanção mais forte contra o regime de Bashar al-Assad foi vetada pela Rússia no Conselho de Segurança da ONU. Os russos têm o ditador como seu principal aliado político e econômico na região e, por isso, não hesitam em usar o seu direito a veto, privilégio este que, além deles, apenas EUA, Inglaterra, China e França possuem. A imobilidade do conselho e o congelamento de poder decorrente deste "direito" são, por sinal, motivos de grandes debates nos fóruns políticos internacionais e meios acadêmicos. 

Há ainda outras razões para que a mortandade na Síria continuar avançando. Muitos temem que uma intervenção militar aprovada pela ONU acabe por aumentar o número de vítimas, e outros tantos têm dúvidas quanto ao que seria um governo liderado pelos rebeldes. Israel, mais do que nenhum outro, se arrepia com a possibilidade de que a queda de Assad represente a ascensão de um regime fundamentalista islâmico. Mais um em suas cercanias...

A delicadeza do cenário sírio proveniente de posição geopolítica do país tornava previsível a tibieza da reação da ONU. Sabia-se que não teria como ela agir de forma igual (ou na mesma velocidade) ao visto no  caso líbio. Assim, só restam, até agora, tentativas de negociações específicas cansativas e infrutíferas.

Chico Buarque, certa vez, propôs ironicamente ao então presidente Lula a criação do "Ministério do Vai Dar Merda". A cada decisão importante, o titular da pasta seria chamado, e a ele seria perguntado: "Vai dar merda?" Após analisar as circunstâncias, o ministro responderia ou não: "Vai dar merda".

O panorama atual do Oriente Médio, com  diversas nações envolvidas diretas ou indiretamente na teia de conflitos, em meio à ascensão de regimes islâmicos fundamentalistas e ao fortalecimento do Hamas,  faz-nos crer que seria recomendável aos governantes da região criarem órgão igual. Porque, na ausência de ponderação, qualquer ação mais impulsiva tem tudo para resultar em resposta positiva à pergunta-nome do ministério. E em efeito dominó.

domingo, 14 de outubro de 2012

O inferno de Dante e os traidores da nação

Por Murillo Victorazzo

Entre tantos ensinamentos que aprendi com meus pais, um em especial me veio à cabeça nesses meses de campanha eleitoral: o honesto não precisa se vangloriar de sua honestidade. Ela é uma obrigação, um pré-requisito tão óbvio, que deveria estar implícito na análise sobre qualquer pessoa. Não preciso e, algumas vezes, desconfio de quem precisa de arroubos verbais para reafirmar o próprio caráter.

Sei, porém, que, na nossa política -e não é de hoje -, a honestidade, de tão escassa, tornou-se um diferencial. O noticiário dos últimos dias só confirma nosso infortúnio. É julgamento de mensalão, é CPI do Cachoeira e suas ramificações (como a promíscua relação entre o governador Cabral e a empreiteira Delta), são os casos envolvendo prefeitos da região metropolitana... Nessas últimas eleições, nos deparamos ainda com a suposta compra de um pequeno partido (PTN) pela campanha do prefeito reeleito Eduardo Paes.

Vendo tal panorama, veio-me à cabeça A Divina Comédia, eterna obra de Dante Alighieri. Épico poema, marco do Renascimento, ela, já no século XIV, abordava os desvios do homem. Em sua viagem ao inferno, guiado pelo poeta italiano Virgílio, Dante descreveu o local como nove círculos de sofrimentos crescentes, proporcionais à gravidade do pecado, localizados dentro da Terra.

Baseado naquela visão de inferno, em instante de devaneio, fiquei imaginando para onde iriam, após suas mortes, os protagonistas desses escândalos São tantos pecados que certamente galgariam vários círculos. Quem sabe, para começar, o quarto, as Colinas de Rochas, que representam a ganância, onde pródigos e avarentos se encontram e acabam por ter que carregarem enormes pesos de barra e moedas de ouro uns contra os outros. (abaixo, ilustração de Gustavo Duré representando o quarto círculo)




Teriam eles também lugar garantido no Maleboge, o oitavo círculo, onde ficam os fraudadores. Sofreriam no quinto de seus 10 fossos, destinado aos corruptos, submersos em um piche fervente. Se permanecessem com a cabeça para fora, seriam atingidos por flechas atiradas por demônios. Segundo Alighieri, eles deveriam ficar escondidos sob o piche porque suas negociações sempre são feitas às escondidas.

Alguns, em especial aqueles que na oposição pregavam a ética, mas revelaram-se ser iguais ou pior do que os que combatiam, também teriam lugar no sexto fosso: os dos hipócritas. Penariam no inferno com roupas brilhantes, porém pesadas como chumbo. Peso que deveriam ter sentido, ainda vivos, em suas consciências; o peso de seu falso brilho.

Mas a esses "marginais do poder", como definiu brilhantemente o ministro Celso de Mello em seu voto no STF acerca dos réus do mensalão, ainda estaria reservado o último e pior círculo: o lago Cocite. Nele estão os traidores! Lá, não há fogo, e sim muito frio. Congelado, o lago, localizado no centro da Terra, é formado pelas lágrimas dos condenados e pelos rios do inferno que nele deságuam seu sangue.

Para Alighieri, a traição é o mais grave e sórdido de todos os pecados, pois se trata de um crime contra alguém que confia no pecador e, por isto, está indefeso. Á época, o poeta já destinava uma das quatro esferas do lago aos traidores da pátria.

Confesso que me satisfiz ao imaginar a alma desses políticos que não dignificam seus mandatos delegados pelo povo, traindo quem deles espera melhores condições de vida, submersa no gelo até o pescoço, na esfera de Antenora. Por alguns minutos, apropriei-me do inferno de Dante, aprovando-o como se fosse meu também.

Em artigo publicado no jornal O Globo semana retrasada, o escritor Marco Lucchesi, também usando a Divina Comédia para falar sobre a expectativa em relação ao julgamento no STF, foi no alvo: "Crime bárbaro: aqueles que a deviam servir acabam por desservi-la de modo infame e imperdoável. Penso no Lúcifer devorando os que traíram o poder que lhes foi conferido, através do lídimo processo democrático. A traição (...) ocupa a parte mais funda do Inferno e a mais afastada de Deus, como se formasse um cordão sanitário".

Ainda que algumas definições de pecado tenham mudado entre os séculos XIV e XXI, a gravidade de outros permanece a mesma. O inferno de Dante é um retrato poético brilhante que serve para nos demonstrar a perversidade desses fatos que, infelizmente, nos são impostos dia após dia. E, mesmo ainda acreditando na Justiça dos homens, em especial nos nobres ministros da Suprema Corte brasileira, nos confortar por nos fazer imaginar que, pelo menos em outra dimensão, o crime não compensa.

quarta-feira, 10 de outubro de 2012

Nem ressaca nem marola: a onda PSOL e a esmagadora reeleição de Paes no Rio

Por Murillo Victorazzo

Historicamente palco de acirradas eleições municipais, a cidade do Rio de Janeiro viu, este ano, uma para lá de previsível disputa. Com 20 partidos em sua coligação e o apoio do governador Sérgio Cabral, da presidente Dilma Rousseff, do ex-presidente Lula e dos três senadores fluminenses, o prefeito Eduardo Paes (PMDB) em momento algum viu ameaçada sua reeleição já no primeiro turno.

Com 64,6% dos votos válidos, Paes sagrou-se vice-campeão de votos entre as capitais do país. Perdeu por pouco para o prefeito reeleito de Porto Alegre, José Fortunati (PDT), que chegou aos 65,2%. Seu mar de votos, porém, não ofusca o ótimo desempenho de Marcelo Freixo. De um partido pequeno e com campanha muito mais pobre, o socialista surpreendeu ao atingir os 28,1%.

Quando se iniciou o horário eleitoral na TV e no rádio, muitos indagavam se Freixo, com pouco mais de um minuto, teria fôlego para ameaçar a poderosa máquina peemedebista. O tamanho da onda vermelha que se formava na Zona Sul e Grande Tijuca (Tijuca, Vila Isabel, Andaraí, Méier) era a incógnita que revelaria se os cariocas voltariam às urnas no final de outubro. As comparações com a onda verde de Fernando Gabeira, originada nas mesmas regiões da cidade em 2008, eram inevitáveis.

Após 45 dias de palanque eletrônico, porém, o que se constatou foi que Freixo não só teve fôlego para avançar como cresceu tanto quanto Paes, mesmo este ocupando metade do tempo destinado aos candidatos (em agosto, as pesquisas indicavam um placar de 47% a 12% de intenções de votos totais). Uma performance superior a de Gabeira, que, no primeiro turno de quatro anos atrás, obteve 25% dos votos válidos.

No entanto, embora o percentual de Freixo e Gabeira tenham sido próximos, suas ondas propagaram-se de forma diferente. Gabeira suplantou Paes com facilidade na Tijuca e Zona Sul, ultrapassando a maioria absoluta dos votos na região. Nos bairros mais nobres (Leblon, Ipanema, Copacabana e Lagoa), bateu a casa dos 60%. Em muitos pontos das zonas Oeste e Norte, no entanto, não atingiu sequer os 15%.

Já Freixo, em que pese tenha alcançado a faixa dos 40% na Zona Sul e Grande Tijuca, venceu o prefeito em apenas uma zona eleitoral. Conseguiu, entretanto, surpreender nas zonas Norte e, em especial, Oeste, ficando entre inimagináveis 25% e 30% em pontos de Olaria, Engenho de Dentro, Padre Miguel e Realengo. Sua votação foi mais espalhada do que a de Gabeira, que teve nos bairros nobres um verdadeiro bunker.

Dois dados retratam bem a diferença entre as duas candidaturas: ambas tiveram seu pior desempenho na mesma 246º ZE, que reúne seções de Campo Grande e Santa Cruz, na Zona Oeste. Freixo, porém, levou lá quase o dobro de votos de Gabeira: 15,6% x 8,9%.  Por outro lado, enquanto o teto do socialista foi de 48%, em Laranjeiras/Cosme Velho, o do verde chegou aos 64%, em Ipanema (Freixo teve 37%).

