segunda-feira, 8 de novembro de 2021

O Centrão enfim tem candidatura presidencial própria

Por Murillo Victorazzo

Na campanha eleitoral, auxiliares fardados do candidato “antissistema” cantavam "Se gritar, pega Centrão". Meses após ser empossado, ele anunciava sua saída do PSL. O motivo? O presidente do partido, Leonardo Bivar, estava "queimado" pelas investigações da PF acerca do "laranjal" da legenda, caso que estaria, segundo suas próprias palavras, "queimando seu filme". O mito não tinha relação alguma com o caso. A ausência de "compliance" o impelia a mudar de ares. Claro, a briga interna não era por disputa do cofre da legenda, detentora da maior fatia dos fundos eleitoral e partidário. 
Passava-se a discutir a criação de um novo partido legitimamente "conservador" ( reacionário, na verdade). Não seria difícil reunir as assinaturas necessárias; o povo estava com ele. "O povo” não existe e, portanto, nenhum está com ninguém especificamente. Mas é inegável que, se não majoritariamente, setores relevantes o apoiam entusiasticamente. Não deu para 2020, mas conseguiriam para 2022. 

Dois anos se passaram e nada. Bolsonaro não conseguiu nem um terço das assinaturas necessárias: 0,5% dos votos válidos (cerca de 500 mil) da última eleição geral, distribuídos em no mínimo um terço dos estados, com um mínimo de 0,1% do eleitorado em cada um deles. Até Gilberto Kassab, para a criação de seu  amorfo PSD, cumpriu em seis meses os requisitos exigidos 

O discurso vitimista ganhava novos contornos entre seus simpatizantes: o TSE, aquele que, dias atrás, arquivou o pedido de cassação da chapa presidencial mesmo reconhecendo ilegalidades nela, impedia dolosamente a concretização do projeto. Não se tratava de falta de empenho; era apenas coincidência o Aliança pelo Brasil ir sendo relegado ao dispensável à medida que o governo se aproximava do Centrão. 

Nada a ver com a ínfima parcela do fundo eleitoral que novas siglas têm direito (a repartição igualitária de 2% dele entre todas as existentes). Não, o mito não almejava o farto tempo de TV e rádio e a bilionária quantia de dinheiro público a qual os partidos do grupo tem direito. Oras, ele sempre foi contra o uso desses fundos...

No mesmo dia em que o STJ dá uma mãozinha a seu alaranjado filho senador, anunciou-se a filiação de Bolsonaro ao PL, comandado há muitos anos com mãos de ferro pelo ex-presidiário Waldemar da Costa Neto - protagonista, entre outros casos de corrupção, do mensalão e símbolo do que há de mais podre no tal sistema. Ruídos apenas atrasaram a oficialização do casamento para o dia 30 de novembro. "Estou me sentindo em casa", disse na cerimônia.

Após destinar a Secretária de Governo e a poderosa Casa Civil, além do ministérios das Comunicações e da Cidadania  e tantos outros cargos de segundo e terceiro escalões, a esse arremedo de políticos tradicionais que se sustentam apenas no fisiologismo em proporção inversa à organicidade programática, o presidente o eleva não mais apenas ao coração do governo. O Centrão é agora também sua cabeça, tronco e membros, algo jamais priorizado por tais parlamentares, historicamente satisfeitos em abocanhar pelas beiradas, como apêndices de gestões de diferentes perfis.  

Em busca de mais quatros anos de "missão", como já definiu sua presidência, o presidente "antissistema" será não meramente apoiado, mas integrante oficial do notório grupo, que enfim terá candidato próprio ao Planalto. Talvez chapa própria, caso se confirme o acordo para dar a vice-presidência ao PP, outra sigla de destaque em todos os recentes escândalos, a mesma dos impolutos aliados chefe da Casa Civil e presidente da Câmara.

O Brasil sempre se supera nas ironias e duplos twists carpados retóricos. Mas ainda mais inusitado será ver que, mesmo diante de tamanho giro de 180 graus, muitos de seus seguidores ainda o verão como "diferente", alguém boicotado pelo establishment malvadão. 

Um governo sem corrupção. Uma mera filiação obrigatória a algum partido. "Todos têm seus problemas. Tinha que escolher um. Queriam que eu escolhesse o PSOL?", sofisma o mito. Porque, obviamente, essa ilibada turma, dona de homogeneidade ética insuperável, cedeu-lhe a sigla sem nada pedir (e se pediu, ele, coitado, viu-se obrigado a acatar). 

O país não se deparou, nas últimas semanas, com a ponta do iceberg dos efeitos práticos desse matrimônio no Congresso Nacional, onde temos assistido ao paroxismo do fisiologismo. “Ah, isso sempre existiu”, começam a relativizar os há até pouco tempo defensores da “nova política”. O verdadeiro “câncer” do Brasil é o STF… Não, não há nenhum estelionato político-eleitoral aqui. É tudo "narrativa" da imprensa esquerdista...

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