segunda-feira, 31 de agosto de 2009

A nova cara do Itamaraty

Por Mauricio Santoro (http://www.todososfogos.blogspot.com/)
O Globo deste domingo trouxe uma reportagem que me deixou muito alegre: “A Nova Cara do Itamaraty: mudanças democratizam acesso ao Instituto Rio Branco e formam nova geração de diplomatas.” Quase todos os citados na matéria foram meus alunos ou são meus amigos. Bem, a fronteira entre as duas categorias nunca é clara para mim... Até 2004, os concursos públicos para a carreira de diplomata ofereciam apenas 30 vagas por ano, e a preparação dos candidatos em geral se dava por meio de um circuito restrito de professores particulares.
O governo Lula ampliou a oferta para 100 vagas anuais e houve uma multiplicação de cursos especializados, inclusive aquele no qual leciono desde sua criação, o Clio, que se tornou o que mais aprova na disputa. O resultado foi uma mudança no perfil dos novos diplomatas. Até recentemente, eram principalmente homens formados em direito e oriundos do Rio de Janeiro, São Paulo e Brasília.
Agora há maior diversidade regional, muita variedade em termos de formação profissional, uma presença cada vez mais intensa das mulheres e a incorporação de pessoas com histórias de vida fora do padrão habitual de classe média e alta. Muitas delas chegaram ao Itamaraty por meio do programa de ação afirmativa desenvolvido pelo ministério. Em minha opinião é o melhor que existe no país e vários de meus melhores estudantes no curso conseguiram estudar por conta dele.
Acompanhei seus esforços com admiração e não raro presenciei sacrifícios consideráveis. Esses alunos há muito são motivo de orgulho para mim, agora começam a ser também para o país. É bom ver a valorização de suas trajetórias pela imprensa, que até então havia publicado reportagens muito preconceituosas sobre a nova geração de diplomatas, caluniando-a como pouco qualificada.
Torço para que uma chancelaria mais representativa das condições sociais do Brasil resulte também em uma política externa mais sensível aos temas da democracia e dos direitos humanos, que têm sido lacunas signficativas em muitas das iniciativas recentes de nossa agenda diplomática, numa discrepância com a ação internacional de países próximos, como Argentina e Chile.
Faço votos para que a nova geração de diplomatas seja mais aberta ao diálogo com outros funcionários governamentais, algo que nem sempre é regra numa chanceleria ainda muito insulada diante de outros órgãos públicos. Situação que não é mais sustentável à medida em que o Brasil participa mais ativamente de várias questões internacionais, e os temas globais se tornam mais entrelaçados com as políticas públicas.

quinta-feira, 20 de agosto de 2009

A nuvem 2010

Por Murillo Victorazzo
Ainda faltam 13 meses para as eleições presidenciais de 2010, mas, para quem lamentava que tudo caminhava modorrentamente para mais uma disputa entre PT e PSDB, novas e empolgantes incógnitas apareceram. Parece cada vez mais provável que o caráter plebiscitário do pleito desejado pelo presidente Lula não se concretizará. A provável candidatura da senadora Marina Silva (PV) deu novo ânimo para nomes como os do deputado Ciro Gomes (PSB) e do senador Cristovam Buarque (PDT), além da ex-senadora Heloisa Helena, que pareciam conformados com a polarização entre petistas e tucanos .
Para Lula, uma eleição baseada na aprovação ou não ao seu governo seria a melhor forma de transformar em votos para sua candidata, Dilma Roussef, sua popularidade de cerca de 70%. Estando do outro lado do ringue o governador paulista, José Serra, nome, segundo pesquisas qualitativas, fortemente vinculado ao governo de Fernando Henrique, o quadro, segundo Lula, seria favorável à petista. É forte a convicção no Planalto de que um remake do velho filme FHC x Lula, no tocante às realizações de seus governos, seria benéfica para o atual mandatário.
Ainda é cedo para traçarmos um quadro definitivo, já que a máxima de umas das maiores raposas políticas mineiras, o falecido governador Magalhães Pinto, de que política é como nuvem, a cada minuto muda-se seu desenho, é historicamente comprovada. No entanto, essa mexida no tabuleiro político reforçou o que muitos já desconfiavam: essa será uma longuíssima campanha eleitoral. Até que ponto a alta exposição destes nomes por mais de um ano poderá "envelhecer" suas candidaturas e em qual o peso será maior são perguntas que também demorarão ser respondidas.
Sem tomar partido de um ou outro partido, a inégavel, digamos numa expressão politicamente correta, pouca simpatia que alguns dos grandes órgãos de comunicação têm pelo atual governo fez com que a entrada da senadora acreana no PV ganhasse enorme destaque. Por sua trajétoria política brilhante, pela mulher guerreira e engajada que é, por ser um dos poucos nomes cujas integridade e ética ainda se pode admirar - pelo menos até que se prove o contrário - é tentador e compreensível tal empolgação.
No entanto, embora saída do PT, Marina não parece ter incorporado certos ideais mais liberais que tanto certos jornais idolatram (jornais também podem participar legitimamente de luta política, embora o ideal fosse que eles atussem de forma clara, explícita, como acontece nos Estados Unidos). Não parece ser uma estatista anacrônica, mas longe está de ter no altar o Deus Mercado. Do mesmo modo, continua a elogiar a política social do governo Lula e tem boas relações com movimentos sociais tão criticados por eles. Sobre pólítica econômica, Marina ainda é uma incógnita. Seria ela uma volta às velhas teses do PT pré-governo ou manteria o atual regime, que vem dando certo há 15 anos?
Diante desse quadro, parece justo supor que a brilhante Marina esteja sendo alçada ao céu por tais setores apenas para enfraquecer a candidatura governista, dividindo o eleitorado de esquerda. Mas a "inocente útil" pode surpreender, até porque muitos eleitores mais à esquerda de classe média, que, incomodados com os desvio éticos do PT, viam-se por gravidade caindo nos braços tucanos, tendem "esverdear". Com o agravante de que rótulos (alguns preconceituosos) como "analfabeto", "bêbado", "aparelhamento sindical" não colariam nela. Nada mais instigante do que saber como seria a relação de uma presidente Marina com estes jornais...Muitas formas ainda vai ter essa nuvem...

