domingo, 22 de maio de 2016

"Desfazer o que Lula fez em política externa não é bom para o Brasil"

Por Luiza Bandeira (BBC Brasil, 20/05/2016)

As medidas que "desfazem" ações dos governos do PT - como parte da guinada na política externa brasileira proposta pelo novo ministro das Relações Exteriores, José Serra - não são boas para o país, na visão do editor de uma das principais revistas dedicadas a relações internacionais do mundo, a Foreign Policy.

"Se Serra acha que reformar a política externa é desfazer o que o Lula fez, ele não está agindo em nome dos interesses do Brasil", disse à BBC Brasil David Rothkopf, em referência à possibilidade de fechamento de embaixadas abertas em gestões anteriores.

Após assumir o posto de chanceler do governo interino de Michel Temer, Serra criticou o que chamou de "partidarismo" da política externa dos governos do PT e indicou que, além de buscar uma gestão focada em comércio internacional, possivelmente fecharia embaixadas abertas por Lula em países da África e do Caribe.

Para Rothkopf, Lula "fez mais para aumentar o peso do Brasil no cenário mundial do que qualquer presidente do Brasil". Ele também dá crédito ao ex-chanceler Celso Amorim - que chegou a chamar de "provavelmente o melhor chanceler do mundo" em um artigo em 2009 - pelo papel em transformar o país em um ator de peso no cenário internacional.

O CEO e editor da Foreign Policy, no entanto, critica a excessiva complacência do governo com o regime de Hugo Chávez sob Lula e a perda de importância da política externa sob Dilma.

Veja abaixo os principais trechos da entrevista, separados por temas:

Discurso de Serra

"O maior problema que o Brasil tem em termos de política externa é que o país está paralisado e perdeu muita credibilidade. Não é só que Dilma tenha sofrido impeachment ou que haja uma nuvem de suspeitas sobre a cabeça de Temer, é que há uma nuvem de suspeitas sobre a cabeça de muita gente no Congresso, no Executivo, e é muito difícil saber quando esse escândalo de corrupção vai parar de prejudicar o Brasil.

Então os mercados estrangeiros perderam a confiança no Brasil, não tem certeza de com quem vão lidar, e esse tipo de previsibilidade, saber com que você está lidando, como são as políticas, é absolutamente crucial.

Então o discurso de Serra não significa nada se não soubermos por quanto tempo essa administração vai ser efetiva, ou se vai ser efetiva."
Política externa do PT

"Sobre as críticas às políticas do governo de esquerda, a questão é: qual governo? Lula, no auge de sua popularidade, fez mais para aumentar o peso do Brasil no cenário mundial do que qualquer presidente do Brasil, seja por abrir embaixadas e consulados pelo mundo, seu papel de liderança, Celso Amorim e o Itamaraty envolvidos nos assuntos mais importantes e dizendo 'o Brasil é um dos países mais importantes do mundo e temos que ser tratados desta forma'. Aderir à ideia dos Brics foi outro componente disso, a diplomacia Sul-Sul, e também o fato de que as coisas estavam funcionando no Brasil.

Dilma não tinha muito tato para isso, Antonio Patriota era ótimo, mas ela não o empoderou, controlou muito, houve tensões com o Itamaraty. Depois veio Mauro Vieira, que era também muito capaz, mas era muito claro que ela estava com problemas na maior parte do tempo em que ele foi chanceler. De novo, se há um problema interno, isso se transfere para a política externa.

Ouço Serra e penso: é possível que o regime de Lula tenha se inclinado demais para Chávez e ignorado problemas no regime (venezuelano)? Sim, com certeza. Eles foram muito permissivos na mudança de Chávez para uma ditadura e nos abusos de direitos humanos. Eu nunca sugeri que a política externa do PT era perfeita. Teria feito mais sentido ter uma política equilibrada.

Mas se o Brasil voltar às políticas pré-Lula, que eram essencialmente 'vamos ter políticas de comércio com algumas partes do mundo, não vamos causar problemas, vamos adotar um tom cético-reflexivo em relação aos EUA, etc.', isso não seria bom.

Mas toda política externa começa com força interna, e neste momento o Brasil tem um problema tão grande que torna a política externa uma nota de rodapé dentro da política do governo."

Comércio bilateral

"Dependendo dos acordos bilaterais, priorizá-los pode ser uma estratégia mais eficiente. A maioria dos esforços recentes com acordos multilaterias resultaram em inação ou, se implementados, acordos ineficientes.

Mas isso parece ecoar uma noção de que política externa é essencialmente política de comércio. E a política externa pré-PT era muito orientada para comércio, e não pelo protagonismo no cenário político mundial.

