domingo, 30 de outubro de 2011

Barack "Kissinger" Obama, o presidente voltado para políticas externas

Por Thomas Friedman (New York Times, reproduzido no UOL, 28/10/2011)

Quem teria previsto isso? Barack Obama acabou se mostrando mais favorável à implementação da política externa de George W. Bush do que o próprio Bush. Mas Obama demonstra menos entusiasmo no que se refere a implementar a sua própria política externa. Os motivos, porém, são óbvios.

Da sua maneira própria, Obama fez com que o país adotasse a estratégia correta para a “guerra contra o terrorismo” de Bush. Essa estratégia consiste de uma combinação séria e focada de coordenação de inteligência global, assassinatos premeditados de terroristas conhecidos e intervenções limitadas – como na Líbia – que mobilizam forças populares e aliados, bem como um uso ponderado do poder dos Estados Unidos, de forma a manter os custos e os riscos em um nível baixo. Na Líbia, Obama salvou vidas e proporcionou aos líbios uma oportunidade de construir uma sociedade decente. Cabe a eles agora decidir o que irão fazer com essa oportunidade. Eu ainda estou cauteloso, mas Obama desempenhou o seu papel de forma excelente.

Não há dúvida de que George Bush e Dick Cheney acreditavam que tanto o Iraque quanto o Afeganistão iriam se constituir exatamente nos alvos dessas operações focadas e limitadas. Porém, as campanhas militares nestes dois países acabaram lembrando mais uma hipoteca subprime – uma pequena entrada e uma enorme dívida a ser paga em cinco anos.

Eles achavam que seriam capazes de “transferir” a casa antes que chegasse a cobrança. Mas, em parte devido à incompetência e à falta de planejamento daquela dupla, foi necessário muito mais tempo do que se esperava para transferir a casa para os novos proprietários, e o preço pago pelos Estados Unidos foi enorme. A campanha do Iraque ainda poderá ter um bom desfecho – eu espero que sim, e isso seria importante –, mas mesmo se aquele país se transformar em uma Suíça, nós pagamos um preço caro demais.

Portanto, sejamos claros: até o momento, como comandante-em-chefe na guerra contra o terrorismo, Obama e a sua equipe de segurança nacional têm sido muito mais inteligentes, duros e financeiramente eficientes na tarefa de manter o país seguro do que os “adultos” que eles substituíram. Os republicanos não chegaram nem perto, e é por isso que os veteranos do Partido Republicano têm tanta dificuldade em admitir isso.

Mas, embora Obama tenha se mostrado talentoso em implementar a política antiterrorista de Bush, ele tem tido menos sucesso quanto à sua própria política externa. A política de Obama para o conflito árabe-israelense tem sido um desastre. As suas esperanças de encontrar uma solução para a questão do Irã naufragaram, bem, nos rochedos do Irã. Ele pouco se empenhou em criar uma coalizão multilateral para fortalecer o Despertar Árabe, em países como o Egito, a fim de lidar com os desafios pós-revolucionários.

A sua decisão de assumir um risco extra no Afeganistão poderá se revelar fatal. Ele está mergulhado em uma guerra de palavras com o Paquistão. A sua política relativa ao clima global é marcada por uma invisibilidade embaraçosa. E os frios e calculistas chineses e russos, embora de vez em quando lhe ofereçam um petisco, buscam os seus próprios interesses, tendo pouca consideração pelas preferências de Obama. Por que isso está ocorrendo?

Bem, eu vou defender Obama, e não condená-lo. É verdade que ele foi ingênuo ao achar que o seu poder de estrela, ou o da sua secretária de Estado, faria com que outros países nos apoiassem incondicionalmente. Mas as frustrações de Obama no que se refere à criação de uma política externa de grande magnitude e não militar estão enraizadas em um problema social bem mais amplo – uma política que também explica o motivo pelo qual nós não produzimos nem um só secretário capaz de mudar a história desde a época dos titãs da Guerra Fria, Henry Kissinger, George Shultz e James Baker.