O perfil esquerdista de Freixo em muito explica por que ele, embora com ótima votação, não encontrou nos bairros nobres respaldo igual ao de Gabeira. Sentia-se na classe média/alta mais à direita grande dificuldade em votar no PSOL, legenda vista como radical, por mais incômodo que as denúncias que pairam sobre o PMDB fluminense causasse. Não por acaso, o tucano Otávio Leite atingiu naqueles locais o patamar dos 5% (o dobro do obtido no total).

Paes, que, em 2008, tornara-se uma espécie de persona non grata para grande parte da elite carioca, dobrou, este ano, sua votação entre eles: alcançou a média de 52%. Falaram mais alto a rejeição ideológica e as obras que se multiplicam pela cidade, em detrimento do discurso da ética, geralmente tão priorizado nesses setores.

Em contrapartida, o socialista herdou grande parte dos eleitores que depositavam, no passado, seus votos no PT e no brizolista PDT, mas hoje refutam a aliança com o PMDB. Uma migração inviável de ocorrer com Gabeira devido a sua aproximação com PSDB e DEM. Some-se a isso o reconhecimento por seu trabalho na CPI das milícias, assunto que toca em especial a população da Zona Oeste, e encontramos a resposta para seu bom desempenho em bairros menos elitizados.

É bem verdade que Gabeira foi para o segundo turno, quando então perdeu para Paes por meros 55 mil votos. Mas, naquela disputa, ressalve-se, o então prefeito César Maia sofria grande desgaste e nomes como Marcello Crivela (PRB) e Jandira Feghali (PCdoB) atingiram os dois dígitos. A Freixo, faltaram outras candidaturas oposicionistas com maior poder de fogo para tirar votos do prefeito e forçar o segundo turno.

Imaginava-se que esse papel caberia à chapa Rodrigo Maia/Clarissa Garotinho, por, em tese, terem capilaridade no eleitorado mais pobre. Entretanto, mais do que a estagnação, o que se viu foi o desmantelamento da chapa. Antes do horário eleitoral, eles tinham 6% de intenções de votos. Terminaram com pouco menos do que 3%. De Otávio Leite pouco se esperava, pois a debilidade do PSDB carioca, depois do ocaso de ex-governador Marcelo Alencar, tornou-se crônica.

As famílias Maias e Garotinho foram, sem dúvida, as grandes derrotadas na capital fluminense. Rodrigo e César (DEM), de certo modo, debilitaram-se ainda mais que Clarissa e Anthony (PR), cuja força maior tradicionalmente vem da Baixada Fluminense e do interior do estado. A esposa e mãe Rosinha, ainda que sob recurso no TSE, foi reeleita prefeita de Campos com respeitáveis 70% dos votos.

Além de ter que se deparar com o pífio papel protagonizado pelo filho, César viu ele próprio sair politicamente menor. Ao decidir sair candidato a vereador, imaginava ele ser não apenas o mais votado da cidade. Almejava ser recordista de votos e, com este ativo, ser o líder natural de uma oposição mais combativa do que a da última legislatura. Integrantes do DEM afirmavam que o ex-prefeito projetava receber, no mínimo, 100 mil votos, o que levaria o partido a conquistar cerca de oito das 51 cadeiras da Câmara. Menos do que isto, sentir-se-ia derrotado.

A estratégia do ex-prefeito fazia algum sentido. Ninguém ficou mais tempo no gabinete principal do Palácio da Cidade do que ele. Por mais desgastado que estivesse, tendo ficado apenas em quarto lugar na corrida de 2010 para o Senado, doze anos no poder sedimentam um eleitorado cativo suficiente para se destacar em eleições proporcionais. Mas, abertas a urnas, veio o choque de realidade: com constrangedores (para ele) 44 mil votos, em um eleitorado de 4,7 milhões, César foi apenas o terceiro mais votado, e seu partido, bem distante das previsões, fez somente três vereadores, cinco a menos que quatro anos atrás.

Aquele que um dia sonhou ser presidente da República, liderando o campo conservador, mostrou ter se apequenado. Um declínio cada vez mais agudo iniciado em meados de seu terceiro e último mandato no Executivo municipal. Levando-se em conta a fraqueza do DEM nacionalmente e a hegemonia do PMDB no Rio de Janeiro, não parece arriscado dizer que é um melancólico fim de carreira.

Paes conseguiu votação histórica - em números absolutos e proporcionais-, usufruirá de maioria esmagadora no Legislativo (39 dos 51 vereadores) e teve êxito na missão de penetrar em segmentos que lhe eram muito críticos. Rompeu com chavões como o que apenas os mais pobres, "desinformados" e "sem instrução" votariam nele. Em 90 das 97 zonas eleitorais, faturou a maioria absoluta. Mais do que votos, ganhou maior estatura política.

Freixo, no entanto, também saiu politicamente vitorioso. Mesmo diante de dificuldades estruturais de campanha, polarizou praticamente sozinho com o prefeito. Ao contrário do que alguns diziam, sua candidatura não foi apenas "modinha" de universitário, ou "papo de intelectual". Seu partido, além de tornar-se a maior bancada de oposição (quatro vereadores), consolidou-se como o preferido da esquerda tradicional carioca. Os 115 mil votos de legenda, em contraste com os 20 mil de um PT a reboque do PMDB, sinalizam a mudança.

O crescimento do PSOL carioca encontrou ainda eco do outro lado da Baía da Guanabara. Em Niterói, terra natal de Freixo, seu candidato, Flávio Serafini, teve surpreendentes 18,4%. Ficou em terceiro lugar, atrás do petista Rodrigo Neves e do pedetista Felipe Peixoto. Definitivamente, se a onda vermelha não causou forte ressaca nas praias peemedebistas, chamá-la de mera marola é um grave erro de interpretação dos fatos.

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Em tempo: foi no noroeste do estado do Rio de Janeiro, em Itaocara, que, no último dia 7, o PSOL elegeu seu primeiro prefeito: Gelsimar Gonzaga, um ex-cortador de cana de 48 anos que virou dirigente sindical nos anos 80 e ajudou na fundação tanto do PT quanto de seu dissidente PSOL, em 2005.

quarta-feira, 5 de setembro de 2012

Eleições deprimentes

Por Matias Spektor* (Folha de S.Paulo, 05/09/2012)

O que é melhor para o Brasil, vitória republicana com Romney ou reeleição democrata com Obama? Em Brasília, ouvem-se três respostas. "Não importa". Segundo essa visão, a coloração partidária da Casa Branca não garante nada. Afinal, o PT fez negócio com a direita americana e teve problemas com a esquerda, enquanto o PSDB fez negócio com a esquerda e teve problemas com a direita. Para o Brasil, tanto faria um quanto o outro.

"Não tem como saber agora". Nesta leitura, as promessas de campanha, vagas demais, não são guia de intenções futuras. Como os republicanos estão cindidos em temas como Irã, Afeganistão e as revoltas árabes, não dizem nada substantivo sobre o tema. Obama, por sua vez, não revela grandes planos de política externa. Assim, o futuro das relações entre Brasil e Estados Unidos será definido em função das pressões do momento.

"Romney é pior". A campanha republicana já avisou que, se eleito, o candidato fará sua primeira visita internacional a Israel. Também chamou a Venezuela de pária. Em um e outro caso, há potencial de dor de cabeça para Brasília. De quebra, Romney chamou para a campanha antigos assessores de Bush que, durante sua passagem pelo poder, deixaram os Estados Unidos e o mundo muito pior do que os encontraram.

Há elementos de verdade em todas essas respostas. O que elas ignoram são os custos que virão independentemente de quem vença as eleições. O problema não tem a ver com um e outro candidato, mas com a intensa polarização entre os partidos que lideram.

O clima de Washington está mais polarizado hoje do que em qualquer momento do passado recente, e isso é péssimo para o Brasil. Significa que o próximo presidente americano terá espaço de manobra ínfimo para negociar.

As chances de uma rodada de liberalização comercial são mínimas, assunto que impacta diretamente os níveis de emprego e renda do brasileiro, além da inflação e das contas públicas. Será quase impossível completar com êxito a revisão do Direito do Mar, um tema espinhoso, mas crucial para o pré-sal, o submarino de propulsão nuclear e os projetos existentes para o Atlântico Sul.

A ausência de uma coalizão centrista em Washington também complica os rumos da economia internacional. A competição partidária predatória dificulta a tarefa de tirar a maior economia do planeta do atoleiro em que se encontra. Perdem todos os brasileiros.

Assim, o dissenso dentro dos Estados Unidos tem impacto global. O ocupante da Casa Branca perde a capacidade de oferecer concessões e barganhar. Acuado em casa, perde os meios para mostrar flexibilidade no estrangeiro. A diplomacia americana tende a ficar mais caprichosa e menos disciplinada. O debate fica deprimente.

Por isso, não há candidato bom para o Brasil. Menos pior será aquele que, ao longo de quatro anos, aspire a restaurar o centro de convergência que se perdeu.

* Matias Spektor é professor de relações internacionais da FGV-Rio. Trabalhou na ONU antes de completar seu doutorado na Universidade de Oxford.

quinta-feira, 30 de agosto de 2012

Patrimônio cultural não se vende, não se aluga, não se empresta

Por Rachel Valença* (SRZD-Carnaval, 30/08/2012)

Há cerca de um mês e meio escrevi aqui sobre as propostas de gestão do carnaval de um pré-candidato à prefeitura do Rio, Marcelo Freixo. Hoje ele já é oficialmente candidato e o assunto tem ocupado - para alegria dos aficcionados - as páginas dos principais jornais, de forma muita polêmica. Dos oito tópicos que compõem a pauta proposta pelo candidato, dois não dizem respeito ao desfile das escolas de samba, a saber: apoio a todas as instituições carnavalescas e preservação das entidades foliãs e seus espaços comunitários.

Os outros seis relacionam-se ao chamado "maior espetáculo da Terra", mas curiosamente só um tem sido debatido. Tenho, no entanto, a sensação de que ele não é o que mais incomoda. Está apenas sendo usado para tirar o foco do real problema, do verdadeiro incômodo causado pela plataforma do candidato. Por exemplo, alguém é contra a proposta de apoio às agremiações dos grupos de acesso, aquelas que mais mereceriam a atenção do poder público e hoje estão entregues à própria sorte, sem recursos e sem estrutura? Me parece que não.

