quarta-feira, 12 de julho de 2017

Ideologia em excesso turva a indignação ética

Por Murillo Victorazzo

Pela primeira vez na História, um presidente no cargo foi denunciado por corrupção. Pela primeira vez também, um ex-presidente é condenado pelo mesmo crime. Para parte da direita conservadora, que encontrou em Temer o anteparo contra o fantasma Lula, a denúncia é fruto de perseguição política de Janot: ela é "inócua". Para a esquerda petista e aliados, Moro e Dellagnol fazem o mesmo contra seu líder: não há provas, apenas "convicções". Tanto o PGR como o juiz seriam seletivos, conspiradores.

Na imprensa, Andreazza, Fiúza, Azevedo e blogs de direita (Folha Política, Imprensa Viva e outros) de repente alardeiam jacobinismos e lembram que delação não é prova, a mesma gritaria que Carta Maior e blogs de esquerda (Diário do Centro do Mundo, Tijolaço etc) faziam até então em defesa de políticos petistas, ignorando como estes outros indícios, como malas de dinheiro e fita referendada pela Policia Federal em laudo e relatório.

Ressaltam o "protagonismo" de Lula no "Petrolão", esquecendo-se que, por menor que possa ter sido o papel de Temer, é ele quem está no poder agora. Qualquer presidente será sempre o foco e a prioridade em acusações. Quem está com a máquina e o nosso dinheiro é o PMDB. Reclamavam que o cerco ao peemedebista na Câmara levava intencionalmente Lula "aos rodapés dos jornais", fortalecendo seu "projeto de poder" para 2018...

Certamente agora, com a condenação do petista nas manchetes, os seguidores do "protegido" de Janot usarão o mesmo argumento de forma oposta: justamente quando a CCJ debate o afastamento de Temer? "Querem afastar Lula das eleições!", dirão eles, que protestavam contra "a parcialidade da imprensa" na difusão de escândalos tucanos e peemedebistas, mas nunca colocaram em dúvida a honestidade do ex-presidente, o algoz das "elites". Não parece, mas são coisas bem diferentes.

Quando muito, alguns mais ousados soltavam um "Vai comparar um triplex com os milhões dos outros?", indagação cuja resposta merece semelhante comparação entre o protagonismo de Lula frisado pelos direitistas e o papel de destaque presidencial, ainda mais se tratando de um líder popular como Lula. O outro lado da moeda da hipocrisia - ou do fanatismo, obsessão, sabe-se lá.

O séquito dos dois grupos os repetem como papagaios. Até ontem, à esquerda, vibrações nas redes sociais com a fragilidade de Temer. Hoje, calam-se ou se vitimizam, enquanto, à direita, euforia, mas nenhum post raivoso sobre ele ou pressão até agora sobre o Parlamento que votará os destinos de mais um corrupto. Sob o discurso seletivo da ética, expressões como "Tirar Temer é absurdo, ele está fazendo reformas e a inflação caiu" ou "Lula merece respeito, tirou milhões da miséria".

Lula foi condenado e espera agora a segunda instância para saber se irá para cadeia ou poderá ser candidato à Presidência. Temer não está sendo julgado pelos deputados. Eles apenas permitirão ou não que o STF analise a denúncia da PGR e, caso aceita, julguem-na. O mesmo STF que avalizou todo processo de impeachment de Dilma.

Debates ideológicos não deveriam ter a ver com indignação ética. E a situação se torna ainda mais esdrúxula por ambos terem compartilhado o mesmo esquema no mesmo governo, sintoma maior do quão esquizofrênico é o sistema político nosso.

A "esquerdopatia" lulista e a "destropatia" se merecem, são simbióticas, interdependentes, mas fazem um mal tremendo ao país. Pena merece quem pensa que fugir de ambas é ficar em cima do muro. Melhor se confortar com a sensação de que, embora longe do ideal, a ladroagem de poderosos não tem mais a vida fácil de antes.

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