A razão para isso é que o mundo se tornou mais caótico, e os Estados Unidos perderam a sua influência. Quando Kissinger estava negociando no Oriente Médio na década de setenta, ele teve que persuadir apenas três pessoas a firmar um acordo: um todo poderoso ditador sírio, Hafez Assad; um faraó egípcio, Anwar Sadat; e uma primeira-ministra israelense que contava com uma maioria esmagadora no parlamento, Golda Meir.

Para fazer história, Obama e a secretária de Estado Hillary Clinton, de forma contrastante, precisam extrair um acordo de um regime sírio que está desmoronando, de um regime egípcio que desmoronou, de uma coalizão israelense fragmentada e fraca e de um movimento palestino cindido em duas partes.

Os Estados Unidos sequer se dão mais ao trabalho de negociar com o fraquíssimo governo civil do Paquistão. Nós nos dirigimos diretamente às forças armadas do país, que só desejam perpetuar o conflito com a Índia – e tirar proveito do Afeganistão como um trunfo nessa guerra – para justificar o interminável consumo de tantos recursos do Estado por parte do exército paquistanês.

“Fazer história por meio da diplomacia é algo que depende de fazer acordos com outros governos”, diz Michael Mandelbaum, especialista em Política Externa da Universidade Johns Hopkins (e coautor, comigo, do livro “That Used to Be Us”). “Mas atualmente, para fazer tais acordos, nós temos de fato que criar governos com os quais desejamos negociar – e não é possível fazer isso.” De fato, em diversas áreas problemática atuais, nós precisamos criar nações antes de fazer diplomacia. Uma grande quantidade de Estados que nasceram devido à Guerra Fria está fracassando.

E, no caso de Estados mais fortes – como a Rússia, a China e o Irã –, nós temos menos influência porque influência é, em última instância, uma função do poder econômico. E, embora várias companhias norte-americanas ainda sejam vigorosas, o nosso governo está mergulhado em dívidas. Quando uma nação se encontra tão profundamente endividada quanto nós nos encontramos – uma situação na qual profundos cortes das despesas militares são inevitáveis – o seu latido é sempre mais forte do que a sua mordida.

A melhor maneira de obtermos influência em relação à Rússia e ao Irã seria adotar uma política energética que reduzisse o preço e a significância do petróleo. A única forma de obter influência em relação à China é aumentar a nossa poupança e o nosso índice de graduação de estudantes universitários – bem como exportar mais e consumir menos. Mas nada disso faz parte do jogo atual.

Portanto, mamãe, diga ao seu filho que quando crescer não se torne um secretário de Estado ou um presidente voltado para políticas externas – pelo menos não antes que outros países construam mais nações no exterior e nós nos empenhemos mais em construir a nossa própria nação.

Tradução: UOL

segunda-feira, 24 de outubro de 2011

"O Brasil Vai Chegar Lá"

Por Bruno Borges (Blog Os Capitalismos, 26/09/2011)*

Um dos grandes chavões que ouço repetidamente é a ideia de que o Brasil “nunca vai chegar lá”. Geralmente a frase vem acompanhada por explicações que tentam “qualificar” a afirmativa com alguma pseudo-teoria. Entre elas, posso citar algumas: “no Brasil só tem corrupto” ou “fomos colonizados por portugueses” ou “o Brasil tem muitos partidos políticos”, entre outras pérolas. No fim das contas, as pessoas que dizem isso estão certas, mas certamente não pelos motivos que acreditam ser verdadeiros.

Em dias em que estou de bom humor, peço às pessoas que me expliquem melhor o que querem dizer. Nunca consegui mais do que olhares perdidos. No entanto, o que mais gostaria de saber é o que “chegar lá” significa. Talvez se soubesse melhor do que estamos falando pudéssemos decidir sobre caminhos para atingir essa meta. Mas nunca fui muito adiante na minha empreitada e suponho por que.

Tenho pra mim que isso é decorrente de um enorme déficit democrático que ainda não conseguimos superar. Apesar dos 25 anos de democracia consolidada, uma boa parte das pessoas ainda acha que a democracia funciona (e deve funcionar) no piloto-automático: basta votar de vez em quando, esperar resultados e reclamar dos políticos que, em algum momento, como num passe de mágica, o Brasil se transformará de maneira tão radical que não nos reconheceremos mais: seremos a Suécia com praias.

