terça-feira, 17 de outubro de 2017

E a Somália, coleguinhas?

Por Murillo Victorazzo

Com mais de 300 mortos  após explosão de dois carros-bombas , o  ataque terrorista do último domingo na Somália foi provavelmente o maior desde o 11 de setembro. A autoria ainda é desconhecida, mas tudo indica ser o grupo Al Shabab, uma espécie braço auxiliar da Al Queda, que luta contra o frágil governo central, de cunho islâmico moderado.

No Brasil, a tragédia não mereceu manchete de nenhum portal ou jornal. No máximo, chamada com foto. Dentro dos diários, nada mais do que uma página reservada - e olhe lá. O Globo, por exemplo, preferiu dar a matéria principal da editoria Internacional às eleições na Venezuela. Nos sites desta tarde, nenhum destaque para os desdobramentos do caso. Telejornais noticiam através de breves notas cobertas.

Nada parecido com aquelas intermináveis horas de especialistas analisando e entradas ao vivo vistas nos atentados na Europa e Estados Unidos. Para lembrar, o recente massacre em Las Vegas  de razões ainda desconhecidas mas descartado como terrorismo fundamentalista islâmico, resultou na morte de quase 60 pessoas. O último atentado em Londres,  em junho, através de faca e atropelamentos, deixou oito vítimas fatais.

A diferença de tratamento incomoda. Não se trata de fazer a tenebrosa competição de tragédias, comum nas redes sociais, apontando o dedo para quem não colocou bandeira da Somália em seu perfil ou hastag "força, Somália". Trata-se de olhar para o papel da imprensa, ela que, queiram ou não, é protagonista no dimensionamento dos debates e comoções.

Embora possam ser reprováveis, é explicável, por razões sócio-culturais e tecnológicas, que tragédias ocorridas no Ocidente ganhem mais destaque. Coberturas instantâneas e extensas, com material próprio, são dificultadas quando a emissora não tem correspondente próximo à região e o local não dá condições de segurança e infraestrutura para o trabalho da imprensa. E, provavelmente acima de tudo, pesa a autoimagem do brasileiro em relação a Europa e Estados Unidos.

Apesar deles não nos colocarem no hall dos ocidentais, no sentido político econômico e cultural do termo, o senso comum nacional é o contrário: principalmente nossa elite econômica e cultural, com exceções, assim se vê.

Mais do que o fato indiscutível de serem o centro político do mundo, parece óbvio que esta autoimagem se reflita na pauta dos grandes meios de comunicação. E aqui não vai uma crítica, apenas uma constatação. Deixem para os sociólogos avaliarem autoimagens.

Seria, portanto, utópico esperar igualdade de destaque e reação afetiva - mesmo que vidas humanas aqui não valham mais do que lá. O que nos é próximo ( não em termos geográficos necessariamente) tende a nos chocar mais. Quantos sabem onde fica, costuma ou deseja conhecer a Somália? Que país é esse?

Mas tudo tem limites. Não equiparar é muito diferente de relegar desproporcionalmente fatos cruciais e com impactos iguais ou até maiores para a compreensão do planeta . Mais de 300 vidas civis perdidas ao mesmo tempo sem razão alguma, apenas para causar terror, sempre será motivo para "parar as máquinas" seja onde for. Se não por solidariedade a um país já tão instável e pobre, por bom jornalismo.

E bom jornalismo é ter talento para superar dificuldades operacionais e saber, na dosagem certa, como mostrar os fatos, além de tudo a fim de evitar a difusão de conclusões reducionistas.

O atentado na Somália faz parte do intrincado quebra-cabeças chamado Oriente Médio, com as conhecidas implicações para o mundo - e teria o didático papel de realçar que o terrorismo islâmico não é um mero "choque de civilizações", ou uma luta entre religiões. Ainda que esses facínoras persigam o cristianismo, perseguem tanto ou mais o muçulmano que não lê o Alcorão como eles.

Das duas uma: ou há um exagero tupiniquim na cobertura do que acontece no chamado Primeiro Mundo ou estamos minimizando exageradamente o que se passa nos demais lugares. Um desserviço do jornalismo brasileiro ao mundo e ao ser humano.

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