quarta-feira, 22 de outubro de 2014

Política externa no Brasil: simplificação e ausência em debates televisivos

Por Murillo Victorazzo

Faltando quatro dias para a eleição que definirá quem segurará o timão da nau brasileira pelos próximos quatro, muito se discutiu -talvez não no tom e complexidade desejável -sobre corrupção, economia e infra-estrutura. Comparações entre governos houve aos montes. Desconstrução da imagem pessoal de candidatos, ainda mais. No entanto, uma das principais ferramentas de desenvolvimento de um país nos dias de hoje passou ao largo de todos os encontros entre presidenciáveis: a política externa.

Sem contar com o encontro da próxima sexta-feira na Rede Globo, o último -e principal - desta eleição, três debates televisivos foram realizados no segundo turno. No primeiro, outros quatro. Em nenhum deles, nem um segundo sequer foi gasto para se debater o assunto. 

A falta de espaço na sociedade brasileira para se discutir as diretrizes de relacionamento do país com o resto do mundo é notória. Nas eleições anteriores, não foi diferente. O insulamento do Itamaraty, a histórica pouca capacidade e/ou vontade de projeção de poder do país, com suas elites pouco dispostas a bancar os custos que uma postura pró-ativa neste campo obriga, explica este nosso perfil. 

Ainda que, com a globalização, a maior inserção econômica do país, a ascensão de pautas nas quais o Brasil tem potencial para ser protagonista, como meio ambiente e energia, o debate tenha ganhado mais força na academia e setores da sociedade civil, política externa ainda é um tema alienígena para o eleitorado. Não apenas entre os menos instruídos. A classe média e alta, com exceções, não a coloca como critério de escolha de voto.

A chegada do PT ao poder atraiu um pouco mais os holofotes para o assunto. Único partido que, para o bem e para o mal, tinha uma estrutura interna dedicada para valer a discussões nessa área, impôs, no Planalto, um viés político à esquerda às decisões do Itamaraty. Bastou para a crescente corrente antipetista entre os chamados formadores de opinião se levantar em palavras de ordens.

Se, por um lado, o ranço antiamericano patológico, resíduos da Guerra Fria, pautou muitas decisões dos governos Lula e Dilma, a retórica paranoica típica daquela época norteou as críticas destes setores da população à política externa petista. O que antes era o movimento comunista internacional agora, para eles, se tornara "expansão bolivariana". O Brasil estaria à reboque de Hugo Chavez e aliados a ditadores como o cubano Fidel Castro e o então presidente iraniano Mahmoud Ahmadinejad. 

Para os petistas, a Era Lula/Dilma é a libertação dos anos "neoliberais" de FHC, dominados pela "submissão e pelo alinhamento automático aos interesses norte-americanos". Para o outro lado, ela é meramente uma visão "terceiro mundista" que objetiva fortalecer os inimigos do capitalismo liberal. Tudo praticado e defendido atualmente no Itamaraty visaria a combater os EUA. 

Mesmo que se admita haver pitadas, em maior ou menor intensidade, destes dois polos nas duas políticas externas, a simplificação dualista através de frases de efeito não explica nem, muito menos, ajuda a vislumbrar a melhor maneira do Brasil se inserir no mundo, potencializando ganhos políticos e principalmente econômicos. 

A busca pela autonomia, refutando a adesão total ao norte-americanismo, é, com brevíssimas exceções, traço perene entre nossos formuladores de política externa. Mais recentemente, foi assim com FHC, foi assim com o PT. O que os diferencia são as nuances através da qual acreditavam chegar lá. 

Atualmente tal busca passa por um debate sereno sobre como destravar o Mercosul, afim de não ficarmos tão presos às idiossincrasias de alguns de nossos vizinhos, sem se esquecer da importância do bloco e de toda América do Sul  na projeção de poder do país perante os mais ricos. Entra aí também o papel a ser exercido pela Unasul.

Do mesmo modo, como nos relacionar com a Aliança do Pacífico, avançar para um acordo econômico com a União Europeia, estreitar relação com os Estados Unidos - querendo ou não, a maior potência do mundo -, sem nos afastar dos emergentes, expressos nos Brics? Será que o princípio multilateralista de fortalecer a OMC, ainda mais agora que seu diretor-geral é brasileiro, inviabiliza a procura por mais acordos bilaterais?

Seria desejável ainda lembrar que negociar com diferentes quando em troca se pretende pragmaticamente algo maior para o país não é ser igual a eles. Que criticar a maior potência pode não ser antiamericanismo, assim como se aproximar dela pode não ser alinhamento automático. Aliás, verniz antiamericanista e soberanista, no sentido de manter afastados os EUA da nossa região e ser temeroso com acordos mais intrusivos, não é exclusividade da esquerda.

Tal visão encontra eco na formação de nossos diplomatas, ainda no Instituto Rio Branco, e se reflete no ceticismo com intervenções militares para fins humanitários (é claro que isto nada tem a ver com a absurda defesa de diálogo com grupos como o Estado Islâmico). Estaria, por sinal, nossa sociedade disposta a arcar com as despesas inerentes a uma vaga permanente no Conselho de Segurança da ONU?

Tampouco é peculiaridade do governo atual oscilar entre pragmatismo e princípios. Saber onde e como usar cada um, se o objetivo for apenas o  "interesse nacional", é  tarefa para poucos. Certamente um dos pontos mais cruciais de uma política externa. A dosagem diferencia o veneno da vacina.

Esperar que tais assuntos merecessem tempo e espaço como nos EUA, onde a cada quatro anos, um debate entre presidenciáveis é dedicado apenas a questões internacionais, seria enorme contrassenso. Seria desconhecer o papel que a elas cabem na maior economia e força bélica do mundo. Guerras elegeram e derrotaram presidentes lá.  Também seria utópico querer que temas tão complexos para o público geral fosse discutido com a profundidade que merece. É inviável. 

No entanto, dá certo desânimo ouvir em redes sociais, rodas de amigos e até na imprensa eles se resumirem a  platitudes, palavras de ordens e ranços ideológicos, à esquerda e à direita, preconcebidos. Não por acaso, ver as únicas menções ao assunto em todos os debates presidenciais até aqui -quando houve -foram breves, indiretas e superficiais.

 Assim foi quando o tucano Aécio Neves criticou o sigilo dos investimentos no porto de Mariel, em Cuba, afirmou que apenas nas "ditaduras amigas" dos petistas é o governo, e não instituições, quem investiga, e insinuou que poderia até cortar relações com países vizinhos produtores de cocaína. Da parte da candidata a reeleição, pior: apenas a defensiva a estas acusações.

Isso sem recordar o patético momento protagonizado pelo caricato e indigente mental Levir Fidelix, que, parecendo estar em 1964, disse temer que o país estivesse caminhando para ser uma nova Cuba. Chegou ao ponto de acusar a candidata do PSOL, Luciana Genro, de ter ido àquele país para treinar guerrilha.

Em um ambiente eleitoral tão polarizado como o atual, a disputa partidária simplifica de forma binária as questões, ainda mais num país pouco afeito à política externa. Inevitável. Mas não se pode crer que mais discussões, em quantidade e qualidade, sejam impossíveis. 

Nenhum comentário:

Postar um comentário