segunda-feira, 29 de junho de 2009

Aplaudir, sim; "engolir", jamais

Por Murillo Victorazzo
Está bem, o Dunga ganhou mais um título. Que bom! Todo brasileiro está (ou deveria estar) feliz, afinal o mundo, de novo, nos olha com aquele semblante de "ih, lá vem eles de novo". Não dá para não se orgulhar quando lemos o debochado "Olé" manchetar: "Brasil es Brasil. El más grande!". Mas, sem querer ser chato, não custa lembrar: Copa das Confederações é Copa das Confederações; Copa do Mundo é Copa do Mundo.
Longe de ser pessimista ou parecer contariado com o sucesso do treinador brasileiro, o fato é que não se pode atribuir favoritismo ao Brasil na Copa de 2010 pelo título conquistado ontem. Claro, excetuando o favoritismo eterno e histórico que a seleção canarinho tem em qualquer competição. Fomos, somos e parece que sempre seremos o "celeiro" de jogadores do mundo! E o mundo reconhece isso.
O número de seleções de melhor nível e o grau de preparação deles em um Copa do Mundo são bem superiores ao notados no torneio vencido. O que não tira o mérito dos "Samba Boys", como os sul-africanos apelidaram nosso time. Também não se pode negar que a qualidade do jogo brasileiro melhorou - e muito,em alguns jogos, como contra a Itália. Já se nota padrão de jogo; já temos uma base que nos permite sonhar com uma boa Copa do Mundo ( ganhar é consequência e depende muito também dos imponderáveis do futebol).
É inegável que o Dunga "descobriu" alguns jogadores e soube incorporá-los bem ao seu esquema. Também é justo ressaltar que, se tem muitos defeitos, o nosso treinador tem uma grande virtude: é sério, brioso, o que nos parece garantir que "salto alto" não haverá em 2010. Mas, Dunga, por favor, presta atenção no Robinho. Será mesmo que ele é titular? O que está se passando com aquele que foi tido como potencial melhor jogador do mundo um dia? E a lateral esquerda? Melhoramos, mas futebol não é estático, é dinâmico. Muita estrada ainda temos para caminhar.
Tal progresso, porém, não é argumento para o Dunga, em um de seus típicos ataques de rancor, achando que é mais homem do que os outros, vangloriar-se de que fora perseguido, que a mídia não o entende. Todas as críticas- excetos, é claro, as pessoais, dogmáticas- sobre seu trabalho na seleção foram, quase sempre, justas. Ele não calou a crítica. Sua excessiva preocupação em "calar a crítica", por sinal, só demonstra insegurança, como se quisesse reafirmar para si mesmo que sempre estivera certo.
Na verdade, o que é "calar a crítica"? Enquanto a seleção jogava mal, criticava-se; quando joga bem, elogia-se. Estranho seria elogiar um time que passou boa parte dos jogos ano passado sem fazer gol, empatando com Bolívia e Colômbia em casa. Crítica não é dogma, faz-se em função do que se vê naquele momento. Não é (ou deve ser) cega nem rígida. Normal também é (ou era) a desconfiança com algúem que nunca treinara nem time de segunda divisão, imagina a seleção mais importante do futebol mundial.
Parabéns, Dunga, você, assim como a seleção, evoluiu nitidamente. Que continue, até 2010, nessa trajetória! Porém, espera-se uma evolução também na sua postura com a imprensa. Dê menos importância a ela, que não quer te derrubar por antipatia gratuita. Apenas avalia o seu trabalho. Desarme-se, pois isso só conspira contra você. Somente cria zonas de tensão com a mídia - não se esqueça, ela é o elo entre você e a população, não um ditador que, por mero sadismo, gosta de maltratar.
E, principalmente, saiba vencer! Não use as vitórias para destilar ódio, a la o "vocês vão ter que me engolir. Só irá facilitar o trabalho de ambos: o seu e o nosso. Até porque, não interessa o que o jornalista acha de sua pessoa, mas sim sua competência entre as quatro linhas. Aplaudiremos, se merecer, mas "engolí-lo", nunca.

sábado, 27 de junho de 2009

Mirian Leitão e o diploma

Curso parado no ar
(coluna de Míriam Leitão, O GLOBO, 20/06/2009)

O que acabou foi a reserva de mercado. Não acabou a necessidade de qualificação, de aprendizado, de domínio da técnica, de acumulação do conhecimento para ser jornalista. A profissão não é trivial. O fim da obrigatoriedade do diploma deixou alguns colegas perplexos, confirmou a convicção de outros, mas ficou mal entendida a questão da formação do jornalista.

Eu amava o curso de História. Ele foi interrompido pela prisão. Quando pude voltar à universidade, já trabalhava em jornal há três anos. Fiz comunicação por obrigação, para ter o diploma, e detestei o curso. Aprendia jornalismo nas redações. Achava meus professores distantes da realidade e aquele ritmo da faculdade lento para a dinâmica nervosa da redação. Já Alvaro Gribel, que trabalha aqui na coluna, saiu do seu curso de comunicação com melhor impressão.

Esta semana, nas primeiras horas após a decisão do Supremo, recebi e-mails e telefonemas desconsolados. Uma antiga colega me pergunta o que deve escrever nos cadastros em que se questiona o nível educacional: “Superior inválido?” Jovens jornalistas acham que foram enganados, que poderiam ter feito outros cursos. Estudantes não sabem se continuam. Vestibulandos estão ainda mais confusos. Calma gente. Nada mudou na verdade, apenas acabou a reserva de mercado que estabelecia barreiras inaceitáveis a pessoas com competência, conhecimento específico, especialização. As empresas insistiam, mas havia constrangimentos legais para ex-jogadores de futebol atuarem como comentaristas esportivos, ou médicos, advogados e economistas que ajudam no jornalismo de precisão.