segunda-feira, 10 de agosto de 2009

O sujo falando do mal-lavado

Por Murillo Victorazzo

Na semana passada, os procuradores federais que movem ação de improbidade administrativa contra a governadora do Rio Grande do Sul, Yeda Crusius , do PSDB, e outras oito pessoas envolvidas na fraude milionária do Detran (Departamento de Trânsito do Estado), classificaram o grupo como uma "quadrilha criminosa" na ação remetida à 3a Vara de Justiça de Santa Maria. O grupo teria desviado, entre 2003 e 2007, cerca de R$44 milhões dos cofres públicos.

Em se tratando de um dos governadores mais importantes do PSDB, maior partido de oposição ao governo Lula, seria engraçado se não fosse trágico a semelhança com o termo utilizado pelo ex-procurador-geral da República Antônio Fernando de Souza na denúncia feita ao Supremo Tribunal Federal (STF), em 2007, sobre o mensalão petista. O procurador considerou o ex-ministro José Dirceu chefe de uma "poderosa organização criminosa" que envolvia 40 pessoas.

O STF aceitou a denúncia. Não se sabe ainda qual será o resultado da ação gaúcha. No caso do mensalão, o mandatário maior não foi citado; no esquema tucano dos pampas, a acusação bateu na cadeira principal do Palácio Piratini. De qualquer modo, às vésperas das eleições de 2010, os dois principais partidos do país se nivelam por baixo quando o assunto é ética.

Se não bastasse as semelhanças de políticas de governo, e alguns casos nebulosos da Era FHC, agora eles convergem ainda mais na arena da podridão. Eis o principal motivo por que alguns setores anseiam por uma terceira candidatura, oxigenada e que permita alguma esperança, que rompa com a polaridade Dilma - Serra.

terça-feira, 4 de agosto de 2009

A volta de um "morto" mais vivo do que o desejável

Por Murillo Victorazzo
Na ânsia de voltar aos holofotes, mirando no governo de Alagoas em 2010, Fernando Collor fez-nos, ontem, lembrar o velho candidato de 1989 e o desprezível presidente que destilava ódio em suas palavras e olhares contra os adversários. Aproveitou o estado de putrefação do Senado para, em defesa do senador José Sarney, aquele que, 20 anos atrás, chamou de ladrão, tendo feito-o com alvo central de sua candidatura, tentar intimidar o senador Pedro Simon.