Enfim, esperamos tanto da democracia que quando não conseguimos rapidamente atingir um determinado tipo-ideal, nos desesperamos e achamos que nunca dará certo. Esse imediatismo e essa impaciência se prestam a salvacionismos de várias espécies e ao mesmo tempo escondem e empobrecem as soluções de verdade.

Eu costumo dizer o seguinte: as pessoas em todo o mundo estão insatisfeitas com a democracia. Mas o paradoxal é que a democracia é feita exatamente para isso! A democracia está longe de ser um sistema acabado — ela é um sistema em construção permanente. É como se tivéssemos um canteiro de obras que não acaba nunca. O que precisamos entender é que não existe “a obra acabada”. Nunca vamos chegar lá. E isso é bom.

Quando pararmos de pensar em termos absolutos e entendermos melhor o pragmatismo da política, viveremos a democracia de um modo muito mais realista e verdadeiro (“vamos acabar com a corrupção” se transformar por exemplo em “vamos monitorar constantemente aqueles que usam verbas públicas para que a corrupção diminua”, um objetivo bem mais viável). Seremos mais céticos, mas seremos mais vigilantes, seremos menos idealistas, mas seremos mais ativos.

“Chegar lá” não é importante. O importante é sempre andar. E pra frente.

*Bruno Borges é doutor em Ciência Política, professor da PUC-Rio

quinta-feira, 20 de outubro de 2011

A nuvem palestina

Por Murillo Victorazzo

"Política é como nuvem. Você olha e ela está de um jeito. Olha de novo e ela já mudou". Cunhada pelo ex-governador mineiro Magalhães Pinto, a analogia há décadas serve para explicar por que os prognósticos políticos, ainda que possam guardar alguma lógica, são, quase sempre, de difícil precisão. A recente libertação do militar israelense Gilad Shalit, sequestrado há mais de cinco anos pelo Hamas, em troca de cerca de mil prisioneiros palestinos mais do que ratifica a máxima. Mostra que ela se aplica tanto nas disputas nacionais como internacionais em muito por serem estas frequentemente influenciadas pelas primeiras.

Por envolver dois lados que sempre resistiram a qualquer contato mútuo, a negociação causou, de certa forma, surpresa ao mundo. O governo linha dura de Israel sempre se negou a fazer concessões à organização terrorista, que, por sua vez, sempre teve nas armas o único meio de lutar pelo seu objetivo: a criação do Estado palestino através da eliminação do Estado judeu. Os motivos que levaram o Hamas e o primeiro-ministro israelense, Benjamim Netanyahu, a ceder, porém, têm mais a ver com as disputas internas do que com eventuais inflexões mais consistentes no modo dos inimigos se verem.

Há menos de um mês, numa ousada estratégia, o presidente da Autoridade Nacional Palestina (ANP), Mahmoud Abbas, cético quanto a retomada das negociações com Israel, levou à ONU o pedido de reconhecimento formal da Palestina como Estado. Um atitude que esgarçou a débil comunicação com Netanyahu e reacendeu o receio de uma nova espiral violenta entre os dois lados inclusive uma terceira Intifada.

O governo de Israel e seu maior aliado, os Estados Unidos, defenderam que o Estado palestino deveria vir em consequência de negociações diretas entre os dois lados, e não por ações unilaterais. A tese é respeitável, mas, refém de ideologias e visões religiosas estreitas, a direita israelense, representada por Netanyahu e seu chanceler, Avigdor Lieberman, não levou em conta que o pedido, por outro lado, nada mais era do que a legitimização de Israel pela moderada e secular Fatah, partido que comanda a ANP. Ao contrário do Hamas, Abbas aceitara implicitamente a coexistência entre os dois Estados, incorporando de vez o uso exclusivo da diplomacia na busca por seu objetivo.