Nas minhas décadas de redação conheci brilhantes jornalistas que fizeram e que não fizeram o curso; e incompetentes também dos dois grupos. É conhecido o caso de que os dois jornalistas do Watergate não tinham curso. Fora do jornalismo, também há casos eloquentes de pessoas que abandonaram os cursos que faziam e tiveram enorme sucesso: Bill Gates e Steve Jobs, por exemplo. Não se pode concluir daí que estudar é irrelevante porque o talento pessoal resolve tudo. Por isso, acho que essa divisão entre a torcida a favor do diploma e a torcida contra deixa algo parado no ar: como formar jornalistas?

Os ministros do STF expressaram uma visão desatualizada do jornalismo. Ele não é só literatura e arte. A definição romântica fazia mais sentido em outros tempos. Apesar de termos no nosso jargão a expressão “cozinha do jornal”, o paralelo com a culinária é impreciso. Não é também uma daquelas técnicas banais que se aprende num manual de sete lições. Existem vários jornalismos, é difícil definir como ele é exercido atualmente nas várias mídias, nas ferramentas mutantes, nas regras que permanecem, no toque pessoal e intransferível, na rapidez irrecorrível, na tradução do complexo, no talento indispensável.

O medo de que “qualquer um” possa ocupar os postos é mais corporativista do que real. Não se pode improvisar uma redação com a complexidade de um produto que, em jornal impresso, de manhã não tem nada, de noite tem que estar pronto; na televisão, exige que o repórter grave a reportagem enquanto apura, e que editores em ilhas sincronizem imagens e áudios numa corrida contra o relógio; no online, o produto é instantâneo.

A tecnologia criou novas possibilidades para os “não” jornalistas. O citizen journalism e o i report, em que pessoas registram e postam o que só eles viram, enriquecem o jornalismo. A mídia social só ameaça as tiranias — como se vê no Irã — porque testemunha o que os jornalistas não puderam ver.

Os cursos sempre foram imperfeitos e incompletos. Mesmo assim, os estudantes tem lá uma iniciação que será útil quando eles entrarem de fato no cotidiano de uma redação. Os jornais e emissoras de TV e rádio hoje montam verdadeiros cursos para os estagiários, mas partem de uma base que foi dada pela universidade.

O fim da obrigatoriedade do diploma abre o debate interessante sobre a melhor formação do jornalista. No jornalismo econômico, ele tem que entender economia mas não pode virar um protoeconomista, prisioneiro dos preciosismos e jargões que só fazem sentido para o gueto. Economistas, sociólogos, advogados, cientistas precisam capturar a forma de transmitir o conhecimento deles de forma clara. E agora mais do que nunca é necessário o profissional que fique nas fronteiras do conhecimento e editorias, que fale de economia sabendo das mudanças climáticas; de política, entendendo as restrições fiscais, de cultura vendo as nuances sociais.

Acabou a obrigatoriedade do diploma, não acabou a necessidade de formação do jornalista. Os cursos de graduação e pós-graduação continuam a existir nos Estados Unidos mesmo sem haver a obrigatoriedade. Alguns com prestígio mundial, como os da Columbia. Na Alemanha, as emissoras de televisão selecionam profissionais de varias áreas e os treinam em cursos internos. O importante é que do jornalista será exigido tanto formação, quanto talento; tanto técnica, quanto inovação. Parte disso será obtido em cursos de formação, parte será nas redações. Quem entender que a hora é de estudar menos, ficará para trás.

Marcelinho é o cara; bora Mengão!

Amanhã o Mengão pode ser bicampeão brasileiro de basquete. Vale a pena relembrar uma matéria com o Marcelinho, durante o RIO 2007.
Um tricampeonato com gostinho especial

Por Murillo Victorazzo (matéria publicada no site http://www.rio2007.org.br/, 29/07/2007)

As lágrimas nos olhos, assim que viu o filho subir ao alto do podio, não o deixaram continuar a conversa com o repórter do site oficial dos Jogos. Mas a emoção de René Machado era mais do que justa. Afinal o filho em questão é Marcelinho, o ala e capitão da seleção brasileira de basquete masculino, que havia acabado de ganhar o tricampeonato pan-americano, ao vencer Porto Rico por 86 a 65. Se toda a equipe dona da casa não cabia em si de tanta alegria pelo feito, imagine Marcelinho, carioca da gema e único dos jogadores a estar nas três conquistas, Winnipeg 99, Santo Domingo 2003 e Rio 2007.
“Ver meu filho ganhar mais um ouro e desta vez para a galera dele e uma emoção indescritível”, diz René, tentando segurar o choro e apontando para o público. Assim que soube da emoção do pai, Marcelinho também tentou pausar suas palavras para não chorar. Não conseguiu: “Cara, não dá, assim vou chorar. Todas as atitudes que tomei na vida foram espelhadas nele”.

A relação mútua de carinho e admiração entre eles vai além da frequentemente vista entre pais e filhos. Desde o início, ainda nas escolinhas do Flamengo, Marcelinho teve o pai como uma espécie de professor dentro de casa, fruto da experiência de René como jogador de basquete. O paizão é até hoje supervisor de Esportes Olímpicos do Fluminense, clube do Rio de Janeiro pelo qual Marcelinho iniciou sua carreira profissional. Mais tarde, aos 21 anos, transferiu-se para o Botafogo e hoje joga no Zalgiris Kaunas, da Lituânia. “Meu pai é tudo para mim, e não apenas no basquete. Ele é um exemplo, e não apenas no basquete”, diz Marcelinho.

