quinta-feira, 14 de julho de 2016

Messi X CR7: a mais tola disputa do mundo

Por Murillo Victorazzo

Sabe-se lá por que, o ser humano, não sei se desde sempre, mas certamente nos últimos tempos, a péssima mania de separar em dois lados incomunicáveis, de forma maniqueísta, tudo que envolve gostos, preferências, visões de mundo. 

Quando o alvo é alguém com personalidade, digamos, polêmica, as divisões se acentuam ainda mais, muitas vezes misturando o modo de ser com suas realizações. Os defeitos são realçados, enquanto as virtudes são minimizadas, quando não negadas. Ou o contrário. Se há outro para contrapô-lo, um elogio a este é visto como crítica a ele.

O futebol, passional por natureza, não teria como escapar, como visto na míope discussão sobre quem é o melhor jogador do mundo.

Marrento, antipático, narcisista, midiático, "fominha". Todos esses adjetivos sempre perseguiram Cristiano Ronaldo com eficácia maior do que o melhor dos zagueiros conseguiria. E, admitamos, motivos não faltaram para tachá-lo assim em algum momento. Seu modo de ser, solenemente ignorado pelos seus fãs mais passionais, serve para seus detratores diminuírem sua coleção de títulos em clubes e seu raro talento, que aliado à invejável força física, tornou-o diferenciado.

Ao passar, muitas vezes, a imagem de se considerar o Pelé do século XXI, Ronaldo causava o efeito oposto entre seus detratores: joga nada, é puro marketing. Sacrilégio de ambos. Falta de discernimento típica desses dias em que as pessoas parecem ver tudo através de uma televisão preta e branca, sem nuances.

Nesse mundo binário, o outro lado, o vilão ou bandido, se chama Lionel Messi. Sem personalidade, "modinha", favorecido por jogar num timaço com o Barcelona, e agora, após perder pênalti em mais uma final desperdiçada com a seleção argentina, "amarelão". Assim os "ronaldetes" rotulam um dos maiores gênios que o futebol nos deu. Elogios para recordes, dribles, golaços, jogadas de plasticidade incomum? Nenhum, nunca.

Para o azar do argentino,  ao conquistar a Eurocopa, Ronaldo conseguiu, além de uma façanha inédita para seu país, diferenciar-se do "rival" em termos de desempenho com a camisa de seu país. Pronto, prato feito para a velha ladainha de distinguir craques em função de títulos com seleções, critério que, se já era pouco consistente até poucas décadas atrás, quando representavam de fato os melhores times do mundo, hoje me dia, com os clubes europeus juntando sem a barreira da nacionalidade os maiores talentos possíveis do plante, perde qualquer sentido.

Alguém em sã consciência considera Kleberson e Cafu melhores que Falcão e Leandro? Ou prefere em seu time Burrochaga, OlarticoecheaTrezeguet, Petit, Lucatoni, Gattuso, Völler no lugar de Zizinho, Cruyff, Zico, Sócrates, Di Stéfano, Puskas, por exemplo?  

Duvidariam que Barcelona, Real Madrid, Chelsea, PSG, Bayern são superiores a grande parte das seleções, talvez a todas? Que a Champions League tem nível igual ou superior a Copas do Mundo e Eurocopas? Sem falar da imprevisibilidade de um torneio de sete jogos, sendo quatro eliminatórios sem jogo de volta, a cada quatro anos.

Rejeitar esse argumento não é afirmar que Ronaldo não é o maior dos últimos tempos. É inegável, aliás, que ele esteja à frente do argentino na disputa pela Bola de Ouro de 2016. Mas o título da Eurocopa e a ausência de conquistas argentinas em duas décadas pouco deve servir como parâmetro para, no futuro, nos virarmos e concluirmos qual foi  melhor - se é que temos que escolher. 

Prefira o madrilista ou o barcelonista, as razões para escolha devem ser seus gols, jogadas, passes, estilo, importância para suas equipes, e títulos, é claro, mas como um todo, durante toda carreira e sem fracassos em seleções como divisor de águas. Assim como a Eurocopa não faz de Ronaldo melhor do que Messi, um hipotético tetra mundial argentino em 2018 não tornará irrefutável o contrário, caso o "hermano" decida voltar à alviceleste.

Da mesma forma que se Iguaín não tivesse perdido três gols feitos, um em cada jogo, nas três finais que a Argentina disputou recentemente. Possivelmente Messi poderia hoje se gabar de ser campeão do mundo e da América em um espaço de três anos.

 Limitarmo-nos a esse tolo Fla x Flu acaba, além de tudo, por prejudicar o próprio capitão luso, craque de dimensão ainda maior depois do torneio, mas não por ter sido campeão meramente.

Sua determinação e liderança - provada até em vídeo-; o choro comovente na final, ao se ver, contundido, fora da partida;  e o discurso na chegada a Lisboa, no qual dedicou a conquista aos imigrantes, numa indireta ao radicalismo xenófobo em ascensão na Europa, mostraram um CR7 que poucos conheciam. Atitudes que humanizaram uma personagem marcada pelo narcisismo e acusada de egocentrismo. 

Se o torneio não pode sacramentar o reinado de Ronaldo no mundo do futebol, é certo que lhe assegurou espaço definitivo na galeria dos grandes ídolos históricos - os verdadeiros, aqueles que, além de craques, sabem o que representam para torcida e companheiros e fazem por merecer o carinho e admiração de tantos, até de "messiânicos".

Messi continua a ser o melhor para muitos dentro do gramado, inclusive para mim. Mas Ronaldo deu um passo à frente no quesito personalidade. Na balança dos prós e contras, defeitos ficaram merecidamente relegados; falso rótulos, como seu individualismo, esquecidos, virtudes descobertas e talento reafirmado.

Até por nenhuma das escolhas ser absurda, se  podemos nos deliciar vendo dois atletas desse nível, para que gastar tempo vociferando qual o melhor? Aproveitemos o privilégio que o futebol de hoje nos dá.

Nenhum comentário:

Postar um comentário