segunda-feira, 3 de abril de 2017

A guerra ajuda a explicar por que o bem-estar dos americanos é diferente

Da The Economist (16/03/2017)

O plano de saúde dos republicanos, o American Health Care Act, pode, se promulgado, deixar 24 milhões de americanos sem cobertura, de acordo com o Escritório de Orçamento do Congresso. Mas para aqueles grupos determinados a encolher o governo pode não ser suficiente. O Americans for Prosperity, um grupo influente de campanha, chama-o de "Obamacare 2.0"; o FreedomWorks, um grupo anti-imposto, de "Obamacare-lite". O Comitê de Estudos Republicanos, que consiste em 170 republicanos, descreve-o como "um direito de bem-estar republicano". 

Quando o Obamacare tornou-se lei, democratas ecoaram que ele provaria ser impossível tirar o seguro de saúde das pessoas uma vez que já tinham. Para aqueles na ala do Partido Republicano colados no governo, a revogação da lei é um risco. Se um presidente republicano com maiorias nas duas casas do Congresso não conseguir tirar um direito, então eles podem desistir.

Visto do resto do mundo, este debate carece de qualidade. A América está sozinha entre os países ricos em não apresentar alguma forma de proteção de saúde governamental para toda a população. Quando Obamacare tornou-se lei em 2010, América parecia estar convergindo com o resto do mundo.

Com a lei de Obama, o percentual de pessoas que não têm seguro de saúde e não são cobertas por programas para idosos ou pobres caiu de 16% para 8,8%, de acordo com a Kaiser Family Foundation. Teria caído mais se mais governadores republicanos tivessem tomados fundos federais para expandir o Medicaid, que financia seguros para americanos pobres. Essa convergência agora pode ser revertida.

 A diferença americana no trato com a proteção à saúde é em parte uma questão de filosofia. Os americanos são mais inclinados a acreditar que as pessoas fazem a própria sorte do que os países com o Estado de bem-estar social mais desenvolvidos. De acordo com Pew Global Attitudes Survey, 31% dos alemães pensam que sucesso é determinado por forças dentro de seu controle, enquanto 57% dos americanos dizem o mesmo. Em outras palavras, aqueles que não têm seguro poderiam obtê-lo se apenas trabalhassem mais duro.

Mas é também uma questão de história; mais especificamente, de como os Estados de bem-estar social no resto do mundo se desenvolveram em épocas de guerra. Estes tipos de Estados europeus começaram na Prússia, no final do século XIX, quando a guerra com a França exigiu a mobilização de um grande número de civis. 

O Estado de bem-estar social da Grã-Bretanha tem suas origens na descoberta de que muitos dos homens que se alistaram durante a Guerra dos Boeres não eram saudáveis o suficiente para lutar. Antes da Segunda Guerra Mundial, os liberais britânicos teriam visto a criação de um serviço de saúde nacional estatal como uma intromissão indevida do governo na vida privada da população. Depois de 1945, parecia uma recompensa justa para um povo sofrido.

Na América, essa relação entre guerra e proteção à saúde evoluiu diferente. A época em que a maior proporção de homens em idade de recrutamento estava em guerra, durante a guerra civil (quando foi mobilizada 13% da população), chegou muito cedo para estimular a criação de um sistema nacional de saúde. Em vez disso, o governo federal quebrou a relação entre guerra e proteção de saúde universal ao tratar ex-combatentes diferente dos demais.

Em 1930 a Veterans Administration foi criada para cuidar de quem tinha servido na Primeira Guerra Mundial. Tornou-se um sistema de pagamento único de hospitais do tipo que muitos americanos associam à medicina social na Europa. A América chegou perto de introduzir algo como um serviço universal durante a Guerra do Vietnã, quando, mais uma vez, um grande número de homens foram recrutados. Richard Nixon propôs um plano de seguro de saúde abrangente ao Congresso em 1974. Se não fosse o Watergate, poderia ter tido sucesso.

Embora lento no caminho à assistência social, o sentido da marcha americana tem sido inconfundível. No início da década de 1930, durante a Grande Depressão,  o Congresso gradualmente adicionou direitos federais. Eles se multiplicaram novamente na década de 1960 e têm crescido constantemente desde então. A última vez que o país teve um presidente republicano, um novo direito, o Medicare parte D, foi criado. Ao invés de se oporem, muitos republicanos raciocinaram que, se alguém ia criar um novo programa social, poderia também ser deles. 

Este crescimento rastejante do suporte governamental levou os conservadores que realmente desejam cortar programas sociais  a tentarem sufocar as receitas do governo federal, na esperança que um dia que ele entre em colapso sob o peso de suas próprias contradições. O acerto de contas ainda está por vir.  A Lei de Wagner, em homenagem ao economista alemão Adolph Wagner, diz que, como as sociedades crescem mais ricas, o consumo do governo tende a ocupar parcelas maiores do PIB. Serve para a América também (gráfico ao lado). Daí a angústia da direita sobre o American Health Care Act

Pressionando a lei de Adolph Wagner, está outra mais recente tendência. Americanos que se recordam da Depressão e da Segunda Guerra tendem a parecer mais favorável à redistribuição de renda. Ilyana Kuziemko, de Princeton, e Vivekinan Ashok e Ebonya Washington, ambos de Yale, concluíram que o apoio à redistribuição caiu entre pessoas aposentadas durante as últimas décadas. (gráfico abaixo à esq.)

Uma explicação para essa tendência é a ausência de recordação daqueles dois grandes eventos, unificadores do século XX, entre os que estão se aposentando agora. Talvez não seja coincidência que uma onda de imigração no final do século XX tenha precedido esta relutância em redistribuir, particularmente forte na oposição entre pensionistas atuais a estender o seguro de saúde . Na década de 1950, a imigração média para a América era de 250 mil pessoas por ano; na década de 1990, chegou a um milhão.

Se verdadeira, essa tendência (que poderia ser chamada Lei de Richard Wagner, depois que o compositor compreendeu quão poderoso pode ser o impulso para a raiz de sua tribo) é tão alarmante para os "liberals" da América como a lei de Adolph Wagner, de crescentes gastos, é para os conservadores. Pois parece sugerir que, ao abraçar as causas da imigração e diversidade, podem acidentalmente enfraquecer o suporte às políticas econômicas que são favoráveis.

Exclua os embates entre Donald Trump, Paul Ryan e Barack Obama, e o debate poderia ser visto como um conflito entre essas duas leis de Wagner: Richard contra Adolph. Se a assistência social americana continuará a convergir gradualmente com o resto do mundo rico ou permanecerá distintamente empedernida, depende de qual Wagner sairá por cima.

*Tradução livre do blog

Nenhum comentário:

Postar um comentário