Aos 32 anos, o filho de René é também o mais velho da seleção, o que lhe dá a condição de líder de uma equipe cujo mais novo e Paulão, de 19 anos. Seus companheiros, por isso, são unânimes em ressaltar a importância do capitão na conquista do ouro. “O Marcelinho tem o grupo na mão. E voz ativa em todas as situações, além de ser uma fera nos arremessos de três metros”, conta o ala Marquinhos, de 23 anos. “Ele é quem nos ajuda nos momentos mais difíceis, o porta-voz do grupo perante o treinador e diretoria. Mas, mesmo sendo o mais experiente, e super brincalhão, gente boa. A gente confia nele”, revela o pivô Murilo, 24 anos.

Mas nem toda esta experiência foi capaz de evitar um friozinho na barriga nos momentos que antecederam a final. Disputar uma medalha de ouro na sua cidade natal mexeu com o tricampeão, que confessa ter ficado muito mais ansioso ao entrar na quadra neste domingo do que nas finais de Winnipeg e Santo Domingo. “ Nao dá para comparar!Ver toda aquela torcida foi demais. Eles foram fundamentais. Ganhar no Brasil foi uma emoção única. Durante o jogo ficou muito concentrado, mas quando o hino tocou e vi meus pais, minha esposa, ai o coração disparou”, afirma Marcelinho.

Ele, no entanto, prefere minimizar seu feito de ser o único jogador presente em todas as conquistas. Para Marcelinho, as estatísticas e recordes individuais devem ficar em segundo plano. Prova disso foi que, após terminar o primeiro tempo como cestinha da partida, com 17 pontos, no segundo não pontuou mais, tendo preferido se dedicar as assistências “ A gente joga para o grupo. No segundo tempo, já que Porto Rico começou a forçar a marcação sobre mim, tive que me dedicar a outros fundamentos. E claro que estou feliz, mas o basquete e um jogo coletivo. Prefiro ressaltar que participei de três grupos vitoriosos”, pondera.

Sobre a decisão contra Porto Rico, Marcelinho diz que os brasileiros entraram em quadra muito concentrado por saberem que seria um jogo muito difícil. A vantagem aberta no inicio, garante ele, foi surpreendente. O Brasil chegou a fazer 9 a 0 e terminou o primeiro quarto com uma vantagem de 17 pontos. “Entramos muito concentrados, mas nos surpreendemos com o placar que fizemos no primeiro quarto”.

Marcelinho não ainda não teve chance de disputar um Jogos Olímpicos, pois, desde Atlanta 96, o basquete masculino brasileiro não consegue a classificaçãoo. É um sonho que ele espera ver concretizado ano que vem, em Pequim, para, realizado, poder encerrar sua participação na seleção brasileira. O Brasil tentará a vaga no Pré-Olimpico, em Lãs Vegas, Estados Unidos, no mês que vem. “ Estou confiante que nos classificaremos. Estando nos Jogos Olímpicos, podemos avançar e buscar uma medalha, pois o basquete mundial esta muito equilibrado. Ja conversei com o Lula (treinador) e meu projeto é me aposentar da seleção depois disso”, revela.

No entanto, mesmo vencendo em casa, Marcelinho não conseguiu manter uma tradição em todos títulos conquistados: levar a rede da cesta para casa. “ Eu tentei, mas nem dava para brigar com o voluntário, porque era meu amigo”, brincou.

quinta-feira, 25 de junho de 2009

Jovens Guevaras

Por Murillo Victorazzo (matéria publicada na revista ISTOÉ, nº1771,08/09/2003)

"O caráter revolucionário de um partido pode ser julgado, em primeiro lugar, pela sua capacidade de atrair a juventude da classe trabalhadora para suas bandeiras. O atributo básico da juventude socialista – e tenho em mente a juventude genuína e não os velhos de 20 anos – reside na sua disposição para entregar-se total e completamente à causa socialista.” Essas palavras, ditas por Leon Trotsky em uma carta à Conferência da Liga da Juventude Socialista em julho de 1938, expressam a importância que o ídolo socialista dava aos adolescentes na busca pela revolução. Ele próprio foi um jovem engajado: aos 17 anos, começou sua militância na construção do partido bolchevique.
Mais de 60 anos depois e muitas mudanças ideológicas no mundo, as idéias radicais ainda contagiam jovens que nem à maioridade chegaram. Embalado pela paixão revolucionária, o carioca Alexandre de Donato, 14 anos, tentou fugir do País no mês passado para se juntar às Forças Armadas Revolucionárias da Colômbia (Farcs). Só não chegou lá porque foi detido pela Polícia Federal na Amazônia.
Alexandre conheceu as Farcs pela internet. “Depois que sofreu um assalto, ele ficou com raiva da violência e só falava em socialismo”, conta o amigo Bruno. Desde então, Alexandre começou a ler sobre Nietzche e Marx, mas não teve tempo de se informar sobre as relações das Farcs com o narcotráfico. “Meu filho é um idealista, não sabia o que estava fazendo”, perdoa a mãe, Catarina Paccagnella.

