segunda-feira, 15 de maio de 2017

Candidatura de Lula em 2018 rachará o país em bases odientas, dispara Ciro

Por Fernanda Odilla (BBC Brasil, editado pelo blog)

Potencial candidato à Presidência, o  ex-governador cearense Ciro Gomes (PDT) namora com segmentos à esquerda para tentar se viabilizar como alternativa a Lula. Nada que o impeça de girar sua conhecida metralhadora verbal em direção do ex-presidente, para quem trabalhou como ministro da Integração Nacional no início de seu governo. "Na hora em que for candidato, ele [Lula] racha o país em bases odientas, rancorosas, violentas”, afirma em entrevista à BBC Brasil.  

A declaração, porém, não o impede de defender o petista e a ex-presidente Dilma Rousseff  das acusações decorrentes da Operação Lava Jato: “Só no nosso país, nesse momento fasci-histórico em que estamos vivendo, é que um delator parece ter palavra da lei, palavra definitiva. Isso arrebenta com princípios universais como a presunção de inocência e a garantia da ampla defesa e do contraditório”.

Ciro critica Lula, mas seu alvo preferido é o presidente Michel Temer, a quem se refere como “chefe da quadrilha” e de “um governo de patetas”,  e o ex-presidente da Câmara Eduardo Cunha. Para ele, o petista é o grande responsável pela gigantesca crise que atormenta o país há quase três anos por ter sido quem colocou o peemedebista na linha de sucessão de Dilma e “empoderado esse lado podre do PMDB”.

“Quando circulou a notícia de que seria dada Furnas pra ele, eu fui ao Lula pessoalmente. Abri a biografia do Eduardo Cunha como ladrão, ladrão da Telerj, ladrão da Cedae, ladrão do fundo de pensão da Companhia Habitacional do Rio de Janeiro. E ele me disse categoricamente que estava sendo chantageado e que não daria, e no dia seguinte nomeou”, conta.

Caso Lula seja candidato, defende Ciro, a disputa ficará restrita a uma disputa feroz entre o lulismo e o antilulismo, o que inviabilizaria um ambiente para discutir o futuro. É este engessamento polarizado de idéias que o faria desistir de tentar subir novamente a rampa do Planalto, ao contrário do que dissera anteriormente, quando, segundo ele, no “calor da emoção”, afirmou que “se o Lula for [candidato], melhor ainda”.

“Nesse momento a candidatura dele desserve ao país e desserve a ele próprio”, considera, recusando inclusive uma hipotética vaga na chapa petista: “Não há menor chance. Eu não concordo com a visão dele”.

Ciro é cético quanto à possibilidade de Lula ser condenado em segunda instância antes das eleições de 2018 e, assim, tornar-se inelegível: “Nenhuma chance. Nem seria justo que acontecesse. Pelos tempos processuais brasileiros. Veja que o Lula está acusado em cinco processos e em nenhum deles ele foi julgado em primeira instância ainda. Não é provável. Nesse processo em que ele depôs recentemente, ele tem 86 testemunhas para serem ouvidas. Demora bastante”.

Se ele estiver certo e considerando sua posição em relação à candidatura do petista, cresceria assim as chances de seu nome não estar na urna eletrônica em outubro do ano que vem. Pois tudo indica que, elegível, Lula tentará um terceiro mandato.

Perguntado sobre o juiz Sérgio Moro, Ciro morde e assopra. Coloca-o como um “garoto de boa fé e boa intenção”, mas que sucumbiu “a esse negócio de aplausos demais” um tanto por sua juventude. “Onde o juiz é antagônico, ele já perdeu. O juiz só merece respeito e acatamento se ele for a terceira parte, isenta, obediente à lei, severo na presunção da inocência dos acusados, garantidor da ampla defesa, do contraditório, e justo na hora de afirmar a sentença”.

Na visão de Ciro, o comportamento de Moro acabou por prejudicar o próprio juiz, cada vez mais fragilizado, principalmente após o depoimento de Lula a ele na última terça-feira em Curitiba. Ao “aceitar ser visualizado em capas de revista como antagônico” ao petista,  Moro, argumenta ele, se permitiu ser levado pelo petista para o campo político, onde Lula “reina”.

Mas Ciro não refuta apenas a postura do juiz. Bate forte também no uso constante das prisões provisórias na Lava Jato, que estariam sendo abusadas com o objetivo de forçar o acusado a delatar. “Você manter uma pessoa no cárcere sem trânsito e julgado e oferecer diariamente, ou 'madrugadamente' para fazer uma brincadeira... o meganha acordar você de madrugada na cela e oferecer uma determinada situação se você assinar a delação”, acusa, sem, porém, detalhar onde e como isto tem acontecido.