Nos dias que se seguiram a Assembleia Geral da ONU, o diagnóstico unânime foi de que prestígio de Abbas havia aumentado, em contraste com um provável isolamento de Israel na figura de seu premiê. Este, por sinal, enfrentava ainda desgastes internos, como as manifestações populares contra os resultados econômicos de seu governo, em especial o crescente nível de desemprego e o alto custo de vida. Na gangorra política do Oriente Médio, o líder palestino subia, enquanto o israelense e o grupo radical desciam.

Mas então veio a troca de prisioneiros e o cenário mudou. Tudo indica que os recentes movimentos de Netanyahu. e do Hamas foram uma resposta à jogada de Abbas. Na tentativa de sair da defensiva interna e externa, o governante israelense aceitou fazer algo que, segundo pesquisas, era apoiado por dois terços do eleitorado local. Como disse Diego De Ojeda, diretor da Casa Sefarad-Israel, ao jornal espanhol "El País", "Netanyahu dá uma mostra de generosidade em um momento de debilidade  interna, diante da maré ´indignada` que reclama uma melhor divisão da enorme riqueza gerada em Israel durante os últimos anos".

Outra análise mais arriscada é ter Netanyahu preferido dar os anéis para ficar com as mãos no front externo. Diante do fortalecimento de Abbas, cuja proposta pode levar os Estados Unidos a ficarem sozinhos no Conselho de Segurança, em um constrangimento que certamente refletiria em pressões ainda maiores do governo Obama e da União Europeia para estancar a  expansão de colônias judias na Cisjordânia e em Jerusalém Oriental, o líder direitista teria preferido forçar um reequlíbrio de forças palestinas.

Para um governo acusado de não querer negociar qualquer acordo mais profundo que envolva territórios, o fortalecimento da facção terrorista seria, até certo ponto, conveniente. Reforçaria a imagem de fraqueza do moderado Abbas, único com legitimdade internacional para tentar um verdadeiro acordo de paz, em um ótimo pretexto para justificar suas inflexibilidades futuras, que acabariam por serem respeitadas pelas potências ocidentais. Portanto, a percepção pela opinião pública palestina de que o Hamas é mais efetivo em sua demandas, o que poderá fortalecer a resistência armada, em detrimento da ponderada e diplomática tática da ANP, cujo pedido à ONU ainda é uma incógnita tanto em termos de tempo como de resultado, lhe seria útil.

A mesma lógica cabe aos objetivos do Hamas, indiscutivelmente o grande vencedor do episódio. Crítico da estratégia de Abbas, justamente por não reconhecer Israel e se negar a largar as armas, a organização nada perde com a pequena concessão. Ao contrário. Trocar mil pessoas por uma, ainda que esta seja um membro das poderosas Forças Armadas inimigas, é uma troca vantajosa e principalmente vitoriosa, em termos políticos. Segundo o "Globo", pela primeira vez em anos, bandeiras verdes da organização foram vistas tremulando em Ramallah, Cisjordânia, região onde o Fatah é dominante. Seu maior prestígio interno dificultaria ainda mais qualquer proposta que levasse em conta os direitos de existência do inimigo.

Não é de hoje que radicais de campos opostos se unem, conscientemente ou não, quando o inimigo é a paz e o consenso. Segundo suas óticas obtusas, seus objetivos inflexíveis serão alcançados apenas à força, como se a disputa fosse entre o bem e o mal dos filmes de super heróis. Não por outro motivo, em editorial, o "New York Times" criticou a postura de Netanyahu, dizendo não entender por que o premiê "não negocia seriamente com a ANP", se é capaz de negociar com uma organização que "lança foguetes contra Israel, recusa-se a reconhecer sua existência e prometeu mais sequestros". Na mesma linha, o diário israelense "Haaretz", ao acusar o premiê de estar "fazendo um esforço para retratar o Fatah como desprovido de propósito", defendeu que ele evite "tomar medidas que minem o status do nosso parceiro palestino e o status internacional de Israel".

Ainda que os otimistas defendam "que a troca de prisioneiros removeu um grande obstáculo de qualquer futuro de paz entre israelenses e palestinos", como opinou Ronald Zweig, professor de Estudos Israelenses da Universidade de Nova York, ao "Globo", as perspectivas são, para muitos, angustiantes. A sensação é de que o radicalismo foi revigorado. Como metaforizou o ex-ministro israelense Yossi Beilin, a bomba-relógio foi ativada, e só se conseguirá desligá-la caso Netanyahu reative o processo de paz com seu parceiro legítimo, Abbas.