Também não mereceu nenhum comentário positivo ou negativo a retomada do projeto original da Passarela do Samba, com o fim dos privilégios de camarotes exclusivos e fixos concedidos a certas escolas e a democratização do espaço para que haja ingressos a preços populares ao longo de todo o percurso e não apenas na concentração e na dispersão. Às vésperas de uma eleição, quem ousaria combater publicamente uma proposta que beneficia muitos e prejudica tão poucos?

O fim da exclusividade de transmissão televisiva de uma só emissora também parece ser uma proposta bastante democrática, pois a sadia concorrência e a possibilidade de termos diferentes olhares e abordagens sobre o espetáculo só aumenta a qualidade da transmissão. E este tópico, de tanta importância, se desdobra na proposta de gratuidade de transmissão para as tevês educativas, que, por sua natureza, privilegiaria os aspectos culturais e educacionais do espetáculo.

A TVE fez durante longo período a melhor cobertura do desfile, com comentaristas isentos e com informação precisa e relevante. Mas parece que não era esse o modelo predileto dos que se apropriaram da organização da festa, e a concorrência incomodava seus poderosos parceiros, de modo que o canal educativo foi alijado da transmissão. Com isso, perdemos nós todos, mas alguém ganhou, pois o monopólio de transmissão aí está até hoje. A quebra desse monopólio, proposta por Freixo, contraria interesses, mas ninguém protestou contra o tópico.

Toda a discussão está espertamente focada, no momento, na questão da contrapartida cultural dos enredos. Ela é vista como atentatória à liberdade de escolha e de criação. Mas, para sermos inteiramente sinceros, na escolha dos atuais enredos há liberdade? Não me parece. É o poder econômico que dita as escolhas. O bom enredo passa a ser aquele que rende mais. Azar do carnavalesco, azar do compositor, azar do componente, azar do público que assiste. É a força da grana... É o fim da criatividade e do compromisso com a cultura. E a isso chamam liberdade...

É ponto pacífico que todo cidadão, todo contribuinte deve preocupar-se com o destino do dinheiro público, saber como foi empregado e se houve prestação de contas para garantir sua correta utilização. Da mesma forma, parece bastante claro que cabe ao poder público gerir todas as atividades culturais de interesse comum.

Ninguém discute, por exemplo, que é da Prefeitura o dever de organizar e administrar a festa do réveillon em Copacabana. E ninguém apoiaria se amanhã ou depois a Prefeitura anunciasse que a festa estava desorganizada, que fazê-la funcionar adequadamente era muito difícil e que a partir de agora uma instituição privada administraria o evento a seu bel-prazer, cobrando ingresso de quem quisesse assistir, construindo camarotes para seus Vips e assim por diante.

Sempre defendi que, por se tratar de um evento cultural, o assunto escola de samba é prioritariamente pertinente à Secretaria de Cultura. É de lá que devem sair as decisões sobre assuntos relacionados à festa, norteadas sempre por fatores culturais. Em resumo, trata-se de devolver ao poder público a gestão do carnaval, principalmente dos desfiles de escolas de samba, que há muito tempo está nas mãos da entidade representativa das próprias agremiações.

Tal controle resultou em muitos acertos na organização da festa, sentidos sobretudo porque a situação anterior era de descontrole e desorganização, patenteando naquele momento a dificuldade de um órgão público na gestão do evento. Como é comum em nosso país, ao invés de tentar consertar os erros e partir para uma gestão com qualidade e transparência, preferiu-se o caminho da privatização: caminho fácil para quem não quer se preocupar com algo que no fundo não valoriza nem sequer reconhece como cultura.

Não há como negar, porém, que nem tudo funciona às mil maravilhas na atual gestão dos desfiles: os ingressos são caros, a estratégia de vendas é ultrapassada (é o único dia do ano em que meu aparelho de fax funciona e só o mantenho para comprar ingressos na central de vendas da Liesa!), os critérios de credenciamento são altamente discutíveis e resultam na aparição na pista de pessoas totalmente alheias à festa; a escolha de julgadores dá sempre margem a dúvidas e especulações quanto à competência e a isenção deles.

Tais descaminhos são vistos por todo mundo, são comentados na imprensa e nas redes sociais e todo mundo sabe como vão acabar: no gradativo desinteresse por um espetáculo que vai se tornando menos autêntico a cada ano. De um desfile que afasta de si cada vez mais o seu público legítimo, hoje quase alijado do espetáculo. De uma administração que só considera escolas de samba as agremiações do chamado Grupo Especial, entregando à própria sorte aquelas que mais precisariam de subvenção pública, mas que, ao contrário, recebem migalhas.

Todo mundo sabe, todo mundo vê. Mas falta coragem, dentro e fora das escolas, para protestar. É como se não pudesse haver volta, como se fôssemos obrigados a concordar com tudo que emana daqueles que se erigiram em donos da festa. Como se fôssemos condenados a esse destino, sem chance de mudança e de salvação.

Este é que me parece o cerne da questão: já pensaram quantos interesses serão contrariados se a gestão do carnaval voltar ao poder público? Muito mais certamente do que a exigência de contrapartida cultural nos enredos. Mas esta última é uma questão mais fácil de angariar adesões, em nome de uma pretensa liberdade.

Não me espanta que os dirigentes da Liesa saiam em defesa de seus interesses. Não me causa constrangimento que dirigentes de escolas de samba que vendem enredos defendam sua fonte de renda. O que me admira é ver pessoas bem intencionadas repetirem esses argumentos nada desinteressados, talvez por temerem o novo, talvez por considerarem que nada vai mudar mesmo.

As mudanças são possíveis e só dependem de vontade política. Se até hoje o poder público optou por se omitir, não quer dizer que tenha de ser assim, muito menos que deva ser assim. Há de ser diferente, eu espero. Pois tristeza mesmo me causou a declaração, no jornal O Dia da sexta, 24 de agosto, do prefeito Eduardo Paes, a respeito desta polêmica: "O que sei é que, em 2013, reeleito ou não, estarei na bateria da Portela".

Desculpem a sinceridade, mas de um prefeito se deve esperar, em relação ao carnaval e ao samba, bem mais do que tocar tamborim. E de um ritmista se deve espera mais dedicação e mais ensaio do que um prefeito pode dar.

* Rachel Valença é jornalista, mestre em Língua Portuguesa pela UFF. Pesquisadora do projeto de elaboração do dossiê "Matrizes do samba no Rio de Janeiro", para registro do samba carioca como patrimônio cultural do Brasil, Rachel foi ritmista e vice-presidente da Império Serrano.

terça-feira, 21 de agosto de 2012

Marola ou ressaca vermelha?

Por Murillo Victorazzo

A pouco mais de 40 dias das eleições municipais, a campanha entra, nesta semana, em sua fase mais visível: o horário eleitoral gratuito em rádio e televisão. É a partir de agora que os candidatos ganharão mais visibilidade, com os embates entre eles esquentando. Porém, ainda que muita água vá rolar até dia 7 de outubro, uma certeza já se tem: o prefeito Eduardo Paes (PMDB) larga de um patamar extremamente vantajoso, com grandes possibilidades de vencer sem a necessidade de segundo turno. 

Segundo a última pesquisa do Ibope, caso o pleito acontecesse hoje, Paes seria reeleito em primeiro turno, com 47% dos votos. Nada que surpreenda, em se tratando de uma administração bem avaliada pela população: 41% consideram seu governo ótimo/bom; 38%, regular; e 19%, ruim/péssima Em seguida, bem distante, encontra-se o deputado estadual Marcelo Freixo, do minúsculo porém combativo e ideológico PSOL, com 12%. A seguir, ainda mais longe, vêm os deputados federais Rodrigo Maia (DEM) e Otavio Leite (PSDB), com 5% e 3% respectivamente.

Além do favoritismo do atual prefeito, outras duas tendências são bem claras. Freixo surge desde já como o novo queridinho das classes médias e altas ( com exceção possivelmente de seus setores mais conservadores), destacando como a principal -e talvez única- esperança de surpresa no pleito. E o ex-prefeito César Maia e o ex-governador Anthony Garotinho correm sérios riscos de protagonizarem enorme fiasco eleitoral com a chapa composta por seus filhos. 

Com a imagem de político ético, progressista e forte opositor do governo Cabral na Alerj, características ressaltadas com seu papel à frente da CPI das milícias, Freixo tem muitas semelhança com Fernando Gabeira - embora este tenha, nos últimos anos, caminhado rápido demais para o centro. Seus eleitorados têm, não por coincidência, o mesmo perfil médio: força na Zona Sul e Grande Tijuca e entre os de escolaridade mais alta.

O socialista tem outras vantagens em potenciais perante o verde. A essa época, em 2008, Gabeira tinha menos intenções de votos do que ele agora. Com quatro pontos percentuais a mais do que mês passado, Freixo inicia aparentemente a fase televisa em condições mais promissoras. Tem, além disso, ótimas chances de atrair o eleitorado petista descontente com a aliança com Paes, algo que Gabeira não conseguiu, devido a sua aproximação com tucanos e demistas.  No primeiro turno daquela eleição, o PT apresentou candidato próprio, o deputado Alessandro Molon.

Caso a chance de segundo turno entre Freixo e o prefeito se torne mais concreta, a crise latente no PT carioca virá à tona. É bem provável que, neste caso, muitos dos petistas que ainda aceitam engolir Paes ou os que, como Molon, negam-se a fazer campanha para o prefeito mas não declararam, por hora, voto em outro candidato, juntem-se aos dissidentes do partido que já se bandearam para o PSOL. Petista histórico, Chico Buarque, por exemplo, já foi para lá. (foto acima)

Por outro lado, a favor de Paes diga-se que ele, antes de iniciar o período televiso de 2008, também tinha menos intenções de voto do que hoje - quase a metade! Para se ter melhor noção, o resultado do primeiro turno foi 28% x 22% a seu favor, contra Gabeira. Quatro anos depois, com a força das máquinas municipal, estadual e federal, um governo com boa aprovação e um enorme arco de quase 20 partidos a seu favor, o que lhe dá disparado o maior tempo de televisão, sua largada é mais do que promissora.

