sábado, 13 de agosto de 2011

O risco Marta e a obrigação da vitória

Por Murillo Victorazzo

A 14 meses das eleições municipais, o PT começa a montar seu tabuleiro de xadrez. Detentor da Presidência da República há quase nove anos, do maior números de ministérios e da maior bancada na Câmara Federal, os petistas não escondem ao incômodo com a hegemonia da oposição no governo paulista e na prefeitura paulistana. Tornou-se questão de honra para eles conquistar o posto principal da cidade de São Paulo ano que vem. Alguns nomes já se movimentam para ser o representante do partido nesta  missão. O ex-presidente Lula, por exemplo, banca a candidatura do ministro da Educação, Fernando Haddad. Mas, por hora, a favorita parece ser a ex-prefeita e senadora Marta Suplicy.

Marta se viu, na última semana, politicamente acuada. Seu ex-assessor Mario Moysés foi preso pela Polícia Federal acusado de ter integrar um esquema de desvio de dinheiro de emendas parlamentares no Ministério do Turismo. Moysés foi levado para  o segundo escalão da pasta por ela, então ministra, tendo sido ainda seu auxiliar na prefeitura paulistana. O líder tucano na Câmara, Duarte Nogueira, logo subiu à tribuna para ressaltar essa relação e tentar empurrar para o período em que Marta comandou o ministério a roubalheira. Sinal óbvio de que a oposição usará o caso para tentar enfraquecê-la eleitoralmente. Não se sabe ainda se a tática dará certo e qual seria a dimensão do estrago. Mas o fato, por si só, é mais um ingrediente na salada de erros que a militância petista engolirá caso insista em embarcar no projeto da senadora.

Um dos argumentos que Marta usa para se cacifar como candidata são as pesquisas correntes que lhe dão o primeiro lugar nas intenções de voto. Baseada nelas, garante ser a única capaz de derrotar os tucanos, principalmente se o candidato destes for o ex-governador José Serra. Sua gestão (2000-2004), afirma, deixou marcar fortes, principalmente nas regiões mais pobres da cidade. Se olharmos o mapa de votação do pleito de 2004, quando Marta perdeu a reeleição justamente para Serra, sua lógica parece certa. Ela venceu com folga nas zonas eleitorais dos bairros menos nobres. Porém, no processo de escolha, outros senões deveriam ser levados em conta pela cúpula e militância petistas.

Naquela eleição, Marta consolidou alta taxa de rejeição entre as classes média e alta, o que alavancou para 45% do eleitorado total os que não admitiam votar nela. Segundo especialistas, um índice que inviabiliza qualquer chance de vitória em pleitos com dois turnos. Foi quase consenso entre jornalistas e cientistas sociais que houve, naquela votação, descolamento entre a avaliação sobre candidata Marta e o nível de aprovação de seu governo. A imagem contraditória de uma mulher independente e socialmente liberal se misturava a sua oratória e a seus trejeitos e vestuário presunçosos. Uma "dondoca" arrogante cuja gestão priorizou áreas carentes é uma personagem tão complexa que, se, por um lado, pode agregar méritos, por outro, cria antipatias em diferentes nichos sócio-econômicos.

Em 2008, Marta tentou novamente voltar à prefeitura paulistana. Venceu o primeiro turno, mas acabou perdendo por boa margem para o prefeito Gilberto Kassab, então no DEM. Derrota que deve ter surpreendido, se tanto, apenas a cúpula petista. Poucas capitais brasileiras sedimentaram um antipetismo tão amplo como São Paulo. Junte a esse traço ideológico o peculiar perfil da candidata e a equação para o fracasso tornava-se fácil de ser resolvida. Na época, o quadro agravou-se com a constante lembrança pelos adversários de sua atuação como ministra do Turismo durante a crise aérea, em 2007. Ao ser questionada sobre os percalços dos passageiros, Marta disparara a infeliz e cínica expressão "relaxa e goza".

A petista saiu daquela campanha menor do que entrou. Não apenas pelos votos insuficientes, mas pelo tipo de estratégia adotada. Na reta final, chegou a apelar para insinuações sobre a vida pessoal de Kassab. Retóricas conservadoras deveriam sempre causar asco; vindo de uma sexóloga feminista que ganhou projeção na defesa dos direitos dos homossexuais, o desprezo ganhou contornos insuperáveis de hipocrisia e desespero. Logo ela que tanto sofrera preconceitos em eleições passadas. Além da derrota eleitoral, Marta sofreu uma derrota política que alavancou ainda mais sua rejeição. Nem mesmo sua eleição para senadora, ano passado, deveria ocultar tal fato, já que, por pouco, consegue a proeza de não conseguir nenhuma das duas vagas em jogo. Carregaria, durante bom tempo, o fardo de se ver ultrapassada pelo ex-pagodeiro Netinho.

Todas essas sinalizações não parecem ter tirado o seu salto alto. Ela e seu grupo acreditam que, com Lula em seu palanque, seria possível mudar, desta vez, o final da história. Sua autoconfiança não chega a surpreender, mas as bases irem por esse caminho, sim. Estar em primeiro lugar em pesquisar nesse momento não é prova cabal de popularidade. Neste momento, suas intenções de votos em muito se devem também ao que os analistas chamam de "recall", ou seja, a lembrança de um nome bastante conhecido. É claro que Marta tem seu eleitorado cativo e não se nega, como já dito, que sua gestão tem o que mostrar. Mas a insistência com um nome que já demonstrou ter dificuldades de ampliar seu teto de votos é temerária.

