segunda-feira, 7 de dezembro de 2020

"Estamos mais longe da redemocratização hoje do que em 2019", diz historiadora venezuelana

Por Murillo Victorazzo

Um país militarizado, absolutamente controlado. Uma oposição fragmentada e fragilizada. Um sociedade paralisada pelo medo e pela pandemia, abandonada pelo governo, que "não se importa com os mortos pela Covid-19". Assim  pode-se resumir a Venezuela atual descrita pela historiadora Margarita López Maya, professora da Universidade Central da Venezuela e uma das intelectuais mais respeitadas do país.

Em entrevista à Janaína Figueiredo, publicada no Globo do último domingo, dia 6, Margarita demonstrou todo seu desalento com o futuro do país vizinho. "Estamos hoje mais longe da redemocratização do que em 2019. O que estamos vivendo pode durar muitos anos, ninguém sabe", lamenta, fazendo uma comparação sarcástica com Cuba, país parceiro ideológico do ditador Nicolás Maduro e cujos serviços sociais foram sempre a principal bandeira da esquerda latino-americana: 

"Estamos vivendo um totalitarismo do século XXI, bem diferente do que existe em Cuba. Aqui a educação e a saúde são um desastre, embora os militares, peça-chave do poder, sejam doutrinados pelos cubanos. A cúpula militar continua comprometida com o governo".

É neste contexto, agravado pela pandemia da Covid-19, na qual, segundo ela, o governo realiza apenas quatro mil testes por milhão de habitantes e as pessoas "não vão médico, não se testam; se curam sozinhas ou morrem", que a Venezuela  vai às urnas na próxima segunda, dia 8, a fim de escolher os novos integrantes da Assembleia Nacional.

Boicotada pelos principais partidos de oposição, que argumentaram não haver igualdade de condições e nenhuma garantia de transparência, a previsão é de uma elevada abstenção, em um cenário de crescente fragilidade do principal nome opositor, o autoproclamado presidente Juan Guaidó, reconhecido assim por cerca de 60 países, entre eles o Brasil. Para Margarita, o controle do Conselho Nacional Eleitoral pelo governo impossibilitará saber até a verdadeira taxa de comparecimento:

"Esta eleição não terá muita participação popular. O governo de Nicolás Maduro fará o que quiser. A principal oposição ao chavismo não vai participar e, portanto, o Partido Socialista Unido da Venezuela (PSUV) vai vencer. Maduro passará a ter maioria absoluta na Assembleia Nacional. Não devemos nem ter muita fraude, porque sem a oposição mais forte, ele não terá de fazer grandes trapaças para vencer."
 
No entanto, alguns segmentos menores da oposição aceitaram participar da disputa, como os tradicionais Ação Democrática e Copei, "disciplinados, graças a negociações com dirigentes que aceitaram as regras do jogo do chavismo". E há outros partidos à esquerda, "que acreditam que se pode competir nesse sistema" e estão dispostos a reconhecer Maduro como presidente. 

Essas dissidências, explica ela, permitirá a Maduro falar em diálogo e concessões: "Isso pode causar confusão, porque a comunicação na Venezuela está em níveis mínimos, muitas pessoas não entendem bem o que está acontecendo". 

O quadro para a oposição se complica com a deterioração da imagem de Guaidó após não conseguir terminar com o que chamou de o "fim da usurpação" do poder por parte de Maduro, sem conseguir convocar eleições gerais e livres: "As pessoas não estão satisfeitas com Maduro, mas tampouco confiam em Guaidó. Hoje, em torno de 60% dos venezuelanos não estão a favor nem de Maduro, nem de Guaidó. É um cenário triste, assustador. Temos uma grave crise de representação".

Segundo a última pesquisa da Datanalisis, a imagem positiva de Guaidó está em torno de 25%, enquanto a de Maduro se limita a 12%. "Mas a rejeição a Guaidó aumentou muito, está superando 50%. Diria que [ele está]em estado terminal, correndo o risco de se tornar irrelevante", ressalta.

Margarita critica a "submissão" de Guaidó a Leopoldo López (fundador e chefe do partido Vontade Popular, agora no exílio) e especialmente Donald Trump. Acredita, contudo, que Joe Biden vá continuar a reconhecê-lo como presidente legítimo, o que não significa um novo ciclo promissor para a oposição, fragmentada e em busca de novas lideranças, diante de uma população cansada da polarização: 

"A polarização existe no jogo político, mas as pessoas estão se afastando dela. Acham que esse jogo não trará mudança. Guaidó continua no jogo do tudo ou nada, e por isso está em declínio. A grande maioria dos venezuelanos buscará atores não polarizados, dispostos a tentar certos compromissos para melhorar a situação". 

O apoio externo também não dá a Margarita razões para otimismo. Ela afirma que é necessário reconhecer o fracasso da atuação da comunidade internacional, que sozinha não poderá garantir a sobrevivência de Guaidó: "Aplicaram sanções, pressionaram, falaram em invasão estrangeira, tentaram golpe. Mas Maduro continua firme, está ganhando tempo e continua com importantes aliados, como Irã, Turquia, Rússia e China. É preciso buscar outras saídas. Não há força para obrigar Maduro a nada". 

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