segunda-feira, 18 de abril de 2022

"Estamos num momento em que precisamos ter parceiros confiáveis", diz embaixador da União Europeia sobre o Brasil

No Brasil desde julho de 2019,  o espanhol Ignácio Ybañez responde pela União Europeia no Brasil em um momento de desgaste das relações entre o governo federal e o bloco. Os choques entre o presidente Jair Bolsonaro e líderes europeus principalmente acerca da política ambiental brasileira congelaram o processo de ratificação do acordo de livre-comércio dos europeus com o Mercosul. O estranhamento se reforçou com a postura hesitante do Brasil sobre a guerra da Ucrânia. Apesar de ter votado a favor da resolução que condenou a invasão russa, o país preferiu não se somar aos que aplicaram sanções contra Moscou.

Em entrevista ao GLOBO no último dia 6, o embaixador da União Europeia afirmou que o único empecilho ao acordo comercial "diz respeito ao desmatamento e aos direitos dos povos indígenas". "Quando o Brasil começar a realmente converter os seus compromissos em realidade, o acordo vai ter muitíssimas possibilidades de ir adiante", garantiu. No entanto, embora prefira colocar as sanções como "parte de um diálogo entre parceiros", Ybañez faz questão de falar em confiança: 

"Queremos levar ao Brasil a esse convencimento. Um acordo comercial é uma aposta de dois parceiros, que dizem: acredito em você como meu parceiro comercial e quero desenvolver uma relação baseada na confiança e no respeito mútuo. E o acordo entre Mercosul e União Europeia é precisamente isso. Estamos num momento em que precisamos ter parceiros confiáveis"

Ibañez reconhece que o posição do Itamaraty segue a linha tradicional da política externa brasileira, independente do governo de plantão. É consenso na diplomacia nacional que sanções só devem ser impostas de forma multilateral, ou seja a partir de resoluções do Conselho de Segurança da ONU, o que é impossível neste caso, dado o direito a veto dos russos como membros permanentes. Afirma compreender a preocupação com os reflexos na agricultura do país, como os que se referem aos fertilizantes. Ressalta, porém, que os efeitos colaterais também atingem a Europa, dando o exemplo da dependência do gás russo e os esforços para reduzí-la.

"As sanções são nossa resposta, porque não queremos chegar a um conflito militar.  Não é fácil para nós mesmos, pois significa sacrifícios para a nossa economia, mas quanto mais mostrarmos unidade na comunidade internacional, mais rapidamente elas vão funcionar.  Se o Brasil pensa nos efeitos que possam surgir, vamos ajudar. Queremos que a opinião pública brasileira compreenda que essa não é só uma guerra europeia e que o desafio que a Rússia está trazendo para o conjunto da comunidade internacional é para cada um de nós".

Na entrevista, o embaixador assegura que a relação é primordial e se utilizada das proximidades culturais como estratégia para atrair o Brasil e seus vizinhos. "Buscávamos no passado de forma intensa com a Rússia, continuamos a buscar com a China. Mas, se você quer buscar parceiros que compartilhem os valores, compartilhem a história, compartilhem um modelo econômico que querem para os seus cidadãos, esses são a América Latina e a Europa, sem dúvida", diz, reforçando os laços com menção à candidatura do Brasil à OCDE, em implícita pressão por contrapartida: "O Brasil quer ter o mesmo modelo que a OCDE tem, baseado na democracia, na economia de mercado, e no princípio de sustentabilidade". 
Ainda que ressalte respeitar a soberania parlamentar brasileira, o embaixador não esconde  o que o bloco europeu pensa a respeito dos projetos em andamento no Congresso Nacional que flexibilizam a fiscalização ambiental e permitem a exploração mineral em terras indígenas: "Há alguns projetos que acompanhamos com preocupação, que vão contra o que a União Europeia considera que é a direção da direção da sustentabilidade".

Outro efeito colateral da guerra na Ucrânia, desta vez sem envolver o Brasil, é o fortalecimento das políticas em comum de segurança europeia, setor historicamente mais resistente à integração. Ybañez considera que as ameaças e ações de Putin foram o estopim para os europeus reforçarem a convicção na necessidade de um plano de defesa europeu, uma das primeiras ideias do bloco, mas nunca concretizadas. O contexto aparenta ser ainda mais favorável por estar, neste momento, a Presidência do Conselho Europeu nas mãos da França, cujo presidente sempre foi uma dos principais entusiastas do projeto.

"A União Europeia se construiu sempre depois de uma crise. Por exemplo, a pandemia da Covid foi um salto importante, com a compra coletiva de vacinas, o que nunca havíamos feito. E no âmbito militar isso vai acontecer, tanto na indústria de armamentos como em projetos de construção conjunta. Não significa ir contra ninguém, e sim de termos a capacidade de reagir do ponto de vista militar para nossa segurança e do mundo todo".

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