Um país militarizado, absolutamente controlado. Uma oposição fragmentada e fragilizada. Um sociedade paralisada pelo medo e pela pandemia, abandonada pelo governo, que "não se importa com os mortos pela Covid-19". Assim pode-se resumir a Venezuela atual descrita pela historiadora Margarita López Maya, professora da Universidade Central da Venezuela e uma das intelectuais mais respeitadas do país.
"A polarização existe no jogo político, mas as pessoas estão se afastando dela. Acham que esse jogo não trará mudança. Guaidó continua no jogo do tudo ou nada, e por isso está em declínio. A grande maioria dos venezuelanos buscará atores não polarizados, dispostos a tentar certos compromissos para melhorar a situação".
Em entrevista à Janaína Figueiredo, publicada no Globo do último domingo, dia 6, Margarita demonstrou todo seu desalento com o futuro do país vizinho. "Estamos hoje mais longe da redemocratização do que em 2019. O que estamos vivendo pode durar muitos anos, ninguém sabe", lamenta, fazendo uma comparação sarcástica com Cuba, país parceiro ideológico do ditador Nicolás Maduro e cujos serviços sociais foram sempre a principal bandeira da esquerda latino-americana:
"Estamos vivendo um totalitarismo do século XXI, bem diferente do que existe em Cuba. Aqui a educação e a saúde são um desastre, embora os militares, peça-chave do poder, sejam doutrinados pelos cubanos. A cúpula militar continua comprometida com o governo".
É neste contexto, agravado pela pandemia da Covid-19, na qual, segundo ela, o governo realiza apenas quatro mil testes por milhão de habitantes e as pessoas "não vão médico, não se testam; se curam sozinhas ou morrem", que a Venezuela vai às urnas na próxima segunda, dia 8, a fim de escolher os novos integrantes da Assembleia Nacional.
Boicotada pelos principais partidos de oposição, que argumentaram não haver igualdade de condições e nenhuma garantia de transparência, a previsão é de uma elevada abstenção, em um cenário de crescente fragilidade do principal nome opositor, o autoproclamado presidente Juan Guaidó, reconhecido assim por cerca de 60 países, entre eles o Brasil. Para Margarita, o controle do Conselho Nacional Eleitoral pelo governo impossibilitará saber até a verdadeira taxa de comparecimento:
"Esta eleição não terá muita participação popular. O governo de Nicolás Maduro fará o que quiser. A principal oposição ao chavismo não vai participar e, portanto, o Partido Socialista Unido da Venezuela (PSUV) vai vencer. Maduro passará a ter maioria absoluta na Assembleia Nacional. Não devemos nem ter muita fraude, porque sem a oposição mais forte, ele não terá de fazer grandes trapaças para vencer."
No entanto, alguns segmentos menores da oposição aceitaram participar da disputa, como os tradicionais Ação Democrática e Copei, "disciplinados, graças a negociações com dirigentes que aceitaram as regras do jogo do chavismo". E há outros partidos à esquerda, "que acreditam que se pode competir nesse sistema" e estão dispostos a reconhecer Maduro como presidente.
Essas dissidências, explica ela, permitirá a Maduro falar em diálogo e concessões: "Isso pode causar confusão, porque a comunicação na Venezuela está em níveis mínimos, muitas pessoas não entendem bem o que está acontecendo".
O quadro para a oposição se complica com a deterioração da imagem de Guaidó após não conseguir terminar com o que chamou de o "fim da usurpação" do poder por parte de Maduro, sem conseguir convocar eleições gerais e livres: "As pessoas não estão satisfeitas com Maduro, mas tampouco confiam em Guaidó. Hoje, em torno de 60% dos venezuelanos não estão a favor nem de Maduro, nem de Guaidó. É um cenário triste, assustador. Temos uma grave crise de representação".
Segundo a última pesquisa da Datanalisis, a imagem positiva de Guaidó está em torno de 25%, enquanto a de Maduro se limita a 12%. "Mas a rejeição a Guaidó aumentou muito, está superando 50%. Diria que [ele está]em estado terminal, correndo o risco de se tornar irrelevante", ressalta.
Segundo a última pesquisa da Datanalisis, a imagem positiva de Guaidó está em torno de 25%, enquanto a de Maduro se limita a 12%. "Mas a rejeição a Guaidó aumentou muito, está superando 50%. Diria que [ele está]em estado terminal, correndo o risco de se tornar irrelevante", ressalta.
Margarita critica a "submissão" de Guaidó a Leopoldo López (fundador e chefe do partido Vontade Popular, agora no exílio) e especialmente Donald Trump. Acredita, contudo, que Joe Biden vá continuar a reconhecê-lo como presidente legítimo, o que não significa um novo ciclo promissor para a oposição, fragmentada e em busca de novas lideranças, diante de uma população cansada da polarização:
"A polarização existe no jogo político, mas as pessoas estão se afastando dela. Acham que esse jogo não trará mudança. Guaidó continua no jogo do tudo ou nada, e por isso está em declínio. A grande maioria dos venezuelanos buscará atores não polarizados, dispostos a tentar certos compromissos para melhorar a situação".
O apoio externo também não dá a Margarita razões para otimismo. Ela afirma que é necessário reconhecer o fracasso da atuação da comunidade internacional, que sozinha não poderá garantir a sobrevivência de Guaidó: "Aplicaram sanções, pressionaram, falaram em invasão estrangeira, tentaram golpe. Mas Maduro continua firme, está ganhando tempo e continua com importantes aliados, como Irã, Turquia, Rússia e China. É preciso buscar outras saídas. Não há força para obrigar Maduro a nada".
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