terça-feira, 29 de abril de 2014

A conta chegou

Por Murillo Victorazzo

Ao ser lançada candidata à  Presidência, em 2010, Dilma Rousseff  era conhecida como a "gerentona" sisuda do presidente Lula. Notinhas sobre seus ataques de prepotência, seu estilo centralizador e o pouco jogo de cintura para lidar com parlamentares já colocavam em dúvida sua aptidão para ser a chefe de Estado e de governo, cargo no qual saber ouvir, debater e "engolir sapos" são imprescindíveis. Sua competência como gestora, afirmavam os aliados, compensaria.

Logo em seu primeiro ano de governo, Dilma começou a se atritar com sua base. Em nome da falácia da "faxina ética" no ministério, plantou as sementes da discórdia. Embora fosse difícil de engolir que alguém que fora ungida por aqueles partidos estivesse disposta a romper com seus padrões pouco confiáveis, pelo menos, como estratégia de popularidade, a tática poderia funcionar. 

Em um cenário amplamente favorável à presidente, bem avaliada nas pesquisas, com a economia estabilizada, aqueles parlamentares, pragmáticos como sempre, fizeram um breve jogo de cena de rebelião, mas não criaram grandes problemas. Quem tinha que digerir o sapo eram eles. Alguns não demoraram para recuperar seus butins, mas a animosidade não cessou.

O tempo passou, os fundamentos econômicos patinaram, junho de 2013 explodiu e, assim, o panorama se transformou totalmente. Os atrasos nas obras para a Copa do Mundo e do PAC, a polêmica envolvendo a compra da refinaria de Pasadena pela Petrobrás se juntaram às trapalhadas  no setor elétrico e na economia.

Aliada ao baixo crescimento do PIB, veio a sensação (real) de perda de poder aquisitivo -  ainda que bem longe da vivida na era pré-Real, como algumas análises e manchetes parecem querer assustar. A pressão inflacionária fará com que Dilma termine seu governo com juros maiores do que os praticados ao iniciá-lo. O oposto do garantido em campanha.

Visões de mundo, escolas econômicas, são teses. Dependendo de quem vê, a interpretação do fato muda. Mas gestão, não. É critério objetivo. Mais que eventuais "vícios estatistas", como defendem economistas liberais-ortodoxos,  a perda de credibilidade da política econômica é fruto de voluntarismo, remendos, maquiagens, zigue-zagues, em sua aplicação. Em outras palavras, pouca capacidade de gerir.

A demissão do ministro da Fazenda poderia até revigorar as expectativas se não fosse um fundamental detalhe: economista de formação, é Dilma quem lidera a formulação dessa política. Guido Mantega é apenas o (fraco) operador. E a formula bem ao seu estilo: "Ela tem certeza que é a melhor economista do país", disse em off ironicamente um integrante do governo ao "Globo". 

O mito da "boa gerentona" definitivamente caiu. Sua popularidade caminha  junto. Paralelamente e em consequência, como previsto, as pressões políticas aumentam. PSB já debandou para uma candidatura própria. PMDB, PR e PP paralisam o Congresso para expor suas insatisfações  represadas há três anos - algumas lícitas, outras tantas longe disso. Com a Rainha enfraquecida, é mais fácil para a Corte colocá-la no córner e tirar dela tudo que deseja. Ainda mais quando não é querida. Liderança não se impõe, se conquista.

Segundo informa o jornalista Valdo Cruz em sua coluna de segunda-feira na "Folha de São Paulo", durante recente reunião do Conselho de Desenvolvimento Econômico e Social, que reúne governo, empresários e sindicalistas, o presidente da Central Geral dos Trabalhadores do Brasil, Ubiraci Oliveira, disparou críticas ao governo, na presença de Dilma, em pleno Palácio do Planalto. Algo inusitado.

O convidado - ainda mais um sindicalista que apoiou a chapa petista em 2010 - repreender o anfitrião é, por si só, sintomático. Piora quando, como conta o jornalista, "na plateia, ministros e assessores faziam, protegidos dos olhares da chefe, gestos de concordância. Teve quem sorrisse de satisfação. Talvez nem tanto pelo conteúdo, mas pela coragem do convidado". 

Ao final, segue a nota de Cruz, "Ubiraci foi efusivamente cumprimentado por colegas do Conselhão. Um empresário disse: ´Mandou bem`. O sindicalista lavou a alma de muito assessor que já não aguenta mais as descomposturas da chefe e de empresários que se cansaram do jeito sabe tudo de Dilma. O estilo irascível da petista só joga contra ela própria. Leva ao isolamento - tem ministro que hoje prefere evitar o Planalto - e sufoca a criatividade de sua equipe. Algo que não combina nem um pouco com a boa governança".

Debates ideológicos são necessários e inerentes à disputa política. Mas, ao contrário do que pensam os mais dogmáticos, eles não explicam tudo. Aliás, muitas vezes, turvam as análises. Seja à direita ou à esquerda, as características pessoais do governante têm peso considerável no sucesso ou não de seu governo. 

Vendeu-se uma Dilma que não existia em parte. Para o azar do país, a parte inexistente era a boa. Os defeitos se confirmaram. Bastou o céu nublar para a conta de seus atributos chegar. Se não fosse a oposição ter também inúmeros calcanhares de Aquiles no quesito ética e uma impressionante incapacidade de falar com o povo, afora os contrapontos de ativos no campo social que os três mandatos petistas reuniram, o temporal seria inevitável em outubro.

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