terça-feira, 15 de maio de 2012

A convocação de Gurgel e os limites da politização

Por Murillo Victorazzo

A convocação ou não do procurador-geral da República, Roberto Gurgel, tornou-se a principal polêmica das primeiras semanas da CPI do Caso Cachoeira. Deveria ele esclarecer por que não pediu abertura de processo contra o senador Demóstenes Torres (sem partido-GO) em 2009, quando a Operação Vegas já teria indícios de seu envolvimento com o contraventor Carlinhos Cachoeira? Sem entrar na conveniência jurídica do pedido, já que Gurgel alega estar impedido de ir à comissão por ser autor da ação contra o senador, o que se viu foi uma excessiva politização - ou partidarização -do caso. E foram vários seus autores: o partido governista, a oposição, a procuradoria e setores da imprensa.

Não dá para negar que colocar sob suspeição o procurador que irá sustentar  o processo do mensalão é de interesse de pessoas ligadas aos réus. Seria ingenuidade achar que não seria útil para setores do PT ofuscar Gurgel, colocando-o na berlinda no momento em que o julgamento no STF se aproxima. Mas, se já não é o ideal, embora comum, um político politizar questões como esta, pior é o procurador-geral segue o mesmo caminho.

Em vez de se defender usando razões ponderadas e técnicas, Gurgel preferiu partir para o ataque usando o argumento de que mensaleiros estariam com medo de sua atuação no julgamento. Calados até então, os líderes oposicionistas aproveitaram o gancho e repetiram em tribunas e entrevistas sua versão. O PT quer mudar o foco da CPI para pressionar procuradores e ministros do STF, acusou o senador Álvaro Dias (PR), líder do PSDB no Senado.

Muito provavelmente Dias tem alguma razão. Mas restringir o imbróglio a este embate significa erro de escopo similar. É demasiadamente simplório limitar aos interesses petistas a pressão por esclarecimentos mais detalhados. Basta ler o posicionamento de oposicionistas integrantes da CPI. Mesmo que tenham evitado pedir explicitamente a convocação de Gurgel, alguns deles também vieram à público criticá-lo por somente agora, após a Operação Monte Carlo, ir ao STF contra o senador goiano.

Semana passada, por exemplo, o senador Randolfe Rodrigues (PSOL-AP) e o deputado Ônyx Lorenzoni (DEM_RS), dois ácidos opositores do governo, saíram do depoimento de um dos delegados da Polícia Federal responsáveis pela operação disparando contra o procurador. "Ele tinha uma bomba atômica no colo e nada fez", atacou o deputado. Ex- delegado da PF, o deputado Fernando Francischini (PSDB-PR) foi ainda mais incisivo: "Não sou mensaleiro, mas sou daqueles que acham que o procurador-geral da República deve explicações à CPI e à população"

Tais declarações demonstram que, mesmo que petistas tenham ardilosamente forçado a barra ou que não seja recomendável institucionalmente a convocação de Gurgel, o estranhamento diante de sua atitude três anos atrás é amplamente justificável. As versões conflituosas envolvendo a subprocuradora Cláudia Sampaio, mulher de Gurgel, e a PF, com desmentidos de lado a lado, é um ingrediente a mais na certeza de que alguém está mentindo. E, se houve necessidade de mentir, é porque fatos obscuros envolvem o caso.

Igualmente incômoda foi a postura de alguns colunistas e editoriais de grandes jornais do país diante da polêmica. Correram logo para avalizar a resposta de Gurgel, preferindo, do mesmo modo, superficializar o ocorrido. Restringiram tudo a mais um "ataque do PT às instituições", sem levar em conta o dito pelos demais e as nuances da situação. Preferiram olhar somente por um ângulo a questão. Cometeram, sabe-se la por qual motivo, o mesmo erro criticado por eles: a politização.

É muito instigante tentar entender por que estes jornalistas, tão ciosos e desconfiados de versões oficiais - como manda, aliás, o bom jornalismo -, não hesitaram em assinar embaixo da declaração do procurador-geral. E imaginar o que diriam se o investigado fosse da base governista. Certamente afirmariam ser proteção a um parlamentar aliado do presidente que o nomeou. Este foi o discurso quando o mesmo disse não ver motivos para abertura de inquérito contra o então ministro Antonio Palocci ano passado.

Governo e oposição jogarão luz nesta penumbra sob a ótica de seus interesses. É do jogo. Mas o principal é que há um fato, por si só delicado, que precisa ser investigado, seja Gurgel respondendo por escrito as perguntas dos parlamentares, seja indo pessoalmente à comissão ou qualquer outra forma claramente visível para a opinião pública.

Se, com Gurgel na berlinda, o PT deseja colocar uma nuvem escura no julgamento do mensalão, a oposição, legitimamente, aproveita a polêmica para reforçá-lo na memória da opinião pública. É o seu papel. Vindo do governo e da oposição, não surpreende a politização e a simplificação do caso. Mas vindo de Gurgel e de setores da imprensa, sim.




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