Com os mesmos sonhos, embora mais letrada nas teorias socialistas, a estudante Lívia da Silva Maia, 15 anos, também quer “derrubar o capitalismo”. Moradora de São João do Meriti, na Baixada Fluminense, ela diz que “o único caminho para um governo dos trabalhadores é a revolução”. Lívia participa de plenárias do movimento Ruptura Socialista, ligado ao Partido Socialista dos Trabalhadores Unificado (PSTU). “Nosso objetivo é derrotar a burguesia e o FMI. O ideal seria algo parecido com a Revolução Cubana”, afirma, saudosa de um tempo que não viveu.
Os cursos dados pelo partido são a base de seu pensamento político. “Através das teses de Marx, Trotsky e Lênin, comparamos o passado com a atualidade”, explica ela, que se interessou por política nas aulas de história. Sua mãe foi filiada ao PT, que a jovem vê com decepção. Fã de Karl Marx, ela confessa que ainda não leu O capital, mas adorou o Manifesto Comunista.

Companheiro de partido de Lívia, o estudante Wiliam de Almeida Côrbo, 14 anos, morador da Tijuca (zona norte do Rio de Janeiro), é outro que sonha com “a vitória do proletariado”. O fato de seu pai ser filiado ao PSTU ajudou. “Sempre gostei de política”, diz o admirador de Trotsky. “Ele defendeu até o fim suas idéias, mesmo sendo perseguido por Stálin. Foi um cara demais!”, entusiasma-se.
A moderação do governo Lula não causa surpresa a esses socialistas mirins. “Pelas alianças feitas, eu já esperava isso que está aí”, desdenha Wiliam. Lívia diz que só não imaginava que “os ataques contra os trabalhadores viessem tão rápido”. Para ela, a “democracia burguesa” não vai mudar o País.
Embora torça pela adesão de mais adolescentes à causa, Lívia define a atitude do jovem que tentou fugir para a Colômbia como “um ato de quem desconhece a verdade sobre as Farcs” por causa da ligação com as drogas, uma suspeita que Wiliam atribui a uma campanha de desmoralização movida pela burguesia. “A burguesia tenta desmoralizar todos os movimentos sociais, como o MST”, compara, defendendo as invasões de terra.

O estudante paulista Diogo Gomes Amado, 17 anos, é outro simpatizante das idéias radicais. Desde os 13 se interessa pelo socialismo. “Meus pais não são militantes, fui atrás sozinho”, diz o leitor de Marx e do trotskista argentino Nahuel Moreno. “O Brasil ideal passa pela ruptura com o imperialismo e a suspensão do pagamento da dívida, além de não participar da Alca”, prega Diogo, chamando Lula de “traidor da classe trabalhadora”. Defensor da luta armada – “só assim a classe trabalhadora vencerá o sistema burguês” –, ele afirma que, se necessário, pegaria em armas.

A combatividade da nova geração de Guevaras enche de orgulho veteranos como Dinarco Reis Filho, 71 anos, do Comitê Central do velho Partido Comunista Brasileiro (PCB). “Muitas vezes, eles são muito afoitos, mas é típico da idade. Quando comecei, pensava que a revolução viria em cinco anos e até hoje, nada”, brinca. Na luta desde os 16 anos, Dinarco afirma que a adesão dos jovens é o único caminho para os partidos de esquerda: “A árvore está dando frutos.”
Pela distância entre o tempo de seus ídolos e suas pregações atuais, jovens como Wiliam, Diogo e Lívia são vistos como ultrapassados e viram alvos de brincadeiras. “Meus amigos falam para eu curtir a vida, que estou fora do meu tempo, mas ignoro”, menospreza Wiliam.
Revivendo a velha frase que afirmava que a esquerda só se une na cadeia, as críticas são guardadas para os jovens petistas. “Eles gostam de dizer que vamos destruir o País, mas quem vai fazer isso é o capitalismo. Nós queremos acabar com esse sistema, que só traz miséria e desemprego”, ataca Lívia, ressaltando que nunca deixou de se divertir com as amigas por causa da militância. “Continuo com a minha natação, meu futebol e minhas festas”, diz Wiliam. O sonho destes pequenos Ches, parafraseando Marx, é: “Adolescentes de todo o mundo, uni-vos.”

Jovens brasileiros começam a descobrir o handebol

Por Murillo Victorazzo (matéria publicada no site http://www.rio2007.org.br/, 14/07/2007 )

Os irmãos Mateus e Francisco Rezende, 15 e 17 anos, chamavam a atenção nas arquibancadas do Pavilhão 3B do Complexo do Riocentro, durante as partidas da primeira rodada do handebol masculino no RIO 2007. Os dois, juntos com mais quatro amigos, vieram de Resende, interior do Rio de Janeiro, apenas para assistir aos jogos do esporte que praticam há três anos no CCRR, clube de sua cidade. Com perucas, bandeiras e camisas verde-amarelas, eles eram uma amostra do crescimento do handebol no país. O bom público presente às partidas do Brasil era formado em boa parte por grupos de crianças e adolescentes, acompanhados ou não dos pais. Quase todos adeptos da modalidade em seus colégios ou em clubes.

“Adoro jogar handebol, e estou percebendo que o pessoal começa a entender e a gostar do esporte. Antigamente, era impossível ver alguém com a camisa da seleção de handebol”, afirma Francisco, apontando para a vestimenta que usava.
Para Mateus, a popularização do handebol é fruto das recentes conquistas. No feminino, além de um inédito sétimo lugar no Mundial da Alemanha, este ano, o Brasil busca, nestes Jogos, o tricampeonato pan-americano. No masculino, o país pode chegar ao segundo ouro consecutivo, após faturar a prata em Winnipeg 99.“Uma medalha sempre ajuda, né”, diz Mateus, ao lado de seu professor de handebol Carlos Augusto Correa.