Seu favoritismo fica mais evidente quando se olha para os outros candidatos oposicionistas. Embora com mais tempo de televisão que o socialista, Maia sofre com o maior índice de rejeição: 32% afirmam que nunca votariam no filho de Cesar. Para quem parte de apenas 5% (mesmo número da pesquisa anterior), é um horizonte desalentador. Segundo o jornalista Fernando Molica, de O Dia, o núcleo de sua campanha sentiu o baque após a divulgação da pesquisa. Apesar das dificuldades conhecidas perante Paes, não imaginavam que Freixo se consolidaria tão rápida e nitidamente na vice-liderança. Depressão e constrangimento, conta Molica, seriam as palavras mais usadas no QG demista.

A candidatura do jovem Maia nasceu problemática. A baixa votação de Cesar na eleição para o Senado, em 2010, demonstrou o tanto que seu grupo está desgastado entre os eleitores cariocas depois de 12 anos no Executivo municipal. A lembrança de seu último mandado causa arrepios em quase toda a população. Junto ao filme queimado do pai, Rodrigo carrega consigo na chapa a deputada Clarissa Garotinho, cujo sobrenome é ainda mais nauseante para boa parte do eleitorado - especialmente, os que, nas últimas duas décadas, despejaram votos em Cesar. 

A arriscada coligação DEM-PR foi costurada mirando em 2014, quando Garotinho pai tentará voltar ao Palácio da Guanabara. Seu desejo é ter Cesar como vice, num inversão da chapa atual. Na eleição estadual, com o interior e Baixada votando, a estratégia tem bem mais chances de dar certo. Mas, na capital, a união de dois sobrenomes desgastados, somada à repulsa por aliança de tão desiguais e ex-figadais adversários, é uma cruz pesada demais para um político sem traquejo retórico. 

Não se deve subestimar os conhecimentos sobre pesquisas e  marketing político de Cesar. Com o início do horário eleitoral, Maia deve apresentar algum crescimento. Mas o mais provável é que a ascensão seja mínima. Salvo um fantástico programa de TV que mitigue tais adversidades, nada mais do que isso se notará. Nos ditos formadores de opinião, Freixo leva vantagem; entre os mais pobres, Paes reúne mais ferramenta de sedução.

Cesar sabe que o terreno está minado para seu grupo. Sua candidatura à Câmara dos Vereadores, no fundo, é um confissão subliminar de seus limites atuais. Pretende ser o vereador mais votado da cidade para, como o líder da provável oposição, voltar aos holofotes com mais frequência. Assim, daqui a dois anos, tentaria voos maiores, seja novamente o Senado ou, como sonha Garotinho, a vice-governadoria.

Com 3% de intenções de votos, Leite deposita também suas esperanças  na televisão. Espera que a aparição de figurões tucanos como o ex-presidente Fernando Henrique, e os ex-governadores José Serra e Aécio Neves turbine sua candidatura. Pouco provável. A fraqueza do PSDB carioca é mais do que reconhecida. 

Exceto o período no qual o ex-brizolista Marcelo Alencar transferiu seu prestígio ao partido, chegando ao Guanabara (1995-1998), raramente um tucano na cabeça de chapa alcançou dois dígitos na cidade e no estado do Rio. Isso sem contar que até mesmo os presidenciáveis da legenda costumam ter nelas um de seus calcanhares de Aquiles. Nem Fernando Henrique escapou. Serra, só para recordar, ficou em terceiro lugar entre os cariocas, em 2010.

Freixo tem alguns difíceis obstáculos a ultrapassar: o pouco tempo de televisão e o eleitorado das regiões mais carentes da cidade, ainda indiferente a seu nome. Paes sabe que a figura do empresário Fernando Cavendish e a patética foto dos guardanapos na cabeça em Paris, episódios que mancharam a imagem de Cabral, podem também lhe atingir. Certamente o crescimento do PSOL, em grande parte, já é efeito da lambança. A dúvida é se ela se disseminará pelas classes menos escolarizadas. Ao mesmo tempo, Maia terá dificuldade em usar o escândalo estando ao lado de Garotinho. É complicado pregar ética tendo a Cidade da Música e uma vice com tal sobrenome à sua sombra. 

As tendências estão nítidas. Resta agora elucidar algumas incógnitas. Só assim saberemos  se a onda vermelha de Freixo será apenas uma marola ou tomará a proporção suficiente para causar uma bela ressaca nas praias peemedebistas.



sexta-feira, 17 de agosto de 2012

O cansativo complexo de vira latas



Por Murillo Victorazzo

Indignar-se com corrupção e problemas sociais, entende-se e deve-se compartilhar. No entanto, é incompreensível como tem brasileiro com complexo de vira lata que, além de subestimar a capacidade de seus compatriotas em organizar eventos, vem logo ridicularizar até a cultura da própria terra, seja falando sério ou com piadinhas. Cultura essa que de tão bela, rica e diversificada é elogiada no mundo inteiro. 

Ele fala tanta besteira que mal sabe que está apenas demonstrando ignorância sobre suas próprias raízes e, principalmente, sobre  "lá fora". Prefere, de cara, baseado em  concepções prévias, quase sempre clichês enfadonhos, supervalorizar as coisas dos outros, qualquer que sejam elas. 

Respeito, gosto e admiro muitos países, mas amo apenas um: o meu! Minha terra, minha cultura, minha cidade, que agora é OLÍMPICA! Nada a ver com nacionalismo ou ufanismo barato, que repudio da mesma forma. Uma coisa é ter aversão ao que não é nosso, ou crer que somos sempre os melhores. Estou muito longe disto. Outra é amar e valorizar o que é seu, sabendo que não é questão de ser melhor ou pior, mas apenas diferente. 

Defeitos, temos; os outros povos também. Críticas são sempre necessárias. Sou o primeiro a fazê-las. Mas autodepreciação beira o patético. Como diz o poema de Fernando Pessoa: "O Tejo é mais belo que o rio que corre pela minha aldeia. Mas o Tejo não é mais belo que o rio que corre pela minha aldeia. Porque o Tejo não é o rio que corre pela minha aldeia".  

É por isto que não consegui deixar de me emocionar com o vídeo da música-tema das Olimpíadas de 2016 (vídeo acima). Tive que compartilhar. A nossa Olimpíadas!

segunda-feira, 23 de julho de 2012

Castigo divino sobre a Academia do Samba

Por Murillo Victorazzo

Julho é já mês de carnaval -pelo menos para quem ama o samba e acompanha o desenrolar de suas escolas durante todo o ano. Nesta segunda-feira, a LIESA sorteou a ordem dos desfiles do Grupo Especial de 2013. E, como desgraça pouca é bobagem, o resultado não foi nenhum pouco entusiasmante para a comunidade salgueirense. Na maré oposta, portelenses e o povo de Vila Isabel têm motivos para comemorar.

Além de vir com um pouco empolgante enredo, a querida vermelha e branca da Tijuca terá a ingrata missão de ser a segunda a entrar no domingo de carnaval, dia 10/02. Já a azul e branca de Madureira e a da terra de Noel serão as últimas a se apresentar em seus dias- e com temas potencialmente ricos.

Depois de dois belos desfiles, com enredos elogiadíssimos, o Salgueiro, por questões financeiras, decidiu ir à Sapucaí falando sobre a fama. Patrocinado pela revista Caras, o tema foi muito mal recebido pela imprensa especializada e o mundo do samba. O receio de que a escola se diminua, servindo apenas para odes a artistas globais e Big Brothers, foi inevitável.

A carta divulgada pela presidente Regina Celi às vésperas da oficialização do enredo serviu para as críticas aumentarem. O consenso foi de que, indiretamente se tratava de uma espécie de mea culpa antecipada. "Família Salgueirense, esteja certa de que JAMAIS faremos qualquer coisa que não seja na melhor das intenções (...) As críticas são válidas e só nos encorajam a cada vez mais nos dedicarmos ao espetáculo", dizia ela.

Enredos ruins não são novidades no carnaval carioca. Novidade foi a confissão de culpa. Mesmo sabendo da genialidade do carnavalesco Renato Lage -para este jornalista, o melhor do carnaval carioca-, a sinopse, lançada semanas depois, não conseguiu alterar muito o ceticismo.

Tentando mudar essa impressão, o diretor de Carnaval da escola, Dudu Azevedo, garantiu que a comunidade está satisfeita com o tema. "Na verdade, este enredo é tudo o que o salgueirense quer. Ele permitirá que nossa harmonia trabalhe os componentes, para que a comunidade brinque e se divirta", afirmou ao site SRZD-Carnaval.

Além de assegurar de um desfile leve e alegre, Dudu refutou qualquer superficialidade no desenvolvimento do carnaval da escola: "Não será nada superficial ou fraco como algumas pessoas estão apostando. Vai ser muito além disso, vai surpreender".

Mas, como num sinal de que a fase da querida e respeitada presidente salgueirense não é das melhores, coube a ela tirar a malfadada bolinha número dois, no sorteio realizado na Cidade do Samba. Os mais ácidos não perdoaram. Evocaram os deuses do carnaval para ironizarem ser um castigo pela escolha de tal enredo.

A safra de enredos para 2013, à primeira vista, está longe de ser das melhores. Muitas outras escolas deveria então ser castigadas de algum modo. No entanto, tem razão quem defende que, pela qualidade de seu Departamento Cultural -provada pelos criativos e bem estudados temas apresentados até então- o Salgueiro merece maior rigor nas críticas. Ninguém é a Academia do Samba à toa!

Castigo ou não, por enquanto, a certeza de mais um belo desfile não é a mesma dos últimos dois anos. Cravar que a escola entrará na Avenida como uma das três principais favoritas, como em 2011 e 2012, é, no momento, precipitação e ousadia para poucos salgueirenses. Sensação corroborada pela declaração de Regina após o sorteio. "Se Deus quiser, faremos um grande carnaval e voltaremos no Sábado das Campeãs", disse. Nada falou sobre título...

Depois da constrangedora carta, Regina teria, talvez inconscientemente, sinalizado outra jogada de toalha antecipada? Só o decorrer dos meses dirá. Mas é inegável que as circunstâncias nos levam a crer que, em 2013, o mago Lage e toda comunidade salgueirense terão que se superar. Resta a torcida para que as palavras de Dudu Botelho se confirmem...