O fato é que, embora não se possa dizer até quando, o líder israelense e o Hamas escaparam do canto do ringue. Se a inconstância é marca da política, ela, sempre intensa no Oriente Médio, ganhou tons ainda mais preocupantes. As nuvens que no início do mês desenhavam um quadro a favor de Abbas agora ganharam feições desejadas pelo fundamentalismo. E, neste caso, o céu se encontra especial e perigosamente cinzento.

segunda-feira, 17 de outubro de 2011

Dez Livros sobre Política Internacional

Por Mauricio Santoro (Blog Todos os Fogos o Fogo, 07/10/2011)

Em discussão recente no meu perfil do Twitter, me foi sugerido indicar livros sobre ciência política e relações internacionais. A idéia é excelente e me baseio em sites como o Five Books para recomendar obras para os leitores interessados no tema. Minha lista é formada em parte por clássicos de história e teoria, mas também por escolhas bastante pessoais que incorporam debates sobre desenvolvimento, democracia e política comparada – ferramentas que considero essenciais para compreender relações internacionais, e que gostaria de ver utilizadas com mais frequência em cursos acadêmicos da área. Sugiro também a consulta de lista anterior que publiquei no blog, com 10 filmes clássicos sobre estes mesmos assuntos. Ainda postarei a respeito de romances e músicas – me cobrem!

O Homem, o Estado e a Guerra, Kenneth Waltz.

As relações internacionais nasceram como disciplina acadêmica após a I Guerra Mundial, mas dialogam com uma tradição muito mais antiga de filosofia e ciência política que no Ocidente remonta à Grécia clássica. Este livro é um estupendo apanhado teórico de três maneiras de se pensar a guerra, da Antiguidade ao fim da década de 1950, quando foi publicado: correntes que acreditam que a violência é parte inescapável da natureza humana, os que defendem que a guerra é característica de alguns tipos de Estado mas não de todos, e o que Waltz chamou de “terceira imagem”, e que localiza a origem primordial dos conflitos na maneira como a política internacional está estruturada como sistema, mais do que nos componentes individuais que a compõem. Desenvolveu essa idéia em seu livro posterior e mais famoso, ainda que em minha avaliação esta seja sua obra-prima.

After Victory, G. John Ikenberry.

Por que países vitoriosos em grandes guerras se dão ao trabalho de construir instituições internacionais que irão regular e limitar sua vontade, em vez de simplesmente impô-la pela força bruta? Ikenberry analisa três grandes momentos de redesenho da ordem mundial: o Congresso de Viena após a derrota de Napoleão (1815) e as conferências que se seguiram às duas guerras mundiais do século XX. Sua conclusão é que arranjos “quase-constitucionais” são vantajosos para as potências vitoriosas, que abrem mão de parte de seu poder em troca da estabilidade de longo prazo trazidas por regras e normas. Ele contrasta essa situação com o pós-Guerra Fria, onde não houve negociações semelhantes.

After Hegemony, Robert Keohane.

Na década de 1970, os Estados Unidos viviam sérias crises, pela derrota no Vietnã, pela estagnação econômica e inflação, pelos conflitos sociais internos e o escândalo do Watergate. Muitos acreditavam que o declínio do país seria também o das instiuições internacionais, mas Keohane argumenta que não, teorizando sobre por que é racional cooperar, mesmo na ausência de uma potência hegemônica que garanta o sistema.

Ascensão e Queda das Grandes Potências, Paul Kennedy.

Outro clássico oriundo da preocupação com o declínio dos Estados Unidos. Kennedy examina 500 anos de história e identifica o padrão da “sobreextensão imperial”: grandes potências expandem-se, passam a gastar cada vez mais com poder militar, para garantir seus domínios, e se vêem envolvidas em conflitos tão numerosos e diversos que terminam por perder recursos econômicos e capacidade de manterem-se competitivas tecnologica e cientificamente. A melhor introdução para a história diplomática das grandes potências (“Diplomacia”, de Henry Kissinger, é rival à altura).

