quarta-feira, 2 de setembro de 2009

Moscou lança campanha para restaurar os valores soviéticos

Por Rodrigo Fernández (El País, 02/09/2009)
Moscou - A Rússia costuma aceitar muito mal as críticas, e pior ainda agora que recuperou seu papel de potência e seu orgulho de grande Estado - e que portanto o patriotismo, ou simplesmente o nacionalismo, está no auge. Isso faz com que os governantes russos tentem justificar todos os momentos de sua história, tenham ou não razão. Daí o surgimento, por ordem do presidente Dimitri Medvedev, de uma comissão para impedir o que o Kremlin considera tergiversações da história. Daí também que os dirigentes russos se irritem quando alguém compara o comunismo da época stalinista ao nazismo alemão, apesar de Joseph Stalin ter matado mais pessoas que Adolf Hitler.
Essa atitude, segundo alguns especialistas, simboliza os planos do Kremlin para restaurar os valores soviéticos. A defesa exagerada do que é russo às vezes leva Moscou a tentar justificar o injustificável. Chega-se ao extremo de que o serviço federal de espionagem exterior publique documentos secretos que teoricamente demonstram que havia motivos para elogiar Stalin por assinar em 1939 o pacto Molotov-Ribbentrop - pelo qual a Alemanha e a Rússia dividiram a Polônia, e Moscou obteve luz verde para se apoderar dos países bálticos -, porque era "a única medida acessível de autodefesa". Especialistas como Alexandr Shubin argumentam que se trata de uma mentira, pois em 1939 a Alemanha não pensava em atacar a União Soviética.
Outro exemplo é o documentário transmitido pela televisão estatal há alguns dias, no âmbito do 70º aniversário da invasão da Polônia pela Alemanha, no qual se afirmava que Varsóvia tinha se aliado com Hitler para atacar a União Soviética. Esse programa de televisão foi objeto de uma queixa formal por parte do governo polonês. Um livro escolar que será estudado na Rússia neste semestre também se enquadra na tendência de encobrir os crimes de Stalin.
Nesta mesma semana Medvedev voltou a protestar durante uma entrevista na televisão pelo fato de que "os países da Europa literalmente puseram em um mesmo nível e tornaram a Alemanha fascista e a União Soviética, na mesma medida, responsáveis pela Segunda Guerra Mundial". "Mas isso é simplesmente uma cínica mentira", ressaltou. Para Medvedev, trata-se de determinar "quem começou a guerra, quem matava e quem salvava gente, milhões de vidas, quem em última instância salvou a Europa".
A Rússia não entende que não se trata de justificar Hitler. Na Alemanha, a ideologia nazista foi condenada e proibida e se pediu perdão pelos crimes cometidos. Na Rússia, a ideologia stalinista não foi condenada nem proibida pelo regime Putin-Medvedev - mais ainda, alguns veem hoje um ressurgimento de Stalin - e os governantes russos não gostam de admitir os numerosos crimes que foram cometidos nessa época, incluindo os milhões de soviéticos que morreram.
Se é difícil pedir perdão pelo que Stalin fez a seu próprio povo, mais ainda é falar do que ele fez a outros: a invasão da Polônia - incluindo o negro episódio do massacre de Katyn (a execução de 20 mil soldados poloneses que tinham caído prisioneiros do exército soviético) - e a deportação para a Sibéria de milhares de habitantes dos países bálticos.
Segundo o especialista Shubin, o problema está "na mudança produzida na opinião pública como resposta ao anticomunismo primitivo" da época de Boris Ieltsin. Essa reação foi multiplicada graças à nova exaltação do Estado, e o resultado foi que se tornaram muito populares as idéias obscurantistas que o regime de Stalin divulgava. Por isso alguns temem que em breve a figura do ditador esteja definitivamente reabilitada.

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