Carlos Augusto conta que, cada vez mais, o esporte está sendo ensinado nas aulas de educação física das escolas:“O handebol está crescendo a nível escolar. Além disso, o projeto da confederação tem estimulado mais crianças a conhecerem o esporte”.

O projeto à que se refere Carlos é o Mini-Hand, trabalho desenvolvido pela Confederação Brasileira de Handebol, desde 2000, que busca viabilizar a prática da modalidade, principalmente entre crianças carentes. Com a vinda do patrocínio da Petrobrás, em 2004, o Mini-Hand ganhou força. Hoje, há 159 núcleos por todo o país. São aproximadamente 14 mil crianças entre 8 e 12 anos iniciando na modalidade. A estatal deve investir este ano R$2,8 milhões.

Chefe da equipe brasileira no RIO 2007, Adilson Velloso Junior confirma o crescimento do handebol no país, seja em nível técnico ou em popularidade. A ascensão, explica, é fruto de um trabalho de base e do patrocínio da Petrobrás. “Uma medalha incentiva mais jovens a praticarem o handebol, além de chamar atenção da imprensa e de patrocinadores. Mas, por outro lado, para chegarmos a esses resultados, é preciso uma base forte e espaço na mídia”, afirma Velloso. “Nos nossos torneios juvenis, mais equipes estão se destacando. É conseqüência desse trabalho com a criançada”, assegura Velloso.

Outro causa do fortalecimento técnico do handebol brasileiro é ida de jogadores para o exterior. Atualmente há 22 mulheres e dois homens atuando em clubes de fora do país.“É importantíssimo que brasileiros tenham cada vez mais experiência internacional”, afirma Velloso.

A ponta direita Alexandra Nascimento, a Ale, é uma das atletas da seleção que atuam fora do Brasil. Jogadora do Hippos Klub, da Áustria, ela concorda com Velloso.“Temos muito boas jogadoras dentro do Brasil, mas o intercâmbio é fundamental”, diz ela, empolgada com o público presente nos jogos da seleção no RIO 2007. Na segunda partida, contra o Chile, no domingo, 15, praticamente todos os três mil ingressos foram vendidos.

Velloso lamenta a saída do treinador da equipe masculina, o espanhol Jordi Ribera, após os Jogos. Coordenador das categorias de base do handebol masculino, Ribera, após dois anos no Brasil, aceitou um convite para treinar um time de seu país.
No feminino, outro espanhol, Juan Oliver, faz o mesmo trabalho que Ribeira.“O Jordi unificou o modo de jogar das nossas seleções. Do juvenil até o adulto, todos estão jogando com a mesma filosofia Ele procura também trazer treinadores de fora para dar aulas. Espero que quem o substituir continue o trabalho” torce. Mesma opinião tem o armador esquerdo do Guilherme de Oliveira: “Com a vinda do Jordi, o handebol brasileiro deu um salto muito grande. Quando tivermos mais espaço na imprensa e uma grande conquista a nível mundial, cresceremos ainda mais”.

“Evoluímos técnica e taticamente. Hoje, o handebol já é o segundo esporte mais praticado nas escolas. Mas precisamos de mais divulgação na mídia”, reivindica a armadora central do Brasil Millene Figueiredo, que joga no Cleba C.L., da Espanha.

De qualquer maneira, parece que o handebol começa cair no gosto da juventude brasileira. Algumas cadeiras atrás de Mateus e Francisco, um grupo de quatro meninas se mostrava encantadas por estarem no ginásio. Pareciam encantas por poder ver de perto os atletas brasileiros do esporte que praticam em seus colégios, no Recreio dos Bandeirantes, Zona Oeste do Rio de Janeiro. “Amo handebol. E fico muito feliz em ver que o ginásio está lotado”, diz Bárbara de Oliveira, 13 anos.
“O que mais gosto no handebol é o pulo que tenho que dar para fazer um gol”, conta Giovana Gouveia, 14 anos, sonhando com um futuro dentro das quadras. “Meu sonho é participar dos Jogos Olímpicos. Se for no Rio, em 2016, melhor ainda”, brinca, já torcendo pela candidatura de sua cidade natal.

Criança, ECA e Carnaval

Por Murillo Victorazzo (entrevista publicada no jornal O Beija-Flor, outubro de 2005)

Presidente do Conselho Estadual de Defesa da Criança e Adolescente (CEDCA), a professora e pedagoga Tiana Sento-Sé trabalha com crianças e adolescentes há mais de 20 anos. Em uma feliz coincidência, teve seu primeiro contato com meninos carentes na escola Tia Ciata, no Sambódromo. A partir de então não deixou mais a militância na área social, tendo participado das discussões para a implantação do Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA) desde o seu início. Como outubro é o mês das crianças e o ECA acaba de completar 15 anos de existência, nada melhor do que um papo com sobre o CEDCA, os problemas do menor de idade e a relação destes com o carnaval com quem entende do assunto. “Carnaval tem tudo a ver com criança. É alegria, é festa”, diz Tiana.