O Mundo Pós-Americano, Fareed Zakaria.

Se você quer entender a ascensão dos BRICS, este é o livro, que se concentra na Índia (vista como futura aliada dos Estados Unidos) e na China (desafiadora e rival). Zakaria é indiano radicado nos EUA e argumenta que Washington tem que aprender a conviver com a inevitável perda de sua hegemonia, até porque continuará a ser um país muito importante. Ele acabou de lançar a 2ª edição do livro. Em ótima entrevista à Globo News, explica suas idéias.

A Grande Transformação: as origens de nossa época, Karl Polanyi.

Nascido na porção húngara do império Hapsburgo, Polanyi escreveu durante a Segunda Guerra Mundial, tentando entender como o mundo chegara à beira do apocalipse após um século de paz. Sua conclusão: a crise social ocasionada pela expansão da Revolução Industrial e da economia de mercado, com as pressões para transformar em mercadorias três pilares da vida cotidiana – terra, mão-de-obra e moeda. O resultado foi o surgimento de um “duplo movimento” de contenção, de criar proteções sociais domésticas (por meio de reformas na sociedade e aumento das tarifas) ou mercados externos protegidos (imperialismo, colônias). A rivalidade internacional crescente solapou as instituições do século XIX e com frequência adquiriu tons totalitários, com o nazi-fascismo e o comunismo. Polanyi propõe uma versão democrática, antecipando o Estado de Bem-Estar Social do pós-guerra.

As Origens Sociais da Ditadura e da Democracia, Barrington Moore Jr.

Outra brilhante análise das grandes crises da primeira metade do século XX. Barrington Moore identifica diversas trajetórias pelas quais nações agrárias tornaram-se potências industriais, observando que a democracia só prosperou onde a classe média burguesa tomou o poder pelas armas e a agricultura assumiu feição capitalista, livre de amarras feudais (Inglaterra, França e EUA). Onde a burguesia era frágil, tornou-se sócia minoritária dos grandes senhores de terra, com modelos de desenvolvimento liderados pelo Estado autoritário (Alemanha e Japão) ou sucumbiu diante de revoluções comunistas (Rússia e China). Este trabalho seminal gerou diversos estudos que procuram aplicar, complementar ou refutar suas teses, sobretudo pela análise de potências médias, com trajetórias menos turbulentas. Sugiro “Nacionalism: five roads to modernity”, Liah Grenfeld, "Os Alemães", Norbert Elias, “Economic Origins of Ditactorship and Democracy”, de Daron Acemoglu e James Robinson e “Modelos de Democracia”, de Arent Lijphart.

Genocídio, Samantha Power

Este estudo inovador sobre o pior crime inventado pelo século XX é aula magna de política internacional e comparada, jornalismo de guerra e análise primorosa dos novos atores como organizações não-governamentais de direitos humanos, cadeias de mídia e complexas redes transnacionais que atuam em casos de invervenções. Para quem se interessar pelo tema, recomendo também "Activists Beyond Borders" de Margareth Keck e Kattryn Sikkink, e “The First Casualty”, de Phillip Knightley.

The Sino-Soviet Split, Lorenz Luthi.

Muitos dos livros acima abordam a Guerra Fria e suas crises, como a divisão da Alemanha, as guerras do Vietnã e da Coréia, o impasse nuclear em Cuba etc. Mas só este o faz da perspectiva das duas grandes potências comunistas, mostrando como as disputas por influência nos novos países surgidos da descolonização afro-asiática e divergências ideológicas sobre como lidar com os EUA e o Ocidente levaram à ruptura e uma quase-guerra entre ambas. Brilhante trabalho de pesquisa nos arquivos recém-abertos e belo exemplo dos novos trabalhos sobre história internacional, de ênfase mais cosmpolita que as tradicionais análises baseadas na política externa de um só país.

Latin America´s Cold War, Hal Brands.

