Por Murillo Victorazzo
A foto do ex-presidente Lula com o deputado Paulo Maluf foi a grande
polêmica política do mês. Dois inimigos figadais, décadas depois de xingamentos
e posições políticas diferentes, por causa de pouco mais de um minuto do
horário eleitoral, se abraçavam para selar a aliança entre seus dois partidos.
Os jornais e as redes sociais deram destaque gigantesco ao fato. As críticas,
com grande grau de razão, foram quase unânimes, variando da decepção ao nojo,
do sarcasmo à catarse.
O desprezo pelo excesso de pragmatismo é mais do que justificado. Mas o
espanto, de certo modo, pareceu ter esbarrado no exagerado. E, se puxarmos pela
memória a reação a outras alianças inesperadas feitas por Maluf, o destaque e
tom dados por grande parte das mídias, foram, no mínimo, desiguais.
Entende-se o susto dos tradicionais eleitores do PT com a aliança,
especialmente os de São Paulo. O partido foi fundado alvejando o malufismo. A
política paulistana dos anos 80 e 90 foi jogada tendo um lado como a antítese
do outro. Discursos eloquentes, brigas e xingamentos entre seus militantes eram
comuns em época de eleição, inclusive nas ruas.
No entanto, após todas as polêmicas alianças feitas por Lula nesses nove
anos em que o PT comanda o poder federal, e um apoio no segundo turno de Maluf
à Marta Suplicy, contra José Serra, em 2004, beira a ingenuidade pensar que tal
cena seria impossível. Se Lula já beijara a mão de Jáder Barbalho, apoiara José
Sarney e abrigara Fernando Collor em sua base governista, não há razão para
tanta surpresa?
Os três, assim como Maluf, são os mais bem acabados representantes de um
tipo política contra qual, até o final da década de 90, as lideranças petistas
pareciam lutar. Mas, em momento algum, viu-se constrangimento no rosto deles
com os novos companheiros. Será, então, que algum eleitor petista deveria crer
que o partido ainda coloca a coerência e sua história à frente da realpolitik?
Ou que tem valores morais muito diferentes das demais legendas?
Ainda mais incompreensível é a parcela do eleitorado que, há muito, tem
aversão a Lula e ao PT mostrar-se perplexa com o acordo. Ou bravatear que a
foto era "prova" de que não se deveria votar em Fernando Haddad.
Embora não se tenha dado destaque semelhante, por muito pouco Maluf não acabou
no palanque de José Serra. No leilão por mais tempo de televisão, o PT foi
apenas quem bancou mais.
É muito difícil crer que tais eleitores, majoritariamente simpatizantes dos
candidatos do PSDB nas últimas eleições, se indignariam e abandonariam Serra se
a tentativa de acordo dos tucanos com o PP tivesse dado certo. Votariam eles em
Haddad em protesto? Certamente não. Mandariam cartas para jornais ou teceriam,
nas redes sociais comentários negativos sobre o tucano?
Se não se incomodaram com a bem menos difundida foto de Serra com o ex-ministro Alfredo Nascimento,
aquele demitido por Dilma por denúncias de corrupção ano passado em um
escândalo que propiciou inúmeros discursos indignados de parlamentares tucanos
em defesa da ética, por que pensar que seria diferente no caso de Maluf?
Em um típico caso de esquizofrenia (ou hipocrisia) eleitoral, exigem do
político rival a coerência e na formação de alianças que não exigem de
seu candidato. Sob o discurso da ética, escondem uma espécie de catarse, como
se dissessem: "Está vendo, nunca me enganei." Mas esta satisfação
disfarçada serve para, usando a questão moral, tentar justificar suas antipatias
ideológicas pré-concebidas. Afinal, a roubalheira petista surpreendeu até mesmo seus adversários históricos.