Como começou a sua militância na área da criança e do adolescente?
Tiana Sento-Sé - Em 1984, após passar no concurso para o município, fui trabalhar na escola Tia Ciata no Sambódromo. Era uma escola era experimental, com objetivo de ensinar a ler e a escrever alunos que estavam fora da faixa etária regular. Começamos a receber meninos de rua, um grupo social que não conhecia bem. Até então eu havia lidado só com a classe média. Conheci meninos que tinham outros tipos de problemas. Todo mundo que tem experiência na área social termina se apaixonando e querendo fazer algo. A escola saiu do Sambódromo, mas conseguimos construí-la na Praça Onze. Atendíamos meninos do entorno, a maioria de origem das favelas de São Carlos. Pensávamos aquilo como uma retomada por eles de um espaço que é o berço dos desfiles das escolas de samba. Comecei a militância no Movimento Nacional de meninos de rua representando esse trabalho. Nessa época fizemos uma grande mobilização popular para a inclusão dos artigos 227 (“É dever da família, da sociedade e do Estado assegurar à criança e ao adolescente o direito a vida, à saúde, à alimentação (...) além de colocá-los a salvo de toda forma de negligência, discriminação, exploração, violência, crueldade e opressão) e 228(“ São penalmente inimputáveis os menores de 18 anos, sujeito às normas da legislação especial”) na Constituição de 1988. Abre-se assim espaço para que revíssemos o código de menores. Começamos então a batalha pelo Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA). É criado um fórum nacional para trabalhar o estatuto com juristas, parlamentares e representantes de ONGs. Após muitos debates, em julho de 1990, ele é promulgado. Desde então, trabalho no Conselho Estadual de Defesa da Criança e do Adolescente (CEDCA), criado pelo estatuto, sendo eleita presidente em fevereiro deste ano. Paralelo a isso, trabalhei numa ONG chamada Instituto Brasileiro de Inovações em Saúde Social (IBISS), onde hoje coordeno o centro de formação.

Como funciona o CEDCA?
Tiana - São dez integrantes da sociedade civil e dez do Poder Executivo local. Desses, sete são indicados pela governadora e três têm cadeira cativa definido por lei: o Poder Judiciário, o Ministério Público e a Defensoria Pública. Isso é uma distorção do ponto de vista legal que precisa ser revista. O Ministério Público já se retirou do Conselho após concluir que sua presença era inconstitucional. Como fiscal da lei, ele não poderia deliberar. Agora temos nove representantes.O Judiciário ainda não se posicionou sobre isso. O vice-presidente do CEDCA, o desembargador Siro Darlan, entende que tem que continuar. Há divergências. No entanto, o Conselho Nacional já fez uma resolução dizendo que não deveriam permanecer. As dez vagas da sociedade civil são eleitas no Fórum Estadual de Defesa da Criança e do Adolescente, que reúne permanentemente ONGs do Rio de Janeiro. Em tese, o CEDCA é um órgão autônomo. Na prática, porém, as coisas ainda não acontecem assim. Temos o poder de deliberar políticas, mas administrativamente quem faz a gestão dos recursos é o órgão público ao qual somos veiculados. Por força de lei, deveríamos ser ligados ao Gabinete Civil do governo do estado. No entanto, no Rio de Janeiro foi baixado um decreto nos veiculando à Secretaria da Infância e Juventude.

Como é o trabalho do CEDCA?
Tiana - O Conselho não tem uma atuação direta com as crianças e o adolescente. Nossa responsabilidade é deliberar políticas voltadas para esses meninos. Há conselhos de defesa a nível municipal, estadual e nacional. Quem atua diretamente com crianças e adolescente nas questões de violações de direitos é o Conselho Tutelar. Ele é a porta de entrada dos casos. Lida com o menino que está sem escola, que foi discriminado no colégio, espancado pelo pai ou abusado sexualmente. E encaminha questões como abandono e a perda do pátrio poder para os órgãos competentes, como o Juizado da Vara da Infância e Juventude. Além de discutir políticas para o estado, o CEDCA tem um papel de articulador. Preocupa-se em fortalecer os conselhos municipais e qualificar os conselheiros. Temos, por exemplo, uma deliberação na área de medidas sócio-educativas.

Todas essas políticas que são discutidas e sugeridas no CEDCA são obrigatoriamente implantadas pelos governos? Há uma fiscalização?
Tiana – Na área da infância, o órgão máximo em cada nível de poder deveria ser esses conselhos. Mas infelizmente ainda não é assim. Temos que brigar muito para que as coisas aconteçam. Sendo muito honesta, há duas brigas. Uma para que o governo do estado perceba e entenda o que está na lei. Respeite essa instância de deliberação. A outra é aqui dentro no Conselho. Nem sempre se reúne todo mundo, e nem todos os conselheiros estão na mesma sintonia. Há um trabalho árduo pela frente.