Eu acho que em um país de 200 milhões de pessoas, uma das sete maiores economias do mundo, com a quinta maior população e área, merece estar na discussão política também.

Não tem nada de errado em querer acordos bilaterias, mas isso por si só não é política externa."

Fechamento de embaixadas

"No meu ponto de vista, a abertura de embaixadas foi uma forma de aumentar a influência do Brasil. E acho que, sejam quais forem as boas intenções que Serra possa ter, não é uma boa política, como aprendemos com os EUA, chegar e falar 'vou fazer o oposto do que meu antecessor fez'.

George Bush foi e fracassou em lugares como o Oriente Médio e Obama fez o oposto, foi muito pouco ativo nesses lugares, e isso foi um problema.

Se Serra acha que reformar a política externa é desfazer o que o Lula fez, ele não está agindo em nome dos interesses do Brasil. A política externa tem que ser guiada pelo interesses de longo prazo.

Minha reação inicial é que provavelmente não será estratégico fechar embaixadas, mas não tenho familiaridade suficiente com os problemas financeiros do Brasil."
Respostas 'duras ' a vizinhos e impeachment

"É dificil dizer exatamente como será essa relação no longo prazo, pode ser bom se colocar pressão nesses governos (como Venezuela) para se comportarem de forma mais responsável.

Mas o Brasil pertence ao cenário global, como um dos países mais importantes do mundo, então as políticas têm que olhar muito além do seu quintal.

Não sei se o problema (de Serra) vai ser convencer outros países de que o governo é legítimo, mas se é um governo de confiança, se estará lá por um bom tempo, se terá mandato para fazer as coisas, se representa os brasileiros.

Parece impróvavel que Dilma renuncie, e isso significa que o governo tem um prazo de 6 meses, não sabemos o que acontece depois. O presidente está cercado de suspeitas, os líderes do Congresso, não sabemos onde os dominós vão parar de cair.

Os governos estrangeiros serão educados com Serra, vão receber bem as mudanças que acharem que são de seu interesse, mas eles vão esperar para ver o que vai acontecer."

terça-feira, 17 de maio de 2016

Serra e o subterrâneo do Itamaraty

Por Roberto Simon* (Folha de SP, 16/05/2016)

Caso José Serra, novo ministro das Relações Exteriores, desça o elevador em frente a seu gabinete e cruze a rua até o prédio anexo ao Palácio do Itamaraty, onde fica o arquivo do ministério, poderá encontrar papéis carcomidos com trechos de sua biografia.

Serra, afinal, é velho conhecido da Casa de Rio Branco. A instituição que agora comanda o espionou por anos -quando era ainda "o asilado territorial José Serra", nas palavras do embaixador da ditadura no Chile, Antonio Candido da Câmara Canto.

A chancelaria listava-o, em 1974, entre os "elementos brasileiros subversivos considerados perigosos" que haviam escapado após o golpe contra Salvador Allende. O então professor universitário chegara a dormir uma noite no Estádio Nacional de Santiago, a arena convertida em campo de concentração.

Teve, contudo, a sorte de ser solto antes de cinco agentes do Brasil começarem a dar expediente no local, auxiliando torturadores chilenos. Naqueles dias, um bilhete do Dops (Departamento de Ordem Política e Social) de São Paulo sobre Serra avisava: "trata-se de 'boa gente', que bem merece ser 'tratado' pelos chilenos".

Anos antes de receber asilo na missão italiana no Chile, Serra já era vigiado por arapongas-diplomatas. A chancelaria se encolerizava em especial com seu trabalho na Frente Brasileira de Informações, grupo de exilados que compilava e disseminava mundo afora casos de tortura no Brasil.

A embaixada em Santiago fez intenso lobby junto ao governo Allende para que o boletim da frente fosse proibido e os envolvidos, expulsos do Chile. Fracassou duplamente.

O ministério suspeitava (com razão) que Serra era "um dos mais ativos pombos-correios" da organização. Documentos secretos registram sua passagem por Uruguai, Argentina e Peru para atar
nós da rede de denúncias, além de uma viagem à Europa socialista.

O Itamaraty espionava suas mais prosaicas atividades, de jantares a conferências sobre inflação. Em 1969, Serra tapeou a vigilância da ditadura e tirou um passaporte no consulado em Santiago. O caso custou a carreira do cônsul-adjunto.

O novo ministro viveu um passado ainda quase ignorado por estudiosos das relações internacionais. A versão oficial construída desde a redemocratização é que, institucionalmente, o Itamaraty se insulou dos arbítrios da ditadura e se ateve aos "interesses permanentes" de Estado. Nela, meganhas e delatores são a exceção que confirma a regra.

