terça-feira, 15 de dezembro de 2015

Quem semeia vento...

Por Murillo Victorazzo

Seja lá de onde partiu o "vazamento" e as intenções do vice-presidente Michel Temer, o conteúdo de sua carta deixa qualquer um bestificado pela dureza educada e sinceridade sem rodeios, ainda mais sendo a destinatária a presidente da República. Mesmo que revele também mesquinharias e fisiologismos.

Temer não foi o primeiro nem será o último vice a não ser integrado no círculo político mais intimo do presidente. No Brasil, onde quase sempre as chapas são compostas por nomes de partidos diferentes, ainda mais. Mas chefes de governos competentes são aqueles que tem o feeling para ver o cenário sob o qual governa e saber a hora e o modo certos de usar os atributos dos que o cerca. E Dilma não está entre esses.

É verdade que o PMDB nunca pareceu se importar em participar da formulação de políticas públicas, o que é a praxe em um governo de coalizão de fato. O foco sempre foi, antes de tudo, seus quinhões de cargos na Esplanada. Em outras palavras, garantir seu espaço na divisão do butim.

Temer e seu partido sempre foram vistos com desconfiança no Planalto. Aliás, com exceções, todo vice é o inimigo com quem se dorme, e o PMDB, com razão, nunca mereceu a confiança de Lula, FHC e, pasmem, Sarney. Seus caciques, há décadas mestres em criar dificuldades para vender facilidades, sabem como ninguém a hora de abandonar um barco à deriva, após pilhá-lo, para logo pular no outro que a ele acena com novas expectativas de poder - leia-se,cargos.

 Mas, hoje se sabe, tampouco se pode confiar no PT e sua conhecida e perigosa dificuldade em aceitar dividir o poder. Por interesse, os dois partidos, tão diferentes entre si, renovaram seus votos de bodas ano passado conhecendo-se muito bem. Portanto, não se trata de apontar o "bem" e o "mal". Em ninguém cabe o figurino de vítima. Trata-se de distinguir quem precisa de quem.

Os defensores da presidente logo preferiram ridicularizar a carta. Em certos aspectos, ela revelou sim um "mimimi" pequeno demais para relação de alta cúpula. Alguns afirmam que o vice foi infantil na forma (uma carta) e no conteúdo. Pode ser. Porém, revelou também algumas verdades incompreensíveis sob a lógica da realpolitik.

Ignorar constantemente um vice com o currículo de Temer - respeitável constitucionalista; ex-presidente da Câmara, com larga experiência em articulações (as legítimas e as, digamos, pouco legítimas) entre Executivo e Legislativo e pontes de diálogo com a oposição; e presidente nacional do principal partido aliado - é nítido sinal de cegueira política.

Seja considerando conselhos ou delegando missões pouco ou muito significativas, um(a) líder que olha para além de papéis, planilhas, e avista o médio e longo prazo, saberia que agradar quem tem relevância política nos momentos favoráveis ajuda a tê-lo ao lado nos desfavoráveis. Garantia de lealdade? Se dentro de partidos não há, imagina entre coligados. Porém, quando há empatia nas relações pessoais, dificulta-se a cisão nas institucionais.

E se não há essa empatia, que o presidente tenha o sangue frio de engolir o sapo, pois quem tem a perder é ele, que coloca seu nome à frente do governo. Por mais estranho que pareça, é o líder quem precisa dos aliados. Não o contrário. Em uma situação como a de Dilma, ainda mais.  No córner do ringue, é inexplicável que ela e seu "núcleo duro" não tenham percebido a necessidade de "acarinhar" o número dois do país.

Em um governo marcado pelo fisiologismo e sob ameaça, não fazia sentido Dilma privilegiar indicados de outros em detrimento dos do seu vice, sendo ele o presidente do partido e natural herdeiro de sua cadeira em caso de afastamento. Se for para barganhar, que barganhe com as pessoas certas.

Preferiu negociar a reforma ministerial recente com Leonardo Picciani, um jovem político sem representatividade, eleito líder de uma bancada dividida por apenas um voto de diferença. Não ganhou os votos sonhados na Câmara e diminuiu Temer.

Quando, no desespero governista, Temer foi chamado a articular o "ajuste fiscal" no Congresso, a metralhadora petista se voltou contra ele. Notícias de boicote, acordo descumpridos pela Casa Civil e similares eram quase diárias no primeiro semestre desse ano. Não demorou, aprovado alguns pontos, abandonou o papel de articulador.

Temer é um poço de ressentimento, previsível para quem acompanha o noticiário. Afirma que não cometerá "qualquer ato de deslealdade institucional" com Dilma durante o processo de impeachment e garante que seu partido não irá romper com ela. Jogo de cena. 

Nenhuma Poliana acreditaria que, vendo a faixa presidencial naturalmente se aproximar em decorrência de governo tão desastroso, um político profissional como Temer não esfregaria as mãos. Mas fica difícil acusá-lo de deslealdade ao pedir à presidente que não interfira nas disputas internas de seu partido. 

Ao articular a destituição de Picciani, ele sinaliza, na prática, que sutilmente, como lhe é característico, entrou no jogo pelo impeachment. Para discurso externo, coordenar o destinos do PMDB é atribuição do seu cargo de chefe da legenda. Nada haveria de conspiração. 

Retórica permitida pela avidez com que o parlamentar carioca jogou-se no colo do Planalto. Ao ouvir apenas o governo, e não sua dividida bancada, na composição da chapa da comissão que analisará o afastamento de Dilma deu a brecha para o movimento do vice.

Efeito oposto tem a presidente, após ouvir os apelos do peemedebista, forçar com inúmeras jogadas a restituição de Picciani. Ela sustenta que está somente lutando contra o impeachment, mas o produto acaba sendo o mesmo: vai ao encontro do discurso planejado por seu inimigo íntimo. Temer agora se mexe para unificar o partido. Sabe que assim o impeachment será questão de tempo. 

Em defesa de Dilma, digamos que as duas opções, nesse caso, são arriscadas. Abrem espaço para o mesmo fim. O que novamente não se compreende é, tão dependente do PMDB, ela jantar no Alvorada com Ciro Gomes, contumaz e ácido crítico da sigla que, dias antes, havia chamado o vice de "capitão do golpe", "desleal" e "homem do Cunha".

Unir a tropa contra seu afastamento é imperativo. A pergunta que se faz é: submerso há anos, pré-candidato do PDT ao Planalto em 2018, Ciro subir o tom e tentar se cacifar junto ao grupo governista faz sentido. Mas hoje em dia ele tem peso político relevante? Elevá-lo a um dos oficiais generais dessa luta compensa as complicações que aproximação tão explícita causa, ela na defensiva, nas relações praticamente rompidas com vice e o maior partido, por enquanto, aliado? 

É o PT que precisa do PMDB para governar. Justo ou não tudo o que o vice escreveu, um (a) líder hábil perceberia (e, portanto, evitaria) que estava - e está - semeando vento. Dilma colhe agora a tempestade.