segunda-feira, 24 de janeiro de 2011

Verão na Bahia não é apenas a "oitava maravilha"

Por Murillo Victorazzo

Verão é sinônimo de férias, calmaria, momento para relaxar. Quando se fala de Bahia então, só nos vem a mente momentos prazeirosos. Nesta época, Salvador ferve cada dia mais com a aproximação do carnaval, que, para muitos, é, como diz a música, "a oitava maravilha". Este ano, porém, os baianos têm assistido a uma turbilhão que passa longe de Bel, Durval, Ivete e Claudia Leite. As "estrelas" são o prefeito João Henrique Carneiro (PMDB) e o governador Jacques Wagner (PT), que, em maior ou menor grau, enfrentam dificuldades e conflitos políticos e administrativos.

Embora tenha conseguido com facilidade sua reeleição, obtendo 63% dos votos válidos, Wagner tem sido muito criticado pelo aumento da criminalidade no estado. Entre 2006 e 2009, o número de homicídios em Salvador aumentou 41%, segundo dados oficiais. De acordo com a Folha de São Paulo, o governo baiano atribui estes números ao aumento do consumo de crack, e não a problemas de gestão.

Empossado em seu segundo mandato há 25 dias, Wagner só semana passada anunciou mudanças em seu secretariado. Dez secretários continuam em seus cargos e outros nove ainda esperam definição. Não por acaso, entre as cinco pastas com novos titulares está a de Segurança Pública. Maurício Barbosa, que era responsável pelo setor de inteligência da secretaria, será o terceiro nome a assumí-la desde 2007. Para a oposição demista, a mudança é "o reconhecimento do fracasso do governo no combate ao exponencial crescimento da violência e criminalidade na Bahia".

Não bastasse tal problema, recentemente a Associação Bahiana de Imprensa divulgou uma nota de repúdio pelo fato de a secretaria ter restringido a divulgação de ocorrências policiais no estado. "Não podemos retroceder a outros tempos que remontam à ditadura", atacou a associação, segundo a Folha. Wagner negou, porém, que as medidas tenham a ver com censura. Garantiu que o objetivo é evitar a divulgação de informações sem confirmação oficial.

Ao mesmo tempo, João Henrique, ao entrar na metade final de seu segundo mandato, enfrenta sua pior crise política. Semana passada, o PMDB suspendeu sua filiação, após ser acusado pela legenda de "má administração municipal". A tendência é que, após o prazo de 90 dias, o prefeito seja expulso do partido no qual ingressou em 2007, após sair do PDT. 

A aliança com o então ministro da Integração Nacional  Geddel Vieira Lima, manda chuva do PMDB regional, foi fundamental para reeleição de João Henrique. Sua primeira administração esteve, por quase todo o tempo, entre as de pior avaliação. Um segundo mandato era considerado pouco provável. Mas consideráveis aportes de recursos do ministério de Geddel alavancaram obras municipais às vésperas do pleito de 2008 que resultaram na conquista dos votos necessários para continuar no Palácio Tomé de Souza por mais quatro anos.

Hoje, dois anos depois, o deputado federal Lúcio Vieira Lima,  presidente do diretório baiano e irmão de Geddel, afirma que, caso a expulsão se consume, o PMDB reivindicará na Justiça o mandato de João Henrique. "As condutas [do prefeito] ferem o programa partidário", disse Lúcio ao jornal paulista. Como prova, cita o "descalabro administrativo" refletido no atraso no pagamento de trabalhadores tercerizados e em greves nos sistemas de saúde e educação.

Numa tentativa de recuperar fôlego político na Câmara Municipal, onde será votado o parecer do Tribunal de Contas do Município contrário à aprovação de suas contas de 2009, João Henrique substituiu seis dos seus 11 secretários. Abriu espaço para o PP e reduziu o do PMDB, que, dominado pelo grupo de Geddel, já indicou que lhe fará oposição nestes últimos 24 meses.

O prefeito já avisou que pedirá ao TRE  autorização para deixar o PMDB. Avaliou que "declarações ofensivas" de alguns peemedebistas tornaram "inviável" sua permanência na legenda. Por outro lado, Geddel, em seu Twitter, replicou: "E depois de suspenso, quer dizer que deseja sair. A Bahia sabe quem agrediu quem, e o PMDB só fez o bem".

Casos de crises financeiras e descalabros administrativos não são raros em prefeituras. Entre as do PMDB, há e houve vários exemplos. Se fosse tão zeloso pelas contas publicas e por seu programa partidário, os caciques da legenda estariam cansados de distribuir cartões vermelhos. O caso soteropolitano é, na verdade, nada mais do que uma tentativa de correção de estratégia do grupo de Geddel.

O ex-ministro, há dois anos, via a Prefeitura de Salvador como uma alavanca para sua candidatura ao governo baiano ano passado. Ter um aliado no executivo municipal seria fundamental para tentar romper a a polarização entre PT e o carlismo, representados por Wagner e Paulo Souto. Sua aposta não deu certo e, com cerca de 15% dos votos, ficou em terceiro lugar no pleito.

Derrota consumada e não mais com a poderosa caneta de ministro nas mãos, Geddel parece mirar já nas eleições municipais de 2012. O manual da política ensina que é recomendável se afastar de um prefeito desgastado e impopular o quanto antes. Ser o candidato de João Henrique parece tudo que deseja evitar. Político experiente, sabe que será apontado com co-responsável pela administração atual.

A partir de agora, as incógnitas são para onde irá João Henrique e como Geddel conseguirá se viabilizar eleitoralmente em Salvador. Exceto se as dificuldades na área de Segurança Pública saírem do controle,  o candidato da base de Wagner  virá com muita força em potencial. Será consequentemente também o candidato de Dilma e, por isso, com o país continuando a crescer, entrará na disputa como o favorito.

Por outro lado, ainda que nunca tenha sido tão forte como no interior do estado, o carlismo é o segmento onde a parcela conservadora da sociedade soteropolitana tradicionalmente sempre tendeu a despejar seus votos. Mesmo muito debilitado hoje, poderá ser o esteio dos que rejeitam tanto João Henrique quanto o PT. Aí talvez esteja o espaço no qual Geddel tentará se consolidar - caso o DEM se disponha a abrir mão da cabeça de chapa e o eleitorado carlista releve suas fortes trocas de acusações com o finado ACM.

Certamente a esperança do cacique peemedebista reside na possibilidade desta aliança. Caso contrário, entre os dois pólos antagônicos e um representante do prefeito, que, por mais impopular que seja, sempre guardará um estoque de votos respeitáveis, uma quarta candidatura estará fadada ao fracasso. Ainda mais sem ter - até aqui- cargo ou mandato que lhe mantenha na mídia.

É exatamente a necessidade de espaço na imprensa - em meio a todo tipo articulações políticas destes grupos políticos - que nos leva a uma certeza: o fervilhão de emoção, cantado e visto no verão baiano, continuará em Salvador após março. Mas, dessa vez, fora das cordas dos trios de Campo Grande e do Farol da Barra e longe de ser alguma maravilha.

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