quinta-feira, 17 de julho de 2014

Apesar da CBF, uma Copa para se orgulhar de ser brasileiro

Por Murillo Victorazzo

O sonho de menino de assistir a uma Copa em seu país terminou. Terminou porque se tornou realidade. Uma realidade que de tão boa e esperada parece ter durado somente um final de semana, não um mês. É sempre assim. Aquele gostinho de quero mais; a sensação de que poderia tê-la aproveitado com ainda mais intensidade permanecerá para o resto da vida, assim como as inúmeras imagens, histórias, polêmicas que a festa propiciou.

A festa começou com o receio de retumbante fracasso, para nós, anfitriões, fora dos gramados, e alta expectativa de sucesso dentro deles. Trinta dias depois, a constatação seria a oposta. Aeroportos, trânsito e estádios funcionaram normalmente. Erros pontuais aconteceram obviamente, assim como em todas as demais edições. O brasileiro deu show de alegria, receptividade e foi, em toda imprensa internacional e pelos turistas que vieram, eleito o grande vencedor.

Já a Seleção...  Considerada uma das favoritas, fracassou para a História não apenas por não levar o sonhado Hexa. Felipão e seus jogadores estão para sempre marcados como protagonistas do maior vexame visto pelo mundo de uma equipe anfitriã. A maior derrota canarinho. Os humilhantes 7x1 para a Alemanha foram a intragável cereja do bolo mofado e mal preparado nos oferecido em todas as partidas anteriores.

Exceto o primeiro tempo contra a Colômbia, em momento algum se viu ali um time. Muito menos uma seleção pentacampeã mundial que jogava diante de seu povo. O gol contra de Marcelo logo no início do primeiro jogo parece ter sido o anúncio da tragédia.

Aquele que achar que pode explicar em apenas uma frase os motivos do papelão  ou não sabe nada de futebol ou é um tremendo boquirroto. Ou os dois. Eles foram inúmeros, de diversos aspectos: técnico, tático e emocional. Todas entrelaçadas, causa e consequência uma das outras simultaneamente. A decisão do terceiro lugar, contra a Holanda foi emblemática. Mudaram os jogadores, continuaram os mesmo erros.

Ainda haverá quem ache que o jogo de terça foi um lapso, como Felipão e Parreira. Ou que foi "vendido", como alguns debiloides que difundem pela internet  atualizações de teorias da conspiração passadas. A certeza é que, mesmo com a ressalva de que a atual safra de jogadores está inegavelmente abaixo das de outras épocas, talvez esta tenha sido a Seleção Brasileira mais mal treinada em Copa do Mundo que se tenha visto.

Em menos de um mês, Felipão e CBF conseguiram queimar 100 anos de prestígio da camisa mais vitoriosa, admirada e até então temida do futebol mundial. E pior: justamente em casa. Tão pavoroso quanto seu trabalho na competição, foi a cegueira, a incapacidade e o cinismo do treinador na tentativa de se defender e explicar o fracasso da seleção dona da casa. A coletiva após a derrota para os holandeses foi de causar náusea.

Afora nossa desgraça, a Copa foi um sucesso também dentro das quatro linhas. Alta média de gols, show de inúmeros goleiros, revelações como James Rodrigues, partidas bem jogadas, dramáticas, resultados inesperados, superações. Como não se emocionar com Argélia e Costa Rica, por exemplo?

Um jornalista estrangeiro disse que os jogadores, enfeitiçados pela alegria, gentileza e paixão pelo futebol bem jogado do brasileiro, só poderiam, em retribuição, nos proporcionar partidas assim. Se recordarmos que a Copa de 90, na Itália, país que preza a defesa em detrimento do ataque, foi a pior em qualidade e números de gol, não soa exagero a declaração. A cruel ironia é exatamente o nosso time ter destoado...

Nenhuma seleção mereceu mais este título do que a Alemanha. Por sua atitude dentro e fora de campo. Show de tática, talento e simpatia, respeitando os anfitriões, por parte do time e dos torcedores. Se pensado como marketing ou espontâneo, não importa. A vontade dos alemães de interagir com os brasileiros, conhecê-los e retribuir a afável  hospedagem foi outra marca desta Copa.