Sinopse:

"FAMA"

Num dia perdido na Antiguidade
Um cara sacou com sagacidade
Que o tempo passa e a vida é breve
- Vou deixar a minha marca
mesmo que ela seja de leve
Então daraõ faz da tumba moradia
Vestiu-se de múmia, a sua fantasia
E assim se tornou peça de museu,
Atua no cinema pra dizer que não morreu
A Fama atrai os conquistadores
O Grande Alexandre cortejou os escritores
Mandou os poetas divulgarem o que ele fez
E assim na história ele teve a sua vez
Ora se esconde, ora se revela
A máscara no rosto é uma interrogação
Não sei se a mocinha é princesinha bela
Se diz uma mentira, e tem cara de fera!
E lá na Europa, um nobre de bom trato
Chamou o pintor pra fazer o seu retrato
e Luís Quatorze entrou pra galeria
E o três por quatro ganhou a freguesia
É muito importante saber que eu existo
Os Beatles seriam mais famosos do que Cristo?
John Lennon pirou numa onda brava
Tem caras tão famosas quanto
a foto de Che Guevara
Calma, Beth! Não vou jogar confete
Eu vou criticar você e lançar na internet
Se quer estar bem na foto tipo modelo fashion
que tal umas comprinhas no photoshopíng?
boca, olho, nariz e "mucho más"
você vai se transformar numa sereia TOP!
Deixe que a fama te leve e afama
Deixa ela falar, que é que tem
Vou brilhar
Eu estou fazendo tudo para aparecer
Que tal bater a foto assim juntinho com você?
Há mais de vinte anos
Já conto as linhas do tempo
Minha marca já deixei, e com isso me contento
Fama que não se contesta
Já virei "arroz de festa"!
Mas é preciso ter cautela
Pra "mosca azul" não te picar
Porque na vida é assim
Um sobre e desce sem parar
e na televisão, na revista ou no jornal
A fama disputa lugar no carnaval
Apenas, diferente, eterno e guerreiro
Quem corre mundo afora é a fama do Salgueiro!



domingo, 15 de julho de 2012

Olimpíada não é para vira-lata

Por Alberto Carlos Almeida* (Valor Econômico, 15/06/2012)

Vários pseudoanalistas dos preparativos do Brasil para a Copa do Mundo de futebol e para a Olimpíada unem seus tipicamente brasileiros complexo de inferioridade e provincianismo. O resultado é uma afirmação que em breve, muito breve, se mostrará equivocada: fracassaremos como sede desses dois grandes eventos esportivos internacionais. Ninguém fracassou, isso será um infortúnio somente nosso.

Há algumas semanas, nesta mesma coluna, mostrei quais motivos levarão nossa Copa do Mundo e também nossa Olimpíada a serem um sucesso retumbante. Fracassarão, sim, as análises que afirmam o contrário - que têm como um de seus pilares o complexo de inferioridade.
Nosso complexo de inferioridade foi eternizado por Nelson Rodrigues quando afirmou que o brasileiro se achava um cachorro vira-lata e só deixou de pensar assim quando fomos campeões pela primeira vez em uma Copa do Mundo, em 1958. A partir daquele evento, o brasileiro, afirmou Rodrigues, sentiu orgulho de ser brasileiro e bateu a mão no peito, afirmando: somos os melhores do mundo, estamos no topo do mundo.

Um dos esportes prediletos de um sem-número de jornalistas é afirmar que o Brasil é pior do que todos os países em tudo, ou quase tudo. Os ingleses são cães de raça, talvez um Yorkshire Terrier os represente, os alemães são pastores alemães puros, a Dinamarca tem sua raça pura, o dinamarquês. O São Bernardo pode representar um suíço ou até mesmo um italiano, uma vez que o Império Romano foi importante na constituição dessa raça também pura. Nós, brasileiros, coitados de nós, somos vira-lata mesmo, essa mistura bastarda de europeu branco, com africano e índio originário das Américas. Um vira-lata dessa natureza, pensam nossos pseudo-analistas, não tem a menor condição de ser anfitrião de uma Copa do Mundo de sucesso.

O complexo de inferioridade tem um grande aliado: o provincianismo. Para afirmar que o Brasil é diferente dos outros países, diferente para pior, é preciso desconhecer o que acontece além-mar. Para afirmar que somos específicos para pior é preciso ignorar solenemente que todos os países têm problemas e que não são, necessariamente, nem melhores nem piores do que os nossos. São provincianos mesmo tendo acesso à internet.

O provincianismo não se combate com acesso à internet. O provincianismo é uma atitude, uma visão de mundo. O indivíduo provinciano pode ter todas as ferramentas de busca em suas mãos, mas jamais lhe passará pela cabeça procurar defeitos e problemas em outros países. Proponho, então, que esses representantes de nosso complexo de vira-lata entrem hoje na internet para procurar saber o que está acontecendo em Londres.

A Olimpíada britânica será iniciada em 27 de julho e já começou uma campanha do governo inglês solicitando que as pessoas não utilizem o metrô, ou utilizem muito menos, durante os jogos. Afirma-se publicamente que o sistema de transporte londrino entrará em colapso caso os habitantes da capital não modifiquem por 15 dias seus hábitos de transporte.

Será que, se nossos pseudoanalistas forem enviados para Londres, vão afirmar que deve ser horrível viver em um país que não se preparou adequadamente para a Olimpíada? Vão dizer que a Inglaterra fracassou mesmo e que não é à toa que deixou de ser um império? Afinal, eles precisam, um mês antes do início dos jogos, pedir para a população não sair de casa. Chegaram ao absurdo, devem pensar os pseudoanalistas do fracasso, de decretar ponto facultativo para os funcionários públicos. Isso mesmo, o governo britânico tem afirmado, em alto e bom som, que durante os jogos os funcionários públicos devem procurar trabalhar em casa. Imaginem quando isso acontecer no Brasil.

A má vontade da nossa imprensa em relação ao Brasil contrasta com a subserviência com que analisa os fatos que ocorrem em outros países. O executivo-chefe do sistema inglês de transporte sobre trilhos, Sir David Higgins, afirmou recentemente que "coisas ruins acontecerão durante os jogos olímpicos, mas não devemos entrar em pânico". Sir Higgins foi além e disse que "haverá corte de energia nas linhas, haverá roubo de cabos, haverá parada não programada de trens, provavelmente haverá suicídios nas linhas".

O argumento realista de Sir Higgins é simples: se isso sempre acontece em períodos de 30 a 60 dias, também acontecerá no período que compreende a entrada e saída dos turistas que verão os jogos. Imaginem o que diriam nossos jornalistas vira-lata se uma autoridade brasileira afirmasse que o que acontece normalmente em períodos não olímpicos também tende a acontecer durante a Olimpíada. Isso é encarado de forma natural por quem não sofre do complexo de vira-lata - no caso, os ingleses -, mas se torna um exemplo de fracasso absoluto quando se pensa movido pela inferioridade.

Não somente os funcionários públicos estão sendo estimulados a trabalhar em casa durante a Olimpíada. Todos os bancos da City londrina estão fazendo a mesma recomendação a seus empregados. Solicitam também, àqueles que puderem, que dividam seu apartamento ou casa com amigos, e liberem, assim, espaço para alugar a turistas e visitantes. Afinal, não há vagas de hotéis suficientes para abrigar tanta gente.

Mais de 10% do PIB britânico são produzidos pelo mercado financeiro. A imprensa moderna, em particular os jornais, tem boa parte de sua história ligada ao mercado financeiro britânico. A pontualidade também. Ou seja, uma das mais respeitadas e importantes instituições do mundo vem agora solicitar que seus empregados trabalhem em casa e dividam suas residências para que a Olimpíada transcorra da forma mais normal possível. No Reino Unidos, isso não é sinal de fracasso. Só pensa assim quem tem complexo de vira-lata.

Um documento do governo britânico intitulado "Preparing your business for the Games" alerta para o possível colapso da internet durante a Olimpíada. Alerta também para o fato de que o sistema de telefonia celular ficará mais lento, porque haverá uma sobrecarga. Tudo isso fará com que trabalhar em casa se torne uma solução para o transporte, mas um problema para os negócios. Dito em português simples: se correr, o bicho pega; se ficar, o bicho come.

Londres foi escolhida para sediar os jogos em 6 de julho de 2005. Os críticos do Brasil deveriam se perguntar o que os ingleses fizeram durante todo esse período, se agora não têm um sistema de transporte que dê conta do evento, não têm vagas de hotéis suficientes, a internet não está preparada, tampouco o sistema de telefonia celular. Se forem justos com o Brasil, tais críticos terão que afirmar que a Olimpíada de Londres já é um fracasso. Afinal, é o que se diz hoje da nossa Copa do Mundo.

Os ingleses tiveram a sapiência, que nós brasileiros também temos, de não preparar um cidade nem um país para uma situação de pico. Isso mesmo: não faz o menor sentido prover todas as vagas de hotéis necessárias para uma Olimpíada, justamente porque se trata de um evento único. Se isso for feito, essas vagas ficariam ociosas por muitos anos. O raciocínio se aplica a toda e qualquer infraestrutura. Não faz sentido preparar um país inteiro, com todo o transporte, vagas de hotéis, internet, telefonia celular, para que dê conta, com total eficiência, de um afluxo de turistas que só ocorrerá uma vez na história. Seria um completo desperdício de recursos.

O que é racional e não desperdiça recursos é pedir a colaboração da população, é trabalhar em casa, é decretar ponto facultativo. Ora, se os ingleses, inventores do capitalismo, da democracia e do futebol fazem isso, por que nós, brasileiros, não devemos fazer também? Se na Inglaterra isso não é sinal de fracasso, não deverá ser no Brasil. Caso contrário, haverá dois pesos e duas medidas: quando se analisa a Inglaterra, não se supõe o fracasso; quando se analisa o Brasil, ele é visto pelas lentes do complexo de vira-lata.

