quarta-feira, 14 de outubro de 2009

O futuro do Mercosul

Por Mauricio Santoro (http://todososfogos.blogspot.com/)
Na semana passada retornei ao Iuperj, minha alma mater, para assistir a uma palestra do embaixador da Argentina no Brasil. O tema era o futuro do Mercosul. O diplomata fez a comparação tradicional com a União Européia, lamentando que o bloco do Cone Sul não tenha mecanismos supranacionais para a resolução de conflitos. Suas observações me lembraram os debates que tive no governo federal, em particular com os colegas do Ministério do Desenvolvimento, Indústria e Comércio Exterior e da recém-criada área internacional do Instituto de Pesquisas Econômicas Aplicadas.
O Mercosul não foi criado para ter uma estrutura institucional semelhante à da União Européia, porque isso não interessa ao Brasil. O país desfruta de um peso econômico na América do Sul muito maior do que as potências do Velho Mundo – Alemanha, França, Reino Unido - têm na Europa. O receio histórico da política externa brasileira é a formação de uma coalizão de vizinhos que possa vetar suas posições. Por isso o Mercosul funciona por meio de decisões baseadas em consensos e não em votos de maioria ou regras supranacionais. Não há qualquer indício de que esse mecanismo seja alterado no curto ou médio prazo.
Segundo ponto: quando o Mercosul foi criado, há quase 20 anos, o mundo era muito diferente. O Brasil enfrentava a crise da dívida e a ameaça da hiperinflação. A criação de um bloco regional foi uma solução de compromisso entre as correntes liberais e nacionalistas da elite política, que enxergavam a Tarifa Externa Comum (TEC) do processo de integração como um meio termo entre a abertura ao mercado internacional e o protecionismo à indústria brasileira. Com valor médio de de 11,52%, ela é elevada para os padrões da OMC.
De lá para cá o país se integrou melhor à economia global, controlou o aumento de preços e assinou acordos de livre comércio com toda a América do Sul, além de um ensaio com Israel e tratados de preferências comerciais com países da África austral e com a Índia. Será que ainda interessa para o Brasil conduzir negociações externas sob o fardo da TEC e da necessidade de posições comuns com Argentina, Uruguai, Paraguai e quiçá Venezuela? Não seria melhor mecanismos mais flexíveis? É uma questão em aberto.
Outro fator importante é a mudança no equilíbrio de poder dentro da América do Sul. Em linhas gerais, a ascensão de potências médias como Venezuela, Colômbia e, em anos recentes, o Peru. O Mercosul ficou pequeno para tratar de diversas questões importantes para a região, em particular as crises de segurança da região andina. Nesse sentido, a União das Nações Sul-Americanas é um fórum mais relevante. O discurso oficial brasileiro jura de pé juntos que ela só se desenvolverá a partir de um Mercosul forte, mas acho que ninguém acredita muito nisso na chancelaria...
O embaixador argentino mencionou em sua palestra o risco de uma corrida armamentista na região e lembrou que seu país não é mais visto como uma ameça para o Brasil, destacando que as preocupações brasileiras agora se concentram na Amazônia. Tem razão, mas esqueceu de mencionar o Atlântico Sul e os receios com energia e cidadãos expatriados no Paraguai e na Bolívia. Ironicamente, o projeto de desenvolvimento do submarino nuclear foi muito influenciado pelo fiasco da Marinha argentina na Guerra das Malvinas, quando a força naval ficou praticamente paralisada pela ação de embarcações britânicas desse tipo.
Dito de outro modo, muitas decisões importantes da política externa e de defesa do Brasil nada tem a ver com o Mercosul e dizem respeito ao novo status internacional do país no resto da América do Sul e nos fóruns globais. É hora de um debate sobre o novo papel do bloco na diplomacia brasileira.

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