Os arquivos recém-revelados contam outra história. A chancelaria era parte fundamental do aparato repressivo fora do território nacional, espionando centenas de brasileiros como Serra.

Tratou-se de uma colaboração institucional que violou de modo sistemático direitos e, em alguns casos, fez "desaparecer" brasileiros. Claro: alguns honrosos diplomatas se arriscaram agindo contra a ditadura, por exemplo, ao transportar listas de torturadores em malas diplomáticas.

O Itamaraty de hoje é outro. À frente do ministério que o perseguiu, Serra tem a oportunidade de jogar luz sobre esse passado e provar que suas lições foram assimiladas.

Em um governo de feições assustadoramente retrógradas, o ex-"asilado territorial" deve honrar seu passado de luta e provar que o Brasil, a maior democracia da América Latina, reconhece suas responsabilidades na promoção dos direitos humanos dentro e fora de casa.

*Roberto Simon é mestre em políticas públicas pela Universidade Harvard (EUA). Prepara para a editora Companhia das Letras o livro "O Brasil de Pinochet"

segunda-feira, 16 de maio de 2016

Respostas 'duras' de Serra a críticas de países vizinhos dividem Itamaraty

Por Ricardo Senra (Folha de SP, 16/05/2016)

A troca de poder na Presidência da República reverbera também em embaixadas, consulados e corredores do Itamaraty. Parte do corpo diplomático reagiu mal aos primeiros passos da gestão do novo chanceler José Serra, nomeado na última quinta-feira pelo presidente interino Michel Temer.

O grupo insatisfeito classifica as primeiras notas, divulgadas na sexta-feira pelo gabinete do novo ministro, como "eleitoreiras" e "agressivas", fugindo ao tom tradicional da instituição.

Os destinatários dos comunicados oficiais eram países como Venezuela, Cuba, Bolívia, Equador e Nicarágua - todos críticos à legitimidade do processo de impeachment de Dilma Rousseff. Nas notas, a gestão de Serra responde ao posicionamento dos vizinhos com termos como "falsidades", "preconceitos" e "absurdo".

Nesta segunda, foi a vez de uma resposta a El Salvador, que criticou o impeachment e decidiu suspender os contatos oficiais com o Brasil. Em nota, o Itamaraty diz que a medida do país caribenho revela "profundo desconhecimento" sobre a legislação brasileira.

Para os críticos, o posicionamento de Serra colocaria acordos comerciais em risco (só com a Venezuela, o Brasil teve superavit comercial de R$ 38 bilhões entre 2004 e 2015) e atrapalharia a reputação diplomática do país. Eles também sugerem que os comentários enfáticos teriam "fins eleitoreiros", de olho em uma possível candidatura do ministro à Presidência da República em 2018.

De outro lado, alas do Ministério das Relações Exteriores entendem como "natural e necessária" a ofensiva do tucano a governos historicamente aliados da gestão petista. Para esses diplomatas, Serra e Temer precisam responder enfaticamente a questionamentos sobre a legitimidade do governo interino para que ele possa ganhar relevância na comunidade internacional.

Uma terceira via sugere ainda que o novo chanceler estaria antecipando um diálogo com possíveis sucessores de Nicolás Maduro (Venezuela) e Rafael Correa (Equador) caso se confirme uma guinada à direita em todo o continente nas eleições presidenciais em curso.

DISPUTA DE 2018

A reportagem ouviu membros de diversos níveis da instituição: de oficiais de chancelaria a embaixadores, passando por diplomatas. Todos pediram anonimato - por medo de represálias ou por temer dar declarações públicas "prematuras" sobre as mudanças no Itamaraty no governo interino.

Segundo a BBC Brasil apurou, Serra esteve duas vezes no Palácio do Itamaraty desde a nomeação. Na sexta-feira, saiu do edifício às 23h. No dia seguinte, conversou com líderes de sua nova equipe das 12h às 14h, já construindo seu discurso de posse.

Ele se apresentará oficialmente na próxima quarta-feira, quando falará pela primeira vez à frente do ministério.

"Nosso receio é que o Itamaraty seja usado como plataforma para avanço em interesses de curto prazo da política interna, em vez de perseguir objetivos de longo prazo do Estado brasileiro", avaliou um diplomata à BBC Brasil.

Ele se refere a uma possível candidatura do tucano à Presidência da República em 2018. Com as críticas públicas a lideranças de esquerda do continente, Serra estaria satisfazendo parte de seu eleitorado, que protesta nas ruas e redes contra o que entende como "eixo bolivariano" na América Latina.