O tom moderado adotado contra Moro fica para trás quando o assunto é João Dória (PSDB). Para Ciro, o prefeito paulistano é "um farsante perigoso”, que fez fortuna através do “lobby puro e mal dos cofres públicos” dos governos do tucanos em São Paulo e Minas Gerais. “Não tem uma roça, não tem um comércio, nunca produziu um parafuso. Encheu a burra de ganhar dinheiro com lobby”, ataca.

Segundo Ciro, a elite brasileira, desencantada com o PSDB, está “embalando um novo Collor”. Ele acusa Dória de, desde quando era presidente da Embratur, no governo Sarney, alimentar-se  da mesma relação perniciosa entre empresas e governos desmascaradas pela Lava Jato: “É o velho patrimonialismo brasileiro. Na Embratur, ele contratou empresa de eventos. A turma do PSDB adora roubar assim. Aí o PT aprendeu e começou a roubar também. Essas coisas de eventos, cursos de capacitação, pega-se bilhões de reais. Agora vem se apresentar de não-político?”

Em sua terceira tentativa de chegar à Presidência, Ciro terá novamente que enfrentar a fama de destemperado. Não crê, entretanto, que a rejeição a sua candidatura aumente por esta pecha. Defende-se dizendo que é apenas uma pessoa indignada que deseja contar aos brasileiros a perversão do Estado nacional, “montado como mecanismo de transferência de renda de quem trabalha e produz para quem especula”.  

“É uma coisa que se faz para desqualificar o que digo de sangue frio. Os especuladores são dez mil famílias abastadas do país que controlam a grande mídia, que controlam os financiamentos das campanhas, as mediações tradicionais do país”, afirma.

Outra crítica recorrente ao neopedetista é a constante troca de partidos. Em 37 anos de vida pública, como ressalta, passou por sete legendas, o que, para muitos, dificulta sua identificação no espectro político pelo eleitorado. Ele refuta, argumentando que volúveis são os partidos brasileiros, donos de pouca identidade programática. “Só mudo de partido para me manter coerente com minha linha de raciocínio, princípios, minha integridade moral e com meus compromissos ideológicos. Veja uma opinião minha dita há 25 anos e compara com hoje”.

Ciro vai além e afirma que, por esse motivo, falta identidade partidária a todos os políticos brasileiros, inclusive Lula: “Olhe o que o ele dizia, o que pensava e o que o PT representava antes do poder e o que é hoje. Veja o que o PSDB representava, quando nós fundamos o PSDB, e veja o que é hoje. Qual político brasileiro, tirando aqueles que não fizeram seu próprio partido como o Lula, que fez sua própria central sindical, não mudou de partido nos últimos 20 anos? Nenhum. A Marina esteve em três partidos nos últimos três anos”.

"Como não podem me envolver em nenhum escândalo de corrupção nem dizer que não fui um governante eficiente, têm que inventar um estigma qualquer. Fui o mais popular, o melhor aprovado prefeito das capitais ao meu tempo. Quando ministro da Fazenda, administrei a economia brasileira e entreguei com inflação zero, praticamente com pleno emprego", defende-se. 

A resistência a seu nome entre petistas e aliados é grande, reconhece Ciro. Admite que candidaturas radicais à direita, como a do deputado Jair Bolsonaro (PSC-RJ), são melhor digeridas nas hostes da direita moderada do que a sua na esquerda clássica. Mas vê esta barreira como um ponto a seu favor: "Eu sou considerado um comunista para a direita e um direitista para a esquerda. Ou seja, estou na posição correta".

Intitulando-se um "socialista democrático em permanente revisão", vê os conceitos de direita e esquerda mal aplicados e com pouca nitidez no Brasil. Dá como exemplo a economia política dos 13 anos de governo petistas, ao seu ver, "extremamente conservadora", embora "com políticas sociais compensatórias de largo alcance que não estavam previstas no Consenso de Washington ou no Tatcherismo". "No Brasil tem essa peculiaridade, é uma política social compensatória aquilo que qualifica a solidariedade aos mais pobres".

Com posições claras a respeito de aborto e união homoafetiva, Ciro alfineta também a Igreja Católica, "solidária com os pobres, mas extremamente cripto-conservadora em termos de costume". Defende que, em pleno século XXI, todos devem aprender a ser tolerantes e respeitar a diversidade, especialmente um chefe de Estado, que não pode ser candidato a "guru de costumes". "Respeito a sociedade brasileira como ela é, mas ninguém vai contar com minha opinião para estigmatizar seja quem for diferente, seja por qual razão", garante.

"Respeito todas as formas de amor e acho que a mulher tem direito ao respeito a seu próprio corpo. O aborto é uma tragédia humana, social, mas, antes de tudo, é uma tragédia de saúde pública. As ricas fazem [aborto] na hora que querem nas clínicas clandestinas, sem problemas, e as pobres estão morrendo", afirma o pedetista, para quem menos abortos haveria se o Estado "acolhesse, aconselhasse, oferecesse uma adoção, se fizesse a mediação dos traumas familiares que as adolescentes experimentam ao se verem grávidas sem planejar". 

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