segunda-feira, 31 de julho de 2017

O arquivamento do projeto de liderança do Brasil na América Latina

Por Guilherme Evelin, com Giovanna Wolf Tadini e Nelson Niero Neto (Época, 30/07/2017)

No domingo, dia 16 de julho, milhares de pessoas marcharam nas ruas de Santo Domingo, a capital da República Dominicana, “contra a impunidade e a corrupção”. O alvo principal da marcha foram políticos e empresários dominicanos – entre eles, um ex-ministro da Indústria e Comércio do governo do presidente Danilo Medina. Mas o Brasil também estava na mira. Os políticos são acusados de participar de um esquema de propinas, no valor de US$ 92 milhões, pagas pela construtora brasileira Odebrecht para conseguir 17 contratos públicos no país a partir de 2001.

Ao confessar seus crimes, a Odebrecht fez um acordo com a Procuradoria dominicana para pagar uma multa de US$ 184 milhões (o dobro do valor dos subornos) e continuou a participar da construção de uma usina termelétrica no país no valor de US$ 2 bilhões. Ao cobrar punições aos envolvidos no escândalo, os manifestantes em Santo Domingo reclamaram também a expulsão da Odebrecht do país.

Não foi a primeira vez que as revelações desatadas pela Operação Lava Jato, em Curitiba, levaram os dominicanos a protestos nem foi um caso internacional isolado. “A Odebrecht substituiu o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva como um símbolo do Brasil no cenário mundial e regional. Na verdade, Odebrecht e Lula se tornaram símbolos mundiais da corrupção”, diz o americano Peter Hakim, presidente emérito do Inter-American Dialogue, um centro de estudos dedicados às Américas com base em Washington. 

A Odebrecht virou símbolo de corrupção mundial quando o Departamento de Justiça dos Estados Unidos, em dezembro, divulgou os termos do acordo de leniência fechado pela empreiteira. Nele, seus executivos confessaram ter pago, entre 2003 e 2014, US$ 788 milhões em propinas para conseguir contratos em 11 países da América Latina, fora o Brasil, e da África.

Desde então, a Lava Jato tem provocado tremores políticos em vários países latino-americanos. Os abalos têm sido mais intensos no Peru, onde a Odebrecht chegou a ser a maior empresa estrangeira do país. Na sexta-feira, dia 14 de julho, a Justiça peruana decretou a prisão preventiva do ex-presidente Ollanta Humala (2011-2016) e de sua mulher, Nadine Heredia. 

A prisão foi precedida pelo interrogatório, no dia 15 de maio, em Curitiba, de Marcelo Odebrecht, ex-presidente do grupo Odebrecht, por investigadores peruanos. Marcelo contou que, a pedido do ex-ministro Antonio Palocci, mandou US$ 3 milhões para a campanha presidencial de Humala em 2010. Repetindo o modus operandi da empreiteira nas campanhas eleitorais brasileiras, Marcelo Odebrecht instruiu seus executivos no Peru a dar dinheiro também para os adversários de Humala: Keiko Fujimori e Mercedes Aráoz.

Antes de Humala, o ex-presidente Alejandro Toledo (2001-2006) também tivera prisão preventiva decretada pela Justiça peruana. Toledo é acusado de ter embolsado US$ 20 milhões de propinas da Odebrecht em troca de favorecimento à empreiteira na licitação das obras da Rodovia Interoceânica, estrada com 2.600 quilômetros que liga a cidade de Assis Brasil, no Acre, a Iñapari, no litoral do Peru.

O governo de um terceiro ex-presidente, Alan García (2006-2011), também está sob suspeita. Segundo a delação da Odebrecht, US$ 7 milhões foram pagos em propinas a integrantes do segundo escalão da administração de García por causa das obras do metrô de Lima.

O atual presidente do Peru, Pedro Pablo Kuczynski, conhecido como PPK, não foi pego diretamente pelo escândalo, mas foi atingido de resvalão. Ex-ministro das Finanças de Alejandro Toledo, PPK viu sua popularidade submergir. Seu governo suspendeu projetos da Odebrecht, mesmo ao custo da desaceleração da economia peruana. 