Uma figura importante do Itamaraty minimiza os efeitos da suposta estratégia. "Serra foi um bom ministro da Saúde e nem por isso conseguiu se catapultar à Presidência da República."

"Ele se mostra como ministro candidato", rebate outro. "(Suas declarações) jogam para uma plateia treinada a odiar cegamente a Alba e a Unasul (órgãos multilaterais formados durante a predominância de governos de esquerda no continente)."

Na avaliação do professor Oliver Stuenkel, professor da FGV de São Paulo e especialista em relações internacionais, esse tipo de estratégia, se existir, é algo esperado. "A política externa sempre é feita com objetivos internos."

"Acho que ele tem boa perspectiva para 2018 porque a política externa é uma fonte de boas notícias", afirma. "Em um momento de cortes e ajuste, o ministro da Saúde dará notícias ruins, o mesmo para o da Fazenda ou do Planejamento. Sem avaliar aqui a orientação ideológica de Serra, ele usará sim o Itamaraty para produzir noticias positivas, com acordos binacionais, assinaturas de tratados, soluções de problemas de fronteira etc."

Stuenkel ressalta que a prática foi realizada em gestões anteriores. "Lula começou a promover o rótulo de potência emergente ao Brasil no justo momento em que o mensalão começou a surgir internamente. Foi uma tentativa bem-sucedida de usar a política externa para a produção de boas notícias."

TEOR DAS NOTAS

Em 2010, quando concorreu com Dilma Rousseff nas eleições presidenciais, o tucano disse que o governo boliviano é "cúmplice do tráfico" de cocaína e que "não teme incidentes diplomáticos" com o país vizinho.

"A melhor coisa diplomática para o governo da Bolívia é passar a combater ativamente a entrada da cocaína no Brasil", afirmou na época, em referência ao presidente Evo Morales, importante aliado das gestões Lula e Dilma no continente.

Mais recentemente, Serra fez críticas ao programa Mais Médicos, que traz médicos estrangeiros, na maioria cubanos, para atuar como médicos de família em regiões com pouca oferta no país.

"Afastar-se de países como Cuba, por exemplo, por motivações ideológicas, em um momento em que até os Estados Unidos estão se reaproximando, é ir na contramão da história", avalia um dos críticos.

Ele se refere à nota divulgada no último dia 13, logo após o anúncio da posse de Serra, em que o ministério "rejeita enfaticamente as manifestações dos governos da Venezuela, Cuba, Bolívia, Equador e Nicarágua, assim como da Aliança Bolivariana para os Povos de Nossa América/Tratado de Comércio dos Povos (ALBA/TCP), que se permitem opinar e propagar falsidades sobre o processo político interno no Brasil".

O texto oficial prossegue: "Esse processo se desenvolve em quadro de absoluto respeito às instituições democráticas e à Constituição Federal".

Em outra nota, respondendo ao secretário-geral da União de Nações Sul-Americanas (Unasul), Ernesto Samper, que sugeriu uma ruptura do sistema democrático brasileiro caso o impeachment se confirme, o ministério afirmou que "os argumentos, além de errôneos, deixam transparecer juízos de valor infundados e preconceitos contra o Estado brasileiro (...) e fazem interpretações falsas sobre a Constituição e as leis".

O tom surpreendeu alguns diplomatas. "A linguagem usada nas duas notas não soa a notas diplomáticas brasileiras. Isso vale mesmo na comparação com o tom usado na política externa do presidente Fernando Henrique", avaliou um dos críticos.

"Leva-se anos construindo a imagem de garantia da estabilidade sul-americana e, em um ato apenas, se coloca tudo a perder."

À BBC Brasil, o embaixador Frederico Meyer, porta-voz do Itamaraty, disse que "a nova administração está começando e não há nenhuma mudança de instrução e orientação".

Sobre as críticas internas às notas, Meyer afirmou que elas não são suficientes para se avaliar a postura do ministério.

"É muito cedo para julgar ou avaliar", afirmou. "São comentários anônimos, eles existem em qualquer instituição. Há pessoas que agradam e que desagradam."

'Sempre haverá críticas'

Na avaliação do professor Matias Spektor, coordenador do Centro de Relações Internacionais da Fundação Getulio Vargas, "nenhum chanceler poderoso gera unanimidade dentro do Itamaraty.

"Sempre haverá críticas. Foi assim com Celso Amorim, será assim com Serra", afirma.

Ele classifica as notas emitidas pela nova gestão como um posicionamento "como ministro forte de um governo no qual disputa espaço com a equipe econômica".

