domingo, 9 de janeiro de 2011

Vazamento é pedagógico, diz analista

Por Lucas Ferraz (Folha de S.Paulo, 03/12/2010)

Para o professor Matias Spektor, coordenador do centro de relações internacionais da Fundação Getúlio Vargas, o vazamento dos mais de 250 mil documentos sigilosos produzidos pela diplomacia dos EUA tem efeito pedagógico.  "O vazamento é educativo. O público tem acesso aos bastidores da política internacional. Mostra que o mundo não é feito de branco e preto, mas de tons de cinza."

Para o professor, a principal mensagem dos informes é mostrar que hoje a chamada guerra ao terror é o principal foco da política externa americana, lugar que, na Guerra Fria, foi ocupado pelo comunismo.  Aos 33 anos, doutor pela Universidade de Oxford, Matias Spektor -nascido na Argentina, mas criado no Brasil- é autor de "Kissinger e o Brasil" (editora Zahar), um estudo da articulação do então secretário de Estado dos EUA, Henry Kissinger, para criar uma relação preferencial com o Brasil entre os anos de 1974 e 1977.  A seguir, trechos da sua entrevista.

Folha - Qual a principal mensagem dos documentos divulgados?
Matias Spektor - A mensagem principal é que de fato a chamada guerra contra o terror é o prisma que organiza a política externa americana. Da mesma forma que o comunismo norteava a política externa americana durante a Guerra Fria.

Folha - O vazamento pode mudar a relação dos EUA com o resto do mundo?
Spektor - O impacto que vai ter, e que acho negativo, é que menos coisas relevantes serão postas no papel. Vai aumentar a informalização das trocas diplomáticas, o que é ruim. Os ministérios de Relações Exteriores precisam ter arquivos para assegurar que as iniciativas diplomáticas não fiquem à mercê das personalidades no poder. E é ruim do ponto de vista da história. Provavelmente veremos um aumento do uso de informações secretas.

Folha - Alguns documentos dizem que o Itamaraty é adversário dos EUA. Mas essa visão americana não é antiga?
Spektor - A percepção de que o Itamaraty é uma frente de resistência às iniciativas americanas no Brasil tem um longo pedigree. Na década de 60 é possível ver isso. Foi no Itamaraty que nasceu a ideia de uma política externa independente. Historicamente o órgão se organiza para aumentar a autonomia do Brasil em relação aos EUA.

Folha - Julian Assange, do WikiLeaks, disse que os documentos mostram como o mundo funciona de fato. Concorda?
Spektor - O vazamento é educativo. O público tem acesso aos bastidores da política internacional, mostra a complexidade da situação. Nenhum documento permite a conclusão de que tem o lado bom e o mau. Mostra que o mundo não é feito de branco e preto, mas de tons de cinza. É importante notar que a documentação tem um grau baixo de classificação, não são documentos quentes. São 250 mil documentos. É um banquete para historiadores.

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