Lula, raposa política que é, parece ter entendido a situação. Insiste no nome de Haddad, que, porém, peca pela falta de traquejo político e de vida partidária, ainda que seja filiado ao partido há um bom tempo. Não à toa, pressiona para não haver prévias internas. Sabe que, além de propiciar uma cisão interna que levaria a uma derrota certa em outubro de 2012, seu preferido teria enormes dificuldades em bater chapa com Marta, experiente conhecedoras dos corredores da máquina petista. E que é mais fácil usar sua força para impedir a votação interna do que, esta decidida, arregimentar votos de centenas ou milhares de filiados para um "novato".

Haddad deu o pontapé inicial em sua pré-candidatura semana passada, quando participou de caravanas que o PT faz pela cidade. Nem as menções ao seu trabalho nos governos Lula e Dilma e os fartos elogios a estes impediram a militância de sair entediada com suas frases repletas de conceitos e números. Um discurso "muito administrativo e pouco político", como afirmou um líder da sigla. A seu favor, a inevitável comparação com a presidente Dilma, também considerada, no início da campanha do ano passado, excessivamente modorrenta e corpo estranho à base petista.

Lula certamente usará o exemplo de Dilma para convencer os petistas a abraçar seu pupilo. Lembrará ainda inúmeros casos de políticos que, embora inicialmente desconhecidos, chegaram, com apoios de nomes e máquinas fortes, à vitória. O grupo de Marta, por sua vez, defende que, em São Paulo, onde o petismo é mais fraco, apenas a capacidade de transferência de votos de Lula não seria suficiente para o ministro triunfar. Para eles, Marta iniciará a campanha já com cerca de 30%. Se conseguir diminuir em apenas cerca de 10% a antipatia a seu nome, terá ótimas chances de  vitória. Já Haddad teria que começar praticamente do zero, sendo que sua rejeição é uma incógnita. Alguns "martistas", aliás, gostam, sutilmente, de lembrar fatos controversos ocorridos em sua gestão no MEC. Polêmicas como a fraude no ENEM e os erros em cartilhas e livros didáticos, asseguram, seriam empecilhos à conquista dos setores médios da população.

Na verdade, o dilema petista é reflexo da falta de novas lideranças regionais fortes. Algumas das mais experientes foram se queimando com o passar dos anos e dos escândalos. Outras acabaram por sair do partido. É por isto que boas razões não faltam a Lula quando tenta tirar o partido da cantilena em que se transformaram os últimos processos decisórios paulistanos, com Marta e o ex-senador Aloísio Mercadante sempre se confrontando. Mercadante, inclusive, só refugou de mais uma pré-candidatura devido à volta  do escândalo dos "aloprados" ao noticiário.

O quadro geral do próximo pleito ainda está indefinido. Não se sabe quem Kassab apoiará nem se a candidatura do deputado Gabriel Chalita, do PMDB, é para valer. Se for, ainda é difícil assegurar sua dimensão. No ninho tucano, exceto José Serra, os demais tampouco podem ser considerados nomes fortes. A possibilidade de prévias para escolher entre José Aníbal, Andrea Matarazzo e Bruno Covas, caso Serra não queira disputar, é sinal da falta de um candidato natural. Mas, diferente do nível nacional, em que a prévia, ano passo, chegou a ser cogitada por ter o PSDB dois candidatos de peso para a Presidência, no plano municipal, a razão é oposta: falta de densidade eleitoral.

PT e PSDB estão em situações parecidas: um nome de peso e outros poucos conhecidos. Mas as semelhanças são apenas aparentes. Serra, ao contrário de Marta, tem menor rejeição e suas administrações, tanto com prefeito como governador, causam melhores lembranças a setores mais diversos da população. E São Paulo é considerado praticamente um reduto tucano. Além de a sigla comandar o Palácio Bandeirantes desde 1995, Lula e Dilma perderam em 2006 e 2010 tanto no estado como na capital. Precedentes que servem, não sem sentido, de argumento para os dirigentes do PSDB considerarem o apoio do governador Geraldo Alckimim tão importante quanto o de Lula em 2012. A viabilidade de um desconhecido do PSDB tende, por isso, ser maior, ainda mais que  um deles é dono de sobrenome com insuspeito potencial de votos: Bruno é neto do ex-governador Mario Covas.

Ainda que, como dizia o ex-governador mineiro Magalhães Pinto, a política seja como as nuvens, com os seus desenhos mudando a cada hora, alguns nortes prováveis ela sempre tem. É certo que o candidato petista, seja lá qual for, não terá vida fácil, ainda mais com as restrições econômicas com que o governo Dilma terá de lidar ano que vem. Uma conjuntura que, aliada às peculiaridades locais e pessoais, torna qualquer tentativa de inversão de rejeição pouco possível.  Por outro lado, além de permitir formatar um candidato mais palatável a outros setores sem perder seus redutos, a renovação sempre nos suscita esperanças. Já um nome fadigado nos traz perspectivas mais rígidas.

Diante desse cenário, o risco de atirar no escuro com um "desconhecido" não será muito diferente do de insistir em Marta. Mas o fracasso terá implicações bem maiores para ela. Com três derrotas seguidas para a prefeitura, verá inevitavelmente seu capital político despencar, levando junto suas aspirações maiores a cargos executivos. O PT, por sua vez, rifará de vez uma liderança regional e terá perdido a chance de mostrar ao eleitorado uma nova cara. Além de não poder apelar a desculpas tão comuns no futebol: "jogamos com o time reserva" ou "o atleta ainda tem muito que aprender; é um projeto para quatro anos".



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