Para o professor Oliver Stuenkel, as cartas aos dirigentes de países vizinhos devem ter pouca influência nos rumos diplomáticos do continente.

"A Venezuela hoje não apoiaria o governo Temer independentemente da nota. A Bolívia idem, isso já está dado", afirma. "Mesmo sem essas notas, eles não dariam nenhum apoio diplomático ao Brasil."

Stuenkel ressalta que as previsões de resultados para eleições presidenciais no Peru e no Equador mostram fortalecimento de candidatos de centro-direita. "Sem juízo de valor, a tendência mostra um isolamento crescente da Venezuela. O risco dessas notas não é tão grande", avalia.

Parte dos diplomatas discorda e vê riscos em um possível afastamento.

"É importante esclarecer que a proximidade com os países vizinhos não é uma diretriz do governo, mas uma prática de Estado iniciada há mais de 100 anos, com o próprio Barão do Rio Branco", diz uma das entrevistadas. Ela teve altos e baixos, mas foi consagrada pela própria Constituição (artigo 4º, parágrafo único)."

domingo, 1 de maio de 2016

Itamaraty se anima com poder de Serra, mas teme absorver comércio

Por Patricia Campos Melo (Folha de S.Paulo, 30/04/2016)

A perspectiva de ter o senador José Serra (PSDB-SP) como próximo chanceler anima o Itamaraty, segundo apurou a Folha. Ter como ministro um político de estatura em vez de um diplomata de carreira fortaleceria o ministério em um momento de fragilidade. Com Serra, o Itamaraty voltaria a ter o peso que não tinha desde a saída do chanceler Celso Amorim, em 2010, acreditam diplomatas.

Mas a possibilidade de transferir a área de comércio exterior para o ministério é alvo de fortes críticas. Um Itamaraty "turbinado" incluiria toda área de comércio exterior, ou somente a Apex, agência que faz promoção comercial. O primeiro cenário gera pânico no Ministério do Desenvolvimento e profundo desagrado no Itamaraty.

"Seria como misturar vinho com azeite", diz uma fonte. São duas carreiras muito diferentes –a política externa segue uma visão de Estado enquanto a política comercial precisa abrir mercados e vender produtos. "É preciso ter um órgão que receba demandas do setor privado, como defesa comercial, e o Itamaraty não pode ser esse órgão, porque vai priorizar as relações diplomáticas com outros países", diz uma fonte do Desenvolvimento. União Europeia, EUA, China e Japão têm ministérios separados para lidar com comércio exterior e diplomacia.

Além disso, a incorporação da área de comércio exterior tomaria muito tempo e talvez nem estivesse pronta até o fim do governo Temer, em 2018.

Pessoas próximas a Temer afirmam que o vice fez a proposta a Serra sem pensar exatamente em como esse Itamaraty "turbinado" sairia do papel, tentando emplacar um "ministério fortalecido" em vez das pastas da Fazenda ou Planejamento, que o tucano preferia.

De qualquer maneira, diplomatas já comemoram a possibilidade de um ministro Serra. "Seria um ministro com acesso ao presidente e ao Ministério do Planejamento, que lidera os cortes de verbas do Itamaraty", diz um diplomata. Entre as mudanças esperadas estariam o fechamento de postos na África, menos ênfase no relacionamento Sul-Sul e uma guinada no Mercosul.

Mas o embaixador Rubens Ricupero, ex-ministro da Fazenda que é muito próximo de Serra, com quem conversa regularmente, não acredita em mudanças dramáticas na política para o Mercosul. "Não se sabe se transformar o Mercosul em área de livre comercio traria benefícios e a Argentina agora tem um presidente, Mauricio Macri, que não seria obstáculo a negociações comerciais", diz. Matias Spektor, professor de Relações Internacionais da FGV e colunista da Folha, concorda. "Fazer reformas no Mercosul e no comércio exterior é muito complexo e geraria muitos inimigos", diz.

Em relação à personalidade difícil do senador, um diplomata é pragmático: "Depois de tanto tempo trabalhando com a Dilma, o Serra não seria um problema."

Entre os diplomatas com bom trânsito com o senador tucano estão Sergio Danese, atual secretário-geral do Itamaraty; Santiago Mourão, embaixador em Teerã, Mário Vilalva, embaixador em Lisboa, Marcos Galvão, embaixador junto à OMC, e Roberto Jaguaribe, embaixador em Pequim.

Se o chanceler for mesmo um político, o assessor internacional da presidência, cargo hoje ocupado por Marco Aurelio Garcia, poderia ser um diplomata de carreira, e o nome de Danese surge com força. Segundo um interlocutor de Temer, o vice já teve várias audiências com Danese e a "química foi boa".