terça-feira, 1 de maio de 2012

Marine Le Pen: preocupante mas não tão surpreendente

Por Murillo Victorazzo

Os principais jornais brasileiros destacaram a expressiva votação de Marine Le Pen, a candidata xenófoba e nacionalista da extrema-direitista Força Nacional (FN), no primeiro turno das eleições presidenciais francesas, no último dia 22.  Consideraram os seus 18% de votos a grande surpresa do pleito e a última esperança de Nicolas Sarkozy (UMP) conseguir virar o quadro desfavorável e obter a reeleição. Ao ficar quase dois pontos percentuais atrás do socialista François Hollande, Sarkosy tornou-se o primeiro presidente da V República a não vencer o primeiro turno na busca por um segundo mandato.

Contudo, embora histórica,  a votação de Le Pen não deve ser vista como um fenômeno tão inesperado. Durante toda a campanha, as pesquisas sempre evidenciaram uma faixa entre 15% e 18% do eleitorado simpática a sua candidatura. Os dois pontos percentuais a mais podem ser depositados na conta dos indecisos e de uma abstenção menor do que a esperada. Temia-se que cerca de 30% dos franceses não fossem às urnas, mas a taxa foi de perto de 20%, número muito proximo do colhido cinco anos atrás.

O terceiro lugar para a FN era a tendência natural, ainda que Jean-Luc Mélenchon, da Frente de Esquerda, tenha, em certos momentos, aproximado-se dela. Inesperada teria sido a ultrapassagem na reta final de um candidato que até o ínicio da campanha longe estava da casa dos dois dígitos de intenções de votos. Mélenchon decepcionou no final ao conquistar apenas 11% do eleitorado, quatro pontos menos do que a média das sondagens indicavam nas últimas semanas. Mesmo assim, saiu maior do que entrou. E, embora menos crucial para a definição do segundo turno do que Le Pen, tornou-se, de certa forma, a grande novidade maior das eleições francesas.

Não se trata de minimizar o feito de Le Pen. Ela conseguiu solidificar a extrema-direita no jogo político e  colocou definitivamente a imigração no centro do debate político francês. É, de fato, agora, um nome pelo qual passará todos os debates sobre o futuro do país. Quem quer que seja o próximo presidente, terá que lidar com ela, seja cedendo a suas reivindicações ou a enfrentando. Porém, embora com mais suavidade e classe, Le Pen apenas deu prosseguimento ao trabalho iniciado por seu pai, Jean-Marie .

Em 2002, mesmo com votação menor do que a da filha (cerca de 16%), Jean Marie assustara os europeus ao ultrapassar os socialistas e disputar o segundo turno com o então presidente Jacques Chirac. Sua performance mostrava, portanto, que o nacionalismo-populista de direita, eurocético e xenófobo, já circundava a nação-mãe do Iluminismo, dos direitos humanos e (ao lado da Alemanha) da União Europeia. Era de se esperar que, diante da gigantesca crise econômica por que passa a região, o discurso dos Le Pen ecoasse em número ainda maior de ouvidos.

Não é de hoje que a primeira vítima da recessão é o cosmopolitismo e o liberalismo. A História nos mostra que dinheiro e trabalho escassos são combustíveis para o extremismo e o protecionismo. Com suas teorias simplórias e populistas, o radicalismo fala justamente o que os desiludidos e desempregados querem ouvir.  No desespero, apontar um culpado faz bem, e, quando este é um diferente - ou um "intruso" -, a catarse é ainda maior.  A tudo isso se soma o clima de insegurança, que, catalisado a partir dos atentados em Montpellier mês passado, se reflete na crescente islamofobia.

Outro bom sinal da radicalização do eleitorado francês é a trajetória inversa do candidato centrista François Bayrou (MoDem) perante os radicais Le Pen e Mélenchon. Enquanto os dois somaram cerca de 30% de votos, Bayrou, após atingir quase 20% nas eleições de 2007, obteve apenas 9%. Os dois extremos do espectro político têm em comum o discurso fortemente crítico sobre a União Europeia. Não poderia haver sinal mais claro do que quase um terço do eleitorado francês pensa sobre o bloco regional.

Diante deste cenário, Sarkozy, que já há algum tempo flerta com teses anti-imigratórias, caminhará ainda mais para direita. Seus primeiros discursos após o primeiro turno já indicam esta inflexão, aparentemente sua única opção para impedir que os socialistas voltem ao Palácio do Eliseu 17 anos depois. A estratégia, porém, além de lamentável ideologicamente, é arriscada.

Para virar o jogo, Sarkozy, segundo especialistas franceses, terá que avançar simultanemante sobre dois campos: ter no mínimo cerca  de 80% dos eleitores de Le Pen, e ao menos 60% dos votos que recebeu Bayrou. É uma situação paradoxal, pois, se para seduzir os lepenistas, ele tem que manter a guinada à direita, esta movimentação provavelmente o fará perder eleitores centristas. Além disso, necessitará que uma pequena parcela dos eleitores de Mélenchon não vote em Hollande, hipótese ainda menos provável diante de tal guinada. Sua campanha permanecerá no fio da navalha até o último voto depositado.

Faltam menos de uma semana para o turno decisivo. Hollande é o favorito, segundo as pesquisas, que lhe dão entre seis e oito pontos de vantagem. Mas eleição só se ganha após a apuração. Por hora, a única certeza é que, embora tenha se tornado crucial para o resultado final, o fortalecimento de Le Pen não tem nada de inimaginável.




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