O Itamaraty e a diplomacia alemã não fariam melhor trabalho de venda de imagem, de soft power, do que o feito por nós, brasileiros, nesta Copa fora de campo e o feito pela seleção campeã dentro e fora das quatro linhas. E de estreitamento na relação entre os dois. Admiração, empatia e respeito mútuos, querendo ou não, apesar de tudo, entre as duas camisas mais importantes do futebol. Não por coincidências as únicas a vencerem no continente da outra.

Outro legado intangível, provavelmente anotado pelo Itamaraty, foi a integração sul-americana.  Brasileiros e vizinhos se relacionaram de modo nunca visto. Parecia que começavam a se conhecer depois de tantos anos, apesar de tão próximos. O termo "hermanos" finalmente fez sentido, exceto quando se tratava de alguns argentinos. Neste caso, quando o assunto é futebol, a tarefa de aproximação é hercúlea. Depois das músicas provocativas por parte deles e da torcida canarinho pelos alemães na final provavelmente, sem falar das brigas, é ainda mais.

Infelizmente, porém, alguns preferiram realçar a derrota no campo e esquecer o sucesso fora dele para destilar velhos estereótipos a cerca do brasileiro. Em sua coluna no Globo, Ancelmo Góis foi direto:

"Estava escrito nas estrelas que a fragorosa derrota para a Alemanha iria reacender o ânimo dos portadores do complexo de vira-latas, aqueles que acham o Brasil um país chinfrim e invejam os países dos outros, notadamente os EUA e Europa. Para eles, a vitória alemã é o triunfo da organização, da competência, da seriedade, da disciplina sobre a malandragem, preguiça e bagunça do outro. Se esse raciocínio fosse aceitável, Inglaterra e Espanha, para citar países que não passaram pela primeira fase, seriam indolentes. Ao contrário de Colômbia, Costa Rica e Argélia. A própria Alemanha contava 24 anos que não vencia uma Copa. É um jogo."

Como esses brasileiros, certos que a organização da Copa seria a concretização de seus complexos, viram-se sem discurso, apelaram para outra  área cujo passado logo lhes desdiz. Cinco vezes vencemos com talento, planejamento e trabalho, em proporções diferentes, dependendo da época. Desta vez, nenhum destes fatores houve em qualidade suficiente para honrar a mais mística das seleções.

O futebol brasileiro precisa ser reformulado. O fracasso em 2006 e 2010 sinaliza para esta necessidade. Dormimos em berço esplêndido, lastreados pela supremacia de anos anteriores, reconhecida pelo mundo inteiro. Mas invocar, neste momento, estigmas preconceituosos contra o próprio país é problema de caráter. Ou profunda ignorância.

Em seu último comentário no SporTV, após a final, o ex-zagueiro da Seleção Ricardo Rocha não resistiu e chorou, orgulhoso pelo que fizemos como povo, organização, e revoltado com o papelão de nossos jogadores e comissão técnica. Aquele choro resumiu meu estado de espírito no fim da tão esperada e agora inesquecível festa.

Sempre me lembrarei do belga que, conversando comigo, na praia de Copacabana, interrompeu-me para dizer, não rindo como se fosse jogar palavras ao vento, mas sereno e em tom de reverência, com um olhar que passava sinceridade e respeito: "I love your country, my friend". Eu, com o coração explodindo de satisfação, só consegui responder: "Thank you. Me too".

Apesar do Felipão, de vários dos 23 jogadores e da CBF, tudo que vi e ouvi nestes últimos 30 dias me deixou ainda mais orgulhoso de ser brasileiro. Podem me chamar de piegas, mas eu sou assim. E isto não tem nada a ver com ufanismo. É apenas saber reconhecer nossos problemas, mas enaltecer nossas virtudes, nossos acertos. Quem procurar amar só a perfeição nunca amará, pois ela não existe...

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