Quem assistiu pela TV Senado a todo o discurso de Simon assustou-se com a agressividade do ex-presidente com seu colega de Casa. Em momento algum, Simon xingou, acusou ou criticou-o. Apenas relembrava que o controverso Renan Calheiros participou da montagem de sua candidatura e de seu governo, assim como fez parte das bases de FHC e Lula. Uma citação histórica para ironizar o apego de Calheiros aos governos. Um fato inegável para quem foi líder do governo Collor, ministro da Justiça de FHC e figura central na relação do PMDB com o governo Lula
Em reação desproporcional, Collor, com seu típico e nauseante olhar, verbalizou expressões pouco respeitosas apenas para aproveitar a chance de aparecer e de usar sua retórica batida de que foi vítima de "perseguição" da imprensa e de certos setores etc. Mandou Simon "engolir" e "digerir" suas palavras e, como fazem as raposas políticas, "ameaçou" revelar situações constrangedoras ao gaúcho. Quando estimulado por Simon a dizê-las, afirmou que não era o momento. Que as faria se continuasse a mencionar seu nome.
Numa prova de que seu objetivo maior é ganhar visibilidade em sua tentativa de se passar por vítima de conspiração 17 anos atrás, gastou quase todo seu segundo aparte atacando a revista "Veja" e seus jornalistas, peças que iniciaram as acusações que desembocariam em seu impeachment. Repetindo a velha cantilena, acusou a "mídia" de querer "apear" Sarney da Presidência do Senado, do mesmo modo que fizera com ele. Fica-se imaginar como ele reagiria a quem de fato o criticasse. Ou se alguém o mandasse "engolir" algo!
Ao eleito senador, em 2006, Collor dissera ter mudado. Teria aprendido a ser mais maleável e menos virulento. Contudo, parece que sua natureza falou mais alto, quando mais conveniente foi. O pior é que, infelizmente, há uma parcela da sociedade que aprecia políticos assim: que confundem autoridade com autoritarismo. Que pensam que parecerem ou se acharem ser mais homem que os outros é sinal de capacidade de comando.
Ainda mais grave é alguns dizerem que Collor é "bandido pequeno" perto do que se vê no governo atual. E que, portanto, seria um injustiçado. Não é porque há assassinos soltos por aí que vamos inocentar os presos. Devemos lamentar e protestar as supostas acusações sobre o governo atual não votando nos que o sustenta - mas não recuperando aqueles que já foram testados e reprovados.
O contexto atual é propício à banalização e à relativização de políticos condenados - política ou criminalmente. Um maniqueísmo pró-Collor seria certamente uma de suas piores consequências para a democracia do país.

sábado, 1 de agosto de 2009

Crítica plausível, argumento enviesado

Por Murillo Victorazzo
Em meio à polêmica envolvendo a descoberta de armas suecas vendidas à Venezuela em mãos das Farcs, o acordo em construção que permitiria maior utilização de bases militares colombianas pelas Forças Armadas norte-americanas movimentou o noticiário internacional da semana. O chanceler Celso Amorim logo pediu esclarecimentos, no que foi sucedido em declarações conjuntas do presidente Lula e sua colega chilena Michelle Bachelet.

Alguns analistas preferiram ver nesse questionamento mais um sinal da suposta hegemonia do pensamento petista no Itamaraty. Seria uma retórica atrasada oriunda do antiamericanismo típico de partidos esquerdistas ou nacionalistas. Uma prova da parcialidade petista para com o "socialismo do século XXI" de Hugo Chávez. É certo que uma postura mais firme sobre as armas encontradas com narco-guerrilha colombiana seria desejável. E é inegável também as boas relações históricas do partido governista com o mandatário venezuelano.

No entanto, no tocante ao posicionamento em relação à Colômbia, sua origem e causa vão bem além das motivações ideológicas. A presença militar norte-americana na América do Sul sempre causou arrepios nos meios militares e diplomáticos brasileiros, qualquer que fosse o governo.

O forte viés pluralista, no sentido vatteliano, de que as relações internacionais são baseadas em power politics e um jogo de soma zero, norteou o pensamento nacionalista de que os Estados Unidos tenderiam, mais dia menos dia, a intervir na Amazônia. Um pensamento que, embora muitas vezes beire a paranoia, é também difundido em toda sociedade. E cujos fortalecimento e raízes encontram-se no insulamento e organicidade do Itamaraty, a partir da década de 50, e na ditadura militar das décadas de 60, 70 e 80.

Tal sentimento é tão enraizado que mesmo o governo Fernando Henrique, que implementou políticas mais liberais e iniciou uma reaproximação com os Estados Unidos, teve como uma das marcas de sua política externa manter a superpotência distante o máximo possível da região. Razão essa do ceticismo e da resistência de Cardoso ao Plano Colômbia (o que, para os norte-americanos, seria uma das razões da pouca eficácia do plano) e do apoio à suspeita reeleição do peruano Alberto Fujimori, em 2000. O Brasil, à época, liderou a campanha contra a resolução norte-americana na OEA que previa sanções ao Peru.
Causa estranheza, portanto, ouvir Rubem Barbosa, embaixador brasileiro em Washington durante a gestão FHC e hoje diretor da FIESP, dizer, no programa "Painel", da GloboNews, que o repúdio de Amorim era uma retórica simplista oriunda do "antiamericanismo ultrapassado" do assessor para assuntos internacionais do governo, Marco Aurélio Garcia. Um discurso que apenas teria como objetivo esconder as suspeitas contra o chavismo.
É mais um exemplo de como uma crítica que tem algumas razões de ser perdem a credibilidade quando justificadas enviesadamente, com simplismos - principalmente vindo de um diplomata de carreira com tanto prestígio. Será que só o PT partidarizou a política externa?