A senhora participou, desde o início, de toda a formulação do ECA. Hoje, 15 anos depois, quais são as maiores dificuldades para aplicação da lei? Onde ela encontra maior resistência?
Tiana - O ECA é fruto de uma discussão ampla de quem atua com criança e adolescente. Vem das dificuldades que enfrentamos para proteger e garantir os direitos desses garotos. Se pegarmos alguns itens como violência doméstica, trabalho infantil e adoção, conseguimos avançar significativamente. Hoje sabemos que temos uma legislação muito avançada. Que bom! Não gosto dessa história de que o estatuto é coisa para primeiro mundo, que no Brasil não funciona. Garantia de direito tem que funcionar em qualquer país, independente da riqueza ou da pobreza. Ano passado, apresentamos um relatório na ONU. Eles fizeram algumas recomendações para o governo brasileiro. Mas reconheceram que temos uma legislação avançada, que tem sido referencia para outros países. Isso é uma conquista. Agora temos que fazer valer. Em alguns casos, conseguimos caminhar. No Rio de Janeiro, por exemplo, temos a ficha de notificação de maus tratos, violência domestica e abuso sexual. Precisamos avançar muito mais. Temos que caminhar muito na questão da estrutura de atendimento da criança vítima do abuso e do autor da violência. Sou desse pequeno grupo dos otimistas. Avançamos em algumas coisas, embora não tanto quanto queríamos. Não podemos jogar isso fora. Hoje em dia já se discute assuntos como trabalho infantil. A prova do Enem foi sobre esse tema, o que é bom pra garotada se posicionar. A questão do comércio e do turismo sexual está em pauta agências de turismo, a Embratur e o Ministério do Turismo já se mobilizam contra isso. É um ganho! Temos que rever não só a repressão, a responsabilização, mas também a prevenção. Como atender um pedófilo, por exemplo? Não adianta só trancá-lo. Tem que saber como cuidar psiquiatricamente dele. O trabalho infantil doméstico começa a ter a atenção necessária. Vamos analisar bem essa história de: “ah, trouxe minha sobrinha do norte para ajudar em casa...” Diz que trata a menina como filha, mas a roupa é o resto dos filhos verdadeiros. O salário não existe e a jornada de trabalho é tão exaustiva que não dá tempo para estudar. O Conselho Tutelar também precisa avançar. Há excelentes conselheiros, mas alguns precisam de melhor qualificação. E há a questão do orçamento. Há municípios que não sabem gerir o fundo dos Conselhos criado pelo ECA. Por isso o lema “Lugar de criança é no orçamento público”. Sem orçamento, não tem programa. Sem programa, não há retaguarda de atendimento. A criança foi abusada, mas não temos como encaminhá-la para um tratamento psicológico por problema de verba. Onde está a prioridade no orçamento? O governo Lula separou para área da infância R$12 milhões. É o orçamento mais baixo da história desde que o ECA foi implantado. É muito pouco para um país com essas dimensões. No estado os recursos também são micros. No meio disso tudo, há uma questão cultural que não podemos deixar de levar em conta. Temos que parar para pensar sobre certos costumes como:“ trabalhando ele está ocupado e traz um dinheirinho para casa”, “é melhor que vá vender no sinal , porque eu não consigo”, “sou adulto e não tenho o apelo que o menino tem.” Outra dificuldade é o governo se sentar com a sociedade civil para deliberar juntos. “Ih, lá vem esses ´ongueiros`...”, eles devem pensar. É um tabu que precisa ser quebrado De qualquer maneira, demos visibilidade a questões que antes estavam invisíveis.

Na maioria das vezes, quando se fala no ECA, a primeira coisa que vem à cabeça é a polêmica sobre maioridade penal. Os críticos dizem que o estatuto foi um incentivo para os menores delinqüentes. O que a senhora diria para essas pessoas?
Tiana – Eu diria que eles nunca leram o estatuto. Se lessem, veriam que apenas um pedaço trata de maioridade penal. E, mesmo levando-se em conta somente este pedaço, eles deveriam, após ler, visitar uma unidade de internação, por exemplo. Depois poderiam visitar uma penitenciaria. Provavelmente, iriam constatar que a unidade de internação do adolescente é muito pior que a do adulto. Tenho visitado essas unidades em vários estados do país. Parece que só muda o endereço e o sotaque. Para falar do ECA, tem que lê-lo sem preconceito. Sou totalmente contra redução da maioridade penal. Não resolve. Se diminuirmos para 16 anos, amanhã vão querer que caia para 14 e até 12 anos. Não se pode levar em conta legislações de outros países com realidades sócio-econômicas totalmente diferentes. Para um menino de 14 anos chegar a cometer uma infração, algo foi negligenciado lá atrás. Ninguém nasce infrator. Não posso dizer que da minha barriga saiu um menino destinado a cometer crime. Não há um gene da infração. Se acreditamos que um adulto pode ser recuperado, e por isso há progressão de pena, sursis, liberdade condicional e outros benefícios, por que com um menino, que está em formação, tem que ser diferente?

Dentro dessa preocupação em proteger a criança e o adolescente, qual é a relação delas com o carnaval? Qual é o limite para que elas desfilem em escolas de samba?
Tiana - Carnaval tem que ser visto como um símbolo cultural do nosso povo. Tomando cuidado com o desgaste físico da criança, a legalidade de ela estar num espetáculo que muitas vezes dura a madrugada toda, não há problema algum. Tem que ser priorizada a proteção da criança. Carnaval tem tudo a ver com criança. É alegria, festa. Mas às vezes há algumas desvirtuações, como a exploração da nudez. Nesse aspecto, será que uma criança em desenvolvimento precisa ter contato com isso? Precisa ter sua sexualidade estimulada? Se há esses cuidados, tem mesmo que participar! No caso de um garoto de 16 anos, me desculpa. Ele já tem uma certa idade. Não podemos ser hipócritas de dizer que ele não sai para as baladas. Mas temos que ter cuidado para, por exemplo, não colocar uma adolescente nua na Avenida. Embora essa precaução devesse atingir também as maiores de idade. Mas aí vamos entrar em uma outra discussão, que é a questão da mulher. Não lido com os desfiles de escolas de samba no meu trabalho. No entanto, pelo que me parece, com os contatos que tenho com o doutor Siro Darlan, esses excessos são muito pontuais, exceções.