Lamento contrariar nossos pseudoanalistas do fracasso e afirmar que tanto nossa Copa do Mundo quanto nossa Olimpíada serão um grande sucesso. Ingleses e brasileiros são igualmente flexíveis. A diferença é que nós chamamos a flexibilidade de jeitinho, que possibilita utilizá-la com maior margem de manobra para vencer obstáculos.

Sediar uma Copa do Mundo ou Olimpíada, como nos mostra Londres, coloca um grande desafio para quem o faz: prover o que os turistas precisam, sem ter que criar toda a infraestrutura necessária para isso, pois seria um desperdício de recursos. Nosso povo não deve nada aos ingleses em matéria de colaboração e flexibilidade. É por isso que o sucesso do Brasil na Copa do Mundo e do Rio de Janeiro na Olimpíada será idêntico ao sucesso de Londres agora. Por favor, não esqueçam de Sir David Higgins.

*Alberto Carlos Almeida, sociólogo e professor universitário, é autor de "A Cabeça do Brasileiro" e "O Dedo na Ferida: Menos Imposto, Mais Consumo".

sexta-feira, 13 de julho de 2012

Maluf, PT e PSDB: tratamento desigual para iguais

Por Murillo Victorazzo

A foto do ex-presidente Lula com o deputado Paulo Maluf foi a grande polêmica política do mês. Dois inimigos figadais, décadas depois de xingamentos e posições políticas diferentes, por causa de pouco mais de um minuto do horário eleitoral, se abraçavam para selar a aliança entre seus dois partidos. Os jornais e as redes sociais deram destaque gigantesco ao fato. As críticas, com grande grau de razão, foram quase unânimes, variando da decepção ao nojo, do sarcasmo à catarse.

O desprezo pelo excesso de pragmatismo é mais do que justificado. Mas o espanto, de certo modo, pareceu ter esbarrado no exagerado. E, se puxarmos pela memória a reação a outras alianças inesperadas feitas por Maluf, o destaque e tom dados por grande parte das mídias, foram, no mínimo, desiguais.

Entende-se o susto dos tradicionais eleitores do PT com a aliança, especialmente os de São Paulo. O partido foi fundado alvejando o malufismo. A política paulistana dos anos 80 e 90 foi jogada tendo um lado como a antítese do outro. Discursos eloquentes, brigas e xingamentos entre seus militantes eram comuns em época de eleição, inclusive nas ruas.

No entanto, após todas as polêmicas alianças feitas por Lula nesses nove anos em que o PT comanda o poder federal, e um apoio no segundo turno de Maluf à Marta Suplicy, contra José Serra, em 2004, beira a ingenuidade pensar que tal cena seria impossível. Se Lula já beijara a mão de Jáder Barbalho, apoiara José Sarney e abrigara Fernando Collor em sua base governista, não há razão para tanta surpresa?

Os três, assim como Maluf, são os mais bem acabados representantes de um tipo política contra qual, até o final da década de 90, as lideranças petistas pareciam lutar. Mas, em momento algum, viu-se constrangimento no rosto deles com os novos companheiros. Será, então, que algum eleitor petista deveria crer que o partido ainda coloca a coerência e sua história à frente da realpolitik? Ou que tem valores morais muito diferentes das demais legendas?

Ainda mais incompreensível é a parcela do eleitorado que, há muito, tem aversão a Lula e ao PT mostrar-se perplexa com o acordo. Ou bravatear que a foto era "prova" de que não se deveria votar em Fernando Haddad. Embora não se tenha dado destaque semelhante, por muito pouco Maluf não acabou no palanque de José Serra. No leilão por mais tempo de televisão, o PT foi apenas quem bancou mais.

É muito difícil crer que tais eleitores, majoritariamente simpatizantes dos candidatos do PSDB nas últimas eleições, se indignariam e abandonariam Serra se a tentativa de acordo dos tucanos com o PP tivesse dado certo. Votariam eles em Haddad em protesto? Certamente não. Mandariam cartas para jornais ou teceriam, nas redes sociais comentários negativos sobre o tucano?

Se não se incomodaram com a bem menos difundida foto de Serra com o ex-ministro Alfredo Nascimento, aquele demitido por Dilma por denúncias de corrupção ano passado em um escândalo que propiciou inúmeros discursos indignados de parlamentares tucanos em defesa da ética, por que pensar que seria diferente no caso de Maluf?

Em um típico caso de esquizofrenia (ou hipocrisia) eleitoral, exigem do político rival a coerência e na formação de alianças que não exigem de seu candidato. Sob o discurso da ética, escondem uma espécie de catarse, como se dissessem: "Está vendo, nunca me enganei." Mas esta satisfação disfarçada serve para, usando a questão moral,  tentar justificar suas antipatias ideológicas pré-concebidas. Afinal, a roubalheira petista surpreendeu até mesmo seus adversários históricos.

Alguns, tanto opinião pública como articulistas, tentam argumentar que a exigência sobre o PT deve ser maior por ter ele nascido e se notabilizado como um partido “diferente” – em outras palavras, imune às bandalheiras da politicagem tradicional. Não há dúvida de que se exige mais de quem mais se espera. Mas o que esses, por falta de memória ou conveniência, não lembram é que o PSDB também nasceu com a bandeira da ética.

Há 24 anos, políticos resolveram sair do PMDB por discordância dos métodos empregados pela cúpula partidária, liderada pelo então governador paulista, Orestes Quércia. Na época, a dissidência foi retratada como uma vitória interna da "banda podre" sobre os "autênticos" do partido, que, além disso, queriam mais espaço para elaborar um projeto de moderna social democracia para o país.

Por seu discurso ético e seus principais representantes serem oriundos da luta pela redemocratização, Maluf, figura-símbolo da ditadura, também, desde o inicio, foi a personificação de tudo que o novo partido combatia. A rejeição virulenta ao malufismo está no gene tucano.

Não é difícil puxar pela memória o grau de inimizade entre Mário Covas e Maluf, o que um dizia sobre o outro, a virulência dos debates entre eles, a ponto de o tucano, já doente, perto de falecer, sair do hospital para declarar voto em Marta Suplicy, no segundo turno do pleito paulistano de 2000.

Tal passado, porém, não impediu Serra de se aliar a Quércia nas eleições presidenciais de 2010. Ou de o governador Geraldo Alckmin indicar afilhados políticos de Maluf para Companhia de Desenvolvimento Habitacional e Urbano do Estado de São Paulo (CDHU). Além de abrir as já mencionadas negociações para a disputa deste ano.

É justo recordar ainda que o então presidente Fernando Henrique se manteve distante do segundo turno das eleições para o governo paulista em 1998. Sua surpreendente postura - pois na disputa estava seu velho companheiro de lutas Covas - deu-se para não melindrar o outro candidato, integrante de partido de sua base governista e apoiador de sua reeleição. Quem? Maluf. Uma situação que provocou profunda irritação entre os "covistas".

Diante deste quadro, é custoso não descrever como igualmente contraditório um partido com esse passado e que, hoje na oposição, tem como principal discurso a luta contra a corrupção petista obter o apoio do PR do "mensaleiro" Valdemar e de Alfredo Nascimento. E incompreensível (ou não) a diferença de destaque dado aos dois fatos.

Talvez por isso, mas principalmente pelo momento de distensão que vive com a presidente Dilma, o próprio Fernando Henrique acabou por admitir que a oposição teria dificuldades em atacar o PT pela aliança com Maluf. “Não acredito que muitos possam fazer uso desse episódio, pois já se aliaram também ao Maluf e aoutros partidos”, disse. Indagado se Serra poderia usar a polêmica foto, foimonossilabicamente sucinto: “Não”.

A comparação não deve servir para justificar um erro pelo outro. Trata-se, sim, de se incomodar com os pesos e medidas desiguais, que acabam por apagar de forma enviesada e maniqueísta, para não dizer oportunista, as contradições passadas de um dos lados. Terminam por demonizar o réu recente ao mesmo tempo em que santificam o mais remoto, transformando o discurso ético de políticos, militantes e simpatizantes dos dois partidos em um festival de cinismo e demagogia. O falacioso Fla X Flu da moralidade.

Para o bem e para o mal, PT (intelectuais de esquerda e sindicalistas) e PSDB (intelectuais de centro-esquerda) têm muitas semelhanças - mais do que eles gostariam. Suas brigas lembram as costumeiras discussões de irmãs que se odeiam, mas compartilham um passado em comum e dependem uma da outra para viver. Em termos de moral, a diferença é apenas o momento em que perderam suas auréolas: a dos petistas se foi no início do século; a dos tucanos, em um passado um pouco mais distante.

terça-feira, 12 de junho de 2012

Superação e drama rubro-negros: a crônica da mediocridade anunciada

Por Murillo Victorazzo

Superação. A palavra, que, no esporte, nos remete à quebra de recordes e à desafios vencidos, anda em voga no Flamengo. Mas, para a infelicidade de sua imensa torcida, nada tem a ver com desempenhos louváveis do time em campo. Remete-nos, muito pelo contrário, à insuperável capacidade da atual diretoria de ultrapassar a barreira do ridículo a cada crise enfrentada. O poço do patético parece não ter fundo por lá.

Especialmente desde o início da pré-temporada, em janeiro passado, a Gávea vem nos dando exemplos de como se superar em incompetência e desleixo financeiro e profissional. Vem, por consequência, também nos ensinando com clareza como a bagunça fora das quatro linhas se reflete dentro delas. A tragicômica eliminação na primeira fase da Libertadores é o mais puro retrato do pastelão protagonizado pela trupe de dona Patrícia Amorim.

O auge -até agora- foi o caso Ronaldinho Gaúcho. A presidente e seus asseclas conseguiram permitir que o indisciplinado e cínico jogador saísse da Gávea por iniciativa própria. Ao, lenientemente, passar a mão em sua cabeça após as inúmeras demonstrações de falta de respeito com os companheiros de time e torcida, ao mesmo tempo em que não lhe pagava parcela do acordado, deu-lhe o álibi perfeito para justificar suas molecagens e conseguir nos tribunais o fim do seu vínculo com o clube.

