quinta-feira, 16 de março de 2017

Argentina, Brasil, México e a Casa Branca

Por Octavio Amorim Neto/Andrés Malamud* (O Globo, 09/03/2017)

Não há mais dúvida: o governo Trump representa uma ruptura das regras que têm pautado a atuação diplomática de Washington nas últimas décadas. O grande alvo do novo inquilino da Casa Branca foi o México, primeiro com a exigência de pagar o muro fronteiriço e, depois, com a ameaça de impor uma tarifa de 20% aos produtos importados desse país.

Como devem a Argentina e o Brasil, os líderes do Mercosul, reagir à investida de Trump sobre o México?

Na visão de importantes setores do Itamaraty, há muito pouco a fazer, uma vez que o México tem uma larga tradição de dar as costas para o resto da América Latina. Essa visão está certa no que diz respeito a ações passadas do México. Porém, é fundamental ter em mente que a crise promovida pela Casa Branca abre espaço de cooperação entre aqueles três países. Por quê?

Em primeiro lugar, porque Trump gerará a radicalização nacionalista contra os EUA na América Latina. Em segundo, porque o fechamento do mercado americano obrigará o México a procurar alternativas.

A questão é como costurar aquele espaço de forma sólida, isto é, para que, quando os EUA tiverem um governo mais favorável ao México, este não dê novamente as costas à América do Sul.

Historicamente, as estratégias adotadas pelos latino-americanos para se contraporem à hegemonia dos EUA foram:  unir forças regionalmente, diversificar parcerias internacionais ou alinhar-se com uma hegemonia alternativa.

Os países que mais bem representaram cada uma dessas estratégias foram o Brasil (opção 1), Chile (opção 2) e Cuba (opção 3).

Entretanto, na última década, o regionalismo econômico sul-americano tornou-se letárgico. Simultaneamente, a emergência da China permitiu a diversificação comercial. Porém, hoje o risco é a criação de uma nova dependência, dado que a Argentina e o Brasil exportam apenas recursos naturais e importam manufaturas do Dragão. Acoplar-se a uma potência, como demonstra a experiência mexicana, pode acabar mal. Providencialmente, a hostilidade de Trump abre uma nova possibilidade de convergência regional.

Do ponto de vista operacional, uma possibilidade é dar ao México o status de membro associado ao Mercosul. Essa opção é legal porque o México é membro da Aladi, a organização guarda-chuva do Mercosul. Além disso, é o único integrante da Aliança do Pacífico que ainda não tem esse acordo. As consequências práticas podem ser enormes, dado que a complementariedade potencial entre o Mercosul e o mercado mexicano é grande, podendo compensar a perda dos consumidores americanos.

Claro que o Mercosul, assim como está, não serve ao México — mas também não serve aos seus membros. A associação entre eles permitiria recuperar o espírito fundador do bloco, que era a abertura, e não o fechamento. O objetivo seria a consolidação da união aduaneira, incluindo nela os bens hoje excluídos (automóveis e açúcar) e terminando de vez com as listas de exceções temporárias.

Uma estratégia convergente dos três gigantes latino-americanos pode soar como absurda para setores nacionalistas da América do Sul. Porém, à medida que o mundo começa a ficar de cabeça para baixo, é hora de combater a inércia intelectual e renovar ideias. Não que as estratégias do passado tenham sido erradas. O problema é que, da noite para o dia, envelheceram.

*Octavio Amorim Neto é professor da Ebape/FGV-Rio, e Andrés Malamud é pesquisador sênior do Instituto de Ciências Sociais da Universidade de Lisboa

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