terça-feira, 25 de março de 2014

A política externa do regime militar

Por Matias Spektor (Folha de S.Paulo, 25/03/2014)

O golpe ocorreu em meio à mais intensa mudança de posição do Brasil no sistema internacional.
Entre 1955 e 1960, o Produto Interno Bruto cresceu 8,1% ao ano. Entre 1964 e 1971, os industrializados passaram de 5% para 31% da pauta de exportações, enquanto o café caiu de 55% para 13%.

O país deixou de ser uma economia rural para virar uma sociedade urbana. Pela primeira vez, o Brasil entrou para a categoria de país emergente. "Como um gigante adormecido, o Brasil está acordando para um período de expansão quase sem precedente", afirmava "The Times" de Londres. "Poderemos vê-lo se tornar o Japão do Terceiro Mundo."

Na política externa, o regime militar patrocinou a luta anticomunista. Colaborou com uma intervenção na República Dominicana e restaurou laços com o Fundo Monetário Internacional. Operou em países como Argentina, Bolívia, Chile e Uruguai. Juracy Magalhães, embaixador do regime em Washington, proferiu a frase: “O que é bom para os Estados Unidos é bom para o Brasil”.

O regime contou para isso com o apoio dos Estados Unidos. Quando a repressão apertou, o embaixador americano no Brasil, William M. Rountree, e seu adido militar, o coronel Arthur Moura, alentaram a atividade nos porões.

No entanto, com o tempo, os Estados Unidos se tornaram um problema para os militares brasileiros.
O poder econômico norte-americano, que num primeiro momento se beneficiara de acesso privilegiado à Esplanada dos Ministérios, passou a se ressentir da política industrial protecionista.

Em temas diplomáticos, a relação também esfriou. Os militares brasileiros no comando acreditaram estar recebendo tratamento de segunda classe: os investimentos eram menores do que o esperado, as condições, árduas, e a atitude da Casa Branca, imperial. E o regime não estava disposto a coordenar com os americanos cada passo de sua própria Guerra Fria na América do Sul.

Esses problemas se exacerbaram quando o Congresso dos Estados Unidos começou a denunciar o uso de tortura. E tudo desandou a partir de 1976, quando o candidato presidencial Jimmy Carter afirmou que o apoio norte-americano ao Brasil ditatorial “é um exemplo da pior faceta de nossa política externa... Um gratuito tapa no rosto [do povo] americano.”

Nos governos dos generais Médici e Geisel, as relações entre Brasil e Estados Unidos, ao invés de melhorar, pioraram, chegando a seu ponto mais baixo. Os Estados Unidos deixaram de ser a principal fonte de apoio externo à ditadura para transformar-se em ameaça. O regime respondeu cerrando fileiras.

Quando Carter veio ao Brasil para pressionar o governo por mais abertura política, os generais receberam apoio de lideranças de oposição, como Ulysses Guimarães, sindicatos, imprensa e parte da oposição, que denunciaram a prepotência norte-americana.

Na política externa, o regime acelerou a diversificação de países consumidores, provedores e investidores –-uma alavanca contra o magnetismo da economia norte-americana.

Os militares também patrocinaram coalizões com outros países em desenvolvimento e assumiram liderança no chamado embate Norte-Sul. O regime se afastou de Israel no Oriente Médio para se acercar dos árabes. Aproximou-se dos novos países independentes da África, mesmo aqueles que eram marxistas e recebiam apoio econômico e militar de Cuba.

A ditadura abriu embaixadas em regiões que antes ignorava e suas empresas estatais passaram a fazer investimentos fora do país. O Banco do Brasil abriu as primeiras agências na América do Sul, ao passo que a Petrobras foi para a África.

O regime também patrocinou um ambicioso programa nuclear. Ao lançá-lo, o general Costa e Silva, então presidente da República, afirmou: “Nada nos impede de fazer pesquisa e mesmo artefatos que posam explodir. Não vamos chamar de bomba, mas de artefato que pode explodir”.

Depois de gastar uma fortuna na tentativa de criar um parque industrial nuclear com tecnologia da Alemanha, o regime levou parte de suas atividades para a clandestinidade. Comprou peças no mercado negro, urânio altamente enriquecido da China e desenhou um míssil balístico.

No processo, adquiriu capacidade para enriquecer urânio. O custo foi o isolamento --em temas de não-proliferação, o país passou a ser visto como pária. Em vez de aumentar a capacidade nacional de barganha, o regime militar debilitou-a. Entre 1973 e 1979, a dívida externa do país quadruplicou, passando de US$ 12 bilhões para quase US$ 50 bilhões.

O país ainda sofreu sanções comerciais e seus representantes passaram a ter de suplicar ajuda a instituições financeiras internacionais. Os ministros da Fazenda da época tiveram de se acostumar à sala de espera do Secretário do Tesouro dos Estados Unidos.

O Brasil da ditadura ficou mais rico, sem dúvida alguma. Contudo, ao sair do poder, os militares deixaram o país numa posição internacional mais fraca, dependente e injusta do que era possível imaginar em 1964.

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