Se o episódio em si já era reprovável, a maneira como a diretoria reagiu a ele foi ainda pior. Na ânsia de tentar se explicar e dar o troco, Patrícia deu a torcida mais motivos para execrá-la. Divulgou um vídeo que, se, por um lado, mostrava a indisciplina do jogador, por outro, comprovava que Vanderley Luxemburgo, então treinador, tinha razão ao pedir alguma sanção contra o pseudo-atleta.

À época, os mesmos cartolas se apressaram a negar o fato, fragilizando a autoridade de Luxemburgo, que, logo depois, veio, ele sim, a receber o cartão vermelho. Terminaram por tornar certeza  o que se suspeitava há meses: Luxemburgo acabou caindo não por seus inúmeros erros, mas por um de seus poucos acertos. Não resistiu ao bater de frente com o ex- queridinho e hoje inimigo figadal da trupe. Este, aliás, nunca precisou ficar sem receber para mostrar sua índole. Seu histórico no Barcelona e Milan nos diz tudo.

Mas, com fôlego de ótima nadadora que foi, Patrícia consegue superação sobre superação dentro de um mesmo episódio. Pena que no pior sentido possível. Seu vice-presidente Jurídico, Rafael De Piro, tornou-se figurinha constante nos jornais para bravatear "tiros de canhão" contra o ex-intocável. Alardeou, assim, um exame de sangue que provaria o estado alcoolizado de Ronaldinho antes de um treino. Não bastasse a mesma incoerência de admitir o que desmentira tempos atrás, a revelação serviu para, uma semana depois, o nobre advogado galgar mais um andar no pódio dos caras de pau.

Perdido, primeiro revelou que o exame não havia sido encontrado nos arquivos do clube. Depois, diante da negativa indignada do doutor José Luis Runco sobre a existência do exame, teve que confessar "ter se enganado". Não satisfeitos em perder o pouco de credibilidade que lhes restavam (se é que ainda havia alguma), conseguiram desmerecer e entrar em conflito com um dos poucos setores realmente profissionais da Gávea, o Departamento Médico. Um misto de incompetência e irresponsabilidade inaceitável para quem deseja ficar mais três anos no clube mais popular do país. E com o agravante, dessa vez, de se tratar de estratégia de defesa na Justiça, em um caso que pode lesar em R$ 40 milhões os cofres rubro-negros.

O atributo mais importante de um homem é a dignidade. Erros acontecem, é humano. Pode-se ou não relevar, dependendo da frequência e gravidade. Mas falta de vergonha na cara é indesculpável, sendo a autocrítica ainda mais importante do que qualquer juízo feito por terceiros. Quando se é um dirigente, seja lá do ramo que for, o grau de exigência deve ser ainda maior. Pelo menos, deveria, porque atualmente, nos salões da Gávea, não há espaço para o medo do ridículo. A atual diretoria do Flamengo aperfeiçoa diariamente a arte da total ausência de respeito a si próprio.

A falta de competência e de consideração com os associados e torcedores não surpreende mais. Dessa turma, os flamenguistas não esperam mais nada. Após tantos atos e declarações levianos, o que intriga é saber se Patrícia e seus vice-presidentes, em especial De Piro e o de Finanças, Michel Levy, conseguem encarar o espelho. Aparentam não tê-los em casa; e se os têm, neles não refletem brio algum. Senão, das duas uma: ou Patrícia teria demitido ontem imediatamente De Piro ou ele mesmo teria pedido seu afastamento.

Na novela das omissões da presidente, o capítulo Ronaldinho foi apenas mais um. Zico que o diga. Esperar sua renúncia é ilusão, até mesmo porque seu mandato termina daqui a seis meses. Movimentar-se para evitar sua reeleição poderia ser a esperança de um futuro melhor para o Flamengo, com dirigentes, no mínimo, que prezem a honradez e tenham comando. As perspectivas, contudo, são desalentadoras, se a opção oposicionista se resumir a um nome ungido da união de Márcio Braga e Kléber Leite, como visto na reunião no Teatro Leblon, na última segunda-feira.

Caso consiga derrotar Patrícia nas urnas, o que esperar de um presidente eleito sob as bênçãos desses dois nomes? A resposta, apenas o futuro poderá nos dar. Por hora, só temos a certeza de que o tabuleiro político da Gávea continua sendo de uma mediocridade tão vexatória quanto dramática. E que, além de decepção, foi uma triste ironia conhecer o sentido negativo de superação justamente através de alguém que, como atleta, quebrou inúmeros recordes sul-americanos com profissionalismo.

terça-feira, 15 de maio de 2012

A convocação de Gurgel e os limites da politização

Por Murillo Victorazzo

A convocação ou não do procurador-geral da República, Roberto Gurgel, tornou-se a principal polêmica das primeiras semanas da CPI do Caso Cachoeira. Deveria ele esclarecer por que não pediu abertura de processo contra o senador Demóstenes Torres (sem partido-GO) em 2009, quando a Operação Vegas já teria indícios de seu envolvimento com o contraventor Carlinhos Cachoeira? Sem entrar na conveniência jurídica do pedido, já que Gurgel alega estar impedido de ir à comissão por ser autor da ação contra o senador, o que se viu foi uma excessiva politização - ou partidarização -do caso. E foram vários seus autores: o partido governista, a oposição, a procuradoria e setores da imprensa.

Não dá para negar que colocar sob suspeição o procurador que irá sustentar  o processo do mensalão é de interesse de pessoas ligadas aos réus. Seria ingenuidade achar que não seria útil para setores do PT ofuscar Gurgel, colocando-o na berlinda no momento em que o julgamento no STF se aproxima. Mas, se já não é o ideal, embora comum, um político politizar questões como esta, pior é o procurador-geral segue o mesmo caminho.

Em vez de se defender usando razões ponderadas e técnicas, Gurgel preferiu partir para o ataque usando o argumento de que mensaleiros estariam com medo de sua atuação no julgamento. Calados até então, os líderes oposicionistas aproveitaram o gancho e repetiram em tribunas e entrevistas sua versão. O PT quer mudar o foco da CPI para pressionar procuradores e ministros do STF, acusou o senador Álvaro Dias (PR), líder do PSDB no Senado.

Muito provavelmente Dias tem alguma razão. Mas restringir o imbróglio a este embate significa erro de escopo similar. É demasiadamente simplório limitar aos interesses petistas a pressão por esclarecimentos mais detalhados. Basta ler o posicionamento de oposicionistas integrantes da CPI. Mesmo que tenham evitado pedir explicitamente a convocação de Gurgel, alguns deles também vieram à público criticá-lo por somente agora, após a Operação Monte Carlo, ir ao STF contra o senador goiano.

Semana passada, por exemplo, o senador Randolfe Rodrigues (PSOL-AP) e o deputado Ônyx Lorenzoni (DEM_RS), dois ácidos opositores do governo, saíram do depoimento de um dos delegados da Polícia Federal responsáveis pela operação disparando contra o procurador. "Ele tinha uma bomba atômica no colo e nada fez", atacou o deputado. Ex- delegado da PF, o deputado Fernando Francischini (PSDB-PR) foi ainda mais incisivo: "Não sou mensaleiro, mas sou daqueles que acham que o procurador-geral da República deve explicações à CPI e à população"

Tais declarações demonstram que, mesmo que petistas tenham ardilosamente forçado a barra ou que não seja recomendável institucionalmente a convocação de Gurgel, o estranhamento diante de sua atitude três anos atrás é amplamente justificável. As versões conflituosas envolvendo a subprocuradora Cláudia Sampaio, mulher de Gurgel, e a PF, com desmentidos de lado a lado, é um ingrediente a mais na certeza de que alguém está mentindo. E, se houve necessidade de mentir, é porque fatos obscuros envolvem o caso.

Igualmente incômoda foi a postura de alguns colunistas e editoriais de grandes jornais do país diante da polêmica. Correram logo para avalizar a resposta de Gurgel, preferindo, do mesmo modo, superficializar o ocorrido. Restringiram tudo a mais um "ataque do PT às instituições", sem levar em conta o dito pelos demais e as nuances da situação. Preferiram olhar somente por um ângulo a questão. Cometeram, sabe-se la por qual motivo, o mesmo erro criticado por eles: a politização.

É muito instigante tentar entender por que estes jornalistas, tão ciosos e desconfiados de versões oficiais - como manda, aliás, o bom jornalismo -, não hesitaram em assinar embaixo da declaração do procurador-geral. E imaginar o que diriam se o investigado fosse da base governista. Certamente afirmariam ser proteção a um parlamentar aliado do presidente que o nomeou. Este foi o discurso quando o mesmo disse não ver motivos para abertura de inquérito contra o então ministro Antonio Palocci ano passado.

Governo e oposição jogarão luz nesta penumbra sob a ótica de seus interesses. É do jogo. Mas o principal é que há um fato, por si só delicado, que precisa ser investigado, seja Gurgel respondendo por escrito as perguntas dos parlamentares, seja indo pessoalmente à comissão ou qualquer outra forma claramente visível para a opinião pública.

Se, com Gurgel na berlinda, o PT deseja colocar uma nuvem escura no julgamento do mensalão, a oposição, legitimamente, aproveita a polêmica para reforçá-lo na memória da opinião pública. É o seu papel. Vindo do governo e da oposição, não surpreende a politização e a simplificação do caso. Mas vindo de Gurgel e de setores da imprensa, sim.




quarta-feira, 9 de maio de 2012

O adversário de Obama: Mitt Romney entre o Tea Party e os democratas

Por Maurício Santoro (Todos os Fogos o Fogo, 25/04/2012)

As primárias do Partido Republicano para escolher seu candidato à Presidência dos Estados Unidos arrastaram-se por cerca de um ano e foram lideradas por 11 pessoas diferentes. Com a desistência do ex-senador Rick Santorum no dia 10 de abril, a vitória sofrida e tardia deverá ser do empresário e ex-governador de Massachussets, Mitt Romney, cujas posições políticas moderadas foram ridicularizadas pelas alas conservadoras do partido, ouriçadas pelo fenômeno do Tea Party. À frente de um partido fragmentado, Romney tem a difícil tarefa de vencer Barack Obama na disputa pela Casa Branca. As pesquisas dão de 7 a 10 pontos percentuais de vantagem para o presidente, apesar da persistência da crise econômica.