Alguns, tanto opinião pública como articulistas, tentam argumentar que a
exigência sobre o PT deve ser maior por ter ele nascido e se notabilizado como
um partido “diferente” – em outras palavras, imune às bandalheiras da
politicagem tradicional. Não há dúvida de que se exige mais de quem mais se
espera. Mas o que esses, por falta de memória ou conveniência, não lembram é
que o PSDB também nasceu com a bandeira da ética.
Há 24 anos, políticos resolveram sair do PMDB por discordância dos métodos
empregados pela cúpula partidária, liderada pelo então governador paulista,
Orestes Quércia. Na época, a dissidência foi retratada como uma vitória interna
da "banda podre" sobre os "autênticos" do partido, que,
além disso, queriam mais espaço para elaborar um projeto de moderna social
democracia para o país.
Por seu discurso ético e seus principais representantes serem oriundos da
luta pela redemocratização, Maluf, figura-símbolo da ditadura, também, desde o
inicio, foi a personificação de tudo que o novo partido combatia. A rejeição
virulenta ao malufismo está no gene tucano.
Não é difícil puxar pela memória o grau de inimizade entre Mário Covas e Maluf,
o que um dizia sobre o outro, a virulência dos debates entre eles, a ponto de o
tucano, já doente, perto de falecer, sair do hospital para declarar voto em
Marta Suplicy, no segundo turno do pleito paulistano de 2000.
Tal passado, porém, não impediu Serra de se aliar a Quércia nas eleições
presidenciais de 2010. Ou de o governador Geraldo Alckmin indicar afilhados
políticos de Maluf para Companhia de Desenvolvimento Habitacional e Urbano do
Estado de São Paulo (CDHU). Além de abrir as já mencionadas negociações para a
disputa deste ano.
É justo
recordar ainda que o então presidente Fernando Henrique se manteve distante do
segundo turno das eleições para o governo paulista em 1998. Sua surpreendente
postura - pois na disputa estava seu velho companheiro de lutas Covas - deu-se
para não melindrar o outro candidato, integrante de partido de sua base
governista e apoiador de sua reeleição. Quem? Maluf. Uma situação que provocou
profunda irritação entre os "covistas".
Diante
deste quadro, é custoso não descrever como igualmente contraditório um partido
com esse passado e que, hoje na oposição, tem como principal discurso a luta
contra a corrupção petista obter o apoio do PR do "mensaleiro"
Valdemar e de Alfredo Nascimento. E incompreensível (ou não) a diferença de
destaque dado aos dois fatos.
Talvez por isso, mas principalmente pelo momento de distensão que vive com a
presidente Dilma, o próprio Fernando Henrique acabou por admitir que a oposição
teria dificuldades em atacar o PT pela aliança com Maluf. “Não acredito que muitos possam fazer uso desse episódio, pois já se aliaram também ao Maluf e aoutros partidos”, disse. Indagado se Serra poderia usar a polêmica foto, foimonossilabicamente sucinto: “Não”.
A comparação não deve servir
para justificar um erro pelo outro. Trata-se, sim, de se incomodar com os pesos
e medidas desiguais, que acabam por apagar de forma enviesada e maniqueísta, para não dizer oportunista, as contradições passadas de um dos lados. Terminam por demonizar o réu recente ao mesmo tempo em que santificam o mais remoto, transformando o discurso ético de políticos, militantes e simpatizantes dos dois partidos em um festival de cinismo e demagogia. O falacioso Fla X Flu da moralidade.
Para o bem e para o mal, PT (intelectuais de
esquerda e sindicalistas) e PSDB (intelectuais de centro-esquerda) têm muitas
semelhanças - mais do que eles gostariam. Suas brigas lembram as costumeiras
discussões de irmãs que se odeiam, mas compartilham um passado em comum e
dependem uma da outra para viver. Em termos de moral, a
diferença é apenas o momento em que perderam suas auréolas: a dos petistas se
foi no início do século; a dos tucanos, em um passado um pouco mais distante.
Nenhum comentário:
Postar um comentário