Como a senhora vê o trabalho social das escolas de samba?
Tiana – Alguns anos atrás eu fiz uma parceria com a Império Serrano. Era um trabalho com os meninos de rua de Madureira. Foi muito legal. A escola cedeu a quadra e fizemos uma oficina de máscaras. Mas foi uma coisa embrionária. Depois, por problemas políticos internos da escola, não retomamos a proposta. Acho esses projetos extremamente interessantes. Carnaval tem tudo a ver com nossa a cultura, com a nossa história. E é um mercado de trabalho poderoso, que não se restringe ao desfile. O garoto que é aderecista pode trabalhar amanhã no teatro, na televisão, fazendo cenários, por exemplo. É claro, porém, que tem que ter cuidado com esses trabalhos. Minha preocupação é com a formação do indivíduo. Não é porque o menino aprendeu a tocar tal instrumento que ele vai ser percursionista, vai ganhar dinheiro com isso. Mas sei que as escolas sabem disso. Infelizmente não conheço o trabalho social da Beija-Flor. O da Mangueira é mais divulgado. Mas dou todo apoio a essas iniciativas.

O Maracanã é da criança Beija-Flor

Por Murillo Victorazzo (matéria publicada no jornal O Beija-Flor, setembro/2006)

“Ah, ah, uh, uh, o Maraca é nosso!” Foi assim, cantando o tradicional grito de guerra das torcidas cariocas, que 40 crianças entre 6 e 14 anos do projeto O Sonho de Um Beija-Flor chegaram ao estádio do Maracanã para ver a partida Flamengo x Internacional, no dia 2 de setembro. A euforia era mais do que justificada, afinal era a primeira vez que assistiriam a um jogo no maior e mais famoso estádio do mundo.
Acompanhadas de nove professores do projeto, a garotada - todas praticantes de futebol e futsal, na quadra da Beija-Flor - não conteve a animação desde a saída do ônibus, em Nilópolis. Logo que chegaram ao estádio, elas se juntaram a 80 crianças do núcleo de Niterói do Instituto Canhotinha de Ouro e, perfiladas, caminharam até a entrada das cadeiras amarelas. Assim que viram aquele gramado como tantas histórias e tradição, foi inevitável surgir em cada uma delas um largo sorriso e um brilho nos olhos . “Caracas!”, vibrou uma; “Olha como é lindo!”, disse outra, cutucando o amigo.
A grande maioria estava ainda mais empolgada por ter também a chance de ver o jogo do seu clube do coração, o Flamengo. Demonstrando conhecerem o elenco rubro-negro, elas, no embalo da torcida, gritavam o nome de cada um dos jogadores que surgiam no gramado. Cantavam o hino e as músicas de incentivo ao time, sem, é claro, perder a chance de apupar e vaiar o time rival. “Sempre tive o sonho de conhecer o Maracanã. Não imaginava que fosse tão grande e bonito”, revelou Walace dos Santos, 11 anos.
Estudante da 5ª série do Educandário Abrão David e aluno de futsal do projeto, Walace não tirava os olhos do campo. Parecia se transportar para lá, idealizando um futuro: “Tenho o sonho de um dia jogar no Maracanã pelo Flamengo”.

Partilhando do mesmo desejo de Walace, Vítor Hugo Pires, 7 anos, não parou quieto desde o momento em que chegou à arquibancada. “Não imaginava conhecer o Maracanã tão cedo. Quero ser atacante e jogar nesse gramadão um dia”, revelou ele, que está na 2ª série do CENEC, em Nilópolis, e três vezes por semana faz aula de futebol no campo da Beija-Flor.
O tamanho do gramado, aliás, era uma das coisas que mais chamavam a atenção da garotada. “É muito bonito! Pela televisão parece ser bem menor”, disse Saint Clair Eugênio Coelho, 7 anos, também aluno de futebol.
Estudante da Escola Municipal Ribeiro Gonçalves, em Nilópolis, Saint Clair se mostrava bem mais calmo do que os outros. Mas a concentração com que assistia ao jogo revela todo o seu encanto com o que via. Em comum com grande parte de seus colegas, o sonho de fazer uma carreira de sucesso no futebol profissional: “Gostaria de ser jogador do Flamengo”.

A cada chance de gol perdida, o tradicional grito de “Uh!” seguido de “Mengo!” era inevitável. Todos, de tão ambientados ao estádio, já pareciam antigos freqüentadores do local. Alguns, no entanto, não deixavam de se surpreender com os gritos e xingamentos de alguns torcedores mais exaltados.
Para alegria geral, o Flamengo fez o primeiro gol ainda no primeiro tempo, o suficiente para os pequenos flamenguistas saírem pulando de uma cadeira para outra. Nada que preocupasse seus professores. “Eles são calmos e obedientes. Nós escolhemos como critério para vir ao Maracanã a assiduidade e o comportamento nas aulas”, explicou o Vítor Bernardes dos Santos, instrutor de futebol de campo.
Além de supervisioná-los, os professores faziam questão de comentar lances da partida com eles. “Queremos mostrar como acontece na prática, no futebol profissional, o que lhes ensinamos. Nas próximas aulas, vamos bater um papo sobre o que vimos aqui ”, acrescentou Vítor.

No segundo tempo, porém, o Internacional virou o jogo, com dois gols de pênaltis em cinco minutos. O suficiente para, junto com o natural cansaço, fazer a garotada diminuir a euforia. Foi então a vez da minoria não-flamenguista se revelar e começar a provocar seus colegas.
Fim de jogo, e a alegria de conhecer o Maracanã só não era maior por causa do placar final. Perguntado se havia gostado da visita, Walace resumiu o sentimento de todos – ou quase todos: “Mais ou menos. Adorei, mas poderia ter sido melhor.” Independentemente da frustração pelo resultado, mais uma semente da paixão pelo esporte foi plantada. Mais um golaço da Beija-Flor!