Romney representa a corrente centrista dos republicanos, tradicional na Costa Leste dos Estados Unidos. Seu pai seguia a mesma linha política e governou o estado do Michigan, nos Grandes Lagos. A família pertence há várias gerações à Igreja de Jesus Cristo dos Santos dos Últimos Dias, uma denominação protestante que surgiu na década de 1820. Conhecidos como mormóns, os fiéis seguem os ensinamentos de seu profeta Joseph Smith Jr, abstêm-se do álcool e realizam intenso trabalho missionário – o próprio Romney exerceu essa função na França.

Há cerca de 6 milhões de mórmons nos Estados Unidos, mas a igreja é vista com desconfiança por muitos americanos – um terço da população sequer sabe que os mórmons são cristãos! A maioria de seus rituais são fechados a forasteiros, seus adeptos praticaram a poligamia até 1890 e envolveram-se em conflitos armados com as autoridades no século XIX.

Além de precisar superar os preconceitos provocados por sua fé religiosa, Romney enfrenta a rejeição de seu próprio partido. A eleição de Obama provocou uma forte reação das bases sociais republicanas, o chamado movimento “Tea Party” – o nome é uma referência à “festa do chá de Boston”, uma rebelião anti-impostos e controle governamental nos anos finais da colonização britânica. Por tabela, um símbolo da liberdade econômica frente ao autoritarismo do Estado.

A principal bandeira do movimento do chá é o repúdio ao aumento da ação governamental, como os pacotes de ajuda ao setor financeiro e à indústria automobilística e há muitas referências à importância dos valores religiosos, e na oposição ao direitor ao aborto ou ao casamento de homosseuxais. As características demográficas do grupo são claras: o membro típico é um homem branco de meia idade e situado na alta classe média.

Contudo, a rejeição a Obama passa também pelo desencanto com os republicanos, em especial pelo governo George W. Bush, encarado com desgosto pelo mau desempenho e pela disparada na dívida pública. Os integrantes do Tea Party querem se livrar dos democratas, mas antes buscam o controle do partido republicano, que esperam reanimar com sua agenda ideológica.

Suas simpatias estão com políticos como a ex-governadora do Alasca, Sarah Palin, a deputada Michelle Bachman, o ex-presidente da Câmara dos Deputados, Newt Gingrich e o ex-senador Santorum. Romney é considerado um adversário do movimento porque quando era governador implementou um programa de saúde pública bastante parecido ao que foi implementado por Obama no nível nacional.

O Tea Party saiu-se bem nas eleições legislativas de 2010, com muitas declarações de apoio de deputados e senadores republicanos. Porém, o movimento sofreu sério desgaste nos conflitos envolvendo a elevação do teto da dívida pública dos Estados Unidos. Sua intransigência em aceitar acordos foi reprovada pela maioria dos eleitores, acostumados a compromissos com relação a esse tema.

Além disso, os pré-candidatos presidenciais simpáticos ao Tea Party saíram-se mal nas primárias presidenciais, demonstrando dificuldade de converter os slogans radicais do grupo em propostas de políticas públicas atraentes para os eleitores moderados que são fundamentais na conquista da Casa Branca. O dilema republicano é difícil: conciliar o fervor ideológico das bases com o centrismo necessário para ganhar uma eleição majoritária.

As primárias foram marcadas por uma campanha agressiva, repleta de ataques pessoais e com poucos debates significativos sobre propostas políticas. Romney se beneficiou das divisões ideológicas e regionais entre os conservadores. Aqueles que favorecem valores religiosos na política não gostam do libertário Ron Paul, apóstolo da liberdade máxima do indíviduo. Os que preferem abordagens mais tradicionais fragmentaram seu apoio no Sul a Gingrich (natural do estado da Geórgia) enquanto Santorum saiu-se melhor no Meio Oeste.

Gingrich foi muito enfraquecido por escândalos sexuais envolvendo adultérios e divórcios tumultuados e Santorum cometeu gafes célebres, como afirmar que havia demasiados americanos estudando em universidades. Ele desistiu da disputa quando ficou claro que perderia as primárias na Pensilvânia, estado que representou no Senado.

Com a renúncia de Santorum, o espaço está aberto para Romney vencer a indicação do partido para concorrer à presidência. Ele precisará de um candidato a vice que satisfaça ou menos aplaque os conservadores, mas tem que tomar cuidado para que não repita o desempenho catastrófico de Sarah Palin ou outros extremistas.

Para enfrentar Obama, a estratégia de Romney será focar seu discurso na crise econômica e se apresentar como um empresário e empreendedor dinâmico, que entende na prática como funciona a geração de empregos. Mas como um milionário do setor financeiro, acusado de sonagar impostos, o candidato republicano terá um caminho espinhoso pela frente, pois os movimentos de ocupação de praças e outros espaços urbanos conseguiram colocar com força na agenda de discussões os temas da desigualdade e da responsabilidade fiscal dos mais ricos.

terça-feira, 1 de maio de 2012

Marine Le Pen: preocupante mas não tão surpreendente

Por Murillo Victorazzo

Os principais jornais brasileiros destacaram a expressiva votação de Marine Le Pen, a candidata xenófoba e nacionalista da extrema-direitista Força Nacional (FN), no primeiro turno das eleições presidenciais francesas, no último dia 22.  Consideraram os seus 18% de votos a grande surpresa do pleito e a última esperança de Nicolas Sarkozy (UMP) conseguir virar o quadro desfavorável e obter a reeleição. Ao ficar quase dois pontos percentuais atrás do socialista François Hollande, Sarkosy tornou-se o primeiro presidente da V República a não vencer o primeiro turno na busca por um segundo mandato.

Contudo, embora histórica,  a votação de Le Pen não deve ser vista como um fenômeno tão inesperado. Durante toda a campanha, as pesquisas sempre evidenciaram uma faixa entre 15% e 18% do eleitorado simpática a sua candidatura. Os dois pontos percentuais a mais podem ser depositados na conta dos indecisos e de uma abstenção menor do que a esperada. Temia-se que cerca de 30% dos franceses não fossem às urnas, mas a taxa foi de perto de 20%, número muito proximo do colhido cinco anos atrás.

O terceiro lugar para a FN era a tendência natural, ainda que Jean-Luc Mélenchon, da Frente de Esquerda, tenha, em certos momentos, aproximado-se dela. Inesperada teria sido a ultrapassagem na reta final de um candidato que até o ínicio da campanha longe estava da casa dos dois dígitos de intenções de votos. Mélenchon decepcionou no final ao conquistar apenas 11% do eleitorado, quatro pontos menos do que a média das sondagens indicavam nas últimas semanas. Mesmo assim, saiu maior do que entrou. E, embora menos crucial para a definição do segundo turno do que Le Pen, tornou-se, de certa forma, a grande novidade maior das eleições francesas.

Não se trata de minimizar o feito de Le Pen. Ela conseguiu solidificar a extrema-direita no jogo político e  colocou definitivamente a imigração no centro do debate político francês. É, de fato, agora, um nome pelo qual passará todos os debates sobre o futuro do país. Quem quer que seja o próximo presidente, terá que lidar com ela, seja cedendo a suas reivindicações ou a enfrentando. Porém, embora com mais suavidade e classe, Le Pen apenas deu prosseguimento ao trabalho iniciado por seu pai, Jean-Marie .

Em 2002, mesmo com votação menor do que a da filha (cerca de 16%), Jean Marie assustara os europeus ao ultrapassar os socialistas e disputar o segundo turno com o então presidente Jacques Chirac. Sua performance mostrava, portanto, que o nacionalismo-populista de direita, eurocético e xenófobo, já circundava a nação-mãe do Iluminismo, dos direitos humanos e (ao lado da Alemanha) da União Europeia. Era de se esperar que, diante da gigantesca crise econômica por que passa a região, o discurso dos Le Pen ecoasse em número ainda maior de ouvidos.

Não é de hoje que a primeira vítima da recessão é o cosmopolitismo e o liberalismo. A História nos mostra que dinheiro e trabalho escassos são combustíveis para o extremismo e o protecionismo. Com suas teorias simplórias e populistas, o radicalismo fala justamente o que os desiludidos e desempregados querem ouvir.  No desespero, apontar um culpado faz bem, e, quando este é um diferente - ou um "intruso" -, a catarse é ainda maior.  A tudo isso se soma o clima de insegurança, que, catalisado a partir dos atentados em Montpellier mês passado, se reflete na crescente islamofobia.

Outro bom sinal da radicalização do eleitorado francês é a trajetória inversa do candidato centrista François Bayrou (MoDem) perante os radicais Le Pen e Mélenchon. Enquanto os dois somaram cerca de 30% de votos, Bayrou, após atingir quase 20% nas eleições de 2007, obteve apenas 9%. Os dois extremos do espectro político têm em comum o discurso fortemente crítico sobre a União Europeia. Não poderia haver sinal mais claro do que quase um terço do eleitorado francês pensa sobre o bloco regional.

Diante deste cenário, Sarkozy, que já há algum tempo flerta com teses anti-imigratórias, caminhará ainda mais para direita. Seus primeiros discursos após o primeiro turno já indicam esta inflexão, aparentemente sua única opção para impedir que os socialistas voltem ao Palácio do Eliseu 17 anos depois. A estratégia, porém, além de lamentável ideologicamente, é arriscada.

Para virar o jogo, Sarkozy, segundo especialistas franceses, terá que avançar simultanemante sobre dois campos: ter no mínimo cerca  de 80% dos eleitores de Le Pen, e ao menos 60% dos votos que recebeu Bayrou. É uma situação paradoxal, pois, se para seduzir os lepenistas, ele tem que manter a guinada à direita, esta movimentação provavelmente o fará perder eleitores centristas. Além disso, necessitará que uma pequena parcela dos eleitores de Mélenchon não vote em Hollande, hipótese ainda menos provável diante de tal guinada. Sua campanha permanecerá no fio da navalha até o último voto depositado.

Faltam menos de uma semana para o turno decisivo. Hollande é o favorito, segundo as pesquisas, que lhe dão entre seis e oito pontos de vantagem. Mas eleição só se ganha após a apuração. Por hora, a única certeza é que, embora tenha se tornado crucial para o resultado final, o fortalecimento de Le Pen não tem nada de inimaginável.