terça-feira, 10 de janeiro de 2023

Era só juntar os pontos

Por Murillo Victorazzo

Não custa nada recordar, embora possa ser repetitivo. Logo entenderão a razão. O "mito" gritou anos atrás, em programa de TV, que nada se resolvia sem guerra civil. A ditadura matara pouco. Deveríamos “completar o trabalho” matando uns 30 mil. Paras as câmeras, pouco tempo depois, defendeu com assustadora naturalidade o fuzilamento do então presidente da República Fernando Henrique, por ver na privatização da Vale um "atentado à segurança nacional". Sempre colocou um torturador do DOI-CODI como ídolo, a ponto de homenageá-lo em voto pelo impeachment de uma presidente que fora torturada. 

O filho, na campanha eleitoral de 2018, discursou que "bastava um soldado e um cabo" para fechar o STF, enquanto o pai, sem a mínima evidência, garantia que, se não fossem “fraudes”, teria vencido no primeiro turno. Instado a mostrar algo que sustentasse a acusação, recorreu até ter que usar do contorcionismo jurídico para nada dizer. Ainda em seu primeiro mandato como deputado já levantara suspeitas assim. À época mirava nos votos em papel e via como solução o embrionário projeto das urnas eletrônicas. “Não querem informatizar as eleições. Os militares terão 30 mil votos e só serão computados três mil”, discursou em plenário em 1993. Um anos antes da votação de 2022, afirmou que só perderia caso houvesse irregularidades no TSE. Às vésperas do primeiro turno, ousou assegurar que, se não tivesse cerca de 60% dos votos, “algo estranho ocorreu”. A gente que acompanha futebol sabe bem o que um cartola pretende quando vai à CBF protestar contra a escolha de determinado árbitro ou acusa, antes do partida, o adversário de praticar “antijogo” ou ser “ sempre beneficiado”.
 
Como presidente, jamais reprovou faixas com elogios a AI-5 e pedidos de fechamento da Suprema Corte em manifestações a seu favor. O típico silêncio conveniente. Em discursos coléricos, xingou ministros dessa mesma Corte, ameaçando não respeitar ordem judicial. Confrontados, seus simpatizantes relativizavam: eram meras "frases mal colocadas". Em seu governo, levou ao paroxismo a fetichização das armas, indo muito além do debate científico sobre limites para POSSE delas. Trouxe para dentro dos quartéis a política, ignorando os conhecidos males que a instrumentalização de forças de segurança acarreta.
 
Após sua derrota ano passado, seus militantes fecharam estradas, queimaram pneus, atiraram contra policiais. Quase como mantra, ficaram dois meses gritando que Lula "não subiria a rampa DE JEITO NENHUM". Tudo novamente sob seu silêncio. Influenciadores de direita e comentaristas da Jovem Pan reverberavam. Postavam em suas redes contagens regressivas para um "levante". Nunca se viu levante feito com flores, muito menos intervenção militar, o que pediam em acampamentos em frente a quartéis.
 
Mês passado, enquanto convenientemente arrumava suas malas para a Flórida, na noite após a diplomação do presidente eleito, outros tantos simpatizantes seus tentaram invadir a sede da Polícia Federal e vandalizaram ruas e carros da capital federal. Poucos dias depois, uma bomba em um caminhão de combustível foi desativada perto do aeroporto. O autor, eleitor seu, confessa que era para provocar o caos, obrigar a decretação do Estado de sítio e assim evitar a posse de Lula.

Na última semana, inúmeras mensagens nos canais bolsonaristas no Telegram elevaram explicitamente o tom: "cansamos de jogar nas quatro linhas", "vai ter sangue", "não levem os filhos", "é pra tomar o Congresso". No último domingo, o neto do ditador comentarista da Jovem Pan, enquanto via a imagem da tentativa de ruptura institucional na Praça dos Três Poderes, vibrava: " Quando a saliva acaba, o ‘povo’ usa a força". Segundo a polícia, estava planejado também a ocupação de refinarias, típico ato de quem almeja golpe de Estado.

Mas eis que, de repente, a direitona e alguns “isentões” ficaram surpresos. Passaram a se dizer indignados ou, pasmem, culpar "infiltrados" - mesmo com vídeos gravados por bolsonaristas conhecidos na esgotosfera e dirigentes do PL, todos orgulhosamente presentes na cena do crime. Puxa, como poderíamos imaginar que acabaria assim? Simples, bastava juntarem os pontos... Continuam, porém, sem nem a decência de admitirem o que seu mito insuflou por décadas e seus correligionários praticaram. Ou é o tal “estado de negação” freudiano, ainda mais comum em fanatizados? Seja como for, é esperar demais de uma galera capaz de boicotar máscara e vacinação em meio a uma pandemia. 

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