Minha lista não estaria completa sem uma recomendação sobre a América Latina e este lançamento recente, que já resenhei no blog, é fruto de excelente pesquisa em vários arquivos nacionais, de um jovem autor que promete muito. Em linha semelhante, mas dedicado a outro continente, é “States and Power in Africa”, de Jeffrey Herbst, que mistura teoria de relações internacionais e política comparada para analisar a dinâmica diplomática dos novos Estados surgidos naquela região com a descolonização.

sábado, 15 de outubro de 2011

Carlos Lessa e Jorge Castanheira debatem a economia do carnaval

Do Extra (

sexta-feira, 14 de outubro de 2011

A Guerra Fria do Oriente Médio

Por Angus McDowall (Reuters/O Globo, 13/10/2011)*

A rivalidade entre os vizinhos Arábia Saudita e Irã entrou numa nova e perigosa fase depois de os EUA acusarem Teerã de planejar a morte do embaixador saudita em Washington. O suposto complô, negado com veemência por Teerã, ocorre num momento crítico na chamada guerra fria do Oriente Médio, que opõe o reino árabe sunita da Arábia Saudita contra a majoritariamente persa e xiita República Islâmica do Irã.

Ainda é cedo para dizer se o aumento da tensão entre os dois principais países produtores de petróleo da Opep levará a retaliações, mas com os dois apoiando lados contrários nas confusas lutas sectárias que envolvem Iraque, Líbano e Bahrein, as apostas na estabilidade do Oriente Médio dificilmente seriam altas.

Reforçando as preocupações sauditas há o medo de que o Irã possa estar usando o programa de energia nuclear para desenvolver uma bomba atômica que alteraria a dinâmica do poder no Golfo Pérsico. Teerã afirma que o seu programa nuclear tem apenas fins pacíficos.

Foi a Revolução Islâmica no Irã, em 1979, que repentinamente modificou as relações entre os dois países, antes descritos como “pilares gêmeos” que garantiam a segurança americana no Golfo. Embora os poderosos clérigos wahhabistas da Arábia Saudita tenham sempre considerado herege a escola xiita de islamismo, eles viam o xá como uma barreira contra qualquer incursão comunista de inspiração soviética no Oriente Médio.

Para os revolucionários que criticavam o imperialismo ocidental nas mesquitas de Teerã, a família governante saudita representava uma monarquia corrupta que protegia interesses ocidentais. Mas nos palácios de mármore de Riad, o temor de que a República Islâmica pudesse exportar sua revolução no Oriente Médio estimulou uma estratégia de contenção, que incluiu o apoio a Saddam Hussein no Iraque nos oito anos de guerra contra o Irã.

Quando os EUA e seus aliados derrubaram o regime sunita de Saddam Hussein em 2003, a Arábia Saudita e o Irã trocaram acusações de apoio a grupos que defendiam seus interesses em meio ao caos. Teerã emergiu como vencedor estratégico com a saída de seu inimigo mortal Saddam e a eleição de um governo xiita em Bagdá. Um dos temores agora é que a tensão possa se traduzir em violência em países nos quais o Irã e a Arábia Saudita apoiam facções rivais.

Com os levantes árabes desafiando a ordem estabelecida ao longo do Oriente Médio, o confronto entre a Arábia Saudita e o Irã se aguçou. Protestos da maioria xiita contra a monarquia sunita no Bahrein foram vistos em Riad como prova da interferência iraniana. Em Teerã, as autoridades divulgaram informes de diplomatas americanos, revelados pelo grupo WikiLeaks, de que líderes sauditas pediram que Washington atacasse suas instalações nucleares. Segundo o WikiLeaks, um defensor de uma postura mais dura dos EUA contra o Irã era o embaixador saudita Adel al-Jubeir, o alvo do suposto complô de assassinato.

“Tiraram as luvas”, disse Ali Ansari, diretor do Instituto para Estudos Iranianos na Universidade St. Andrews, na Escócia. “O risco no momento é que não se tenha um confronto EUA-Irã, mas um confronto Arábia Saudita-Irã, que é mais perigoso porque os sauditas são mais agressivos ao defenderem suas posições.”

*Angus McDowall é jornalista especializado em Oriente Médio