Com a queda dos preços das commodities no mercado internacional, PPK planejara investimentos em infraestrutura para manter o crescimento do país. Por causa dos cancelamentos de obras, o crescimento da economia peruana, que girou na média de 5,6% do PIB entre 2009 e 2013, pode desacelerar neste ano para 2%. Logo pipocaram artigos na imprensa peruana com críticas aos estragos provocados pelo “imperialismo brasileiro”.

Os danos ao Brasil não se limitam à imagem do país. Durante os anos 2000, os governos brasileiros impulsionaram a expansão das empresas nacionais no exterior – principalmente nos países da América do Sul – como parte de uma estratégia para aumentar a influência internacional do país e projetar liderança.

A estratégia foi concebida pelo governo Fernando Henrique Cardoso, que mudou as regras do Banco Nacional do Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES) para tornar o Brasil um dos principais investidores, credores, compradores e exportadores da região. 

Mas ela ganhou tração nos governos Lula. Entre 2003 e 2015, o BNDES liberou US$ 14 bilhões para 575 projetos em países da América Latina e África. Esse sonho de liderança acalentado pelo Itamaraty, por ora, está morto. “Antes visto como uma estrela ascendente na política internacional e um novo polo de poder na América do Sul, o Brasil perdeu muita influência nos assuntos globais e não tem mais capacidade de exercer liderança nos assuntos regionais”, diz Hakim.

“A consequência internacional da Lava Jato foi revelar a quimera do Brasil como líder regional”, escreveu o cientista político argentino Andrés Malamud, pesquisador de política latino-americana do Instituto de Ciências Sociais da Universidade de Lisboa.

“Os países têm três recursos de poder: força, dinheiro e encanto. O Brasil não tem força militar e tampouco tem dinheiro. E perdeu o encanto que conquistou com uma incrível sequência de presidentes que qualquer país invejaria. Durante 16 anos, FHC e Lula capturaram a imaginação e os corações do mundo.” 

O encanto se dissipou, principalmente, por causa das denúncias de corrupção contra o ex-­presidente Lula, que desfrutou no exterior, por muito tempo, imagem de um líder da esquerda moderna. “Em nível latino-americano, Lula representava a esquerda amável, sem a beligerância do chavismo. Saber que ele se relacionava com o dinheiro da mesma forma que a direita deixa sem referências muitos idealistas”, disse a ÉPOCA o jornalista e escritor peruano Santiago Roncagliolo, autor de livros premiados sobre a violência do grupo terrorista Sendero Luminoso no Peru.

O encolhimento internacional do Brasil não se deve apenas à Lava Jato, mas também à prolongada crise política e econômica do país desde as controvérsias geradas pelo impeachment da ex-presidenteDilma Rousseff e sua substituição pelo presidente Michel Temer. Por causa da recessão, empresas brasileiras reduziram drasticamente seus investimentos na América do Sul nos últimos anos. 

Em junho, a chanceler da Alemanha, Angela Merkel, veio à América Latina – visitou a Argentina e o México e ignorou o Brasil. Mais preocupado com a própria sobrevivência no cargo, o presidente Temer cumpre pálido papel de figurante nos encontros internacionais – na última reunião do G20, o grupo dos 20 países com as maiores economias do mundo, não teve nenhum encontro bilateral com outro chefe de Estado.

Para mudar a percepção de que o Brasil virou um exportador de corrupção, especialistas sugerem mudanças na política externa brasileira. Para Oliver Stuenkel, professor de relações internacionais da Fundação Getulio Vargas (FGV), em São Paulo, o Brasil deveria incorporar a experiência dos órgãos judiciais brasileiros à frente da colaboração internacional nas investigações da Lava Jato e transformar a agenda anticorrupção, tema que rende um protagonismo mais benévolo para o país, num pilar central da política externa.

Também professor da FGV, Matias Spektor sugere que o Brasil pratique uma “diplomacia do perdão”, em que reconheça os estragos provocados pela corrupção à brasileira. A recuperação da reputação do Brasil, diz ele, deve ser uma tarefa de longo prazo.

Se não for iniciada logo, o país corre o risco de perder mercados na América do Sul e na África para concorrentes vorazes, como a China. Segundo Spektor, pedir perdão não é mero ato de contrição, mas também gesto pragmático para evitar no futuro outras marchas como a de Santo Domingo.

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