quinta-feira, 16 de dezembro de 2010

Quem tem boca vai a...

Por Murillo Victorazzo

Quem quer que seja, o governador do Rio de Janeiro terá sempre forte visibilidade nacional. Sendo bem avaliado, o destaque será então naturalmente ainda maior. Reeleito este ano com 66% dos votos válidos ainda no primeiro turno, Sérgio Cabral é um destes casos. Seu nome, porém, não ganhou as páginas dos jornais apenas por acertos de seu governo. O Brasil inteiro, nos últimos anos, conheceu uma outra faceta sua: a de um político que se envolve em polêmicas por, muitas vezes, não conseguir segurar sua língua nervosa.

Cabral tem tido seus passos seguidos de perto pelo PMDB, já de olho nas eleições de 2014. Os caciques da sigla o têm como uma de suas principais cartas na manga para projetos de poder futuro. Merecidamente, seu nome se impôs no tabuleiro da política nacional. Em um estado marcado por décadas de desgoverno, mostrou, pelo menos, que havia alguém no Palácio Guanabara estabelecendo direções.

Ainda que enfrentando denúncias de corrupção na área de saúde, de fisiologismo na relação com a Alerj, além de amizades e alianças suspeitas, Cabral tem marcas para mostrar. As UPAs, a conquista do investment grade para o estado, após sanear as finanças fluminenses, e, principalmente, sua política de segurança, com destaque para a implantação das UPPs, são as vitrines de seu governo responsáveis pela fácil e compreensível reeleição.

Com a garantia de mais quatro anos no poder estadual, Cabral conseguiu, em novembro, reverter um quadro desfavorável - que poderia queimar boa parte de seu prestígio - justamente na área mais elogiada de sua gestão: a segurança pública. As perigosas sequências de arrastões pela capital do estado e, posteriormente, de incêndios a ônibus e carros ordenados por traficantes foram a deixa, a gota d´água, para que ele e seu secretário José Mariano Beltrame, em resposta, precipitassem e alterassem suas estratégias na área.

A ocupação e libertação da Vila Cruzeiro e do Complexo do Alemão, principal bunker do tráfico de drogas no estado, através de uma bem sucedida parceria com as Forças Armadas, resgatou o otimismo dos fluminenses. Acontecimentos que, de início, poderiam fazê-lo perder popularidade - em especial, entre a classe média e alta - acabaram, no final, por  fortalecer a sensação de que o governo está no caminho certo. Basta andar pelas ruas do Rio para sentir o alto prestígio seu e de seu secretário.

Mas, talvez inebriado por essa lua de mel com o eleitorado, Cabral, nos últimos dias, deixou aflorar um lado seu que não combina muito com o perfil de um político experiente: a verborragia. Na ânsia de defender a legalização do aborto e dos jogos de azar, apelou para frases simplórias de efeito que, para muitos, não condizem com seu cargo.

Ao perguntar quem nunca "teve uma namoradinha que teve que abortar" e afirmar ser "demagogia" proibir jogos de azar no país, Cabral levantou contra si setores mais conservadores da sociedade. E até alguns dos que concordam com suas posições discordaram da maneira como elas foram expressadas e do reducionismo explícito de suas falas. Em um momento favorável a seu nome, ficou sob críticas após muitos meses de elogios.

Alguns podem dizer que sua sagacidade foi demonstrada pelo momento em que as declarações foram dadas. Ele não se exporia assim antes de 3 de outubro, diriam estes. Faz sentido. Cabral, provavelmente, não correria mesmo o risco de perder os votos destes setores, que sempre rejeitaram políticos como Fernando Gabeira, seu principal adversário no pleito passado. Mas a lembrança do vídeo no qual ele, político experiente, perde a compostura diante de um inocente garoto de 17 anos, a ponto de xingá-lo de "otário" e 'sacana", nos leva a crer que pensar bem antes de falar não está entre suas virtudes.

À mesma conclusão chegamos ao recordar o episódio no qual, em 2008, chamou de "vagabundos" e "safados" os médicos que faltaram a plantões no Hospital Getúlio Vargas. Ou, recentemente, quando, por precipitação, queimou o nome de seu secretário da Saúde, Sérgio Côrtes, na formação do ministério da presidente eleita, Dilma Rousseff. Ao anunciar o nome de Côrtes como próximo ministro da Saúde antes da confirmação pública de Dilma e sem conversar com seu partido, acabou rifando-o.

Destemperos verbais já causaram graves estragos a políticos promissores. O brigadeiro Eduardo Gomes morreu arrependido de ter dito, na campanha presidencial de 1945, que não precisava dos votos dos "marmiteiros". Em 2002, Ciro Gomes viu sua candidatura a Presidência em 2002 ir pelo ralo em muito por suas frases grosseiras e inoportunas.

Amigo de Cabral, o mesmo Ciro se vê agora em meio ao constrangimento de, caso aceite voltar a ser ministro, ter como chefe, na vice-presidência, Michel Temer. Na pré-campanha eleitoral deste ano, Ciro chamou Temer de "chefe da quadrilha" do PMDB, partido que seria um "ajuntamento de assaltantes".

O histórico do amigo deveria servir de exemplo ao governador, político em ascensão. Afinal, diz o ditado que quem tem boca vai a Roma. E, na política nacional, Roma tende a ser Brasília, mas pode acabar sendo também algum indesejado purgatório eleitoral, seja lá onde este for.

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